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DEWEY, J. Democracia e Educação.

Tradução de Godofredo Rangel e Anísio crescimento não estamos a referir-nos à ausência de poderes que
Teixeira. 3ª edição. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1959 (Atualidades poderão existir mais tarde; expressamos sim uma força positivamente
Pedagógicas – vol. 21). presente - a aptidão para se desenvolver.
A nossa tendência para considerar a imaturidade como um
simples vazio e o crescimento como algo que preenche a lacuna
entre o imaturo e maduro, deve-se ao modo como encaramos a
infância comparativamente em vez de intrinsecamente. Tratamo-la
simplesmente como uma privação porque estamos a medi-la tomando
a idade adulta como padrão. Esta consideração leva a nossa atenção
a fixar-se naquilo que a criança não tem, e não terá, até que seja um
adulto. Este ponto de vista comparativo é suficientemente legítimo
John Dewey (1859-1952) para alguns propósitos, mas se o considerarmos para todos os casos,
levanta-se a questão se não seremos culpados de uma presunção
arrogante. Se as crianças pudessem expressar-se de uma forma
A educação como crescimento articulada e sincera, contariam uma história diferente; e há uma
excelente autoridade adulta para a convicção de que, para certos fins
1. As condições de crescimento morais e intelectuais, os adultos se devem tornar crianças.
A seriedade da suposição da qualidade negativa das
Ao dirigir as atividades dos jovens, a sociedade determina o possibilidades da imaturidade é aparente quando consideramos que
seu próprio futuro determinando o futuro dos jovens. Uma vez que os ela se estabelece como um ideal e tem como padrão um final
jovens duma determinada época constituirão, numa data posterior, a estático. A realização do ato de crescer é tomada como um
sociedade desse período, a natureza dessa sociedade fundar-se-á crescimento consumado: quer dizer, um Não-Crescimento, algo que
largamente na direção que as atividades das crianças tomaram num já não cresce mais. A linearidade desta assunção é visível pelo fato
período inicial. Este movimento cumulativo de ação, tendo em vista de os adultos se ressentirem por não terem mais possibilidades de
um resultado posterior, é o que se entende por crescimento. crescimento; e à medida que eles descobrem que essas
A condição primária de crescimento é a imaturidade. Isto possibilidades terminaram para eles, lamentam esse fato como uma
pode parecer um mero truísmo - dizer que um ser pode desenvolver- evidência de perda, em vez de recorrerem ao já adquirido como uma
se apenas nalgum ponto no qual ele não está desenvolvido. Mas o manifestação adequada de poder. Por que uma medida desigual para
prefixo “i” da palavra imaturidade significa algo de positivo, não um a criança e para o adulto?
mero vazio ou ausência. É de notar que o termo “capacidade” e Tomada em sentido absoluto, em vez de comparativamente, a
“potencialidade” têm um duplo significado, um sentido negativo e um imaturidade designa uma força positiva ou aptidão - o poder para
sentido positivo. A capacidade pode denotar mera receptividade, crescer. Não temos que extrair ou deduzir atividades positivas de uma
como a capacidade de uma medida de volume para líquidos. criança, como algumas doutrinas educacionais têm feito. Onde há
Podemos entender por potencialidade um estado meramente vida já há atividades excitantes e apaixonadas. O crescimento não é
dormente ou quiescente - uma capacidade de tornar-se algo diferente qualquer coisa feita para as crianças, é algo que elas fazem. O
sob influências externas. Mas também entendemos por capacidade aspecto positivo e construtivo da possibilidade dá a chave para a
uma aptidão, um poder; e por potencialidade potência, força. Agora, compreensão das duas características principais da imaturidade:
quando dizemos que imaturidade significa a possibilidade de dependência e plasticidade.
1. Soa absurdo falar de dependência como qualquer coisa do interesse e atenção aos atos das pessoas. O mecanismo inato da
positiva e ainda mais absurdo falar dela como um poder. No entanto, criança e os seus impulsos tendem a facilitar a conformidade social. A
se todo o desamparo estivesse na dependência, nenhum afirmação de que as crianças, antes da adolescência, são
desenvolvimento poderia ocorrer. Um ser meramente impotente tem egoistamente centradas em si próprias, mesmo que fosse verdadeira,
que ser conduzido, para sempre, pelos outros. O fato da dependência não contradiria a verdade dessa afirmação. Iria simplesmente indicar
ser acompanhada por um desenvolvimento de capacidades, e nunca que a resposta social das crianças é usada em seu próprio favor, não
por um crescente parasitismo, sugere que ela já é construtiva. Ser que ela não existe. Mas de facto, a afirmação não é verdadeira. Os
meramente protegido pelos outros não promove o crescimento, factos que são citados para justificar o alegado egoísmo puro das
porque isso apenas construiria um muro em redor da impotência. Em crianças mostram realmente a intensidade e a diretividade com que
relação ao mundo físico, a criança está desamparada. Falta-lhe ao elas avançam para as suas metas. Se os fins que constituem o seu
nascer, e durante muito tempo após o nascimento, poder para objetivo parecem estreitos e egoístas aos adultos, é apenas porque
construir o seu caminho fisicamente, para construir o seu próprio os adultos (através de uma absorção similar na sua rotina) já
viver. Se a criança tivesse que o fazer por si própria, dificilmente dominaram estes fins, que deixaram consequentemente de interessá-
sobreviveria uma hora. Neste aspecto, o seu desamparo é quase los. O que fica remanescente do alegado egoísmo inato das crianças
completo. As crias dos animais são incomensuravelmente superiores. é, na sua maior parte, simplesmente um egoísmo que corre no
A criança é fisicamente fraca e incapaz de transformar a força que sentido contrário ao do adulto. Para uma pessoa adulta que está
possui para lidar com o ambiente físico. demasiadamente absorvida nos seus próprios afazeres para se
O carácter completo deste desamparo sugere, no entanto, interessar pelos das crianças, estas parecem, sem dúvida,
algum poder compensador. A capacidade relativa das crias dos incompreensivelmente absortas nas suas ocupações.
animais em se adaptarem bastante bem às condições físicas, desde De um ponto de vista social, a dependência denota um poder
uma fase inicial, sugere que a sua vida não está intimamente ligada à mais do que uma fraqueza; ela envolve interdependência. Há sempre
vida daqueles que os rodeiam. São compelidas, por assim dizer, a ter o perigo do aumento da independência pessoal diminuir a capacidade
aptidões físicas porque não têm aptidões sociais. Na espécie social de um indivíduo. Ao torná-lo mais autoconfiante pode levá-lo a
humana, pelo contrário, as crianças podem superar as suas ser mais autossuficiente, o que pode conduzir a um distanciamento e
incapacidades físicas precisamente através da sua capacidade social. indiferença. Frequentemente leva o indivíduo a ser tão insensível nas
Por vezes, falamos e pensamos como se elas simplesmente suas relações com os outros, bem como a desenvolver a ilusão de
estivessem fisicamente num meio social; como se as forças sociais ser realmente capaz de se manter e agir sozinho - uma forma de
estivessem exclusivamente nos adultos que tomam conta das insanidade que é responsável por uma grande parte do sofrimento do
crianças e elas não passassem de recipientes passivos. Se se mundo, que pode ser remediado.
dissesse que as crianças são, elas próprias, maravilhosamente 2. A adaptabilidade específica de uma criatura imatura para
dotadas, desde o nascimento, com o poder de obter a atenção crescer constitui a sua plasticidade. Ela é bem diferente da
cooperativa dos outros, seria considerada uma maneira indireta de plasticidade da massa ou da cera. Não é uma capacidade de mudar
dizer que os outros estão atentos às necessidades das crianças. Mas de forma de acordo com pressões externas. É parecida com a
a observação mostra que as crianças estão dotadas de uma elevada maleabilidade que faz com que algumas pessoas tomem as cores do
capacidade para a relação social. Poucos adultos retêm a capacidade seu meio envolvente, retendo, contudo, a sua própria tendência. Mas
flexível e sensível das crianças para vibrarem empaticamente com as é algo mais profundo que isto. É essencialmente a capacidade de
atitudes e atos daqueles que as rodeiam. A desatenção com as aprender com a experiência; o poder de reter de uma experiência
coisas físicas é acompanhada por uma correspondente intensificação qualquer coisa que terá utilidade no confronto com as dificuldades de
uma situação posterior. Isto significa poder para modificar ações com jovens. A presença de seres dependentes e em processo de
base nos resultados de experiências anteriores, o poder para aprendizagem é um estímulo à educação e ao afeto. A necessidade
desenvolver atitudes. Sem ela, a aquisição de hábitos é impossível. de cuidado constante e continuado foi, provavelmente, um meio
É um dado corrente que as crias dos animais superiores, e fundamental na transformação de coabitações temporárias e em
especialmente os humanos jovens, têm que aprender a utilizar as uniões permanentes. Foi certamente uma influência importantíssima
suas reações instintivas. O ser humano nasce com um número de na formação de hábitos de afetividade e solidariedade; esse interesse
tendências instintivas maior que outros animais. Mas os instintos dos construtivo no bem-estar dos outros, que é essencial à vida em
animais inferiores aperfeiçoam-nos para uma ação apropriada na fase sociedade. Intelectualmente, este desenvolvimento moral significou a
inicial, logo após o nascimento, enquanto que a maior parte dos introdução de novos objetos de atenção; estimulou a previsão e a
instintos do bebê humano tem pouca importância tal como se planificação do futuro. Assim, há uma influência recíproca. A
apresentam. Um poder inato e especializado de adaptação assegura complexidade crescente da vida em sociedade requer um período de
eficiência imediata, mas, tal como um bilhete de comboio, é válido infância mais longo para a aquisição dos poderes necessários; este
para um percurso apenas. Um ser que, para usar os olhos, os prolongamento da dependência significa prolongamento da
ouvidos, as mãos e as pernas têm que experimentar fazendo plasticidade ou poder de adquirir modos de controle novos e
combinações variadas das suas reações, adquire um controle que é variáveis. Por isso ela proporciona mais um avanço no progresso
flexível e variado. Um pinto, por exemplo, debica com precisão a social.
comida poucas horas após o nascimento. Isto significa que
coordenações perfeitas da atividade dos olhos em ver e do corpo e ********************************************************************************
cabeça em dar bicadas aperfeiçoam-se em poucas tentativas. Uma
criança necessita de aproximadamente seis meses para ser capaz de
medir com uma precisão aproximada a ação de agarrar, que
coordenará com a sua atividade visual; ou seja, dizer se ela consegue
agarrar um objeto visualizado e como executa o movimento de
agarrar. Assim, o pinto está limitado pela perfeição relativa do seu
talento original. A criança tem a vantagem da multiplicidade das
reações instintivas de tentativa e das experiências que as
acompanham, embora esteja em desvantagem temporária porque
elas se cruzam. Ao aprender uma ação, em vez de a receber já feita,
aprende-se a variar os seus fatores, a fazer combinações variadas
com eles de acordo com as circunstâncias. Uma possibilidade de
progresso contínuo é aberta pelo fato de que, ao aprender um ato,
são desenvolvidos métodos para serem usados noutras situações.
Mais importante ainda é o fato de o ser humano adquirir o hábito de
aprender. Ele aprende a aprender.
A importância para a vida humana dos dois fatos
da dependência e controle variável foi resumida na doutrina do
significado da infância prolongada. Este prolongamento é significativo
quer do ponto de vista dos membros adultos do grupo, quer do dos

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