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INTRODUCAO

O perdão é a expressão mais forte do sen​ti​mento mais puro e limpo, que é o amor, sem o
qual a vida não existe, os mares ficam secos, a Terra sem luz e o povo sem Deus.

Quando guardamos qualquer ressentimento contra alguém, por menor que seja, ficamos
presos a esta pessoa, mais que todos os grilhões do mundo amarrados ao nosso corpo. Isto
porque a nossa alma entra em prisão e a nossa vida pára de se de​sen​volver. Entramos em
um retrocesso extenuante.

Se, entretanto, tomamos a atitude sincera de isentar de culpa aquele que nos ofendeu, então,
imediatamente, nossa alma é liberta e nossa vida sai do retrocesso definhatório, entrando
em estado de desenvolvimento material e espiritual progressivos.

Tamanha é a necessidade de se perdoar, que o próprio Senhor Jesus incluiu o perdão na


oração do Pai Nosso, dizendo: “e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos
perdoado aos nossos deve​dores;” (Mateus 6.12).

Mais necessidade tem o ofendido de perdoar que o ofensor de ser perdoado. Por isso
mesmo estamos colocando este simples trabalho nas mãos dos nossos leitores, esperando
assim contribuir para que todos os que aspiram a uma vida salutar, de consciência
purificada, fiquem imunes do laço do passarinheiro e da peste perniciosa; do terror noturno
e da seta que voa de dia; da peste que se propaga nas trevas e da mortandade que assola ao
meio-dia (Salmos 91.3-6).

É nosso objetivo encaminhar o leitor a ter em mente o Senhor Jesus Cristo, para que a Sua
Igreja possa se levantar da prostração e do comodismo espiritual em que se encontra, e
exaltá-Lo neste mundo vil, na condição de Sua testemunha, a começar com atitudes simples,
mas de grande importância, como saber perdoar.

Se nestas páginas o leitor não encontrar nenhuma razão para perdoar, então que o Espírito
Santo me perdoe, pois Ele é testemunha de que o nosso propósito foi o mais sincero
possível.

Que o Espírito do perdão venha suprir todas as nossas necessidades e corrigir as nossas
deficiências, a fim de que o Senhor Jesus Cristo seja honrado, pelos séculos dos séculos.
Amém!

Edir Macedo
O PERDAO

O Reino de Deus é radicalmente antagônico ao reino deste mundo. Seus valores não são
iguais; suas ações e reações também são dife​rentes das deste mundo. O ser humano, quando
passa pela “porta estreita” (Mateus 7.13,14; Lucas 13.24), inicia a sua jornada no Reino de
Deus.

Precisa, contudo, estar consciente de que neste novo mundo há regras preestabelecidas, para
as quais não se pode “dar um jeitinho”: ou o novo cidadão assume sua cidadania no Reino e
se submete à sua disciplina, ou então está fora!

Neste mundo, tem melhor sorte quem fura a fila; quem trapaceia; quem de um jeito ou de
outro alcança seus objetivos, ainda que tenha prejudicado a terceiros, “puxado o tapete” dos
colegas e superiores no trabalho, subido nas costas dos outros, etc.

Este tipo de pessoa, enquanto não chega o tempo da colheita, vai se dando muito bem. De
último passa a ser o primeiro; de oprimido passa a ser opressor. Afinal, vale aquele que tem
mais...

Mas o Senhor Jesus ensinou que tudo é diferente no Seu Reino. Ele disse, por exemplo:
“...muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros.” (Mateus 19.30); “Mas o
maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a
si mesmo se humilhar será exaltado.” (Mateus 23.11,12).

Por este aspecto, já podemos sentir a grande diferença entre o Reino de Deus e o reino deste
mundo. Agora imagine o leitor: Se no plano material verificamos diferenças drásticas entre
os dois reinos, como não será no plano espiritual? É aí que entra o perdão, que nasce pela
força do amor, e a pessoa renuncia ao seu próprio ego, em favor do outro, que é réu.

É evidente que a base do Reino de Deus é o amor; porém, sem que haja o sincero perdão, o
amor se despersonifica ou se desqualifica e, conse​qüentemente, sofre o Reino de Deus, que
desce quase ao nível do reino deste mundo.

O perdão é imperativo para todos os que desejam entrar pela “porta estreita”, seguir os
passos do Senhor Jesus e possuir o Seu caráter. Não há outra alternativa, não há outro
caminho...
O CARACTER DE PERDAO

Perdoar não é fácil! Mas também se fosse fácil, este mundo não seria o que é. Há uma
disciplina no Reino de Deus a ser observada pelo cristão, e ninguém pode quebrá-la.
Vejamos mais a respeito do perdão:

É fruto da ação do Espírito Santo em nós


É claro que uma pessoa não pode perdoar outra perfeitamente, se não houver da parte do
Espírito de Deus uma ação direta no coração da ofendida, capaz de convencê-la a isentar de
culpa, ou perdoar, a quem a ofendeu.

É verdade também que o Espírito Santo, sendo Agente do perdão, produz em nós o arrepen​‐
dimento, através do convencimento do pecado, livrando-nos de guardar ódio, rancor ou
qualquer ressentimento em relação a quem quer que seja.

O ato de perdoar às vezes se torna quase impos​sível, devido à gravidade da ofensa


cometida e à sensibilidade de quem foi ofendido. Por isso mesmo, sem a ação por parte do
Espírito de Deus, isso seria realmente impossível.

A ação do Espírito Santo, através do perdão, não significa que a pessoa que perdoa esteja
auto​maticamente cheia d’Ele, ou mesmo que O tenha, pois não são poucas aquelas que têm
boas atitudes cristãs, mais do que muitas que professam a fé cristã, mas que se omitem na
hora do perdão.

O perdão tem um espírito, e este vem da parte de Deus. Aqueles que o praticam tão-somente
estão sendo usados pelo Espírito Santo, e nada mais do que isto. Pode-se perguntar: Como
pode alguém ser usado por Deus sem que pertença a Ele ou O tenha dentro de si?

Ora, Deus usou uma jumenta para falar com Balaão (Números 22.28), e usou corvos para
sustentar o profeta Elias (1 Reis 17.6). Da mesma forma usa pessoas para perdoarem outras,
quando aquelas desejam o perdão.

O perdão independe do arrependimento


É evidente que o princípio do perdão funciona de maneira independente do arrependimento,
haja vista ser ele uma ação unilateral, isto é, tem que partir da pessoa ofendida, ainda que o
ofensor não tenha tomado qualquer atitude no sentido de receber o perdão. Isto porque
exprime uma qualidade, segundo o caráter do próprio Deus.
O perdão pode se tornar fácil quando o ofensor apresenta um arrependimento sincero, mas
nem sempre é o que acontece, porque também nem sempre o ofensor sabe que ofendeu, e aí,
como poderá se arrepender, se desconhece a sua falta?

Consideremos o procedimento do Senhor Jesus Cristo, já pregado na cruz, quando disse,


referindo-Se aos Seus próprios adversários e assassinos, os quais vinham escarnecendo
d’Ele: “Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...” (Lucas
23.34).

O Senhor não somente orou por eles como também os defendeu diante do Pai. Um caráter
assim se encontra apenas naqueles que têm as suas emoções totalmente controladas pelo
Espírito Santo.

Da mesma forma aconteceu com Estêvão, enquanto estava sendo apedrejado: “Então,
ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas
palavras, adormeceu.” (Atos 7.60).

Quantas vezes, enquanto estamos sendo também apedrejados, oramos pedindo vingança;
justiça; fogo do Céu; o peso da mão do Senhor, etc.? O cristão autêntico reage diante do
ódio e das ofensas recebidas com o mais profundo amor, em forma de oração e perdão.

Atitudes semelhantes à de Estêvão refletem uma personalidade digna do caráter do Senhor


Jesus Cristo. Isto é o que significa ser cheio do Espírito Santo.
Como pode o perdão ocupar o lugar da ira?
O espírito do perdão não está afinado com o homem natural, e, por isto mesmo, não lhe é
fácil perdoar. A personalidade humana é fruto do meio em que vive, ou seja, da sociedade
materialista reinante neste mundo, e isso cria no homem o sen​ti​mento de autodefesa, como
nos moldes mosai​cos, do “olho por olho, dente por dente”.

Assim fica muito difícil o sentimento de perdão, sem primeiro se manifestar o do ódio e o
da vingança. Mas Deus, conhecendo a natureza humana, até permite que o cristão venha a se
irar, devido às circunstâncias, sem que essa ira seja pecado.

O rei Davi assim se pronunciou: “Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o


coração e sossegai.” (Salmos 4.4). O apóstolo Paulo também exortou: “Irai-vos e não
pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo.” (Efésios
4.26,27).

Observamos que a ira não é pecado, desde que seja momentânea. Todos os seres humanos
estão sujeitos a ela. Os cristãos, por mais espirituais que pareçam, são passíveis desta
reação natural, fruto das suas emoções.

Mas veja bem: A ira não pode ultrapassar uma noite e continuar no outro dia, pois quando
Davi escreveu “consultai no travesseiro o coração”, queria dizer “meditai, considerai,
livrai-vos daquele senti​mento de ira e então sossegai”.

O apóstolo Paulo, quando disse “...não se ponha o sol sobre a vossa ira...” (Efésios 4.26),
queria dizer que o Sol não deve se pôr sem que a ira tenha se retirado do coração. E
acrescenta exortando que, permanecendo a ira, é como se abrisse um espaço no coração
para o diabo.

Como agir, então, mediante a ofensa de alguém? Prezado leitor, se você não consegue
controlar as emoções de ira, espere esses momentos de tensão nervosa passarem.

Então pare e analise paulatinamente as circuns​tâncias que produziram tudo aquilo. Procure
levar em consideração o porquê da atitude do ofensor, colocando-se no lugar dele, e
certamente o Espírito Santo fará a Sua parte para a retirada daquela ira.

Tudo isto é muito difícil de colocar em prática, quando a pessoa não está realmente
interessada em viver o cristianismo e pautar sua vida pelos padrões bíblicos; mas quando a
pessoa deseja sinceramente andar nas pegadas do Senhor Jesus, então nada nem ninguém
poderá impedi-la.

O perdão não tem limite


“Então, Pedro, aproximando-se, lhe per​guntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão
pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo
que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.”

Mateus 18.21,22

Quando alguém expressa um pensamento igual a este de Pedro, numa compreensão limitada
do perdão, não entende a mensagem cristã e nem o Reino de Deus, ignorando o sentido real
do amor, pois sendo um ato de amor, o perdão é ilimitado.

Uma noção básica e generalizada naquela época, observada na literatura judaica e em


outras, era de conceder favores, suportar ou perdoar pelo menos três vezes. Jó disse:

“Eis que tudo isto é obra de Deus, duas e três vezes para com o homem, para reconduzir
da cova a sua alma e o alumiar com a luz dos viventes.”

Jó 33.29,30

Evidentemente, o Senhor Jesus respondeu a Pedro usando uma figura de linguagem, “setenta
vezes sete”, que significa um número sem limites, ou seja, perdoar tantas vezes quantas
forem necessárias.

É esta a interpretação correta do ensinamento do Senhor Jesus para todos nós, e que não
requer mera obediência, pois deve partir de um coração realmente convertido e cheio de
amor.

O pecado é como uma doença, que, quantas vezes venha sobre nós, sempre procuramos nos
livrar dela. Da mesma forma são os ressentimentos não repelidos do coração: precisam ser
extintos cada vez que encontrarem receptividade.

As leis do Antigo Testamento e as leis comuns dos homens, quer para nações ou indivíduos,
nada têm a ver com o perdão, do ponto de vista cristão. Nos moldes cristãos, o perdão
personifica o amor, assim como o Senhor Jesus personificou o próprio Deus entre os
homens.

Fico pensando quantas vezes Jesus teria per​do​ado Judas. Quantas vezes o teria visto
roubando
da sacola de ofertas? Ainda assim não o acusava: sempre o perdoava.

Quantas vezes Judas teria se sentado ao Seu lado, com o coração cheio de más intenções? E
novamente o Senhor Jesus o perdoava... Judas, entretanto, nunca aceitou o Seu perdão e, por
causa disto, acabou se autodestruindo.

Assim também é o perdão de Deus, que está continuamente estendido à humanidade; porém,
enquanto os homens não o aceitam, ficam confinados à sua própria destruição, pelo seu
próprio julgamento!
O perdão como obediência cristã
Muito embora o cristão procure perdoar, natural e sinceramente, o seu semelhante, há que se
considerar também o perdão como sendo uma prova de fidelidade ao Senhor.

É uma obediência à Sua Palavra, mas não por obedecer, pura e simplesmente, mas porque

razões de sobra para isso. Por exemplo, na quali​dade de Seus seguidores, temos que dar
testemunho a respeito d’Ele, através das nossas atitudes, não apenas honrá-Lo, mas para a
nossa própria sobre​vivência neste mundo cruel. Certa ocasião, Ele disse:

“Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face
direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica,
deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas.”

Mateus 5.39-41

A tendência natural do ser humano, após sofrer o mal causado por outro, é procurar imedia​‐
ta​​mente se vingar, se possível infligindo ou ten​tando infligir um sofrimento ainda mais duro
que o sofrido.

Quantos vêm sofrendo, ou mesmo até perderam a vida, tomando atitudes dessa natureza?
Quantos cristãos, por exemplo, têm arriscado suas vidas, e as de seus familiares, por se
permitirem uma vingança imediata, após terem seus carros abalroados por outros motoristas
em estradas perigosas?

Os discípulos de Jesus, sujeitos ao Reino de Deus, devem, porém, ter outras atitudes, de tal
forma que exprimam suas características de seguidores do Mestre.

Sofrendo um mal, ao invés de procurarem se vingar, devem estar preparados para sofrer
outros males, e ainda assim perdoarem, considerando as situações diferentes de cada
agressor.

Se, por exemplo, levamos uma “fechada” de outro carro, devemos estar disciplinados
espiritualmente para considerar que, por um motivo ou outro, aquele motorista foi levado a
tal procedimento. Talvez problemas familiares ou financeiros; talvez para se desviar de um
buraco qualquer, etc.

Enfim, sempre há uma razão plausível, que leva as pessoas a se comportarem


agressivamente, e nós, que acreditamos na força do amor, que servimos e seguimos a um
Deus de misericórdia e compaixão, temos que considerar e perdoar.

É claro que um comportamento desse tipo não se consegue da noite para o dia; todavia,
devemos lutar com todas as forças, a fim de controlarmos os impulsos emocionais e
desenvolvermos a nossa espiritualidade, com o seguinte objetivo:

“Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à


perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais
sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento
de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.”

Efésios 4.13,14

Segundo a lei mosaica, um homem credor podia tomar a túnica (roupa interior) do devedor,
como fiança. Mas se a roupa externa (a capa) lhe fosse tomada, teria de ser devolvida antes
do pôr-do-Sol, porque era natural que o devedor precisasse dela como proteção contra o
frio da noite.

A capa era usada como cobertor à noite. Um homem pobre talvez pudesse ter mais de uma
túnica, mas provavelmente não poderia ter mais que uma capa, que era a roupa exterior, e
usual​mente de muito maior valor que a outra.

O que o Senhor Jesus quis ensinar é que se alguém quisesse processar o outro, era melhor
que este último não somente desse o que o primeiro tinha direito, mas até algo de maior
valor, contanto que assim fazendo pudesse evitar o desenvolvi​mento de um espírito maldoso
e egoísta.

Também é melhor para o cristão perder as coisas materiais do que a sua boa consciência e
integridade. O apóstolo Paulo deu o mesmo conselho, dizendo:

“O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não
sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?”

1 Coríntios 6.7

Assim como “...Mais bem-aventurado é dar que receber.” (Atos 20.35), mais feliz é aquele
que perdoa que aquele que é perdoado, ainda que isto não seja, de imediato, agradável aos
nossos olhos; porém, mais tarde, hão de se revelar a sua eficácia e o seu valor.

O perdão como crédito


Quando alguém comete uma ofensa contra outrem, normalmente fica devedor deste, que por
sua vez deve limpar o seu coração de qualquer mágoa ou ressentimento contra o ofensor,
perdoando-o.

Se, por acaso, o ofendido se mantiver res​sentido contra o ofensor, fica na posição de
devedor, não somente àquele, mas também a si mesmo, e sobretudo a Deus. É isso mesmo!
A pessoa que não consegue perdoar fica em débito com o seu ofensor, consigo mesma e
acima de tudo com Deus!

E por quê? É simples: Quando a pessoa ofendida não perdoa, o seu desenvolvimento
espiritual pára, estaciona. Isso porque a sua consciência fica instin​tivamente cobrando ou a
vingança ou o perdão, dependendo, naturalmente, do caráter que ela possui.

A partir desta premissa, a cobrança interior de tal pessoa passa a lhe corroer, e sempre
numa progressão contínua, permitindo assim o seu retrocesso espiritual. Além disso, a força
maligna vai se desenvolvendo, e a força benigna se deteri​orando, abrindo cada vez mais
espaço para o processo definhatório.

Quando o perdão não acontece por parte da pessoa ofendida, ela é sempre mais prejudicada
que aquela que a ofendeu, embora fiquem ambas presas por um elo maligno. Por outro lado,
o perdão exerce também melhor efeito sobre aquele que perdoa que sobre aquele que é
perdoado.

Se repararmos na vida de alguém que não consegue perdoar, verificaremos os desatinos que
vive no cotidiano, pois o seu caráter se modifica constantemente na convivência com as
pessoas, e sempre surgem mais inimizades no seu círculo de relacionamento. Na igreja, as
suas orações são vazias, a sua devoção é oca e a presença de Deus nunca é sensível.

Portanto, é imperiosa a necessidade de perdoar o ofensor, por se tratar de uma questão de


inteligência e lógica. O cristão é o templo do Espírito Santo, a habitação de Deus, e jamais
deve se deixar conta​minar por um ressentimento ou mágoa.

Se guardar no coração o rancor, entristecerá o Espírito de Deus, que vive em nós


exatamente para realizar uma transformação do nosso caráter, de acordo com o do Senhor
Jesus. O apóstolo Paulo, em reco​mendação aos cristãos da cidade de Roma, disse:
“Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os
homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos
vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me
pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo
tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto,
amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o
mal com o bem.”

Romanos 12.17-21

Quanto mais alguém perdoa, mais crédito tem para com o ofensor e, sobretudo, para com o
próprio Deus; porém, se não perdoa, passa a dever ao diabo.

O que fazer quando a pessoa pede perdão, mas não recebe?


Não é muito comum a pessoa se humilhar e pedir o perdão, e a pessoa ofendida não
perdoar; entretanto, quando isto acontece, a pessoa que pediu perdão fica totalmente
liberada perante a sua consciência, e muito mais diante de Deus.

Embora a outra não a tenha perdoado, ela está limpa de qualquer culpa. É claro, ninguém
pode obrigar alguém a perdoar, mas cada um tem que fazer a sua parte, individualmente.
Por que devemos perdoar?
Quando a pessoa ofendida não consegue perdoar, ela deixa criar sobre si uma barreira in​‐
trans​ponível, capaz de impedi-la de se aproximar de Deus. Esta é a razão por que existem
muitos que professam a fé cristã mas não alcançam a plenitude de vida, a qual o Senhor
Jesus prometeu.

Tenho visto com freqüência alguns destes na igreja, e quando lhes pergunto como vão as
suas vidas, dizem melancolicamente: “Vamos levando...” Posso me lembrar de uma senhora,
que depois de ter ouvido uma de nossas mensagens a respeito do perdão, veio à frente, junto
ao altar, pedir ajuda em oração.

Após a oração, perguntei se era capaz de perdoar, e então disse que sim. Perguntei-lhe se
por acaso encontrasse a pessoa de quem mantinha mágoa, teria coragem de se dirigir a ela,
num gesto de amor e perdão. Ela, para minha surpresa, respondeu que não.

Então eu lhe disse: “Não adianta pedir oração, pois a senhora mesma se nega a se ajudar.
Como Deus pode fazer algo por nós, quando nós O impedimos de fazê-lo?” Graças a Deus,
mais tarde o Espírito Santo a convenceu a perdoar, e o seu casamento, que estava havia
mais de dez anos destruído, foi reconstruído.
Verdadeiramente, poucos estão dispostos a pagar o alto preço pela plenitude de vida que o
Senhor Jesus nos oferece, mas todos a querem, de acordo com os seus próprios desejos,
segundo a sua própria vontade, e de maneira facilitada.

Todos sabemos que aceitar o Senhor Jesus como Senhor é muito fácil; difícil é segui-Lo. Ele
mesmo Se pronunciou a este respeito, quando disse:

“...Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la -á; e quem perder a vida por minha
causa achá-la -á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?”

Mateus 16.24-26

O que fazer quando há mágoa e a outra pessoa não sabe?


Quando alguém tem mágoa ou ressentimento de outra pessoa, que nada sabe sobre isto, deve
perdoar secretamente, ou confessar o ressenti​mento a ela. Depende de cada um.

Se por acaso a pessoa magoada sentir no coração o desejo de confessar, tudo bem, confesse;
mas se não sentir necessidade de fazê-lo, pode muito bem perdoar secretamente. Mas uma
coisa é necessária: não guardar de forma alguma qualquer tipo de ressentimento contra a
outra pessoa.

Realmente, há mágoas que precisam ser con​fes​sadas, porque quem confessa aquilo que vem
sentindo não só esclarece o porquê do ressen​ti​mento, como também retira de dentro de si a
semente do mal, ficando assim, automatica​mente, limpo por dentro.

Pode o tempo apagar ressentimentos?


Dependendo da falta cometida, há chances de o próprio tempo apagar os ressentimentos;
entretanto, isto não deve servir de regra para estabelecer o perdão, tendo em vista que
muitos que assim procedem relaxam em cuidar do problema com a devida atenção.

O resultado é que acabam por cortar total​mente as relações de amizade. Depois de muito
tempo, não encontram um mínimo motivo pelo qual possam reatar o antigo relacionamento.

Há que se verificar o seguinte: Se por um lado existem faltas que o tempo pode apagar,
também há o risco de que o tempo faça com que aquele ressentimento, que antes era tão
insignificante, venha a criar condições ideais para gerar outros ressentimentos, que até então
eram banais.
Quer dizer, há sempre o perigo de uma mágoa trazer outras, em um processo rápido. Sim,
porque se eu tiver alguma coisa contra alguém, então os meus olhos passarão a ver este
alguém de forma diferente.

A partir daí, qualquer deslize que aquele alguém cometer em relação a mim, por mais insi​‐
gni​ficante que possa ser, como por exemplo uma brincadeira de mau gosto, um olhar
diferente ou outras banalidades, será motivo para cultivar e alimentar aquele ressentimento
antigo.

Por isso, é muito melhor que haja um acerto de contas o mais rápido possível, para que isto
não venha a ocorrer. Além do mais, temos de considerar que o nosso arquiinimigo, o diabo,
está sempre procurando uma oportunidade para minar qualquer bom relacionamento.

Ele usa muito as pessoas amigas daquelas em conflito, e este é um outro bom motivo para
que não se aceite acusação alguma, ou coisa seme​lhante, contra um terceiro sem a sua
presença.

Qualquer comentário, por mais simples que seja, pode ser mal interpretado, e aí nascem
ressen​timentos contra a outra pessoa, que, às vezes, não agiu no sentido exposto.

Há que se ter muito cuidado com as palavras, porque se elas são provenientes de um
coração sábio e bom, causam apenas benefícios, mas se provêm de um coração mau, quanta
destruição fazem acontecer!
Para a pessoa que espera que o tempo venha a apagar alguma falta, sem que seja preciso
perdoar, é bom lembrar que a mágoa é como uma dívida. E o tempo não paga dívida. Ao
contrário, ele a aumenta, já que sobre ela passam a incidir “juros e correção monetária”.
A PARABOLA DO CREDOR INCOMPASSIVO

“Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus
servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos.

Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher,
os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrando-se
reverente, rogou: Sê paciente comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo,
compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida.

Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem
denários; e, agarrando -o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu
conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo, e te pagarei. Ele,
entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida.

Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito e foram


relatar ao seu senhor tudo que acontecera. Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse:
Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não deviastu,
igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti?
E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a
dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a
seu irmão.”

Mateus 18.23-35

Interessante notar a comparação que o Senhor Jesus faz ao Reino dos Céus, identificando o
seu caráter. O rei, nesta parábola, pode ser compre​endido como sendo o próprio Deus, mas
caracteriza também o tipo de gente digna de viver no Reino, o que coloca a lei do amor em
total destaque, acima de todas as coisas.

A aplicação da parábola ilustra a difícil atitude de perdoar, e serve para mostrar que cada
membro da comunidade cristã deve praticar este espírito, em todas as atitudes da sua vida.

Esta parábola, inclusive, enfatiza um dos mais elevados ensinos do sistema ético da Igreja,
ou seja, o perdão completo. O perdão de Deus é gratuito e está voltado até mesmo aos
piores pecadores; e os homens certamente têm o mesmo privilégio de imitar esta atitude
divina.

Quando assim procedem, eles se tornam mais semelhantes a Deus e ao Seu Filho Jesus, que
é o padrão de humanidade exigido pelo Senhor. Jesus exemplificou, por Suas palavras, que
os homens ainda têm um grande privilégio ao se tornarem Seus discípulos: o papel de
mediadores, pacifi​ca​dores entre as pessoas.
Têm ainda o dever de espalhar o espírito de mansidão do Senhor no seio da comunidade
cristã, assegurando que, perdoando, pode-se esperar a compaixão de Deus, mas se
recusando a fazê-lo, pode-se esperar um duro julgamento contra os próprios pecados.

É a velha lei universal: colhemos aquilo que plantamos, ou seja, quem planta amor colhe
amor, mas quem semeia vento, colhe tempestade. Só depende de cada um de nós. Se
semearmos o que é bom, certamente colheremos o que é bom; porém, se semearmos o que é
mau, colheremos os devidos resultados.

Profeticamente, o rei desta parábola representa Deus, que, imbuído de autoridade suprema,
resolve ajustar contas com os Seus servos, o que fatalmente acontecerá, mais cedo ou mais
tarde.

Haverá um dia em que todos estarão perante o Grande Tribunal, quando serão ou não
condenados por causa das atitudes que tomaram diante de Deus, em relação ao Seu Filho
Jesus Cristo.

O credor incompassivo representa aquela pessoa que tem um débito diante de Deus, pelo
qual não pode pagar, sob hipótese alguma; o débito era tão imenso que só mesmo poderia
ser devido a um rei.

Por outro lado, temos também a considerar que este servo deveria ser muito importante,
para que o seu rei lhe confiasse tamanho crédito. E, de fato, Deus sempre confiou grandes
coisas aos Seus servos.
Ele nos dá não só bênçãos materiais, mas também espirituais. A Sua atitude em ajustar
contas fala do direito do Senhor na administração da Sua justiça, eterna e universal.

Há que se considerar que, por sermos tão impor​tantes para Ele, e termos recebido tamanho
crédito, ficamos na obrigação de prestar contas daquilo que Ele nos deu, nos dá e nos
haverá de conceder. É perfeitamente justo um acerto de contas de tudo o que Ele colocou em
nossas mãos, na condição de Seus mordomos ou administradores.

Para se ter uma vaga idéia do quanto repre​sentavam dez mil talentos, e, naturalmente, a
dívida daquele credor incompassivo, basta dizer que os impostos imperiais pagos pela
Judéia, Iduméia, Samaria, Galiléia e Peréia somavam, juntos, naquela época, algo em torno
de oitocentos talentos.

Contrastando com isso, podemos verificar que a lição que o Senhor Jesus quis nos dar foi
de que a dívida daquele homem era tamanha, que ele não podia pagar. Ele representa o ser
humano, que não podendo pagar pelos seus pecados, merece, sem qualquer sombra de
dúvida, o juízo de Deus.

Fica assim caracterizado que só a misericórdia divina pode isentar alguém de sua grande
dívida para com o Senhor. Desta forma, temos a compa​ração do débito de cada indivíduo
aos olhos de Deus.

Quando o homem, impotente diante do mon​tante da sua dívida, apresentou-se para pagá-la, o
rei ordenou que fossem vendidos ele e toda a sua família, bem como tudo quanto possuía,
para que fosse saldado o seu débito.

Esta era, antigamente, a atitude comum dos credores para com os devedores, e mesmo entre
os judeus havia tal prática, conforme podemos verificar no segundo livro dos Reis, no
quarto capítulo, onde é narrada a história de uma viúva e do profeta Eliseu.

Este fato vem corroborar ainda mais a gravidade e importância da dívida que o homem tinha
para com o rei, e que por causa do seu gesto de humildade – “...Sê paciente comigo, e tudo
te pagarei.” (Mateus 18.26) – foi totalmente perdoada.

Ora, se temos da parte do nosso Grande Credor um perdão total da nossa dívida, que vale
bem mais que todos os membros da família, então há que se esperar da nossa parte também
uma consideração semelhante para com aqueles que tão pouco nos devem.

É exatamente esta a tônica da parábola, mas o que aconteceu foi que aquele credor
incompassivo não teve a mesma consideração para com um devedor seu, cuja dívida
representava apenas cem dias de trabalho.

Verdadeiramente, o Senhor Jesus exige que haja entre nós um tratamento idêntico àquele que
Ele nos dispensa. Se recebemos o perdão, temos também que perdoar. Aliás, este é o
sentido da cruz do Senhor: a haste vertical é o nosso relaciona​mento com Deus; a haste
horizontal é o nosso relacionamento com os outros. Da mesma forma como somos tratados
(haste vertical) por Deus, devemos tratar os nossos semelhantes (haste horizontal).

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