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DISCUSSÃO

(DO TEXTO DE TALCOTT PARSONS,


“O LUGAR DA TEORIA SOCIOLÓGICA”)

ROBERT K. MERTON

(1) O texto que me permite iniciar a presente discussão é-me


fornecido pela observação de Parsons segundo a qual tem “chegado o
tempo de nos confrontarmos com a teoria; a teoria enquanto tarefa
comum a todos os membros do grupo profissional interessados nas
questões teóricas, mais do que enquanto ‘teorias’, ou seja, discussão
crítica de obras e de esquemas conceptuais de alguns autores. (...)
existe a perspectiva de (...) fazer convergir (várias contribuições
actuais) no desenvolvimento de um único grande esquema
conceptual”. Queria formular três observações a respeito desta
afirmação: uma expressando uma parcial concordância, a seguinte
procurando ampliar as suas implicações, a terceira expressando
discordância.

(2) Só posso manifestar a minha inteira concordância com a


apreciação segundo a qual o tempo das escolas rivais em teoria
sociológica, cada uma promovendo o seu sistema doutrinal no
mercado da opinião sociológica, ou entrando em guerra académica
com os seus inimigos, chegou a um termo bem merecido. Como vou
[165] sugerir mais tarde, estas controvérsias foram, em larga medida,
o resultado da necessidade de criar sistemas totais de pensamento
sociológico, em vez de criar pequenas famílias de teoremas
verificados empiricamente.

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 2

(3) Uma implicação da observação do Professor Parsons requer um


comentário mais completo. A confusão sedutora da teoria sociológica
com a história do pensamento sociológico deveria ter sido dissipada
há muito tempo. Não se pretende com isto negar o grande valor que
pode ter a familiarização com a história do pensamento sociológico.
Apenas se quer negar que a história da teoria e a teoria actualmente
aplicável sejam a mesma coisa.

(4) As faculdades de medicina não confundem a história da medicina


com a teoria actual, e os departamentos de biologia não identificam a
história da biologia com a teoria actualmente viável e utilizada para
orientar e para interpretar a investigação. Posta nestes termos, a
questão parece tão óbvia quanto embaraçosa. No entanto, o facto
extraordinário é que, em sociologia, não respeitamos esta distinção
entre a história da teoria e a teoria actualmente viável; pelo menos se
tomarmos em consideração, empiricamente, os curricula e as
publicações existentes. Existem muitos ensinos em história do
pensamento sociológico – quem disse o quê, em termos de
especulação ou de teoria – mas são relativamente poucos os cursos
sobre a sistemática das teorias com as quais os sociólogos operam
actualmente.

(5) A história e a sistemática da teoria sociológica deveriam ambas


preocupar-nos, mas isto não é razão para as misturarmos e
confundirmos. As teorias de um Comte ou de um Spencer, de um
Hobhouse ou de um Ratzenhofer têm, fundamentalmente, um
interesse histórico – pouco do que escreveram continua hoje
pertinente. Talvez tenham sido grandes realizações no seu tempo, mas
aquele tempo já não é o nosso. Testemunham dos méritos de homens
de talento, mas não oferecem linhas de orientação para a análise actual
de problemas sociológicos.

(6) A teoria sistemática actual representa uma acumulação selectiva


daquelas partes de teorias mais antigas que sobreviveram ao teste de

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 3

décadas de investigação. A história da teoria inclui concepções gerais


que se dissiparam quando confrontadas com testes empíricos
rigorosos; inclui também os começos errados, as doutrinas arcaicas e
os erros flagrantes do passado. Embora o conhecimento de tudo isto
seja uma parte necessária do equipamento teórico do sociólogo, não
substitui a sistemática actual da teoria. A identificação das duas coisas
tem que ser substituída pela sua atribuição a duas esferas distintas e
relacionadas de maneira apenas distante.

(7) Até este ponto, estou inteiramente de acordo com o que admito
serem as implicações da afirmação do Professor Parsons. Mas quando
sugere que a nossa tarefa principal seria dedicar-nos à “teoria”, melhor
do que a “teorias”, tenho que manifestar a minha total discordância.

(8) O facto é que o termo “teoria sociológica”, tal como seria


também o caso dos termos “teoria física” ou “teoria médica”, é muitas
vezes enganador. Sugere uma integração de várias teorias testadas
além do que normalmente se consegue em qualquer uma destas
disciplinas. Deixem-me tentar tornar claro o que está aqui em jogo. É
evidente que existe em todas as disciplinas uma pressão no sentido da
consistência lógica e empírica. É evidente que a coexistência
temporária de teorias incompatíveis do ponto de vista lógico cria uma
tensão que apenas se resolverá quando uma ou outra dessas teorias for
abandonada ou revista no sentido de eliminar a inconsistência. É
evidente que todas as disciplinas têm conceitos, postulados e teoremas
fundamentais, que constituem os recursos comuns de todos os
teóricos, independentemente do leque particular de problemas que
estudam.

(9) Mas vale a pena estudar a experiência destas disciplinas com


mais cuidado. Vejam quão raramente tratam da “teoria física” ou da
“teoria química”, e quão tipicamente tratam da teoria de tipos
específicos de fenómenos: por exemplo a teoria cinética dos gases, ou
a teoria ondulatória da luz, ou ainda a teoria da estrutura em rede dos

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 4

cristais. É evidente que teorias distintas podem envolver conceitos e


postulados que parcialmente se sobrepõem. Mas o facto significativo é
que o progresso destas disciplinas consiste em elaborar um grande
número de teorias específicas, ligadas a determinados fenómenos, e
em explorar as relações mútuas entre estas; e não em centrar a atenção
na “teoria” enquanto tal.

(10) Sem querer agora dizer que as ciências sociais devam seguir
acriticamente as práticas das suas parentes mais velhas, acredito que
isto nos oferece um exemplo prático. Nas primeiras etapas de uma
disciplina jovem, os seus representantes avançam tipicamente
pretensões extravagantes de terem desenvolvido sistemas teóricos
totais, apropriados para o leque completo dos problemas que a
disciplina engloba. Mas os sistemas sociológicos completos, como foi
o caso dos sistemas completos de teoria médica ou de teoria química,
devem agora abandonar o seu lugar a conjuntos de teorias limitadas,
menos imponentes, mas mais adequados. Não podemos esperar por
parte de alguém, seja quem for, que crie um sistema arquitectónico de
teoria que nos forneça um vade mecum completo para a solução dos
problemas sociológicos. A ciência, e mesmo a ciência sociológica, não
é assim tão simples.

(11) A sociologia poderá progredir na medida em que [166] a


preocupação principal passe a ser a de desenvolver teorias adequadas
a conjuntos limitados de fenómenos; e será travada se centrar a sua
atenção na teoria no sentido amplo da palavra. Tenho a convicção de
que não existe aqui nenhum desacordo de fundo com o Professor
Parsons; existe uma diferença de tónica mais do que de substância; de
facto é o que sugerem algumas passagens posteriores no seu texto.
Mas creio que é importante colocar precisamente esta tónica. Acredito
que a nossa tarefa principal hoje é desenvolver teorias especiais,
aplicáveis a conjuntos limitados de dados – teorias, por exemplo, das
dinâmicas de classe, dos conflitos entre pressões de grupo, dos fluxos
de poder e de influência interpessoal em comunidades – em vez de

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 5

procurar aqui e agora a “única” estrutura conceptual adequada para


dela derivar todas estas e outras teorias. Dizer que ambos os esforços
são necessários é correcto e banal; o problema reside na alocação dos
recursos. A minha sugestão é esta: a via para um esquema conceptual
efectivo será construída mais efectivamente pelo trabalho sobre teorias
especiais, e um tal esquema permanecerá um projecto em larga
medida inacabado se alguém, nesta altura, tentar construí-lo
directamente.

(12) O facto de ser necessário colocar esta tónica desta maneira é


confirmado pela revisão crítica dos livros de teoria sociológica. Vejam
quão poucas, dispersas e – convém dizê-lo – pouco impressionantes
são as teorias sociológicas específicas que são derivadas de esquemas
conceptuais globais. A chamada teoria fundamental afastou-se de tal
maneira das teorias especiais confirmadas que aparece como um
programa, mais do que como uma consolidação destas teorias. Isto
não é uma lamentação. Como o Professor Parsons notou, foram feitos
ultimamente grandes progressos. A convergência gradual de certos
blocos da teoria em psicologia social, em antropologia social e em
sociologia, anuncia uma nova era de grandes avanços teóricos. Mas,
dito isto, deveremos admitir que uma grande parte do que chamamos
agora “teoria sociológica” consiste em orientações gerais face aos
dados, sugerindo os tipos de variáveis que se deveria de alguma
maneira ter em conta, mais do que afirmações claras e verificáveis
sobre as relações entre determinadas variáveis1. Temos muitos
conceitos, mas poucas teorias confirmadas; muitos pontos de vista,
mas poucos teoremas; muitas “abordagens”, mas poucas conclusões.
Talvez um deslocar da tónica possa ser benéfico em tudo.

1
Esta observação foi, de alguma maneira, desenvolvida no meu artigo
“Sociological Theory”, American Journal of Sociology, 1945, 50, pp. 462-
473.

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 6

(13) A teoria sociológica tem que avançar nestes planos


interconectados: através de teorias especiais adequadas a um conjunto
limitado de dados sociais, e através da evolução de um esquema
conceptual adequado para consolidar grupos de teorias especiais.

(14) Concentrar-se unicamente em teorias especiais seria correr o


risco de fazer emergir especulações ad hoc, não relacionadas umas
com as outras, consistentes apenas com um conjunto limitado de
observações, e não consistentes entre si.

(15) Concentrar-se unicamente num esquema conceptual global, do


qual derivaria toda a teoria sociológica, seria correr o risco de produzir
equivalentes, para o século xx, dos grandes sistemas filosóficos do
passado, com tudo o que têm de sugestivo, todo o seu esplendor
arquitectónico, e toda a sua esterilidade científica.

(16) As pessoas distribuem os seus parcos recursos de alguma


maneira, que o saibam ou não, e esta distribuição reflecte as suas
políticas de trabalho quotidianas. Isto aplica-se tanto às pessoas
interessadas na produção de teorias sociológicas como a pessoas
interessadas na produção de material de canalização. Estes
comentários suscitados pelo texto do Professor Parsons pretendem
tornar explícita uma destas decisões políticas que enfrentam os que
praticam a teoria sociológica. Onde deveremos investir as energias e
os recursos que nos estão mais imediatamente disponíveis? Na
procura de teorias especiais confirmadas ou na procura de um
esquema conceptual de grande abrangência? Eu acredito – e as
crenças são notoriamente sujeitas ao erro – que, nos tempos mais
próximos, são as teorias especiais as mais promissoras, na condição
de que, sob esta modesta busca de uniformidades sociais, existir uma
preocupação abrangente de consolidação das teorias especiais num
conjunto mais geral de proposições mutuamente consistentes.

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 7

(17) A estas considerações sobre uma política de teorização


sociológica posso apenas acrescentar, sem discuti-los completamente,
cinco outros pontos do texto do Professor Parsons que exigem
discussão. Estes pontos são centrais para a sociologia porque a
posição que adoptarmos face a cada um deles vai afectar
profundamente a natureza das teorias que daí resultarão.

(18) 1. Quando o Professor Parsons nota que a “situação social”


deve ser analisada tomando em consideração “dos vários tipos de
significado dos actos situacionais para o actor”, haveria, em rigor, que
ser mais claro. Quer isto dizer que o sociólogo tem apenas em conta
os aspectos da situação objectiva que orientam o indivíduo em acção
(cognitivamente, afectivamente, ou pela definição de objectivos)?
Quer isto dizer que aspectos observáveis da situação dos quais o
indivíduo em acção não tem consciência são repentinamente [167]
eliminados do domínio dos factos pertinentes para o sociólogo? Se é
assim, devemos registar o nosso desacordo. Deverá, por exemplo, o
sociólogo que procura interpretar o optimismo persistente dos
pequenos empresários face a fracassos repetidos, ignorar o papel de
decisões governamentais na situação considerada na sua totalidade,
mesmo que os pequenos empresários individuais possam não ter
consciência nenhuma destas decisões e do seu impacte sobre as suas
próprias oportunidades de vida? Eu penso que não, e sei que o
Professor Parsons pensa que não. Mas é muito importante clarificar
esta formulação, não venha alguém admitir que defende uma
abordagem fundamentalmente idealista ou subjectivista das teorias
sociológicas, na qual seriam considerados pertinentes para a análise
sociológica apenas os aspectos da situação de alguma maneira tidos
em conta pelos indivíduos.

(19) 2. Quando fala de uma compreensão da acção do indivíduo


que passa unicamente pela consideração “(d)os esforços do individuo

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 8

em conhecer a situação cognitivamente, os objectivos que procura


atingir, e as suas atitudes afectivas”, Parsons, como ele próprio
seguramente reconhecerá, está a ressuscitar as antigas categorias da
cognição, da volição e da afectividade. A longevidade de
determinadas concepções do ser humano, no entanto, não é garantia
suficiente para que aceitemos a sua autoridade. Mas devemos
considerar que esta é uma classificação dos aspectos
comportamentais, envolvendo em cada esfera um grande número de
elementos específicos do comportamento, que foi abandonada e re-
adoptada repetidas vezes. Dever-se-ia estar atento à possibilidade de
os elementos em cada uma destas esferas poderem ser tão
heterogéneos que poderão pôr em questão categorias tão gerais. Uma
categorização prematura pode ser quase tão perigosa como o não
conseguir-se categorizar.

(20) 3. Eu deveria concordar sem hesitação com a afirmação


segundo a qual o conceito de “necessidades funcionais” (ou pré-
requisitos funcionais) é fundamental para qualquer análise funcional
dos sistemas sociais. No entanto, insistiria no seguinte: este é
actualmente um dos conceitos mais nebulosos e menos articulados de
todo o panorama das concepções funcionalistas. Por razões de espaço,
o Professor Parsons limita-se a enunciar três necessidades funcionais
genéricas: o pré-requisito da sobrevivência biológica de uma
proporção “suficiente” de membros; os arranjos adequados para
permitir o mínimo necessário de coordenação das actividades, para os
membros da sociedade e para o sistema social no seu conjunto; e os
arranjos para motivar as pessoas a desempenhar os papéis sociais
“essenciais”.

(21) Tratando-se de categorias gerais de necessidades funcionais, têm


necessariamente um carácter formal. E é precisamente aqui que as
presentes noções de necessidades funcionais enfrentam sérias
dificuldades. Podemos considerar o seguinte extracto de uma lista

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 9

mais extensa resultando de dificuldades resultantes de tais conceitos


formais de necessidades funcionais.

(22) (a) A noção de “necessidade”, como Hull mostrou, é uma


variável intermédia. Para poder servir como conceito sistemático, tem
que ser ancorado simultaneamente em condições antecedentes
observáveis e em consequências observáveis. De outra maneira, o
conceito está em perigo de se tornar tautológico ou de ser de carácter
ex post facto. E estes requisitos para o uso correcto de variáveis
intervenientes são raramente satisfeitos pelas necessidades dos
sistemas sociais, tais como actualmente postuladas.

(23) (b) O Professor Parsons insiste nos requisitos funcionais para


manutenção ou para a sobrevivência de um qualquer sistema social.
Isto corresponde às tendências que prevalecem actualmente na
sociologia funcionalista. Mas tal não orienta adequadamente a atenção
do observador para o tipo de sistema social cuja sobrevivência está em
causa. A analogia biológica, útil em muitas circunstâncias, torna-se
aqui enganadora. Com efeito, quais serão as “necessidades funcionais”
de um sistema social fundamentalmente alterado, embora
sobrevivendo, no qual as posições das estruturas sociais sofreram
mudanças significativas, mesmo que os seres humanos implicados no
sistema social permaneçam em larga medida os mesmos? Qualquer
que seja a intenção, a tónica na necessidade de sobrevivência tende a
focalizar a atenção do observador na estática mais do que na mudança,
e desviar a atenção das necessidades funcionais de determinado tipo
de mudança.

(24) Da mesma maneira, o problema formal da manutenção de


alguma ordem social não nos conduz ao leque de possíveis ordens
sociais para uma mesma população de indivíduos interrelacionados.
Pode existir uma “ordem” na qual a base da pirâmide social ascende
ao topo, ou uma ordem na qual o topo da pirâmide social se mantém.

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 10

Ambas representam “ordens sociais”, mas com consequências muito


diferentes para os diferentes membros da sociedade.

(25) O Professor Parsons estaria seguramente entre os primeiros a


reconhecer tudo isto. Aliás, são ideias implícitas mais tarde no seu
texto. Uma vez mais, porém, devemos registar que a diferença entre a
ênfase explícita e a aceitação implícita é muitas vezes suficientemente
grande para afectar o curso da investigação. Com efeito, tenho a forte
impressão, depois de ter examinado sistematicamente muitas análises
funcionalistas, que a preocupação dos sociólogos e antropólogos
funcionalistas com os problemas da “ordem” e com a “manutenção”
dos sistemas sociais, centrou a sua atenção científica sobre os
processos pelos quais um determinado sistema se mantém em larga
medida preservado, e menos sobre os processos utilizáveis para
determinadas alterações fundamentais na estrutura social.

(26) (c) Além disto, posso apenas mencionar, com uma brevidade que
poderá ser mal interpretada como asserção dogmática, que a minha
análise de estudos funcionalistas mostra que um inventário sintético
claro das “necessidades funcionais” ainda não foi desenvolvido. O
corajoso fracasso de Malinowski é apenas um testemunho – embora
impressionante – de uma deficiência mais geral. Sempre que alguém
parte do plano geral e formal da “ordem”, da “sobrevivência”, da
“motivação” e da “socialização”, para o plano das necessidades
especificas, identificadas e demonstráveis, em determinados sistemas
sociais, a concordância desaparece para deixar espaço a opiniões
muitos dispersas. Resta ainda, de facto, publicar um conjunto útil de
requisitos funcionais específicos e demonstráveis, paralelo, em termos
gerais, ao dos fisiologistas que os sociólogos funcionalistas,
tipicamente, tomam como protótipo. Sugiro, de passagem, que estas
insuficiências resultam de uma dificuldade metodológica bem
conhecida e no entanto básica: a facilidade com que os fisiologistas
podem recorrer a experiências destinadas a testar a utilidade das
variáveis intervenientes, correspondendo a determinadas necessidades

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 11

funcionais, não corresponde à maneira pela qual os sociólogos


recorrem à comparação de dados sociais e culturais, ou a inquirições
quase-experimentais junto de pequenos grupos. A minha impressão é
que as limitações metodológicas são em larga medida responsáveis
pelas actuais insuficiências das teorias substantivas das necessidades
básicas.

(27) (d) Muito do que acaba de dizer-se pode também dizer-se da


necessidade, formalmente descrita, de motivar as pessoas para
desempenhar “os papéis essenciais” numa sociedade. Os critérios
sobre o que é “essencial” dependem fortemente do sistema social tal
como existe num determinado momento. Na sua prática actual, os
sociólogos funcionalistas dedicam pouca atenção aos papéis
alternativos “essenciais” para a modificação do sistema social numa
determinada direcção.

(28) 4. Na sua breve apresentação, o Professor Parsons não tratou


explicitamente vários conceitos que nos afastam desta tónica no
sistema social tal como actualmente dado. Entre os principais
encontram-se os conceitos de disfunção social, de funções manifestas
e latentes, de substitutos e equivalentes funcionais, das diferentes
unidades sociais que beneficiam do desempenho de uma determinada
função, etc. Estes conceitos e outros análogos não poderiam,
obviamente, ser tratados sistematicamente em textos breves (como o
são tanto o texto do Professor Parsons, como o presente texto de
discussão). E, no entanto, são estes os conceitos que são necessários
para evitar o enviesamento tácito que afectará a sociologia
funcionalista se não forem discutidos. A não ser que estes conceitos
recebam um tratamento apropriado, nem que seja numa breve reflexão
teórica na linha aqui defendida, os funcionalistas vão continuar a
focalizar a sua atenção num conjunto de problemas científicos
infelizmente limitado e, na minha convicção, enganador.

[Texto 3]
Merton (1948), Discussão (de um texto de Parsons) – 12

(29) 5. Finalmente, o Professor Parsons avança com uma reflexão


breve mas admirável sobre o lugar importante atribuído na teoria
sociológica contemporânea ao estudo das motivações do
comportamento desviante e ao problema do controlo social. Aqui devo
apenas acrescentar que esta posição requer uma cuidadosa clarificação
dos conceitos de “comportamento desviante” e de “instituições
sociais”. Com efeito, uma vez que falamos de “desvios em relação aos
requisitos institucionais”, devemos reconhecer, com Parsons, que tais
desvios podem também ser vistos como novos padrões de
comportamento, que surgem provavelmente no seio de sub-grupos em
desacordo com estes padrões institucionais que se apoiam em certos
grupos de poder e em certos mecanismos jurídicos de controlo. A não
ser que a teoria das instituições sociais tome sistematicamente em
consideração os grupos que especificamente apoiam determinadas
“instituições”, esta negligenciará o papel importante do poder, na sua
forma mais elementar, na sociedade. Falar da “legitimação do poder”
significa usar uma expressão elíptica (e, portanto, muitas vezes
enganadora). Com efeito, o poder pode ser considerado como legítimo
por uns, sem ser considerado como legítimo por todos os grupos numa
determinada sociedade. Desde logo, pode ser enganador descrever a
não-conformidade com uma determinada “instituição social” como
um “comportamento desviante”.

Tradução de Merton, Robert K. (1948), “Discussion” American Sociological Review 13,


pp. 164-168, por Pierre Guibentif e Manuela Reis, revista por Renato Miguel do Carmo
(versão de trabalho, ISCTE-IUL, Março de 2013; não citar fora do âmbito da unidade
curricular “Teorias sociológicas – As grandes escolas”)

Legenda:

[Núm.] Número de página no texto original

(núm.) Número do parágrafo

[Texto 3]

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