Você está na página 1de 10

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/352296806

DATAÇÃO DE DOCUMENTOS ATRAVÉS DO ESTUDO DE SUAS TINTAS

Conference Paper · March 2021

CITATIONS READS

0 1,183

1 author:

Daniela Regina Bazuchi Magalhães


University of Brasília
5 PUBLICATIONS 2 CITATIONS

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Daniela Regina Bazuchi Magalhães on 10 June 2021.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


DATAÇÃO DE DOCUMENTOS ATRAVÉS DO ESTUDO DE SUAS TINTAS

MAGALHÃES; Daniela Regina Bazuchi 1

RESUMO

1. INTRODUÇÃO
“Documentoscopia” não é um termo ao qual um aluno de química é apresentado,
muito embora um estudante de direito o conheça. Isso porque, “no âmbito forense, a
Documentoscopia é a ciência que se dedica ao estudo de documentos, no sentido
de determinar a sua veracidade ou não veracidade para fins judiciais”.[1] Os crimes
de falsidade material ferem a fé pública, que é um bem tutelado pelo Estado; tais
condutas antijurídicas estão tipificadas nos artigos 297 e 298 do Código Penal, [2]
que tratam da falsificação de documentos públicos e particulares, respectivamente.
Aqueles que falsificam documentos ou os alteram, e aqueles que fazem uso de
documentos falsos podem, a depender do caso, estar sujeito a uma pena de prisão
de seis anos ou mais. Cabe ao direito, face à gravidade do delito, investigar se
houve a tentativa ou o crime consumado, se houve dolo ou culpa, concurso de
crimes, qualificação do crime.[3]
Em juízo, nos casos em que se fizer necessário conhecimento especializado
para analisar a prova do fato, o Código de Processo Civil prevê ao juiz a assistência
de um perito judicial, que deve ter comprovada expertise no assunto.[4] De sua
parte, no estudo da peça, deve o perito atentar:

· ao estudo da escrita manual (grafotécnica);


· ao estudo da impressão mecânica da escrita (mecanografia);
· ao exame dos selos, das molduras, brasões, carimbos e demais adereços
documentais;
· ao estudo do suporte (que é costumeiramente o papel);
· ao estudo das tintas apostas sobre a mídia, quer manuscritas quer impressas;
· ao estudo de documentos digitais (como nas extensões pdf, jpg) e de
assinaturas digitais neles anexadas;
· à interpretação dos sulcos, esquírolas, estrias e outros sinais diagnósticos que
permitam a identificação do instrumento escrevente;
· ao exame, quando cabível, de papel-moeda e de moedas metálicas.

Como não há no Brasil habilitação de nível superior que ampare a atuação em


Documentoscopia e Grafotécnica, peritos de diversas graduações se habilitam na
área, depois de receberam formação oferecida por entidades privadas. A Academia
Nacional de Polícia (ANP) é, por sua vez, a única entidade pública que declara
oferecer um curso de pós-graduação na modalidade presencial em
Documentoscopia, na área de conhecimento de Segurança Pública.[5] O quadro
abaixo ilustra a diversidade de profissionais que atuam enquanto peritos judiciais
em Documentoscopia e Grafotécnica nos Tribunais Judiciais de São Paulo e Distrito
Federal e Territórios.[6]
Gráfico 1. Proporção entre as graduações daqueles que atuam como peritos
judiciais independentes junto aos órgãos TJDFT e TJSP.

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


Contudo, o estudo do documento questionado exige a aplicação de técnicas de
análise destrutivas e não destrutivas, intencional e metodologicamente aplicadas,
para caracterização e prova do falso material, e esse conjunto de conhecimentos
científicos pertence quase integralmente à Química. Neste sentido, constituem um
verdadeiro desafio químico de grande demanda judicial, no campo da
Documentoscopia, as seguintes linhas de pesquisa:

· datação de documentos;
· identificação da prioridade de lançamentos em sobreposição de traços;
· identificação e/ou diferenciação de tintas apostas nos grafismos;
· identificação do instrumento escrevente ou da técnica de impressão;
· avaliação do envelhecimento do substrato em função das variáveis ambientais;
· avaliação de lavagem química ou de supressão física de elementos textuais.

O estudo físico-químico da peça questionada começa com a observação sob


estereomicroscópio dos lançamentos e da mídia, para fazer uma análise morfológica
dos grafismos e levantar anacronismos documentais. O emprego de luz transmitida,
incidente ou oblíqua à peça, a variação do comprimento de onda da luz emitida
(investigando regiões dos espectros ultravioleta e visível) e a aquisição de imagens
digitais é possível, por exemplo, quando do emprego de um comparador espectral
de vídeo.[7] Esse protocolo pode preliminarmente revelar calcografias, sulcos,
imagens latentes, elementos de segurança do suporte, além de distinguir tintas com
composições químicas diferentes (diferentes tons de azul ou preto, ou fluorescentes).
Uma alternativa recente e mais barata de análise visual emprega o aplicativo
PhotoMetrix PRO® que, utilizado em smartphones, permite a distinção de traços de
diferentes marcas de caneta pela análise das fotografias por eles registradas.[8]
Depois do tratamento inicial, não sendo possível responder aos quesitos da
perícia, torna-se necessário o emprego de técnicas mais sofisticadas, mais lentas,
mais caras. Para tanto, é necessário conhecimento químico do objeto: tintas, papéis
e ferramentas quimiométricas.

2. COMPOSIÇÃO DAS TINTAS


Chamam-se tecnicamente de instrumentos escreventes as canetas
esferográficas (em inglês, ballpoint pens), canetas rollerball, tinteiro, fineliner,
carimbos. As tintas dos instrumentos escreventes são uma mistura complexa de
colorantes, veículos, resinas e aditivos (Tabela 1[9] e Gráfico 2).

Tintas de canetas esferográficas são à base de óleos orgânicos viscosos; tintas


de canetas do tipo rollerball são ou à base de água ou do tipo gel. O solvente mais
comum em canetas esferográficas é o 2-fenoxietanol (2-FE); usam-se também o
propilenoglicol, etoxietanol, fenoxietoxietanol, álcool benzílico, etilenoglicol, entre
outros (Figura 1).[12] A cinética de evaporação dos solventes deve ser rápida: após
duas semanas da deposição da tinta sobre a caneta, observa-se a quantidade de 2-
FE por centímetro de escrita é inferior a 0,1 mg[13] e, em menos de 18 meses, este
valor já se aproxima do limite de detecção das técnicas analíticas aplicáveis (que é
de 0,00194 mg.mL-1 para CG/MS).[14] Ademais, o comportamento de evaporação
desses solventes depende da composição da tinta, da pressão da escrita (que
determina a quantidade de material depositado) e do armazenamento.[15] Mesmo
assim, na datação de documentos, é possível traçar um perfil de evaporação em
função do tempo,[16] bem como calcular parâmetros de envelhecimento das
tintas,[17] para então prever o tempo em que a tinta esteve depositada sobre o papel.

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


2
Por sua vez, os principais corantes componentes da formulação das canetas são
cristal violeta (basic violet 3), metil violeta (basic violet 1), etil violeta (basic violet 4),
Victoria Blue B (basic blue 26), Victoria Blue BO (basic blue 7), Rodamina B (basic
violet 10), diversas aril guanidinas, ftalocianinas de cobre e derivados[18] (Figura 2).
Desde 2004[19] o emprego de cromatografia gasosa acoplada a espectrômetro de
massa, seguido de tratamento estatístico dos dados, identifica as formas
moleculares e ionizadas desses corantes, acusando suas sucessivas
fotodegradações, e relacionando-as como com a evolução do tempo: por exemplo,
somente amostras com mais de dois anos do lançamento da tinta apresentam a
primeira demetilação do corante cristal violeta; por outro lado, a segunda
degradação do Victoria Blue B só acontece depois de quatro décadas.[20]

3. DATAÇÃO DE DOCUMENTOS
À luz desses comentários iniciais, há diferentes abordagens para datar um
documento. É possível estudá-lo pelo método cinético, ao comparar a composição
química da tinta ou do papel com um banco de dados que discrimina esses materiais
em função do tempo. Por exemplo, a história recolhe que as primeiras canetas
esferográficas surgiram em 1943, canetas rollerball são dos anos 70 e canetas de
gel foram comercializadas depois de 1984. Outro exemplo: os papéis começaram a
ser branqueados com alvejantes óticos somente depois de 1950; e há vários outros
eventos relativos à composição e procedimento de tintas e papéis que servem de
referência cronológica.
O método dinâmico relaciona a evolução de propriedades físico-química das
tintas (colorantes, solventes, resinas) e do substrato em função do tempo; vejamo-lo.

3.1) MONITORAÇÃO DOS CORANTES NAS TINTAS EM FUNÇÃO DO TEMPO


Dentre todos os componentes das tintas, os corantes são os mais estáveis: observar
seus comportamentos ao longo dos anos é vantajoso do ponto de vista pericial,
tendo em conta que se vão anos até que um documento questionado chegue na
mão do perito para análise, dentro da dinâmica das contendas judiciais. Ademais,
fatores como composição do suporte, temperatura, umidade influenciam menos no
processo de degradação dos corantes, sendo que o fator determinante é a sua
exposição à luz. Para o perito, quanto menor o número de variáveis envolvidas na
degradação das tintas, tanto melhor a análise. Na Química, as principais reações de
degradação são assim descritas:

a) N-demetilação: as gem-metilas ligadas a nitrogênio no corante são


gradativamente substituídas por hidrogênio sob ação da luz.[21]

b) Quebra foto-oxidativa do carbono fenílico central, tendo como produtos a


benzofenona e fenol. O mecanismo mais provável propõe o ataque do oxigênio
singlete segundo ilustrado na figura abaixo.[22]

c) Fotorredução da forma catiônica excitada do corante à sua forma leuco. O


fotocromismo pode ocorrer via hidrogenação catalisada por radiação, como pela
redução do corante em um de seus estados excitados.[23]

Em 2009, num breve capítulo intitulado “Ink analysis”, A. A. Cantú indica como
marcador temporal o processo de demetilação do corante Cristal Violeta em Metil
Violeta, que por sua vez se transforma no Tetrametil-p-Rosalina, etc.[25] Para
separação dos componentes da tinta usa-se cromatografia líquida de alta eficiência
acoplado a aparelho de detecção por espectrometria de massa (CLAE-EM). Para
ilustrar a técnica cabem os seguintes exemplos: quando presentes, podem ser

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


3
monitorados os íons de Metil Violeta (cujo pico aparece na razão de massa/carga,
m/z, igual 372), Etil Violeta (m/z 456), Basic Blue 26 (m/z 470) e Basic Blue 7 (m/z
478).
Concretamente, em 2013 Jones e McClelland utilizaram a técnica de
espectrometria de massa DART MS (do inglês, direct analysis in real time mass
spectrometry) para avaliar uma variedade de papéis (foram 16) e a relação destes
com três tintas de canetas diferentes, ao longo de 11 meses, sem a separação prévia
dos corantes. Os dados coletados foram confrontados com 166 amostras de tintas
bem datadas, e o percentual de correlações corretas dentro do modelo variou entre
os valores de 77% (caso de canetas tinteiro azuis) até 100% (para canetas azuis
esferográficas).[26]
Gorshkova et al publicaram em 2016 uma pesquisa com abordagem diferente. A
equipe elaborou uma tinta contendo 13 colorantes; dela foram feitos traços em
papéis, conservados em condições ambientais diferentes (luz natural, em ausência
de luz, luz artificial, temperaturas diferentes). Os colorantes tiveram seus espectros
gerados por espectroscopia Raman em intervalos de tempo diferentes (10 anos de
observação para os documentos envelhecidos naturalmente; e 300 minutos para
aqueles envelhecidos artificialmente), o que permitiu traçar diferentes curvas de
intensidade da razão dos picos de colorante/solvente em função do tempo, em um
perfil temporal de degradação das tintas [Ref. 16].
Em 2017, Díaz-Santana e colaboradores acompanharam a concentração de 17
solventes e 13 corantes de duas amostras de tinta (uma azul e outra preta) de uma
Montblanc® ao longo de 45 meses, através das técnicas de cromatografia líquida de
alta pressão com detecção fotodiodo (HPLC/DAD) (para análise dos corantes) e
CG/EM (para monitoramento dos solventes). Pelo emprego do método estatístico de
regressão multivariada, eles puderam criar um modelo, validá-lo, definir quais
componentes químicos têm maior peso dentro do modelo, e prever a idade da tinta
com uma discordância variou entre 4 a 7 meses.[27]
Ainda em 2017 Sharma et al. conseguiram datar documentos com um erro médio de
± 10 dias, em um método modelado para uma marca de caneta azul comum na
Índia.[28] Os lançamentos dessa caneta envelheceram naturalmente por 267 dias,
em ambiente escuro com temperatura e umidade controladas. A certos intervalos de
tempo as tintas foram caracterizadas por espectroscopia UV-Vis. Os picos de
máxima absorção (entre 580-584 nm, entre 300-304 nm e entre 246-250nm) foram o
input para uma análise de regressão linear multivariada: propôs-se uma curva que
melhor descrevesse o envelhecimento das tintas em função do tempo, e validou-se
tal curva estatística e experimentalmente, utilizando-a na previsão de datas de
documentos reais.
No ano seguinte (2018) a mesma equipe de Díaz-Santana comparou seis marcas
de canetas esferográficas diferentes, acompanhando as concentrações de mais de
sete solventes e mais de dez corantes, ao longo de dois anos, para concluir como
relevante a razão entre os componentes Cristal Violeta (e, com o tempo, o Metil
Violeta e Metil Violeta B), 2-FE, álcool benzílico. Tais proporções foram capazes de
prever corretamente, dentro do modelo validado, a idade calculada das tintas.[29]
Ainda em 2018 Ortiz-Herrero et al. propuseram o método “Datuvink” de datação
de tintas em documentos.[30] Criou-se um banco de espectros UV-vis-NIR colhidos
para as tintas pretas esferográficas da marca Inoxcrom®, envelhecidas
artificialmente. Sobre ele aplicou-se o método de regressão por mínimos quadrados
parciais, que pôde prever corretamente tintas com até 5 anos de idade, com um erro
sobre a acurácia de até 25%. Apesar do “Datuvink” ter sido modelado somente para
a marca em questão, conclui-se que também podia responder -com uma incerteza
maior- para as marcas Milan® e Paper Mate®. Contudo, o método exige uma
quantidade de tinta superior à média disponível em documentos reais, impondo-o
uma grande limitação.
Por isso, em 2020 Ortiz-Herrero e novos colaboradores apresentaram uma
proposta metodológica mais aplicável.[31] Nela, canetas de tinta azul de sete

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


4
marcas diferentes foram envelhecidas naturalmente por dois anos e foram
caracterizados por Vis-microespectrofotometria (Vis-MSP). Os dados foram tratados
por PCA, HCA e OPLS. O protocolo estatístico gerado foi capaz de selecionar (ou
descartar) amostras de tintas por seus perfis químicos e de idade, prevendo então
corretamente aquelas elegíveis com r<0,05 e erro de acurácia inferior a 25%.
Em 2019, Costa e colaboradores monitoraram a perda dos grupos metila ou etila
(através do estudo dos espectros gerados por TOF-MS) de sete corantes presentes
em 505 amostras de tintas, pertencentes aos anos de 1964 até o de 2004. Com o
emprego do método estatístico ULT (do inglês, Unsupervised Linkage Threshold)
pôde-se validar uma proposta de distinção das amostras e de correta vinculação de
amostra à sua idade. Assim, para tintas que contivessem o corante 1,3-dimetil-1,3-
ditolilguanidina, foi possível datar os documentos com um desvio máximo de 8 anos,
com um intervalo de confiança igual a 95%.[32]

3.2) MONITORAÇÃO DOS SOLVENTES NAS TINTAS EM FUNÇÃO DO TEMPO


No mesmo resumo de 2009, Cantú propõe sete diferentes propostas de datação
de documentos em função do tempo através do acompanhamento do
comportamento do solvente.25 É possível a aferição direta de solvente extraído da
amostra em função do tempo; o estudo das razões de concentração de um corante
pelo solvente (método que responde corretamente documentos que tenham até 3
anos); a monitoração por espectroscopia de infravermelho dos picos dos grupos OH,
CH e CO para descrição do processo de vaporização do solvente (numa abordagem
que prevê a datação de documentos com até 20 anos de idade); a utilização de
microscopia com luz polarizada para avaliar as mudanças químicas na superfície e
no centro dos lançamentos com tinta, mudanças que ocorrem por conta da perda do
solvente ao longo dos anos.
A última década reúne artigos relevantes no tema. Em 2012, A. A. Cantú propõe
um modelo matemático que descreve a evaporação do solvente (2-FE) da tinta
depositada em um substrato,[33] como uma alternativa mais simples e precisa do
que aquela proposta por Lociciro et al.[34] São considerados a proporcionalidade
estabelecida entre a taxa de evaporação e a pressão de vapor da solução, bem
como daquela e a superfície de contato da solução; a obediência à lei de Raoult; e
que uma pequena fração do solvente permanece presa em solução dada a
polimerização das resinas e formação do filme na superfície. O modelo permite a
compreensão da evolução dos fenômenos físico-químicos envolvidos no processo
de evaporação do solvente e do peso que cada fenômeno tem em função do tempo.
Delineiam-se, portanto, aspectos que não são mensuráveis experimentalmente, mas
que podem ser caracterizados e postos à prova matematicamente.
Em 2014 Agnés Koenig e colaboradores apresentaram uma pesquisa feita em
três laboratórios de duas cidades diferentes, utilizando uma mesma metodologia
para quantificar o 2-FE de amostras de tintas de idades conhecidas, a fim de
estabelecer a melhor calibração do aparelho, a repetibilidade, a reprodutibilidade do
método, além de avaliar a influência da composição das tintas e a influência do
suporte nas curvas de envelhecimento.[35] O método analítico foi o de dessorção
térmica do solvente, seguida de cromatografia gasosa e detecção/quantificação por
espectrometria de massa. Duas abordagens matemáticas foram empregadas para
avaliação de qual proporcionaria a melhor modelagem teórica sobre os dados
experimentais. Conclui-se que as curvas de decaimento da concentração do
solvente são muito sensíveis à composição inicial da tinta e às condições de
conservação do documento, fugindo os modelos teóricos da curva experimental
colhida para idades superiores à de dois anos.
No ano seguinte, a abordagem de Koenig et al. foi diferente.[36] Utilizando
cromatografia gasosa acoplada a um espectrômetro de massa, oito solventes
diferentes foram quantificados em amostras com datas bem determinadas e
diferentes entre si. O trabalho estabeleceu quatro parâmetros diferentes (quantidade
do 2FE em um pico, área relativa do pico, a taxa de perda do solvente, e uma taxa

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


5
modificada de perda do solvente-calculada para a área relativa do pico). Os limites
do intervalo de confiança foram construídos; a repetibilidade dos parâmetros em
função do tempo foi avaliada; a pressão da escrita, a condição de armazenamento
do documento, a composição química inicial da tinta: todos esses aspectos foram
delineados em quinze medições realizadas ao longo de um ano. Concluiu-se que os
parâmetros de área relativa do pico e a taxa modificada de perda do solvente foram
os melhores indicadores na curva de envelhecimento da tinta; ademais, tintas que se
degradam mais lentamente são mais sensíveis às condições ambientais de
armazenamento da peça.
Ainda em 2015, San Román e equipe apresentaram o método “Datink” para
datação de tintas de canetas esferográficas.[37] Quatro canetas de tintas pretas ou
azuis (incluindo uma Bic azul brasileira) tiveram seus solventes extraídos,
identificados e detectados por MHS-SPME (multiple headspace solid-phase
microextraction), técnica que promove extrações consecutivas do analito na mesma
amostra, permitindo que este reestabeleça seu equilíbrio na pressão de vapor antes
da próxima coleta, até sua completa extração. O parâmetro b foi calculado, sendo ele
a fração remanescente do analito ainda presente no sistema, tão logo retornado ao
equilíbrio. b demonstrou ser um excelente parâmetro para datação absoluta das
tintas, prevendo uma idade de até cinco anos com desvio padrão variando entre
0,002 a 0,004. Contudo, o método só foi validado para um pequeno conjunto de
tintas, e sobre um substrato bastante específico, e não vale para outras
circunstâncias.
Cantú tornou a publicar em 2015, discutindo uma nova modelagem matemática
para a descrição da cinética de evaporação dos solventes.[38] Acrescentou à
equação a preocupação em contornar adequadamente o momento no qual há um
máximo na aceleração da evaporação, além de representar o desvio da idealidade
prevista na Lei de Raoult. A expressão matemática descreve as quatro fases no
processo de secagem da tinta: inicia-se com o crescimento da taxa de secagem,
seguido por um intervalo de manutenção dela, e por seu decaimento, processo que
se conclui com a cessão da evaporação dos solventes. Assentou-se assim um
modelo de mais ampla aplicação, passível de adequação das constantes para
representar uma gama maior de sistemas tinta-suporte.
Dois anos depois vê-se novo artigo do Antônio Cantú.[39] Ele relata e interpreta
curvas de envelhecimento em função da perda de solvente geradas em diferentes
laboratórios no estudo de datação de documentos reais. Cantú realça que a
incompleta extração do solvente e a variação de condições de armazenamento da
peça levam a deformações da curva que descreve a fase três de evaporação dos
solventes. Ele também relata que as tintas ricas em resinas, como as esferográficas
tradicionais, modulam de forma especial a taxa de evaporação dos solventes, tendo
em conta que o filme que se cria em decorrência da polimerização superficial
encapsula precocemente o solvente no meio. Por fim, ele faz um resumo dos sete
métodos diferentes então conhecidos de datação de documentos pela quantificação
de solvente em função do tempo, contribuindo para a escolha dos melhores
parâmetros experimentais na análise de um caso real.
À luz dessa discussão, foi-se necessário repensar sobre os métodos analíticos
de extração dos voláteis e de caracterização das substâncias. Carina Maria Bello de
Carvalho pesquisa na área de Documentoscopia como perita criminal federal na
Superintendência do Rio Grande do Sul, defendeu sua tese sobre o tema em 2018,
[40] e publicou em 2018[41] e em 2019.[42] Em seu primeiro artigo, de Carvalho e
colaboradores estudaram a composição total de 33 canetas azuis e 16 canetas
pretas, todas brasileiras, por ESI-Orbitrap. A técnica combina espectrometria de
massa de alta resolução (de boa sensibilidade, alto poder de resolução de massa, e
informa com alta acurácia- na quarta casa decimal- a razão carga/massa) com
ionização por electrospray. Gerados os espectros dos grafos lançados sobre um
mesmo papel, os picos foram tratados com análise estatística multivariada PCA e
HCA, conseguindo discriminar e diferenciar todas as tintas. Foi suficiente a seleção

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


6
de 18 substâncias diferentes para caracterizar as tintas azuis (entre corantes,
solventes, resinas e substâncias de atuação desconhecida) e, para as pretas, a
eleição de 16 substâncias provou poder discriminante da ferramenta estatística.
Já em 2019 a estratégia da pesquisa do grupo foi diferente. Para o 2-FE,
utilizando CG-MS, foram determinados os aspectos conhecidos como figuras de
mérito, a citar: a linearidade das curvas de quantificação do solvente, a
repetibilidade do método analítico, a precisão ao variar ou operador e o dia de
condução da análise, a reprodutibilidade do método ao utilizar diferentes
cromatógrafos + espectrômetros de massa, a detecção e quantificação dos limites do
método, a robustez do método. A seguir, quantificaram a influência do suporte na
extração do 2-FE, considerando-o: branco ou reciclado, 90 ou 75 g.cm2 de
gramatura, a cor da tinta sendo azul ou preta, e a recenticidade da tinta (recente,
mais de um ano do lançamento ou mais de dois anos do lançamento). Comprovou-
se a adequação do método CG/MS para extração do 2-FE, bem como a grande
influência do papel sobre a extração desse solvente.

4. CONCLUSÃO
As pesquisas mais recentes permitem avaliar um intervalo de tempo no qual um
lançamento foi aposto sobre um documento, tendo em conta um (idealmente)
pequeno grau de incerteza associado, quando:
· Se conhece o instrumento escrevente e, principalmente, sua tinta. Esse
conhecimento pode ser declarado pelas partes e/ou reconhecido pelo perito,
utilizando técnicas de separação como cromatografia líquida ou gasosa acopladas a
espectrômetros de massa de alta resolução. A posse da tinta permite um ensaio de
envelhecimento artificial e a construção de uma curva de envelhecimento em função
da perda de solvente, amparando a perícia;
· Se conhece o papel sobre o qual foi feito o grafismo, e quando se tem alguma
informação da forma com que ele envelheceu;
· O documento questionado tem até 1 ano e meio de idade, situação na qual é
confortável quantificar os solventes e as razões entre corantes-solventes, para
entender em que momento de envelhecimento a peça está;
· Ou quando o documento tem mais de 2 anos de idade, circunstância na qual
se inicia a demetilação dos corantes. Então a razão entre a intensidade dos picos do
corante e de seus derivados podem indicar a idade do documento.

Raramente uma peça questionada vem acompanhada de tanta informação para


iluminar o perito. Datações absolutas são muito difíceis de ser obtidas. Os
parâmetros que interferem na extração dos solventes e na degradação das tintas são
muitos (tipo de papel, gramatura do papel, luz, umidade, composição inicial da tinta)
e ainda não se quantificou o peso desses fatores sobre o envelhecimento de cada
tinta. É mais viável, portanto, um caminho de datação relativa, alternativa na qual se
avalia a razão entre algum componente e o solvente em diferentes trechos do
documento, para supor, caso essas razões sejam estatista e significativamente
diferentes, que aqueles trechos estudados divergem quanto à data em que foram
apostos. Também está mais sedimentado o caminho metodológico que relaciona a
concentração do solvente, primordialmente do 2-FE, em documentos com até 1 ano,
1 ano e meio de idade- há estudos com tintas nacionais, tintas estrangeiras, com
técnicas analíticas um pouco diferentes, curvas matemáticas, parâmetros de
observação validados.
Porém não é frequente que chegue às mãos do perito, numa querela judicial, um
documento tão recente: na minha experiência, eles costumam pelo menos cinco
anos ou mais. Por isso, o estudo da cinética de degradação dos corantes,
confrontado com informações experimentais colhidas em banco de dados digno de
fé pública, são também muito importantes na Documentoscopia. Estudos como o de
Costa são promissores, uma vez que a relação da perda de etilas ou metilas ligadas
aos nitrogênios nos corantes em função do tempo, num estudo longo por TOF-MS

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


7
(ou Maldi-TOF-MS ou ESi-MS, a depender do analito) em documentos bem
datados, tem o potencial de fornecer parâmetros menos dependentes das variáveis
supracitadas.
Concluo este artigo com o desejo de contribuir (para um futuro próximo) com
artigos que iluminem o cenário multivariado de envelhecimento de tintas e perda de
solventes através da modelagem teórica-computacional dos sistemas físico-
químicos tinta-papel, considerando os parâmetros já conhecidos na descrição
matemática e experimental dos fenômenos.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Sítio oficial da Associação Portuguesa de Ciências Forenses,
http://apcforenses.org, acessado em 22 de fevereiro de 2021.
[2] Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
[3] Oliveira, G. S. “Falsidade documental dos crimes contra a fé pública”, JusBrasil,
2016.
[4]
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.105-
2015?OpenDocument
[5] http://www.pf.gov.br/anp/educacional/pos-graduacao/documentoscopia, acessado
em 22 de fevereiro de 2021.
[6] https://www.tjsp.jus.br/auxiliaresjustica/auxiliarjustica/consultapublica e
https://www.tjdft.jus.br/informacoes/peritos/copy_of_peritos-ativos, acessado em 22
de fevereiro de 2021.
[7] Silva, V. A. G. da, Talhavini, M., Zacca, J. J., Trindade, B. R.; Braga, J. W. B.
Journal of the Brazilian Chemical Society. 2014 doi:10.5935/0103-5053.20140140
[8] Gorziza, R. P.; de Carvalho, C. M. B.; González, M.; Ortiz, R. S.; Helfer, G. A.;
Ferrão, M. F.; Limberger, R. P.; “Blue Ballpoint Pen Inks Differentiation using
Multivariate Image Analysis of Digital Images Captured with PhotoMetrix PRO®”
Brazilian Journal of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics 2020, 9(3), 331-
355.
[9] Zlotnick, J.A.; Smith, F.P. J. Chromatogr. B 1999, 733, 264-272.
[10] https://colour-index.com/cicn-explained, acessado em 22 de fevereiro de 2021.
[11] https://colour-index.com/definitions-of-a-dye-and-a-pigment, acessado em 22 de
fevereiro de 2021.
[12] Brunelle, R. L.; Crawford, B. A.; “Advances in the Forensic Analysis and Dating
of Writing Ink” Springfield: Editora Charles C Thomas, 2003.
[13] Weyermann, C.; Schiffer, B.; Margot, P.; Science and Justice 2008,48, 118-125.
[14] Carvalho, C. M. B.; Ortiz, R.S.; Limberger, L. P. Quim. Nova, 2019,42(1), 42-48.
[15] Koenig, A.; Magnolon, S.; Weyermann, C.; Forensic Sci. Int. 2015, 252, 93.
[16] Gorshkova, K. O.; Ilya I. Tumkin, Liubov A. Myund, Andrey S. Tveryanovich,
Andrey S. Mereschenko, Maxim S. Panov, Vladimir A. Kochemirovsky Dyes na
Pigments 2016 doi:10.1016/j.dyepig.2016.04.009
[17] Koenig, A.; Bügler, J.; Kirsch, D.; Köhler, F.; Weyermann, C.; J Forensic Sci.
2015, 60 (S1), S152.
[18] Weyermann, C.; Schiffer, B.; Margot, P.; Sci. Justice 2008, 48, 118.
[19] Hofer, R.”Dating of Ballpoint Pen Ink” Journal of Forensic Sciences, 2004, 49, n.
6.
[20] Costa, K. F. F.; Brand, G. D.; Grobério, T. S.; Braga, J. W. B; Zacca, J. J.;
Microchemical Journal 2019, 147, 1123-1132.
[21] Weyermann, C.; Kirsch, D.; Vera, C.C.; Spengler, B.; J Forensic Sci 2009, 54,
339–45.
[22] Kuramoto N, Kitao T. Dye Pigment 1982, 3, 49–58. doi: 10.1016/0143-
7208(82)80012-0.
[23] Caine MA, McCabe RW, Wang L, Brown RG, Hepworth JD. Dye Pigment 2001,
49, 135–143.
[24] Blázquez-Castro, A., Stockert, J. C., Sanz-Rodríguez, F., Zamarrón, A., &

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


8
Juarranz, A. Photochemical & Photobiological Sciences,2009, 8(3),
View publication stats

371.doi:10.1039/b818585a
[25] Cantú, A. A. Wiley Encyclopedia of Forensic Science,
doi:10.1002/9780470061589.fsa332
[26] Jones, R. W.; McClelland, J. F.; Forensic Science International 2013
doi:10.1016/j.forsciint.2013.04.016.
[27] Diaz-santana, O.; Vega-Moreno, D.; Conde-Hardisson, F. J Chromatogr A., 2017,
1515, 187-195.
[28] Sharma, V.; Kumar, R. Microchemical Journal 2017 doi:
10.1016/j.microc.2017.05.014
[29] Diaz-santana, O.; Conde-Hardisson, F.; Vega-Moreno, D. Microchemical
Journal, 138, (2018), 550-551.
[30] Ortiz-Herrero, L.; Bartolomé, L.; Durán, I.; Velasco, I.; Alonso, M. L.; Maguregui,
M. I.; Ezcurra, M.; Microchemical Journal 2018, 140, 158-166.
[31] Ortiz-Herrero, L. et al Chemometr Intell Lab Syst 2020, 207, 104187.
[32] Costa, K. F. F.; Bra.nd, G. D.; Grobério, T. S.; Braga, J, W. B.; Zacca, J. J.
Microchemical Journal 2019, 147, 1123–1132
[33] Cantú, A. A. Forensic Science International 2012, 219, 119–128.
[34] Lociciro, S.; Mazzella, W.; Dujourdy, L.; Lock, E.; Margot, P. Sci Justice 2004, 44
(3), 165–177.
[35] Koenig, A.; B€ugler, J.; Kirsch, D.; K€ohler, F.; Weyermann, C.; J Forensic Sci,
2014 doi: 10.1111/1556-4029.12603
[36] Koenig, A.;Magnolon, S.; Weyermann, C. Forensic Science International 2015,
252, 93–106
[37] San Román, I.; Bartolomé, L.; Alonso, M. L.; Alonso, R. M.; Ezcurra, M. Analytica
Chimica Acta 2015, 1-10.
[38] Cantú, A. A. Forensic Science International 2015, 247, 69–78
[39] Cantú, A. A. Forensic Science International 2017
doi:10.1016/j.forsciint.2017.07.011
[40] De Carvalho, Carina Maria Bello “Aplicação de Técnicas Cromatográficas e
Espectrométricas no Desenvolvimento de Métodos para Datação e Investigação de
Fraudes em Documentos Forenses” Programa de Pós-Graduação em Ciências
Farmacêuticas, em nível de Doutorado, da Faculdade de Farmácia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2018.
[41] de Carvalho, C. M. B.; Scorsatto1, O. R.; dos Reis, M.; Zamboni, A., Limberger,
R. P.; Ferrão, M. F.; Gontijo, V. B.; Forensic Sci Add Res.2018, 2(2), FSAR.000537.
2018. doi: 10.31031/FSAR.2018.02.000537
[42] de Carvalho, C. M. B.; Ortiza, R. S.; Limberger, R. P.; Quim. Nova, 2019, 42(1),
42-48.
PALAVRAS-CHAVE: documentoscopia, datação de tintas, 2-fenóxi-etanol, resumo

1 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, daniela.bazuchi@edu.se.df.gov.br


9

Você também pode gostar