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ARTIGO ORIGINAL
em crianças e adolescentes abrigados
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Estudo sobre a escrita em crianças e adolescentes abrigados
a segurança emocional, derivada da existência tes utilizam recursos de escola, centros de lazer,
de relações estáveis na vida da criança, pode praças e também a rede municipal de saúde. Na
contribuir para o funcionamento intelectual ocasião da pesquisa, o abrigo acolhia 125 crian-
adequado. ças e adolescentes entre zero e 18 anos, com uma
Segundo Yunes17, a institucionalização pode relação de um cuidador para 20 crianças.
ou não constituir um risco para o desenvolvimen-
to. Esta condição dependerá dos mecanismos Instrumentos
através dos quais os processos de risco opera- Foram utilizados neste estudo:
rão seus efeitos negativos sobre eles, sendo o a) um questionário de identificação, no qual
risco entendido como as condições ou variáveis os participantes informaram os seguintes
que estão associadas a uma alta possibilidade aspectos: nome, idade, sexo, série e insti
de ocorrência de resultados negativos ou não tuição de ensino à qual pertenciam;
desejáveis18. b) Escala de Avaliação de Dificuldades na
Estudos mais antigos apontaram os prejuízos Aprendizagem da Escrita (ADAPE)20 apli
cognitivos que a vivência institucional propor- cado para identificar as dificuldades dos
cionava para as crianças abrigadas, tal como participantes em escrita. O referido ins-
déficit intelectual, especialmente no desenvol- trumento tem sido largamente empregado
vimento da linguagem16,19. em pesquisas sobre avaliação de dificul-
dades na aprendizagem da escrita3,21,22.
MÉTODO O texto contém 114 palavras, com 60 delas
Participantes apresentando algum tipo de dificuldade classi-
Foram incluídos no estudo 20 participantes, ficada como encontro consonantal (tarde, campo
de ambos os sexos, sendo oito meninas e 12 bastante, quando, contaram, festinha, Vanda,
meninos, com idades compreendidas entre oito aniversário, Amparo, brincadeiras, engraçadas,
e 14 anos, atendidas em uma instituição privada esparadrapo, jogando, mercúrio, companheiros,
que se caracteriza por “abrigo”. A composição Márcio, brincar, crianças, gostam, perto, Jumbo,
da amostra partiu de uma listagem, fornecida correndo, gente, Valter, estava, certo, voltar, di
pela Instituição de abrigo. Dentre as crianças vertido, pensando, quente, vontade), dígrafo,
selecionadas aleatoriamente, algumas estavam (quando, lhe, festinha, chácara, chegou, ma-
institucionalizadas em consequência do aban- chucou, joelho, achou, necessário, passar, bur-
dono, outras foram acolhidas na instituição por rico, companheiros, Cássio, cachorro, vizinho,
serem vítimas de violência doméstica (física e chegaram, correndo, quente, velhos, tenho),
sexual), negligência parental ou decisão judicial. sílaba composta (alegre, sobre, brincadeiras, es-
O tempo de institucionalização dos participan- paradrapo, crianças, brincar, outros, engraçadas,
tes da amostra variou de três meses a 10 anos e atrás) e sílaba complexa (José, sobre, engraçadas,
frequentavam a 2ª, 3ª e 4ª séries do ensino fun necessário, seus, Márcio, Adão, crianças, não,
damental de escolas da rede pública estadual, sai, gente, difícil, certo, casa, pensando, verão,
predominando alunos da 2ª série. visitar, aniversário). Além disso, a escala avalia
O abrigo que atendia os participantes por oca também o uso correto de parágrafos, uso correto
sião da pesquisa está localizado em uma cidade da letra maiúscula e acentuação.
da região oeste do Estado. Existe desde 1939, fun- Para essa avaliação, as palavras são utilizadas
cionando como uma Sociedade Civil de Caráter na composição de um texto que conta uma his-
Assistencial, tendo como finalidade a proteção e tória. O instrumento empregado tem uma única
educação da criança, com duração indetermina- versão de aplicação para crianças de 2ª 3ª e 4ª
da e sem fins lucrativos. Encontra-se inserido na séries, utilizando diferentes escalas de avaliação
comunidade, na qual essas crianças e adolescen- para cada uma das séries.
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Vários estudos confirmam que crianças que criança/adolescente por cuidador no abrigo em
são institucionalizadas com pouca idade e per pauta não favorece a construção de laços afeti-
manecem nessa situação por vários anos, apre- vos e significativos de forma a contribuir para o
sentam problemas de desenvolvimento cogni- funcionamento intelectual adequado.
tivo10,13,15,29. O tempo de institucionalização, no Para Santos e Graminha30, a exposição das
caso dos participantes desta pesquisa, parece crianças a um número maior de adversidades
configurar-se um fator importante, visto que afeta seu desenvolvimento na escola. Mesmo
aquelas crianças com mais tempo no abrigo e considerando que as crianças e adolescentes par
que lá chegaram com poucos anos de vida apre- ticipantes deste estudo foram abrigadas por vive-
sentaram maiores dificuldades na aprendizagem rem num contexto de abuso sexual, maus tratos
da escrita, enquanto as crianças e adolescentes e abandono, apresentando uma história de vida
com poucos meses de institucionalização apre- repleta de sofrimento e privações, espera-se que
sentaram um desempenho satisfatório. a institucionalização traga um contexto possível
Os problemas de aprendizagem dessas crian- de desenvolvimento e superação dos prejuízos
ças e adolescentes parecem ser decorrentes, den- afetivos e intelectuais, proporcionando a recupe-
tre outras variáveis, da insegurança emocional ração e crescimento psicológico. Porém, para que
e material fruto da ausência de familiares e de isso seja possível as instituições de abrigo devem
um ambiente estimulador, já que o alto índice de estar configuradas em unidades pequenas, com
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SUMMARY
Study on the writing in sheltered children and adolescents
Purpose: The present study had as propose to identify the quality of the
learning of the writing among institutionalized infants. Methods: Twenty
infants, living in a shelter, of both sexes, aged between 8 and 14 years old,
took part in this study. The data were collected through the test ADAPE -
Assessment of Learning Difficulties in Writing. Results: Results revealed that
most participants agglutinate is below the average of hits. Conclusion: The
institutional experience provides cognitive damage to sheltered children,
particularly in language development.
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