JUSTIÇA SOB SUSPEITA Revista Época Edição 94 de 06/03/2000 este caso foi em 1999
QUATRO POLICIAIS DE NOVA YORK SÃO ABSOLVIDOS DE TODAS AS
ACUSAÇÕES DEPOIS DE MATAR COM 41 TIROS UM IMIGRANTE AFRICANO DESARMADO Um homem negro está na porta do prédio onde mora, no bairro do Bronx, em Nova York. É uma região pobre, cujos habitantes são majoritariamente negros ou hispânicos. Na rua, aproxima-se lentamente um carro. Amadou Diallo, o negro, não tem como saber que se trata de uma viatura de polícia. É noite e ele só consegue ver um automóvel comum, ocupado por quatro homens brancos à paisana. Os policiais pertencem a uma divisão da polícia de Nova York chamada Unidade de Crimes de Rua. O chefe do grupo, Sean Carroll, decide parar: o negro está olhando pela porta e pode ser o vigia de um grupo de assaltantes em ação no interior do prédio. Num país como os Estados Unidos, historicamente dividido em linhas raciais, o encontro de um negro com policiais brancos num bairro perigoso pode ser sinônimo de tragédia. Foi o que ocorreu no Bronx, há pouco mais de um ano. Carroll contaria, mais tarde, que desceu do carro juntamente com o parceiro Edward McMellon e fez o anúncio de praxe: "Polícia!" Diallo então recuou para o pequeno hall do prédio e começou a puxar um objeto preto do bolso da calça. "Arma!", gritou Carroll. Aqui termina a narrativa do policial. Em poucos segundos, 41 tiros foram disparados. Amadou Diallo, de 22 anos, emigrante da Guiné, vendedor de rua em Nova York, morreu varado por 19 balas. Na mão, uma carteira - o objeto de cor escura que os policiais imaginaram tratar-se de uma arma. No dia 25, um júri composto de oito brancos e quatro negros absolveu os policiais de seis diferentes acusações, incluindo homicídio não-intencional. Para os participantes dos protestos que se repetiram por três dias em Nova York depois da absolvição, os policiais são assassinos. Também consideram que Diallo morreu vítima do preconceito e do racismo, resultado do tenso relacionamento entre a polícia e as minorias nos Estados Unidos. Para os grupos minoritários, é apenas mais um exemplo trágico do tratamento brutal a que eles se dizem submetidos todos os dias. Brutal como o espancamento de Rodney King em Los Angeles por policiais brancos, em 1991. Brutal também como a tortura de Abner Louima em um distrito policial de Nova York, há dois anos e meio. O imigrante haitiano foi espancado e sodomizado com um cabo de vassoura por quatro agentes brancos. Dois deles foram condenados à prisão. Louima sobreviveu e pôde confrontar-se com os algozes no tribunal. Diallo não teve essa oportunidade. No julgamento, ouviram-se apenas os policiais, principalmente Sean Carroll, que depôs em prantos diante do júri. Ele e seus companheiros conseguiram convencer os jurados de que agiram como deviam agir por considerar que corriam risco de morte. Não é a opinião de Kadiatou Diallo, mãe de Amadou. Ela está convencida de que o filho morreu sem saber que os atiradores eram policiais. E arrisca a tese de que Amadou tentou pegar a carteira porque julgava estar sendo vítima de um assalto. Mas há outra hipótese. O guineano poderia estar tentando mostrar sua carteira de identidade aos policiais quando foi baleado. Amadou Diallo, afinal, não tinha antecedentes criminais. Stephen Worth, advogado de defesa, conseguiu evitar que o julgamento enveredasse pela questão racial. Em sua opinião, policiais têm de reagir com agressividade e rapidez. "A sociedade os paga para que façam isso", disse. O prefeito de Nova York, o republicano Rudolph Giuliani, concorda. Candidato ao Senado contra a primeira-dama Hillary Clinton nas eleições de novembro próximo, fez da queda da criminalidade na cidade seu maior trunfo. O caso de Louima e o de Diallo, no entanto, puseram sob suspeita a linha dura contra o crime. Dos 40 mil policiais de Nova York, 67% são brancos, fatia desproporcional em uma cidade em que apenas 43% da população é branca. Na Unidade de Crimes de Rua, depois da morte de Diallo, uma campanha de recrutamento de voluntários conseguiu incluir 50 representantes de minorias na força composta de 400 homens. Giuliani está aliviado com o resultado do julgamento porque passou de uma posição incômoda - defensor da polícia - para outra, mais confortável - defensor do Judiciário. Mas mesmo a Justiça está na mira dos militantes negros. Eles criticam a transferência do julgamento dos policiais que mataram Diallo do Bronx para Albany, fora da cidade de Nova York. A alegação oficial foi que o clima excessivamente politizado que o caso ganhou na cidade não permitiria um julgamento justo. Transferido o julgamento, os jurados foram escolhidos em Albany, dentre uma população que conta com 17% de negros. No Bronx, eles são 38%. O Ministério da Justiça dos Estados Unidos está analisando o caso para ver se cabe um processo contra os policiais por alguma violação de direitos civis. É um procedimento de rotina sempre que policiais são absolvidos. Os pais de Diallo, no entanto, não desistiram e vão processar a cidade de Nova York.
Ficha policial Assustados, agentes dispararam 41 vezes contra um homem desarmado
Sean Carroll - 16 tiros
Policial há seis anos, atirou em um desarmado em 1998
Edward Mcmellon - 16 tiros
Há cinco anos na corporação. Feriu um suspeito em 1998
Kenneth Boss - 5 tiros
Absolvido de uma morte em 1997. Está na polícia há sete anos
Richard Murphy - 4 tiros
Em quatro anos, foi o primeiro tiroteio de que participou