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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.320.744/DF


RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
RECORRENTE: WARLEY DOS SANTOS BARROS
ADVOGADO: ADILSON PINHEIRO DOS SANTOS
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
PARECER ARESV/PGR N° 143960/2022

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
MILITAR. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1200.
MILITAR ESTADUAL. PRAÇA. CARGO E
GRADUAÇÃO. PERDA. PENA ACESSÓRIA.
CRIME COMUM E MILITAR. PROCEDIMENTO
ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. CRIME
MILITAR. EXAME. TRIBUNAL MILITAR. NÃO
APLICAÇÃO. NOVO PROCEDIMENTO
ESPECÍFICO. POSSIBILIDADE. RECURSO.
DESPROVIMENTO.
1. Recurso Extraordinário leading case do Tema 1200 da
sistemática da Repercussão Geral: “inteligência do
artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, pela redação
conferida após o advento da EC 45/04. Alcance da
competência da Justiça Militar para decretar a perda do
posto, patente ou graduação de militar que teve contra si
uma sentença condenatória, independentemente da
natureza do crime por ele cometido”.
2. Oficiais federais e estaduais e praças federais
possuem regramento próprio para declaração de
perda do posto e da patente ou da graduação, pelo
que o presente se delimita às praças militares
estaduais.

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3. O art. 125, § 4º, da Constituição Federal dispõe


sobre a distribuição de competências no âmbito da
Justiça Militar, inexistindo determinação de
instauração de procedimento específico para a
perda da graduação das praças estaduais.
4. A perda da graduação das praças militares
estaduais pode se dar como efeito secundário
extrapenal da condenação, no bojo do processo-
crime militar, se ratificada pelo Tribunal Militar
respectivo.

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5. A perda do cargo público da praça, como efeito
secundário da condenação por crime comum, com
base no art. 92, do Código Penal, pode ser aplicada
no bojo do processo-crime e prescinde de ratificação
de Tribunal.
6. Mesmo se não aplicada no âmbito do processo-
crime a perda do cargo ou da graduação da praça, é
possível, ante o reconhecimento da prática do crime
comum ou militar, considerados os valores e o
pundonor militar, a aplicação da sanção secundária
com base no título condenatório, por meio de
procedimento específico perante o Tribunal Militar
competente
7. Propostas de tese de repercussão geral:
I – A Justiça Comum pode declarar a perda do
cargo das praças como pena acessória, sem
necessidade de procedimento específico;
II – A Justiça Militar Estadual pode declarar a perda
de graduação da praça como pena acessória, sem
necessidade de procedimento específico, se a sanção
for confirmada pelo Tribunal Militar respectivo;
III – A ausência de aplicação como pena acessória
da sanção de perda de cargo ou graduação da praça

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estadual, condenada em crime comum ou militar,


não impede a análise do fato para tais fins em
procedimento específico pelo Tribunal Militar
Estadual, à luz dos valores e do pundonor militar.
— Parecer pelo desprovimento do recurso
extraordinário e pela fixação das teses sugeridas.

Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes,

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Trata-se de recurso extraordinário interposto por Warley dos Santos

Barros, representativo do Tema 1200 da sistemática da Repercussão Geral,

referente ao alcance da competência da Justiça Militar para decretar a perda

do posto e da patente ou da graduação de militar que teve contra si uma

sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele

cometido.

Na origem, o Ministério Público do Estado de São Paulo ofertou

representação em face do recorrente, visando a obter a declaração da perda

de graduação da praça com a consequente exclusão do quadro da Polícia

Militar estadual diante da condenação em pena superior a dois anos de

reclusão.

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O pedido foi julgado procedente pelo Tribunal de Justiça Militar do

Estado de São Paulo em acórdão assim ementado:

POLICIAL MILITAR – CONDENAÇÃO – VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA E DISPARO DE ARMA DE FOGO –
REPRESENTAÇÃO DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PARA
EVENTUAL DECRETAÇÃO DA PERDA DE GRADUAÇÃO
DO REPRESENTADO – ALEGAÇÃO PRELIMINAR DE
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – NO MÉRITO,

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PEDE A RECONSIDERAÇÃO PELA VIDA PREGRESSA DO
REPRESENTADO – ATO CRIMINOSO ISOLADO NA VIDA
FUNCIONAL DO REPRESENTADO – AFRONTA AOS
PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE – REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE.
Policial militar condenado pela prática dos crimes descritos no art.
129, § 9º, do CP e art. 15, caput, da Lei 10.826/03 teve a condenação
transitada em julgado. O D. Procurador de Justiça, nos termos do
art. 125, § 4º, da Constituição Federal, e art. 81, § 1º, da
Constituição do Estado de São Paulo, propôs a instauração do feito
para a devida análise da repercussão da condenação criminal no
âmbito do pundonor militar. A higidez do feito principal evidenciou
que a conduta do representado maculou o decoro militar, objeto desta
representação e, diante da impossibilidade de se reexaminar o mérito
da condenação criminal precedente, decreta-se a perda de sua
graduação e a cassação de eventuais medalhas, láureas e
condecorações outorgadas, com o devido registro nos seus
assentamentos individuais.

Desprovidos os embargos de declaração opostos, seguiu-se a

interposição de recursos especial e extraordinário por Warley dos Santos

Barros.

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O recurso especial não foi conhecido, diante do óbice previsto no

Enunciado 83 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

No recurso extraordinário, o recorrente sustenta que o acórdão

impugnado vai de encontro ao art. 125, § 4º, da Constituição Federal. Defende

que compete à Justiça Militar Estadual decidir sobre a perda da graduação de

praças apenas quando envolver crime que a ela caiba processar e julgar (crimes

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militares).

Entende, tendo em vista que o recorrente foi julgado pela Justiça

comum e condenado pela prática de crime comum, que caberia apenas a esse

órgão judicante, na mesma oportunidade, ter aplicado a pena acessória prevista

no art. 92, I, do Código Penal, que prevê a perda do cargo ou da função pública

como efeito secundário da condenação, o que não ocorreu.

O apelo extraordinário foi inadmitido na origem. Interposto agravo,

o Presidente da Suprema Corte o proveu e o recurso extraordinário teve

reconhecida a repercussão geral em acórdão assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. POLICIAL


MILITAR CONDENADO PELOS DELITOS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA (ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL) E
DISPARO DE ARMA DE FOGO (ART. 15, CAPUT, DA LEI
10.826/2003) ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
MILITAR PARA DECRETAR A PERDA DO POSTO, PATENTE

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OU GRADUAÇÃO MILITAR, EM DECORRÊNCIA DE


SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA PELA JUSTIÇA
COMUM. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da
Constituição Federal, delimitar o alcance da competência da Justiça
Militar para decretar, com base no art. 125, § 4º, da CF/1988,
especialmente à luz da redação que lhe foi conferida após o advento
da EC 45/2004, a perda do posto, patente ou graduação de militar
que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da
natureza do crime por ele cometido.
2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art.

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1.035 do CPC.

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República para parecer.

1. EXAME DO TEMA 1200 DA REPERCUSSÃO GERAL

1.1. Delimitação da controvérsia a ser examinada neste paradigma.

Foi delimitado como tema para o exame sob a sistemática da

repercussão geral nestes autos a definição sobre o alcance da competência da

Justiça Militar para decretar a perda do posto e da patente ou da graduação

de militar que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente

da natureza do crime por ele cometido.

O Tribunal de Justiça Militar local entendeu que inexiste ressalvas

no art. 125, § 4º, da Constituição Federal, em relação ao tipo de crime (militar

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ou comum) em que o militar estadual haveria de ser condenado para perder

sua vitaliciedade.

A competência da Justiça Militar também seria reafirmada diante

do disposto no art. 42, § 1º, da Constituição Federal, que determina a

aplicação do art. 142, § 3º aos militares estaduais.

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O recorrente sustenta que, ao assim decidir, o Tribunal a quo teria

violado o disposto no art. 125, § 4º, da Constituição Federal, tendo em conta

que a competência da Justiça Militar Estadual para decidir sobre a perda da

graduação de praças estaria restrita aos crimes militares.

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a existência de

repercussão geral, destacou que o ponto em debate envolve definir a

interpretação mais adequada ao art. 125, § 4º, da Constituição Federal,

especialmente após o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, que

ampliou consideravelmente a competência da Justiça Militar.

A Suprema Corte também indicou a existência de precedente

qualificado referente à desnecessidade de processo específico para aplicação

da pena acessória prevista no art. 102, do Código Penal Militar (RE

447.859/MS).

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A temática guarda complexidade e é superlativa a relevância da

questão. Todavia, é de se destacar que a análise do ponto em discussão há de

ser restrito às praças militares estaduais, como se explicita a seguir.

1.1.1. A perda do posto dos oficiais federais e estaduais.

A hierarquia dos cargos no âmbito militar é estruturada em dois

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níveis denominados posto, privativo dos oficiais, e graduação, privativa das

praças, possuindo regramento distinto para cada carreira.

Aos oficiais federais e estaduais aplica-se o art. 142, § 3º, da

Constituição Federal1. Desse modo, a declaração de perda do posto e da

patente pelos oficiais federais e estaduais, há de ser feita pelo Tribunal

Militar, por meio de processo jurisdicional específico:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e


pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes
disposições:

1 No caso dos oficiais estaduais a aplicação do dispositivo constitucional se dá por força


do art. 42, § 1º, da Constituição Federal.

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VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do


oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter
permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
VII – o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena
privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada
em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso
anterior (grifo nosso).

Diante da expressão “será submetido a julgamento”, extrai-se que

cabe ao Tribunal Militar o exame da conduta do oficial que deu origem ao

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correspondente processo jurisdicional específico para a perda do seu posto e

da sua patente, na medida em que poderá evidenciar incompatibilidade ético-

moral do militar com a instituição a que pertence.

É dizer: por expressa determinação constitucional, a efeito

secundário extrapenal da condenação de oficiais federais ou estaduais há de

ser submetido a julgamento pelo Tribunal Militar respectivo por meio da

instauração de procedimento jurisdicional específico.

1.1.2. A perda da graduação das praças federais.

Já com relação à perda da graduação – exclusão – das praças

federais (das Forças Armadas), que são condenadas por crime comum ou

militar, inexiste previsão constitucional da necessidade de pronunciamento

jurisdicional específico ou de exigência de observância da colegialidade para

aplicação de penas acessórias.

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A perda de graduação pela praça federal poderá se dar nos termos

do art. 2º, III, do Decreto nº 71.500/72, ou com base no art. 102, do Código

Penal Militar, que prevê ser automática a perda do cargo em caso de

condenação por mais de dois anos.

Portanto, nota-se que os oficiais federais e estaduais e as praças

federais possuem regramento próprio para declaração de perda do posto e da

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patente ou da graduação, respectivamente. Por isso, a decisão da presente

controvérsia há de ser delimitada às praças militares estaduais.

1.2. As regras constitucionais de competência da Justiça Militar e a reserva

de exame colegiado da perda da graduação das praças estaduais.

Diante da estruturação do Poder Judiciário prevista no art. 92, da

Constituição Federal, a jurisdição brasileira pode ser dividida em Justiça

Comum e Justiças especiais.

Entre as Justiças especiais está a Justiça Militar, a quem compete,

pelo princípio da especialidade da jurisdição, o julgamento dos crimes

militares definidos em lei.

Salienta a doutrina que a Justiça Militar específica não traz consigo

“nenhuma privilégio, nenhum favor particular, mas ao contrário, acarreta maiores

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exigências, mais severo rigor. Trata-se de uma jurisdição justificada pela necessidade

da disciplina”.2

A competência da Justiça Militar da União está definida no art. 124,

da Constituição Federal, cabendo processar e julgar os crimes militares

definidos em lei e tendo como jurisdicionados os militares federais e os civis

que atentem contra a Administração Militar Federal.3

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O texto constitucional atribuiu ao legislador infraconstitucional a

competência para apontar as hipóteses que violam o bem jurídico protegido

pela norma penal, o que foi feito por meio do Código Penal Militar.

À Justiça Militar Estadual, por sua vez, compete julgar os militares

estaduais (art. 125, § 4º) nos casos de cometimento de crimes militares

definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares.

Diferentemente da Justiça Militar da União, a jurisdição da Justiça

Militar Estadual é restrita aos militares.

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2001, p. 99.
3 “A competência penal da Justiça Militar da União não se limita, apenas, aos integrantes das
Forças Armadas nem se define, por isso mesmo, ratione personae. É aferível, objetivamente, a
partir da subsunção do comportamento do agente – de qualquer agente, mesmo o civil, ainda que
em tempo de paz – ao preceito primário incriminador consubstanciado nos tipos penais definidos
em lei (o Código Penal Militar)” (Voto proferido pelo Min. Celso de Mello no HC
110.185/SP).

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O art. 125, § 4º, da Constituição Federal dispõe sobre regra de

distribuição de competência no âmbito da Jurisdição Especializada, nos

seguintes termos:

Art. 125, § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os


militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do
júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir
sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das

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praças.

O dispositivo reserva ao Tribunal Militar Estadual a decisão sobre a

perda da graduação das praças. Note-se, contudo, que, diferentemente da

expressão usada no art. 142, inciso VII (“será submetido a julgamento”),

inexiste, no referido artigo, determinação de instauração de procedimento

jurisdicional específico.

É dizer: descabe confundir a regra de reserva de exame colegiado da

matéria, no âmbito da Justiça Militar Estadual, com a necessidade de

instauração de procedimento específico.

Também descabe confundir tal regra com uma reserva jurisdicional

que afete o crivo administrativo disciplinar sobre a conduta dos militares. O

procedimento administrativo disciplinar tem normativa própria, tema que

aqui não se desenvolve por ser estranho ao presente caso, mas que não é

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afetada pela previsão constitucional de distribuição de competências no

âmbito da Justiça Especializada, e que não retira por si só a possibilidade de

aplicação da sanção de exclusão no âmbito administrativo disciplinar .

Rememore-se que o Supremo Tribunal Federal firmou o

entendimento no julgamento do Tema 565 (ARE 691.306/MS) de que inexiste

óbice à declaração da perda da graduação como sanção disciplinar,

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decorrente de adequado processo administrativo, independentemente de

processo jurisdicional instaurado para apuração da mesma conduta.

Ainda nesses termos, o Enunciado 673 da Súmula de jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal: “o art. 125, § 4º, da Constituição não impede a

perda da graduação militar mediante procedimento administrativo”.

Em síntese, a previsão do art. 125, § 4º, da Constituição Federal não

implica nem reserva de jurisdição, nem reserva de jurisdição militar para

aplicação da perda do cargo e da graduação das praças estaduais: trata-se, em

verdade, de regra de distribuição de competência no âmbito da Justiça

Especializada, com reserva de exame colegiado da perda da graduação.

Essa interpretação sistemática do dispositivo, além de

compatibiulizar as disposições do art. 142, § 3º, VI e VII, e do art. 125, § 4º,

harmoniza-se com o direito fundamental de duração razoável do processo

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(art. 5º, LXXVIII) e o princípio da eficiência na Administração Pública (art.

37).

A Suprema Corte, no julgamento do RE 447.859/SP, firmou

entendimento sobre a desnecessidade de procedimento jurisdicional

específico para perda de graduação das praças militares estaduais, como bem

registrado no voto do Relator, Ministro Marco Aurélio:

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[…] mostra-se harmônico com o Diploma Maior o disposto no artigo
102 do Código Penal Militar, a revelar que a condenação da praça à
pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos importa
na exclusão das Forças Armadas. Tal preceito é consentâneo com a
concentração do exame da matéria, a prescindir, com apoio na
Constituição Federal, da abertura de um novo processo. Essa óptica
está em sintonia com a previsão constante do Código Penal quanto
aos servidores civis, apenas variando a exigência de contar-se com
certa pena que, no tocante aos militares, há de ser superior a dois
anos e, relativamente aos civis, a quatro.

Em síntese, a perda da graduação das praças militares estaduais

também pode se dar como efeito secundário extrapenal da condenação

aplicada pelo juízo de primeiro grau da Justiça Militar Estadual, com base no

art. 102, do Código Penal Militar.

Todavia, é necessário que, sendo hipótese de sua aplicação, haja a

ratificação dessa sanção pelo Tribunal Militar respectivo, seja por meio da

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confirmação da sentença ou aplicação da pena em grau recursal, seja por

meio de procedimento específico, caso transite em julgado a condenação no

âmbito do primeiro grau ou essa não tenha sido aplicada.

É dizer: a exclusão da praça militar estadual como efeito extrapenal

da condenação por crime militar depende de pronunciamento do Tribunal

Militar Estadual, que pode se dar no bojo de procedimento jurisdicional em

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que houve condenação ou em procedimento próprio, caso no processo-crime

originário não tenha sido aplicada a sanção ou não tenha havido confirmação

dessa em 2º grau.

1.3. A perda do cargo por condenação da Justiça Comum e os princípios e

valores militares.

Na mesma lógica acima descrita, na Constituição Federal também

inexiste previsão constitucional da necessidade de procedimento jurisdicional

específico para declaração da perda de cargo público da praça, diante de sua

condenação pela prática crime comum.

Nos termos do art. 92, do Código Penal, é possível efeito da

condenação a perda do cargo público, em seus termos. Dessa forma,

preenchido os requisitos do referido artigo, a declaração da perda do cargo

da praça se dá no próprio processo-crime em que houve a condenação.

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Nessa linha, a Suprema Corte firmou entendimento de que compete

à Justiça Comum processar e julgar as praças militares estaduais pela prática

de crimes comuns, cabendo ainda decretar a perda do cargo público como

efeito da condenação. Nesse sentido, vide: ARE 1.273.894 AgR/MT, Relator

Min. Ricardo Lewandowski, DJe 2/10/2020; ARE 721.878 AgR/MS, Relatora

Min. Rosa Weber, DJe 18/2/2014; ARE 819.673 AgR/SP, Relator Min. Gilmar

Mendes, DJe 27/8/2014.

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Aqui, diferentemente da Justiça Militar Estadual, a perda do cargo

público, como efeito secundário da condenação, com base no art. 92, do

Código Penal, prescinde de ratificação do Tribunal de Justiça respectivo, pois

inexiste previsão, no tocante à Justiça Comum, de reserva de exame colegiado

da questão, nos termos do que ocorre também com os funcionários públicos

civis.

Contudo, é necessário memorar que art. 92 do Código Penal

decorre da lógica geral da perda de cargos por funcionário público, com

parâmetros próprios a depender do crime e da quantidade de pena. Já o

Código Penal Militar traz disciplina própria, à luz dos princípios e valores

militares, notadamente, no caso das praças, o art. 102, com a exclusão das

forças armadas na hipótese de condenação superior a dois anos.

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As Forças Armadas, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros

Militares são instituições públicas organizadas com base nos princípios da

hierarquia e da disciplina, nos termos dos arts. 44 e 142, da Constituição

Federal.

A hierarquia, que é ordenação da autoridade em níveis diferentes, e

a disciplina, firmada na rigorosa observância e acatamento às normas, hão de

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ser observados em todas as circunstâncias da vida do militar (art. 14, da Lei nº

6.880/80).

É dizer, tais princípios constituem disciplina qualificada a encerrar

verdadeiro dever que há de orientar a conduta do militar em quaisquer

circunstâncias.4

As Corporações militares também possuem outros valores que se

diferenciam daqueles praticados no meio civil, como honra pessoal,

4 THOMAZI, Robson Luis Marques. A hierarquia e a disciplina aplicadas às instituições


militares: controle e garantias no regulamento disciplinar da Brigada Militar.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 54.

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pundonor militar e decoro de classe5, que violados configuram transgressão

disciplinar grave (art. 22, do Decreto nº 4.346/2002).

A conduta das praças militar estaduais há de ser pautada em tais

princípios e valores, pois como integrante da corporação militar há de primar

pela respeitabilidade da instituição e preservar o pundonor que rege a

caserna, que se traduz em um alto padrão de comportamento moral e

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profissional.

Diante dessa exigência de alto padrão comportamental, a prática de

crime comum incompatível com a função policial militar também pode

implicar como efeito acessório da pena a perda da graduação como sanção

por indignidade, por meio de adequado procedimento perante o Tribunal

Militar competente, que examinará a conduta no contexto militar.

Caso inexista (i) a declaração da perda da graduação da praça no

âmbito do processo-crime militar ou (ii) a declaração da perda do cargo

5 Decreto nº 4.346/2002 – art. 6º Para efeito deste Regulamento, deve-se, ainda, considerar:
I – honra pessoal: sentimento de dignidade própria, como o apreço e o respeito de que é
objeto ou se torna merecedor o militar, perante seus superiores, pares e subordinados; II
– pundonor militar: dever de o militar pautar a sua conduta como a de um profissional
correto. Exige dele, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento ético que
refletirá no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que
lhe é devido; e III – decoro da classe: valor moral e social da Instituição. Ele representa o
conceito social dos militares que a compõem e não subsiste sem esse.

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público da praça pela Justiça Comum, como efeito secundário da condenação;

ainda assim, será possível a instauração de procedimento específico perante o

Tribunal Militar competente para declarar a perda da graduação da praça

como sanção secundária decorrente da condenação.

Em síntese, a ausência de declaração da perda da graduação ou do

cargo da praça, como efeito secundário da condenação, em crime militar ou

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comum, não obsta a análise do fato para tais fins em procedimento específico

pelo Tribunal Militar Estadual, à luz dos valores e do pundonor militares.

2. APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO

Foi delimitado como tema para o exame sob a sistemática da

repercussão geral nestes autos a definição sobre o alcance da competência da

Justiça Militar para decretar a perda do posto e da patente ou da graduação

de militar que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente

da natureza do crime por ele cometido.

A declaração da perda da graduação ou cargo da praça militar

estadual, como efeito secundário da condenação, pode se dar (i) no bojo do

próprio processo-crime, caso se trate tanto de crime comum, nos termos do

art. 92 do Código Penal, como de crime militar, nos termos do art. 102 do

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Código Penal Militar; havendo, neste último caso, a necessidade de

confirmação da sanção pelo Tribunal Militar respectivo, nos termos do art.

125, § 4º, da Constituição Federal; (ii) mediante procedimento específico, à luz

dos valores e do pundonor militar, caso não tenha sido aplicada a sanção de

perda do cargo ou da graduação no processo-crime originário, processo que

tramitará perante o Tribunal Militar respectivo.

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A ausência de declaração da perda da graduação ou do cargo da

praça, como efeito secundário da condenação, não impede a análise do fato

para tais fins em procedimento específico pelo Tribunal Militar Estadual, à

luz dos valores e do pundonor militares.

Em face do exposto, opina o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

pelo desprovimento do recurso extraordinário.

Considerados a sistemática da repercussão geral e os efeitos do

julgamento deste recurso em relação aos demais casos que tratem ou venham a

tratar do Tema 1200, sugere-se a fixação das seguintes teses:

I – A Justiça Comum pode declarar a perda do


cargo das praças como pena acessória, sem
necessidade de procedimento específico;
II – A Justiça Militar Estadual pode declarar a perda
de graduação da praça como pena acessória, sem

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necessidade de procedimento específico, se a sanção


for confirmada pelo Tribunal Militar respectivo;
III – A ausência de aplicação como pena acessória da
sanção de perda de cargo ou graduação da praça
estadual, condenada em crime comum ou militar, não
impede a análise do fato para tais fins em
procedimento específico pelo Tribunal Militar
Estadual, à luz dos valores e do pundonor militar.

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Brasília, data da assinatura digital.

Augusto Aras
Procurador-Geral da República
Assinado digitalmente

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