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Louis-Claude de Saint-Martin
(Extrato do livro, O Templo do Coração).
Texto extraído da Revista “O
Pantáculo” nº. 17 – 2009.
S.I.
n SUMÁRIO
04 A Integridade
Por SERGE TOUSSAINT, FRC 04
08 Os Jardins do Egito Antigo
Por MARY JONES
22 A Arte da Controvérsia
22
Por JOSSELYNE CHOURRY
27 Ventania
Por FLÁVIO A. FUSCO
28 No Umbral do Templo
Por JAMIL SALLOUM JR, FRC
43 Tudo Melhorou!
38
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC - IMPERATOR EMÉRITO DA AMORC
43
Por VIVIAN TEDARDI
CIRCULAÇÃO MUNDIAL
expediente
Propósito da n Supervisão: Heverton Douglas Guzzi, FRC - Grande Mestre
Integridade
Por SERGE TOUSSAINT, FRC
evidente má fé ou a
vontade de ser injusto,
na maioria das vezes
por interesse. Os mais
inclinados a esse tipo
de comportamento
contam-se entre os
que acham que “o fim
justifica os meios”.
É óbvio que quem
faz desse adágio o
fundamento de sua
ética demonstra com
isto sua imoralidade
© GETTYIMAGES.COM
ou sua amoralidade, ou
erro milhões de pessoas e subjugar sua mesmo sua maldade.
consciência. Contrariamente, a pessoa justa jamais usa
Muitos estão convencidos de serem sua função, sua autoridade, seu poder ou sua
honestos e o são efetivamente. Entretanto, força para obrigar os outros a dizerem ou
podemos nos perguntar se sua honestidade fazerem seja lá o que for que eles desaprovem
é baseada em uma integridade real ou ou que vá contra o seu bem-estar. Aplicado a
no medo do que lhes poderia acontecer nós mesmos, isso implica fazermos abstração
se fossem apanhados em “delito” de de qualquer relação “dominador–dominado”,
desonestidade. Por extensão, seriam eles principalmente quando essa relação nos
também respeitadores das leis se tivessem é a priori favorável. Com relação a isso, é
certeza de poderem violá-las com total evidente que toda pessoa que usa de coerção
impunidade? Nada é menos seguro que isso. para impor suas ideias a outrem age assim
Idealmente falando, podemos considerar porque é incapaz de demonstrar a validade
que um indivíduo profundamente honesto das mesmas ou porque sabe, em sua alma
é aquele que poderia não sê-lo sem risco de e consciência, que elas são injustas. Nesse
ficar enrascado, mas que continua sendo sentido, ninguém pode ser imparcial se não é
honesto a despeito de tudo. É também ser movido constantemente pelo amor à verdade.
“incorruptível”, no sentido mais nobre do Isso faz supor que é impossível ser íntegro na
termo. Fora de qualquer contexto pejorativo, medida em que se mente para si mesmo.
a incorruptibilidade é uma virtude que todos A integridade não deve ser limitada a
deveriam ter a intenção de desenvolver, pois mantermos relações sinceras com os outros.
representa uma honestidade a toda prova. Ela concerne igualmente à maneira como
Dissemos antes que a integridade também aplicamos à nossa própria vida os princípios
recorre ao senso de justiça, na forma como morais que defendemos frente aos outros.
podemos concebê-la e aplicá-la no plano Ora, o ser humano, em razão de suas
humano. Mas todo mundo sabe como é fraquezas, tende a falar do bem melhor do
difícil ser justo, tanto para consigo mesmo que praticá-lo, de onde a expressão: “Faça o
como para com os outros. Isso é assim que eu digo e não o que eu faço.” Devemos,
porque somos imperfeitos e julgamos em portanto, nos esforçar para viver tanto
função das nossas próprias opiniões, que quanto possível em consonância com nossas
não são necessariamente boas. Entretanto, ideias, a fim de sermos um exemplo por
há comportamentos que revelam uma nós mesmos e nos sentirmos verdadeiros
perante a nossa consciência. Neste particular,
Ritual fúnebre em um jardim. Esta pintura fac-símile copia uma seção da pintura mural do túmulo de Minnakht (TT 87) no oeste de Tebas.
Os Jardins do
Egito Antigo
Por MARY JONES
jardins no átrio muito antes dos encontrados As árvores e as plantas eram uma parte
em Pompéia. vital de todos os jardins, especialmente
aqueles anexos aos grandes templos. É difícil
Templo da rainha Hatshepsut acreditar hoje que cada templo tivesse seu
próprio jardim dentro dos muros do templo,
bem como nos campos que cercavam a
grande casa do deus. Nas paredes do templo
mortuário da rainha Hatshepsut em Deir el-
Bahari, vemos imagens de árvores e plantas
de incenso que as suas expedições trouxeram
da terra de Punt, que se acredita ter estado
localizada na atual Somália ou no Iêmen.
Também vemos jardins em pinturas
e maquetes de tumbas. Para aqueles que
tinham a sorte de passar no teste de ter o
coração pesado contra a pena de Maat, a
vida após a morte era retratada como uma
imagem do Egito com seus jardins idílicos.
Templo mortuário da rainha Hatshepsut em Deir el-Bahari, Podemos ver isso em muitas das famosas
Tebas - Egito.
pinturas de tumbas, onde a vida continuava
em uma versão idealizada da vida que
conheceram quando estavam vivos.
Cada templo precisava de árvores e
arbustos especiais para incenso de uso
diário. As árvores e arbustos dos jardins,
bem como os lótus (na verdade, nenúfares
Wikimedia / SiefkinDR
Jardins do Templo
Os antigos templos egípcios
representavam uma espécie de céu, mesmo
que não de todo o universo conhecido,
onde a essência divina se manifestaria. O
simbolismo continuou dentro do templo
onde as colunas, como no Salão Hipóstilo
de Karnak, representavam um pântano de
papiro e os topos das colunas tinham capitéis
de várias plantas.
Escavações recentes no Delta Oriental
O templo mortuário da rainha Hatshepsut apresenta revelaram a grande extensão de pomares
imagens de árvores e plantas.
ao redor dos templos e palácios ali
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e outras plantas, flores e
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cercada por um muro.
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frutos.
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Dentro do muro havia uma
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Temos uma descrição dos
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piscina cercada por uma fileira
jardins do templo mortuário do de árvores ou arbustos. A casa
Faraó Montuhotep II da XI Dinastia parecia um quiosque dentro de um
em Deir el-Bahari, próximo ao templo jardim.
mortuário da rainha Hatshepsut: Sabemos como eram os jardins
As figueiras formavam uma avenida ao funerários, pois um foi encontrado em
lado da rampa de acesso ao templo. De cada Luxor, na entrada de uma tumba da XII
lado deles havia fileiras de tamareiras. Entre Dinastia na zona ocidental de Luxor. O
os plátanos havia dois canteiros retangulares jardim era pequeno – 3x2 metros (10x6½
com cerca de 2x7 metros. A área coberta pela pés) seccionado em quadrados. Cada
plantação tinha cerca de 50 metros quadrados, uma das plantas cultivadas ali tinha um
o comprimento de uma piscina olímpica significado simbólico. Cada pequeno
padrão. compartimento continha possivelmente uma
Os jardins eram parte integrante dos planta diferente, uma das quais sabemos ser
templos. Dentro do portão principal, a alface, que estava associada à fertilidade
geralmente havia um espaço aberto que e, consequentemente, ao regresso à vida
muitas vezes continha árvores e flores. Entre do falecido no túmulo. Havia também
os edifícios havia jardins maiores, geralmente dois canteiros elevados que provavelmente
constituídos por vinhas e lagos cercados por continham árvores porque em um deles foi
papiros, mandrágoras, papoulas, centáureas encontrado um toco de tamargueira.
e margaridas. Nas piscinas havia nenúfares
e juncos de papiro. Havia jardins dentro de Árvores
pátios e também foram criados jardins em
pontos ao longo do caminho processional Muitas das plantas tinham significados
entre os templos. Pense na avenida simbólicos. Em algumas pinturas podemos
processional de esfinges entre Karnak e ver o lótus (nenúfar) simbolizando o Alto
Luxor, com jardins de cada lado. Deve ter Egito e o papiro simbolizando o Baixo Egito,
sido uma visão magnífica. muitas vezes entrelaçados em um símbolo
Amarna ou Akhetaton era uma nova de unidade. As árvores eram sagradas para
cidade que o Faraó Akhenaton encheu de certos Neters ou divindades: a tamareira
parques e jardins. Cultivavam-se também para Rá e Min, a palmeira doum para Toth,
ciprestes e salgueiros, amendoeiras e o sicômoro para Hathor e o tamargueira
pistácios, figos, bagas de zimbro, mamonas, para Osíris. Como disse antes, encontramos
alfarrobeiras, ameixeiras, moringas e imagens de plantas e árvores nas ruínas
oliveiras. da cidade de Akhetaton e no edifício Akh
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)
frequentemente à flor de
“lótus”, embora não seja
encontrada no Egito, mas
seja nativa do Sul e Sudeste
Asiático e também seja
conhecida na Pérsia há
milhares de anos. Chama-se
‘Nelumbo nucifera’ e não é o ou ‘lótus branc
nco’ o’ (
mesmo que o ‘lótus’ referido ú far
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nas brochuras turísticas
ha
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egípcias.
otu
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No entanto, como
Lago de peixes retangular com patos e lótus plantados ao
redor com tamareiras e árvores frutíferas, em afresco da
o nome ‘lótus’ é tão
Tumba de Nebamun, Luxor, XVII Dinastia. difundido e associado ao
Egito e às zonas úmidas
prosperidade, fertilidade e riqueza. O grande em toda a África, podemos
número de sementes dentro de cada fruta também continuar a
simbolizava riqueza, enquanto as sementes usar este termo para nos
vermelho-sangue simbolizavam sangue referirmos às duas espécies de
ou energia vital. Pelo que sabemos, a romã nenúfares nativas do Egito às quais
apareceu no Egito durante o Reino Médio, foi erroneamente atribuído o nome ‘lótus’. Os
mas tornou-se muito mais prevalente lótus egípcios são o ‘nenúfar azul’ ou ‘lótus
durante o Reino Novo seguinte. Suco de azul’ (Nymphaea caerulea), que aparece
romã foi adicionado ou transformado em apenas durante o dia, e o ‘nenúfar branco’ ou
vinho. Também era usado na medicina em ‘lótus branco’ (Nymphaea lotus) que floresce
preparações contra doenças intestinais, apenas à noite. Ambas são verdadeiras
disenteria e dores de estômago. plantas aquáticas onde as raízes e caules
Há uma cena do túmulo de Nebamun ficam submersos enquanto as folhas flutuam
mostrando seu lindo jardim cheio de na superfície e as flores emergem acima da
romãs e tamareiras ao redor de um lago. E água.
a romã também é encontrada em muitas O botão da flor de lótus azul surge da
mesas de oferendas funerárias e até em água ao amanhecer e, à medida que o dia
canções de amor. Plantas de romã também avança, abre-se amplamente na superfície
foram encontradas florescendo em jardins, da água ou ligeiramente acima dela, onde a
proporcionando sombra em palácios reais ou fragrância atrai besouros ou outros insetos,
vilas e templos funerários ou de culto, bem especialmente abelhas, que o polinizam.
como em vilas de funcionários e cidadãos Perto do pôr do sol a flor se fecha novamente
mais ricos. em botão e, com seu precioso tesouro de
Persea é o nome de uma árvore associada sementes fertilizadas agora protegidas
a uma antiga árvore egípcia que era com segurança dos predadores, ela afunda
cultivada por seus frutos muito antes de ser na água. Um novo caule surge na manhã
chamada de abacateiro. É uma árvore perene seguinte, seja com uma nova folha ou com
pertencente à família do louro. um novo botão floral e o processo se repete.
O Lótus azul cresceu selvagem e foi que aparecia apenas à noite, pode ter sido
sagrado para os egípcios como um símbolo associado aos ritos relativos à Duat e à vida
de criação e renascimento. Em uma de suas após a morte. Várias múmias de faraós
histórias de criação, um único lótus azul foi estavam cobertas com pétalas de lótus
fundamental para trazer todo o universo à branco. Em muitas pinturas de tumbas, há
existência em Heliópolis (Iunu). Heliópolis representações de enlutados em um banquete
foi onde o deus do sol emergiu pela primeira fúnebre usando uma coroa de flores de lótus
vez de um lótus que apareceu acima das brancas na cabeça ou segurando-as perto
“águas primordiais”. À noite, o deus do sol do nariz como símbolo da ressurreição. Há
foi envolvido pela flor enquanto ela afundava indícios de que foi cultivada em fazendas
na Duat, o submundo. Devido à sua cor foi especiais há mais de 4.000 anos para produzir
identificado em algumas crenças como tendo flores suficientes para oferendas votivas.
sido o recipiente original, como um ovo, Os antigos egípcios cultivavam o lótus
de Atum ou Ra, ambas divindades solares. branco em lagos e pântanos e acreditavam
Era também o símbolo do deus egípcio que a flor lhes dava força e poder. As
Nefertum, filho de Ptah de Memphis. Na pinturas de tumbas egípcias da 18ª Dinastia
Declaração 249 dos Textos das Pirâmides, no fornecem algumas das primeiras evidências
túmulo do faraó Unas da V Dinastia, lemos: de horticultura ornamental e paisagismo,
Unas aparece como Nefertum, como a flor de retratando lagos de lótus cercados por
lótus no nariz de Rá, conforme ele surge do fileiras simétricas de acácias e palmeiras. Nos
horizonte todos os dias. Eles também viram, templos, descobrimos que o lótus branco foi
no ressurgimento diário da flor das águas, um dos dois primeiros motivos de capitéis
um belo símbolo de sua ressurreição pessoal de colunas egípcias, sendo a parte superior
um dia. o botão que se abre da flor. Naquela época,
Também nativo do Egito, é o lótus os capitéis de coluna mais importantes
branco, frequentemente retratado na arte eram aqueles baseados nas plantas de lótus
egípcia antiga e em esculturas em pedra, e papiro, e estes, junto com o capitel de
inclusive nas paredes do templo de Karnak. palmeira, eram os principais tipos usados
Ao contrário do lótus azul, o lótus branco, pelos antigos egípcios.
O perfume era extraído do lótus branco
e adicionado aos cones exibidos na cabeça
das pessoas em reuniões sociais. Também foi
sugerido que, nessas reuniões, os convidados
mergulhassem flores de lótus no vinho para
produzir um efeito levemente narcótico. O
Lótus Rosa (Nelumbo nucifera), comum no
Sul e Sudeste Asiático, não é, estritamente
falando, um nenúfar e é comumente referido
como o ‘lótus sagrado’, pois é reverenciado no
Hinduísmo e no Budismo como um símbolo
de renascimento e iluminação espiritual. Ele
se espalhou pela Pérsia até o Oriente Médio e
agora também pode ser encontrado no Egito.
A flor inteira é comestível e as folhas jovens
cozidas são consumidas como suplemento
vegetal. Os estames são usados para dar
Mesu cheirando um lótus. Alívio, Tumba de Heri (TT 12),
mulher, Mesu. Cerca de 1525–1504 ACaC. sabor ao chá, assim como as pétalas secas. As
A
filosofia começa com a curiosidade. físicos. Acima de tudo, procuravam descobrir
Para entender o que é, devemos voltar uma substância única, cujas modificações
às suas origens. A primeira entre as compõem toda a multiplicidade das coisas.
coisas maravilhosas é o próprio mundo. Questionamento, ou curiosidade, é
Como tudo começou? Do que é feito? Como um dos atributos fundamentais da mente
é governado? Até as crianças fazem essas humana, que nos tornou o que somos. Mas
perguntas fundamentais aos pais. ainda mais profundamente enraizado e
A filosofia ocidental hoje evoluiu a insistente é o desejo de levar uma vida boa e
partir do gênio dos antigos gregos. Eles a satisfatória, o nosso anseio pela felicidade. O
estabeleceram e delinearam. As suas ideias intelecto penetrante dos pensadores gregos
eram tais que, até os tempos modernos, logo percebeu a ligação íntima entre o seu
nenhum pensador europeu fez quaisquer desejo de saber e o seu anseio de felicidade.
avanços de notável originalidade. Os Não vivemos num vácuo, mas num mundo
primeiros filósofos gregos floresceram nas que tem modos de proceder definidos,
prósperas cidades jônicas na costa oriental conhecidos como “leis da natureza”. Temos
do Mar Egeu, na Ásia Menor. Eles estavam a nossa natureza humana, que é em grande
amplamente interessados em problemas parte herdada, mas sujeita a modificações
Da arte do debate
Judaísmo. Gaston Bachelard declara:
“A Verdade é filha da discussão, e Combate! O gosto pelo confronto oral é
não da simpatia” (A filosofia do não). normalmente acompanhado de benevolência
Certamente, não é preciso dizer que e polidez. Um verdadeiro debate jamais
as oposições violentas (ou geradoras de acusa; levanta questionamentos e sua função
violência) são rejeitadas nesse tipo de debate. é uma elevação da consciência com aquilo a
No Talmude está dito: “As palavras de uns e que eu chamo de “ética da alma”. Aquilo que
as palavras de outros são palavras do Deus é belo e bom, engrandece; o que é feio e mau,
vivo” (Tratado de Eruvin 13b). As palavras avilta! De fato, a palavra não deveria jamais
sendo originárias do Verbo, seus sentidos se desviar de sua parte divina, partindo-
são orientados para o respeito aos termos se do pressuposto de que possuímos uma
empregados. Compreende-se facilmente consciência espiritual. Porém, o simples
que cada interpretação deve conservar uma humanismo e a empatia admitem que
dignidade em sua formulação. nada é perfeito e que a controvérsia é uma
Sábios e cabalistas consideram que a possibilidade de fazer emergir de cada ser as
arte da controvérsia é preferível a uma múltiplas facetas de nossas personalidades
concórdia hipócrita. Os exemplos bíblicos em vias de aperfeiçoamento para o bem
são numerosos em matéria de divisão, maior da humanidade. A outra somos
e ao analisá-los de maneira simbólica nós mesmos – tecido de carne e osso que
e psicológica é proposta a noção de envolve o nosso ser profundo, convocado
“contrapoder”, como Eva junto a Adão, a não sucumbir às sereias da facilidade e à
ou ainda o episódio da Torre de Babel. A arrogância que procura impor aos outros
controvérsia permite conceber palavras aquilo que se pensa ser a Verdade (que, na
e fatos sob diferentes perspectivas de realidade, é uma subverdade afogada em
estudo. Na história judaica, a controvérsia é uma maré de pequenas verdades). Nossas
particularmente ilustrada por duas célebres pequenas verdades nos tranquilizam e nos
escolas de pensamento: a de Hillel e a de exoneram do questionamento. Pouco a
Shammai. Esses dois sábios estiveram em pouco, aqueles que não se questionam (e
contínua oposição quanto às interpretações por medo de serem manipulados) caem
da HaLaKHa (conjunto de prescrições inexoravelmente sob a influência de uma
da lei judia), a tal ponto que ainda hoje é forma de pensamento esclerosada de
impossível citar um sem citar o outro. Até implicações perigosas.
agora examinamos a controvérsia com Existe também a adulação e a admiração
indivíduos face a face e animados por um plácida, que não encontram lugar em uma
desejo de conhecimento e de abertura. controvérsia de qualidade. A crítica é mais
E o que dizer dos debates nas redes bem-vinda do que um consentimento
sociais, quando diante da tela uns e outros bajulador que encerra o debate e bloqueia
Bibliografia
ABACHELARD, Gaston. La philosophie du non [A filosofia do não], P.U.F.
BLANCHOT, Maurice. L’entretien infini [O colóquio infinito], Gallimard, 1969.
JABES, Edmond. Le livre des questions [O livro das perguntas], Gallimard, 1988.
LEVINAS. L’humanisme de l’autre homme [O humanismo do outro homem], Fata Morgana.
MONTAIGNE. Essais [Ensaios], Gallimard-Quarto
- Louis-Claude de Saint-Martin.
N
em todo buscador da vida espiritual Basicamente, no umbral temos um
sabe que durante sua jornada confronto entre o eu inferior e o Mestre
iniciática passará, necessariamente, Interior. Dependendo da decisão que
por vários umbrais que prenunciarão tomarmos, avançamos ou retardamos nossa
mudanças importantes no ritmo da sua caminhada. No simbolismo do Templo
evolução mística. Isso é particularmente Rosacruz, o umbral determina a progressão
verdadeiro em um caminho cosmicamente mística ou o retrocesso. “Cruzar o Umbral”
legítimo, como é o caso da Senda Rosacruz é, então, no plano interior uma expansão de
dispensada pela AMORC. consciência; já na ritualística rosacruz, é ser
Umbral significa “limiar”, a soleira da admitido no Templo para uma promoção
porta que conduz a algum lugar e que de Grau, para a continuidade da jornada
separa dois aposentos: aquele em esotérica.
que estamos e o próximo para A Senda Rosacruz comporta
onde nos conduzimos. No vários umbrais correspondentes à
plano iniciático é o período Seção de Atrium e aos 12 Graus
de trevas que antecede ou Câmaras de Sabedoria pelas
uma maior tomada de quais o estudante vai sendo
consciência - mas não só: conduzido. Mas cada etapa
é também a encruzilhada à ou Grau comporta também
qual nossos pensamentos, subumbrais. A função de todas
palavras e atos nos essas encruzilhadas na Senda
conduziram e na qual teremos é simplesmente testar o quão o
que tomar uma decisão entre estudante está apto para priorizar a
dois caminhos, duas possibilidades, © GETTYIMAGES.COM “voz do Mestre” em detrimento da de
dois destinos. Um desses caminhos é seu ego – é o combate entre o conhecimento
apresentado pelo nosso ego ou eu inferior; o e a Sabedoria. Esse combate, longe do que
outro é oferecido pela Alma divina em nós, alguns pensam, não ocorre no Sanctum do
sussurrado pela “voz silenciosa” que vem estudante, mas no dia a dia, em questões
sendo estimulada como resultado dos nossos que surgem na esfera profissional, familiar,
estudos místicos. pessoal etc. É quando precisamos tomar uma
mesmo das impressões que querem se passar alegria ou satisfação interna que surge
como intuitivas, mas que não são nada espontaneamente. Assim, certeza + alegria
mais do que puramente mentais. Para isso, forma a equação para o reconhecimento
os vários exercícios para o favorecimento das mensagens que são verdadeiramente
da intuição oferecidos nas monografias intuitivas.
rosacruzes são essenciais. Que sua aparente Na sabedoria hindu, o ego é comparado
simplicidade não desmereça sua fundamental a um macaco, que pula constantemente
importância, pois muito depende deles. entre os galhos, nunca se fixando em lugar
Uma chave para aprender a reconhecer nenhum. É um símbolo para a atividade
a voz da intuição é que quando ela se desordenada da mente, que reflete sempre,
apresenta, é autoevidente. Em outras sem chegar a uma decisão. A tarefa do
palavras, ela não depende de premissas nem estudante é pacificar o macaco, ou a mente,
de reflexões posteriores para assegurar sua entronizando-se no eixo do silêncio mental,
assertividade. Ela traz consigo, de modo na Câmara do Eu Superior. Este é como o céu
imediato, uma sensação de certeza profunda, límpido, que na maioria das vezes é toldado
ou, como dizia o místico armênio G. I. pelas nuvens passageiras de diferentes
Gurdjieff, “um sabor de Verdade”, que logo formatos (os pensamentos). Cabe ao
é reconhecido pelo nosso ser. É quando discípulo não seguir a interminável procissão
nós, de alguma forma que não conseguimos de nuvens, mas se concentrar no céu azul
explicar objetivamente, sabemos que a acima delas. Em outras palavras, trocar o
mensagem ou a impressão está correta. Além que no oriente é chamado de “a sabedoria
disso, a esse senso de certeza acompanha do olho” (o conhecimento puramente
uma distensão de todo o corpo, como se intelectual) pela “sabedoria do coração” (a
fossemos submetidos a um exercício de voz do Mestre Interior). E nesse aspecto
relaxamento geral, que traz consigo uma encontramos um eco com a nossa Tradição
Martinista, que apregoa a Via Cardíaca como
um roteiro para a iluminação.
E
xiste uma atitude cética e benefício material imediato. Parece que
materialista atualmente que repudia não sabem que o espiritual está encarnado
todos os rituais, fórmulas, distintivos no material – que a razão não pode nunca
e linguagem simbólica. ‘Qual é a utilidade ser desencarnada – que a verdade nunca
dessas coisas?’ estão sempre perguntando. deixa marcas tão profundas como quando
Há muitos entre nós que fingem não é proclamada por cerimônias solenes, ou
ver qualquer razão nas cerimônias e sugerida em uma representação adequada ou
condecorações que não conferem algum incorporada pela arte e belas formas.
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É a Alma que age, que faz com que os da terra era o Livro onde seus registros
homens tenham coragem para encarar os eram preservados. Rochas, árvores, pilhas
perigos e serem fortes para suportar a fadiga; de pedras, consagradas por seus atos e
e a linguagem da Alma não é verbal, mas respeitadas por aqueles homens rudes, eram
simbólica e ritual. O homem não só vive, mas as páginas do livro sempre aberto para ser
sente, de vez em quando, que a linguagem, inspecionado por todos. A fé dos homens
em suas combinações mais felizes, é fraca certamente ficava mais protegida por aquelas
demais para expressar aqueles pensamentos testemunhas mudas – aqueles grosseiros,
fervilhantes que muitas vezes agitam sua mas augustos monumentos da santidade dos
alma criando uma verdadeira tempestade contratos - do que hoje, por todos os rigores
de emoções. Eis porque a religião, que trata vãos da lei”.
intimamente da alma, está sempre, no seu Parece-nos que este pensamento está
estado mais verdadeiro, associada a um ritual fundamentado em uma filosofia verdadeira
que quanto mais grandioso, sublime e bonito, e é o resultado de um estudo amplo e
melhor. profundo sobre a natureza humana. Não
“Percebo,” disse J. J. Rousseau, “que nos se pode duvidar de que a razão principal
tempos modernos, os homens são movidos porque a igreja de Roma continuou a
principalmente pela força e pelo interesse, manter um império tão poderoso sobre
enquanto que os antigos eram movidos pela a consciência do homem é que ela tem
persuasão e pelas afeições da alma, porque sido verdadeira em relação aos anseios da
eles não ignoravam a linguagem dos signos... natureza humana no sentido de preservar
Antes da força se estabelecer, os deuses eram uma adoração, sublime, simbólica e poética
os magistrados da raça humana,” como que sempre deve e vai comandar a reverência
certamente deveriam ser agora, “diante dos seres sensíveis e cheios de imaginação.
deles todos os homens faziam seus contratos Nunca houve um governo mais eficiente,
e verbalizavam suas promessas; e a face administrado com mais inteligência do
VERÃO 2023
PRIMAVERA 2024 · O ROSACRUZ
35
n AUTOCONHECIMENTO
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Melhorou!
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC - IMPERATOR EMÉRITO DA AMORC
a geografia ou a cultura. Ela está cruelmente ou religiosas, deve-se seguir nas próximas
ligada ao homem. Por certo, falar disso nada horas, dias e meses, uma ação que eu
resolve, mas esquecer o assunto seria um qualificaria como mais exterior.
erro de não-assistência à De acordo com nossos
humanidade. meios, nossas aptidões
Naturalmente, e o lugar onde nos
devemos permanecer encontramos, é preciso
positivos, e seria meu que nos esforcemos para
dever não falar senão de fazer um gesto concreto
coisas belas. Mas, enquanto de apoio às vítimas, ou
habitante deste planeta, com relação às causas
não posso senão constatar, do drama. Por exemplo,
como também você sem se você está próximo ao
dúvida faz, a gravidade lugar de uma catástrofe
e o horror de certos ou de um atentado, ou se
acontecimentos. Seria tem meios de chegar até
uma falta de compaixão lá, leve materialmente ou
querer ignorá-los e de fisicamente seu socorro.
um angelismo bastante Se você se sente mais à
inocente assim afirmar: vontade para escrever,
“Tudo melhorou!”. redija uma carta, um artigo
Depois de ou um livro, nos quais você
uma tragédia, nossa possa exprimir seu modo
primeira reação deve ser de pensar. Você também
a assistência espiritual. Quando tomamos pode, simplesmente, tentar mudar as coisas
ciência de ter ocorrido uma tomada positivamente discutindo com outras
de reféns, um atentado, uma catástrofe pessoas. Você pode ainda, seguramente, fazer
natural etc., devemos, tão breve quanto uma doação ou, por que não, participar de
possível, trabalhar espiritualmente pelas uma manifestação. Para resumir, de uma
vítimas. Por mais humilde e insignificante maneira ou de outra, não permaneça passivo!
que possa parecer este trabalho face Não aceite o inaceitável!
ao drama em curso, ele tem um poder Desde 1971, ano em que comecei
extraordinário. Em um instante, todos a trabalhar para a AMORC, nas diferentes
os nossos pensamentos se funções que exerci, fui
tornam forças que, levado a ler milhares de
unidas a todas as cartas e a reencontrar
outras, formam uma milhares de homens e
espécie de “curativo mulheres, membros
universal” e aliviam da fraternidade
o sofrimento. Elas são rosacruz ou não,
a mão que segura a e dividi com eles
de um moribundo, os dúvidas e sofrimentos,
braços da mãe que acalenta mas também momentos
a criança que chora e mil outras de alegria e de esperança.
sensações de doçura e serenidade. Não sei se tudo isso me
Cumprido este dever, conforme o tornou sábio, porque imagino que
local onde nos encontramos, segundo se eu fosse sábio minhas reações
nossas convicções filosóficas, espirituais seriam diferentes face os acontecimentos
A
Personalidade
Sobrevive à Morte?
Por RALPH M. LEWIS, FRC
surge do sentimento
limitado do tempo
presente. A concepção
mecânica é baseada
na constância da lei.
A partir deste ponto
de vista, o passado
se repetiria, então,
sem variações. Por
outro lado, o espírito
pode opor seu curso
de atividade anterior
e recorrer a diversas
formas de pensar. Isto
é considerado como
sendo a prova de
que a imortalidade,
a continuação da
personalidade, não está
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ligada à lei mecânica.
Por que os homens
emanado por um instrumento musical persistem em acreditar
quando o tocamos. Quando não tocamos na sobrevida da personalidade humana?
este instrumento, tanto a música, que é sua Deve existir algum valor pragmático que
função, como o instrumentista cessam de eles desejam associar a uma vida futura,
existir. uma razão ou um motivo. Geralmente as
Por outro lado, no momento em que a razões para isso são que a afeição pessoal
música é tocada e escutada uma vez, podemos pode continuar pelas coisas que amamos,
considerá-la perdida, mesmo se ela continuar a bondade da pessoa pode aumentar, o
a existir na memória e na consciência sentimento de justiça e aquele dos valores
daqueles que a escutaram? Será que algo morais podem aumentar e nossas capacidades
precisa necessariamente guardar a mesma podem ser exercidas de uma forma mais
forma para ser imortal? completa.
O misticismo e a metafísica apresentam Esta vida é aparentemente incompleta
diferentes réplicas opostas sob o ponto e somente preparatória. Como o homem
de vista da ciência a respeito da questão é causativo e reflete, ele pensa sobre uma
da imortalidade. A consciência humana, divindade ou um ser infinito, um deus, como
declaram eles, está refletida contrariamente sendo um ser igualmente causativo. Esta é
à lei mecânica. O espírito pode modificar naturalmente a relação que o homem faz
completamente seus objetivos. A consciência entre seus atributos humanos e aquilo que
humana não está parada, ou seja, ela não ele concebe como um espírito sobrenatural.
é especialmente limitada a certos canais É por isso que esse espírito sobrenatural é
para poder operar. Se todos os fenômenos considerado como algo que tem um objetivo
fossem mecânicos, dizem os defensores da com relação ao homem, já que o homem é
imortalidade, todas as coisas, então, seriam insuficiente em sua própria conclusão sobre
repetitivas. A história será idêntica ao aquilo que as tradições religiosas pregam
O
deus Anúbis, Inpu em egípcio, era a divindade que supervisionava o embalsamamento
dos corpos e senhor das necrópoles. Poderia ser representado como um chacal ou com o
corpo humano e a cabeça do animal. Sua coloração, geralmente preta, estava relacionada à
regeneração e à fertilidade, significados importantes para a crença na vida além-túmulo a qual o
deus estava relacionado.
Esta estátua, em especial, foi encontrada na Sala do Tesouro, na tumba do faraó Tutankhamon,
protegendo o relicário que continha as vísceras do rei. Confeccionado em madeira, foi
encontrado com o corpo envolto em uma manta de linho, datado do sétimo ano do governo do
faraó Akhenaton, além de uma guirlanda, realizada de flor de lótus e lírio, em seu pescoço. Está
disposto sobre um santuário trapezoidal, que pode ser associado à montanha primordial. Este
é decorado com os símbolos djed e tit, ambos relacionados à proteção dos deuses Osíris e Ísis
respectivamente.
Esta imagem também pode ser “lida” como “Anúbis que está sobre a montanha”, como se a
divindade observasse as necrópoles das desérticas falésias do deserto ocidental.