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CENA DO RITUAL.
CASA DE DOLORES
FINAL DO RITUAL.
DOLORES – Foste corajosa. Não há no mundo como a força do desejo. Mas a rua
estava escura demais. Muitas vezes tenho feito estas orações no cemitério com
mulheres que querem ter filhos, e todas elas tiveram medo, menos tu.
YERMA – Eu vim pelo resultado. Acho que tu não és uma mulher que engana.
DOLORES – Eu não sou não. Que a minha língua se encha de formigas, assim como a
boca dos mortos se alguma vez eu menti. A última vez que fiz a reza com uma mendiga
que esteve seca há muito mais tempo do que tu. Seu ventre se adoçou de maneira tão
milagrosa que teve duas crianças ali em baixo, perto do arroio, por que não deu nem
tempo de chegar ao povoado. Ela mesma me trouxe as crianças enroladas em panos
para que eu as arranjasse.
DOLORES – Veio. Com o vestido e os sapatos encharcados de sangue, mas com a cara
rebrilhante.
YERMA – É, Deus é deus . Não podia acontecer nada mesmo. Só agarrar as crianças e
lavar com água fresca. Os animais lambem não é? Eu não tenho nojo de meu filho. Eu
imagino que as recém paridas estão como que iluminadas por dentro . e as crianças
dormem horas e horas em cima delas ouvindo este arroio de leite morno que vai
enchendo os peitos para que eles mamem e brinquem até não querer mais, até
tirarem a cabeça: “um pouquinho mais menino?” ... e ficam com a cara e o peito cheio
de gotas brancas.
YERMA – Eu tenho que ter, por força. Ou eu não entendo o mundo. As vezes quando
estou certa que nunca.... sobe como um fogo vindo dos pés, e ficam vazias para mim
todas as coisas. E os homens que andam pela rua, e os bois e as pedras me parecem
como coisas feitas de algodão. Eu pergunto para mim mesma por que estão ali.
DOLORES – É bom que uma casada queira filhos. Mas se não tem por que este
desespero? O importante, neste mundo , é se deixar levar pelo tempo. Não estou te
criticando. Viu como estou empenhada em te ajudar. Mas que terra espera dar a teu
filho, que tipo de felicidade ou cadeira de prata?
YERMA – Eu não penso no amanhã; penso no hoje. Tu já estas velha e já vê tudo como
um livro lido. Eu penso que tenho sede mas não tenho liberdade. Eu quero ter o meu
filho nos braços para poder dormir tranquila. Me escuta e não te espanta com o que
vou te dizer. Mesmo que eu soubesse que meu filho iria me martirizar e me odiar, e
que um dia iria me arrastar pelos cabelos pela rua, eu receberia com gosto o seu
nascimento. Por que é muito melhor chorar por um homem vivo que nos apunhala, do
que chorar por este fantasma sentado anos e anos em cima do meu coração.
DOLORES – Ouve meu conselho. Enquanto esperas a graça de Deus, deves te ampara
no amor de teu marido.
YERMA – Agora tu enfiaste o dedo na chaga mais funda que existe na minha carne.
YERMA – É bom, é bom oxalá fosse mau. Mas não. Ele vai com as cabras pelo seu
caminho, e de noite conta o dinheiro. Quando nos juntamos cumpre o seu dever, mas
reparo que é frio como se tivesse o corpo morto, eu que sempre tive nojo das
mulheres fogosas, queria ser naquele instante uma montanha de fogo.
DORLORES – Yerma.
YERMA – Não sou uma casada indecente, mas sei que os filhos nascem de um homem
e de uma mulher. Ai se pudesse ter sozinha.
YERMA – Não sofre não. O que acontece é que não quer ter filhos.
YERMA – Vejo isso nos olhos dele. E como não quer, não me dá.. Não o quero mais,
não quero, e no entanto ele é a minha única salvação, por honra e por casta, minha
única salvação.
DOLORES – Vai começar a amanhece daqui a pouco. Deve ir para casa. Daqui há pouco
vem os pastores com seus rebanhos.
YERMA – Não.
BATIDAS NA PORTA
DOLORES – Quem é?
DOLORES ABRE A PORTA. ENTRAM AS DUAS CUNHADAS LOGO ATRAZ ENTRA JOÃO.
JOÃO – O que está fazendo aqui neste lugar? Se pudesse gritar, acordaria toda a aldeia
para que vissem por ande anda a honra de minha casa. Mas tenho que afogar tudo e
me calar, por que é minha mulher.
YERMA – Se eu pudesse grita eu também gritaria para fazer levantar até os mortos e
vissem esta limpeza que me cobre.
JOÃO – Não. Isso não. Aguento tudo, menos isso. Tu me enganas, me enredas e como
sou um homem que trabalha a terra, não consigo entender tuas atitudes.
DOLORES – João.
JOÃO – Desde o dia do casamento que está fazendo. Olhando para mim como duas
agulhas, passando noites e noites em claro ao meu lado enchendo de mau agouro os
meus travesseiros.
YERMA – Eu não vou te deixar falar mais nenhuma palavra. Nem mais uma. Acha que é
só tu e tua gente que tem honra? Esquece que minha casta nunca teve nada para
esconder. Anda. Chega perto de mim e cheira meu vestido: Vem! Vê se encontra um
outro cheiro que não seja o teu, que não seja o de teu corpo. Pode me colocar nua no
meio da praça e cospe-me. Pode fazer comigo o que quiser, já que sou tua mulher,
mas para de pôr nome de homem em cima de meus peitos.
JOÃO – Não sou eu quem põe; és tu mesma com tua conduta. E o povo já começa a
falar. Mas quando chego a uma roda todos se calam, quando vou buscar a farinha,
todos se calam, até de noite no campo parece que se calam as plantas e as ramas da
árvores.
YERMA – Eu não sei de onde vem o mau vento que balança as árvores e me fala, as
árvores não são boas?
JOÃO – Eu não sei o que busca uma mulher a toda hora fora de casa.
YERMA – (Avançando violentamente contra ele) Busco a ti, busco a ti, e tu que busco
dia e noite sem encontrar sombra onde respirar. É o teu sangue é teu amparo que
desejo.
JOÃO – (Segura ela pelo braço com violência) Para com isso.
YERMA – Olha como estou só. Como a lua que procura por si mesma pelo céu.
YERMA – (Desesperada) Quando sai para procurar meus cravos eu tropecei na parede.
YERMA – ( Aos gritos) Maldito seja o meu pai que me deixou seu sangue de pai de cem
filhos. Maldito seja o meu sangue que o busca aos trancos e barrancos pelas paredes.
JOÃO – Cala essa boca. Eu já disse.
YERMA – Não me importa que me escutem, me deixa livre pelo menos a voz, agora
que vou entrando no mais escuro do poço. Deixa que de meu corpo saia pelo menos
esta coisa bela e que encha os ares.
YERMA – Calar a boca. Isso calar a boca, é assim. É inútil retorcer minhas mãos. Uma
coisa é querer com a cabeça...
YERMA - ... Uma coisa é querer com a cabeça, e outra é outra coisa com o corpo,
maldito seja o corpo. Pode me arrastar, mas está escrito e não vou mais me por a lutar
braço a braço com o destino. É assim! Muda fique aminha boca.
CENA DA ROMARIA
CANÇAO DA ROMARIA
CORTEJO DO SANTO