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POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA

DIRETORIA DE ENSINO
CENTRO DE ENSINO
CURSO DE GERENCIAMENTO DE CRISES

Disciplina: Rebelião em Estabelecimentos Prisionais

COMANDO VERMELHO – UMA RETROSPECTIVA


Para entendermos claramente o que hoje é considerado uma das maiores
Organizações Criminosas do mundo, faz-se mister retornarmos aos idos 1969,
quando na Penitenciária da Ilha Grande – Instituto Penal Cândido Mendes,
ocupavam a Segunda Galeria “B”, também chamada de “fundão”, os presos
pertencentes as organizações políticas, tais como: ALN, MR-8, Val-Palmares,
Colina, Juventude Operária, Juventude Universitária Católica e outros bandidos
comuns que imitaram os métodos de assalto a bancos utilizados pelas
Organizações Políticas e por isso enquadrados e condenados pela Lei de
Segurança Nacional (LSN), na versão de 1969. Daí terem surgido, mais tarde, as
histórias do “pessoal da LSN”, ou presos da LSN, ou “Comando Vermelho”, ou
“Falange Vermelha”; grupo de presos comuns e que hoje impera nas prisões
cariocas e daí controla o crime organizado intramuro e extramuro.
É de se esclarecer que, no início, embora na mesma galeria, não havia
convívio entre os presos políticos e os bandidos comuns da LSN. Não tomavam
banho de sol, não liam revistas ou jornais, não ouviam rádios, nem conversavam
com os outros detentos. Entretanto, pouco a pouco, os rigores da cadeia foram se
afrouxando e aconteceu o convívio entre eles, cujas atividades intramuros foram
as mesmas. Marcando bem suas diferenças com os, simplesmente, bandidos
comuns ou massa carcerária.
Desse convívio perpassaram-se experiências: os políticos tomaram
conhecimentos das violências praticadas nos presídios – os assaltos a presos, a
violência sexual, os assassinatos, os pagamentos de pedágio, o trânsito dos
tóxicos e o jogo. Por seu turno, os comuns da LSN tomaram aulas de política, de
comportamento grupal e de organização, sobretudo de organização coletiva.
Passaram a valorizar mais suas famílias, respeitavam-se entre si e cultuavam
valores sociais.
Tal convívio perdurou até o final de 1974, ocasião em que os presos
políticos conseguiram sua transferência para uma Unidade prisional especial , no
complexo da Frei Caneca, no Rio de Janeiro.
Com a saída total dos políticos, os comuns da LSN passaram a ter suas
atividades reguladas da mesma maneira dos comuns e, lentamente, foram
misturados. Ficavam, assim, submetidos aos valores da vida intramuro que
regrava a massa comum, onde imperava os assaltos, a curras, o pagamento de
pedágio para os deslocamentos nas galerias, os furtos, o jogo, e ainda havia a
figura do “xerife”, o líder do cubículo a quem todos os residentes, naquele
cubículo, se submetiam.
Como os comuns da LSN somavam pouco mais de 100 (cem) presos, ante
uma massa comum de cerca de 700 (setecentos) presos, não tiveram outra saída.
Ou uniam-se, e tinham aprendido como fazê-lo, ou sucumbiam.
Dessa maneira, entre os anos de 1974 e 1977, os presos comuns da LSN,
paulatinamente, foram ganhando a confiança dos funcionários e administradores.
Eram bem falantes, tinham mais estudo, apresentavam-se melhor, pugnavam
sempre por valores diferentes dos praticados pela massa, de formas que, nesse
período, foram se colocando nas várias seções e serviços da penitenciária.
Passaram a trabalhar na cozinha, na enfermaria, na padaria, na carpintaria, na
pesca, na garagem, enfim, foram espalhados por todos os setores da prisão e
cada vez mais ganhando a confiança dos funcionários e, fatalmente, traficando
suas influências, sempre voltadas para o atendimento das necessidades dos
presos comuns, aos quais já chamavam de “caídos”.
Assumiram o Clube Cultural e Recreativo de Internos (CCRI), a direção dos
jornal dos presos “O Colonial”, a Federação Desportiva e criaram uma caixinha,
alimentada inicialmente, com o capital resultante de pequenos trabalhos manuais,
e mais adiante, com o capital gerado pela cantina que criaram e administraram.
Foi por aí que começaram a ajuntar adeptos de seu movimento de
pregarem as mudanças de valores da massa.
Como tinham assistência familiar constante e alguma disponibilidade de
dinheiro, passaram a apoiar financeiramente os “caídos”, a ajudar através de seus
familiares a tentar localizar ou trazer notícias das famílias daqueles, davam-lhes
cigarros, roupas e revistas, que dessa forma estavam definitivamente
comprometidos com o movimento, pois uma regra imutável até hoje na cadeia é:
quem deve paga.
No início do ano de 1977, como a penitenciária estava super povoada, seu
efetivo já ia a quase 1.200 (mil e duzentos) presos, e a disciplina periclitava, pois
as celas de castigo, temido por todos, foram desativadas, acenou-se com a
possibilidade de virem a morar fora com seus familiares. Evidente que o critério
era sobretudo o bom comportamento e ausência de registros de fugas ou
tentativas. Assim, em pouco tempo 60 (sessenta) presos residiam fora com seus
familiares e, entre esses, alguns da LSN.
Resultou dessa prática, um aumento de tráfico de drogas e dinheiro.
Verificou-se a primeira notícia da chegada de armas de fogo na cadeia. Criou-se a
figura do “pombo-correio” (familiares de colonos-livres que transitavam com mais
facilidade e menos cautela de revista). Houve a primeira fuga de resgate.
Conquanto o pessoal da LSN tenha se unido no período 1974/77, a massa
carcerária continuava dividida entre várias quadrilhas, ou seja, os presos comuns
se reuniam pelas suas origens na rua.
Até o final de 1978, anota-se que as crescentes tentativas de fuga e as
fugas bem sucedidas já não são ações isoladas, porém ações organizadas,
planejadas e coordenadas pelo pessoal da LSN que as financiam.
As mortes passaram a ser dirigidas contra os considerados maléficos às
idéias da LSN. São executados vários assaltantes da cadeia, curradores e os
rotulados de “alcagüetes”. A cada fuga mal sucedida do pessoal da LSN, morre
um ou vários presos como responsáveis pela delação.
Dessa forma, no meado de 1979, novamente o efetivo carcerário girava em
torno de 1.000 (mil) presos, agora agrupados nas seguintes facções ou falanges,
com as seguintes características de ação:

1) FALANGE VERMELHA: Pregava o término dos assaltos, furtos


estupros, melhor assistência médico-odontológica, jurídica e
humanização da cadeia; objetivavam, contudo, o controle da vida
intramuros.

2) FALANGE JACARÉ: Seus componentes assaltavam,


controlavam o jogo e o tráfico intramuros; não pregavam ou se
importavam com melhorias. Tinham mais voz ativa na massa
carcerária.

3) FALANGE ZONA SUL: Seus membros praticavam assaltos, o


jogo e o tóxico entre eles mesmos, porém demonstravam maior
ação de colaboração com a administração nas tarefas afetas aos
presos, e de manutenção da Penitenciária.

4) FALANGE CORÉIA: Tinha as mesmas características da


“Falange Zona Sul”, com o qual se fundiu no correr de 1979.

5) FALANGE DOS NEUTROS: Praticavam toda sorte de ações sem


estarem ligados a qualquer compromisso ou idéia. Sua maioria
eram de “caídos”.

Esta divisão era anotada em todas as Unidades Prisionais do Sistema


Prisional carioca, inclusive se agrupando em galerias e cubículos distintos.
Em 18 de agosto de 1979, foi abortada pela administração uma fuga de 11
(onze) membros do “Comando Vermelho”, que objetivavam, uma vez nas ruas,
organizarem-se em quadrilhas de assaltos a banco e exploração de pontos de
tráfico de drogas, cujo resultados das ações praticadas reverteriam para a
caixinha.
Foi a partir desse insucesso que “Comando Vermelho” posicionou-se
quanto a assumir definitivamente a liderança da Penitenciária, sem mais
escamotear seus reais objetivos. Invertendo tudo que pregavam, sob a alegação
de que a fuga fora delatada pelo pessoal do “Jacaré”, conseguiram a união do
pessoal da “Falange Zona Sul” e declararam guerra à “Falange Jacaré” e alguns
“Neutros”. Passaram a cobrar pedágio, a controlar o jogo e o tóxico, eliminando
sumariamente e covardemente quem quer que praticasse tal atividade. Passaram
a controlar e determinar quem fugiria, além de estabelecerem que os que
obtivessem sucesso, teria que destinar parte do produto de suas ações criminosas
na rua, para a caixinha.
O ponto culminante e assunção definitiva do controle das ações intramuros,
deu-se no dia 17 de setembro de 1979, quando praticaram um massacre à
“Falange Jacaré”.
Os líderes da “Falange Jacaré”, cerca de 30 (trinta) presos, moravam na
cela 24, da 2ª galeria, ala “A”, e ali foram encurralados, tanto que mandaram
avisar à segurança da Penitenciária que dali não sairiam nem para as refeições,
pois, sabiam ser morte certa circularem pelas galerias. Assim, foi oferecido pelo
“Comando Vermelho” uma rendição: quem passasse para a cela 19, da mesma
galeria e ala, nada sofreria, 10 (dez) renderam-se. Os demais permaneceram
trancados. Porém, na manhã do dia 17, os presos João Carlos da Silva o “ratinho”
e Ozório Costa o “caveirinha”, saem da cela, talvez por não acreditarem nas
ameaças, e são massacrados. Foram assassinados por mais de 30(trinta) presos.
Mais tarde, no mesmo dia, os presos “parazão”, “marimba” e “naval”, também
deixaram a cela e foram imediatamente executados.
Os sobreviventes, 14 (quatorze), arrombaram então a parede da cela que
dava para o pátio da frente e, à noite, ao ouvirem uma ordem “arrebenta a porta
machudo”, desceram rapidamente por cordas improvisadas com lençóis e pediram
seguro de vida ao Chefe de Segurança. Estabeleceu-se a partir desse fato o poder
único e incontestável do “Comando Vermelho” que, imediatamente, envia
mensagens para seus comparsas nas outras Unidades prisionais, determinando
que assumissem todas as atividades intramuros, inclusive, que fossem eliminados
os desobedientes, tendo ocorrido execuções seguidas em várias Unidades do Rio
de Janeiro.
Tomado o controle interno, e tendo sucesso a idéia da contribuição da caixinha,
passaram a mandar mensagens para os traficantes e grandes assaltantes livres,
exigindo suas contribuições para a caixinha da Ilha Grande se não contribuíssem
em dinheiro, podiam contribuir com contratação de Advogados, envio de tóxicos,
armas ou aluguel de embarcações para fugas.
As mensagens diziam: “quem ainda não foi preso e está bem na rua,
poderá ser preso. Se contribuir, ao ser preso, estará numa boa na cadeia”.
Além disso, quando os do “Comando Vermelho” fugissem iriam acertar as
contas, eliminando, na rua, aos que não contribuíssem.
De registrar-se que, no final de 1979, resultante de elementos
remanescentes das “Falange Jacaré”, “Zona Sul”, “Coréia” e “Neutros”, que ainda
estavam espalhados pelas Unidades Prisionais surgiu uma falange intitulada “3º
Comando”, que intentou ações contra o “Comando Vermelho”, principalmente nas
Unidades do Complexo da Frei Caneca, não chegando contudo a abalar seu
poderio.
Até os dias atuais permanece esta rivalidade e disputa pelo poder no crime
organizado no Estado do Rio de Janeiro entre essas duas facções, espalhando
suas doutrinas pelas demais Unidades prisionais do País.
AS 12 REGRAS DO BOM BANDIDO
(extraído do Processo Administrativo nº 09/010 094 – SESP/RJ)

1 – Não delatar;

2 – Não confiar em ninguém;

3 – Trazer sempre consigo sua arma limpa, carregada, sem demonstrar


volume, mas com facilidade de saque, e munição sobressalente;

4 – Lembrar-se sempre que a Polícia é Organização e não subestimá-la;

5 – Respeitar mulher, crianças e indefesos, mas abrir mão desse respeito,


quando sua vida ou liberdade estiverem em jogo;

6 – Estar sempre documentado (mesmo com documento falso) e com


dinheiro;

7 – Não trazer consigo retratos ou endereços suspeitos, bem como não


usar objetos com seu nome gravado ou objetos de valor;

8 – andar sempre bem apresentável, com barba feita, evitar falar gíria,
evitar andar a pé, não freqüentar lugares suspeitos, não andar em companhia de
“chave de cadeia”;

9 – Saber dirigir autos, motocicletas, conhecer alguma coisa de


arrombamento, falsificação e noção de enfermagem;

10 – Lembrar-se sempre que roubar R$ 100,00 ou R$ 1.000,00 resulta na


mesma coisa;

11 – Estar sempre em contato com o criminalista, e

12 – Não usar, em hipótese alguma, tatuagem.

Elaborado por: ONIVAN Elias de Oliveira


Fonte: Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado/ Carlos
Amorim - 5ª Ed., Record , Rio de Janeiro, 1995.

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