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Escola Teológica Visão Para as Nações

ANGELOLOGIA

2020
Angelologia - 2

Índice

Índice............................................................................................................................ 2
INTRODUÇÃO........................................................................................................4
COMO ESTE ASSUNTO TEM SIDO TRATADO..........................................................4
OS ANJOS ESTAVAM ESQUECIDOS ?...................................................................5
OS ANJOS ESTÃO VOLTANDO !.............................................................................6
A SOCIEDADE SECULARIZADA EM BUSCA DO SAGRADO................................6
OS ANJOS E OS OVNIS...........................................................................................8
CONCEITOS POPULARES ACERCA DOS ANJOS.................................................8
OS ANJOS ENTRE OS PROTESTANTES BRASILEIROS.......................................8
Capítulo 1.........................................................................................................................9
HISTÓRICO DA ANGELOLOGIA...........................................................................9
LEVANTAMENTO HISTÓRICO DA ANGELOLOGIA PRÉ-CRISTÃ............................9
ANGELOLOGIA MESOPOTÂMICA.........................................................................10
ANGELOLOGIA EGÍPCIA........................................................................................12
ANGELOLOGIA CANANITA....................................................................................14
ANGELOLOGIA BABILÔNICA.................................................................................16
ANGELOLOGIA MEDO-PÉRSA..............................................................................17
ANGELOLOGIA ENTRE OS GREGOS...................................................................19
ANGELOLOGIA NO JUDAÍSMO.............................................................................20
ANGELOLOGIA ENTRE OS ROMANOS................................................................21
Capítulo 2.......................................................................................................................22
OS ANJOS NA HISTÒRIA RELIGIOSA CRISTÃ........................................................22
ANGELOLOGIA NA IGREJA PRIMITIVA................................................................22
GNOSTICISMO........................................................................................................24
DEMIURGO............................................................................................................. 25
ANGELOLOGIA MEDIEVAL....................................................................................25
A ANGELOLOGIA ENTRE OS REFORMADORES.................................................26
A ANGELOLOGIA NA MODERNIDADE..................................................................26
ANGELOLOGIA NA PÓS-MODERNIDADE.............................................................27
Capítulo 3.......................................................................................................................29
O ENSINO BÍBLICO SOBRE OS ANJOS.............................................................29
EXISTÊNCIA DOS ANJOS.........................................................................................30
ANGELOLOGIA VETEROTESTAMENTÁRIA.........................................................30
ANGELOLOGIA NEOTESTAMENTÁRIA................................................................31
DEFINIÇÃO DE ANJO.............................................................................................32
NATUREZA DOS ANJOS...........................................................................................32
A ORIGEM DOS ANJOS......................................................................................... 32
CORPORALIDADE DOS ANJOS............................................................................33
A PERSONALIDADE DOS ANJOS..........................................................................34
A HABITAÇÃO DOS ANJOS...................................................................................35
O PODER DOS ANJOS...........................................................................................36
O NÚMERO DOS ANJOS........................................................................................36
DIVISÃO ENTRE OS ANJOS..................................................................................37
O TEMPO DA REBELIÃO E SEU RESULTADO.....................................................37
ANJOS ELEITOS....................................................................................................38
O MINISTÉRIO DOS ANJOS...................................................................................38
Capitulo 4.......................................................................................................................39
A CLASSIFICAÇÃO DOS ANJOS........................................................................39
O ANJO DO SENHOR................................................................................................39
Angelologia - 3

GOVERNADORES.................................................................................................. 40
ARCANJOS..............................................................................................................41
QUERUBINS, SERAFINS E CRIATURAS VIVENTES............................................41
QUERUBINS............................................................................................................41
SERAFINS............................................................................................................... 42
CRIATURAS VIVENTES..........................................................................................43
ANJOS CAÍDOS...................................................................................................... 43
PERSONALIDADE E DESTINO DOS ANJOS CAÍDOS.........................................43
SATANALOGIA........................................................................................................43
O ESTADO ORIGINAL DE SATANÁS E SUA QUEDA..............................................45
IDENTIDADE DE PERFEIÇÃO (Ez.28.11-12)............................................................46
O JARDIM DE DEUS (Ez.28.13).........................................................................47
O PECADO DE SATANÁS......................................................................................... 49
SATANÁS SEGUNDO O ANTIGO TESTAMENTO................................................52
SATANÁS SEGUNDO NOVO TESTAMENTO........................................................52
SATANÁS JULGADO NA CRUZ............................................................................. 53
A EXECUÇÃO DO JULGAMENTO..........................................................................54
Capítulo 6.......................................................................................................................55
A ANGELOLOGIA E SUA RELEVÂNCIA PARA A IGREJA.................................56
A RELAÇÃO ENTRE DEUS, OS ANJOS E O HOMEM.............................................56
APRENDIZADO PROGRESSIVO DOS ANJOS......................................................59
OS ANJOS SÃO EXEMPLO PARA HUMANIDADE................................................59
OS ANJOS E CRISTO.............................................................................................60
OS ANJOS E A IGREJA..........................................................................................62
CONCLUSÃO....................................................................................................... 63
ATIVIDADE................................................................................................................. 64
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 65
Angelologia - 4

INTRODUÇÃO

As Escrituras atestam a existência de seres espirituais que habitam a esfera


celestial, e que são meios através das quais Deus opera no mundo material.

É extraordinário a busca que sempre ocorreu em todo o curso da história


humana por seres que servem como ponte entre o sagrado e o profano. Hoje esta
busca se intensifica por conta do progresso científico e da crise que assola a
humanidade: o homem procura Deus nos anjos, sem dúvida alguma uma das mais
belas de Suas criaturas. Porém, enchem a angelologia de abusos e desrespeitam o
que as Escrituras afirmam sobre a disciplina.

A igreja em geral nem imagina a importância destes seres que são usados por
Deus "para ministrar em favor daqueles que herdaram a vida eterna". A Escritura nos
garante que um dia, será removido de nossos olhos "o véu de separação" entre o
visível e o invisível. Então, a partir daí, poderemos ver e conhecer em toda a plenitude
a atuação que os anjos nos dedicaram (I Cor.13.12).

A crença em tais mensageiros é de caráter universal! filósofos, poetas,


historiadores, teólogos, etc. freqüentemente falaram no ministério dos anjos.

Este trabalho não tem como objetivo provar a existência dos anjos, pois a
Escritura descreve-os como seres reais, como algo patente e definido, queremos
apresentar o que cremos com base na Bíblia Sagrada acerca desta doutrina
denominada angelologia. Esta existência supracitada como fator real, não é
desconhecida no meio protestante, todos afirmam que ela é indiscutível. Mas a mesma
não sofre um conhecimento que vise abranger a realidade bíblica, em contrapartida os
movimentos esotéricos e a própria sociedade tem produzido uma angelologia estranha
a Escritura. Devido ao não conhecimento desta doutrina, os fiéis sofrem sem qualquer
resistência aos assédios destas idéias lançadas por estes movimentos.

É necessário deixarmos os preconceitos forjados contra este assunto, pelo fato


destes seres não serem visíveis e palpáveis. Quem despreza essa doutrina, objeto
revelado das Sagradas Escrituras, despreza não somente a veracidade das mesmas,
mas a própria Palavra de Deus e quem assim o faz, rejeita o próprio Cristo.

COMO ESTE ASSUNTO TEM SIDO TRATADO.

Somos herdeiros de uma cultura materialista e desiludida, que questiona a


existência de anjos; por outro lado, não faltam aqueles que criam uma angelologia
estranha à Escritura. Karl Rahner escreveu que os anjos “não são concorrentes de
Deus, mas suas criaturas”.1 Quem são, então, os anjos? E em que se baseia a nossa
crença em sua existência? Quando professamos o credo Niceno-Constantinopolitano,
vemos que somos herdeiros de uma fé que remonta à Cristo e a os apóstolos: “Creio
em Deus...Criador do céu e da terra; de todas as coisas visíveis e invisíveis”. 2
Obviamente, entre as realidades invisíveis criadas por Deus, contam-se os anjos.
1
GIUDICI, Maria Pia. Os Anjos existem! p. 18
2
BETTERSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. p. 55
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OS ANJOS ESTAVAM ESQUECIDOS ?

Para a maioria dos cristãos, os anjos não passam de seres misteriosos que
estão bem distantes de nós e alheios ao que ocorre em nossas vidas. Outros, por
ignorância, pensam que o fato de se fazer um ritual de oração irá garantir o auxílio
destes seres. Vale salientar que a falta de informações corretas sobre os anjos deve-se
a má formação cristã de muitos, como também ao desconhecimento da verdadeira
doutrina bíblica acerca dos anjos. Sobre isto Bruce Milne faz o seguinte comentário:

Ao contrário de seu passado, os cristãos de hoje praticamente ignoram os anjos


de Deus. O anti-sobrenaturalismo moderno, a percepção dos perigos da curiosidade
nesta área e o temor de introduzir mediadores entre Deus e os homens, além de Cristo,
se combinaram para constranger-nos. Essa reserva não é também inteiramente
contrária à Bíblia. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento relutam em dar
proeminência a esses servos celestiais do Senhor, mesmo porque seria uma
proeminência indevida. Mas o crescente interesse nos agentes espirituais negativos,
demoníacos e outros, e o fascínio popular pelas várias fantasias de ficção científica
devem levar o cristão a meditar às vezes sobre os “milhares e milhares de anjos”,
esses abençoados e radiosos cidadãos das hostes celestiais que, entre outras coisas
se ocupam de nossos interesses (Hb.1.14; 12.22).3

Estes ensinos errôneos herdados dão ao cristão a falsa impressão de que ele já
sabe o bastante sobre os anjos, e assim sendo, anulam o desejo de conhecer o
assunto em sua essência verdadeira. As idéias preestabelecidas pelas tradições
anulam o desejo de adquirir um conhecimento genuíno sobre tal matéria.

Sobre este assunto duas ameaças defrontam a igreja contemporânea. Ela pode
ignorar virtualmente este ensino, como acontece em grande parte dos escritos
teológicos modernos, ou pelo contrário, dar-lhe demasiada ênfase, particularmente em
relação aos agentes demoníacos. Ser um cristão bíblico não significa apenas crer em
tudo que a Bíblia ensina. Precisamos a cada dia buscar dentro da teologia várias
instruções para ter um equilíbrio escritural. Devemos temer buscar interpretar um texto
fora de seu contexto e fugir das demais regras hermenêuticas. Precisamos adotar uma
linha de interpretação.

O equilíbrio das Escrituras deve ser igualmente determinativo em nossas


considerações sobre os anjos perversos. Devemos levar a sério a luta com os poderes
do mal, como fizeram nosso Senhor e seus apóstolos, mas esta dimensão não é
abrangente no Novo Testamento, nem deve ser em nossos pensamentos. Precisamos
ter em mente que o foco do Novo Testamento é Jesus Cristo e não Satanás e seus
demônios. E, o que para muitos é absurdo, os anjos perversos também são criaturas
de Deus, existindo por causa dEle, e finalmente servindo aos Seus propósitos.

Devido à falta deste conhecimento sadio sobre os anjos, os cristãos nem


imaginam a grandeza do ministério destes seres extraordinários que Deus por sua
misericórdia colocou em nosso auxílio. Os anjos existem, eles são ministros de Deus e
estão ao Seu serviço. Mas não deve-se exagerar quando tratamos da presença destes
seres entre nós, nem da importância que eles têm, pois Deus sustenta e guia Suas
criaturas em geral, e Seus filhos em particular, diretamente pela operação do Espírito

3
Conheça a Verdade. Estudando as Doutrinas da Bíblia. p. 81
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Santo, com os anjos ou sem eles. O cristão que tem as Escrituras Sagradas como única
regra de fé e prática crê na existência dos anjos. Crê também que o propósito do
Criador para estes seres espirituais sempre se cumpriu e se cumprirá. O verdadeiro
cristão nunca vai além da escritura, ele vê com temor e tremor a angelologia de hoje,
cheia dos excessos cometidos dentro e fora das igrejas, pois a recomendação bíblica é
que “ainda que um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho
anunciado, seja anátema” (Gl.1.8).

OS ANJOS ESTÃO VOLTANDO !

Até algumas décadas atrás este tema era considerado irrelevante,


desacreditado por muitas pessoas. Estava fora até dos círculos de discussões
teológicas. Hoje torna-se presente e é assumido como uma realidade. Observamos que
o mundo não têm perguntado aos teólogos sobre os anjos. Este assunto tem sido
tratado por pessoas que não possuem autoridade. Será que aqueles que afirmam
conhecer tão bem o mundo angelical possuem habilidades e conhecimento sadio sobre
os anjos? Eles podem inferir valor naquilo que não conhecem?

Esta expressão, “Os Anjos Estão Voltando!” é vista como mais um modismo da
indústria esotérica, que explora a crendice alheia ressuscitando velhas superstições.

Desde os anos sessenta um fenômeno hoje conhecido como “onda mística” vem
crescendo. Primeiro como um movimento de contra-cultura, que contesta os valores
materialistas estabelecidos pelo sistema, e depois como uma busca pelo verdadeiro
significado da existência humana. Influenciado pelas filosofias e religiões orientais este
movimento cresceu e envolveu o mundo.

É necessário analisarmos melhor a época em que estamos vivendo e


considerarmos a presença dos anjos dentro do conturbado contexto social. O que
significa a redescoberta destes seres espirituais presentes a milênios na tradição
religiosa de diversos povos? Por que a crença foi renovada?

A SOCIEDADE SECULARIZADA EM BUSCA DO SAGRADO

As crises sociais fazem parte do processo histórico e evolutivo de todas as


civilizações. Todos os grandes impérios do passado tiveram seu momento de apogeu e
glória, para depois caírem inexoravelmente diante de crises internas e externas que os
levaram à derrocada. Entretanto, no passado, tais crises duravam séculos e atingiam
civilizações isoladas, enquanto povos vizinhos alcançavam por sua vez a prosperidade.

Em nossos dias a situação é semelhante: assistimos perplexos o rápido


crescimento de uma crise de dimensões globais, que não só abala todas as instituições
criadas pelos homens, como também a nossa própria capacidade de revertê-la.
Vivemos em uma enorme crise com rumores de guerra, que é a mais abrangente,
mais profunda, mais rápida e diferente de todas as outras. Ela não se processa no
desenrolar dos séculos, mas a cada dia, tornando-se cada vez maior e mais complexa,
sem nos dar tempo sequer de montar uma estratégia para combatê-la.

Os governos e cientistas de todo o mundo sentem-se impotentes diante do


grave problema planetário que coloca em risco a sobrevivência e a qualidade de vida
Angelologia - 7

da humanidade. Por toda a parte presenciamos a ameaça e o caos social, guerras


internas e externas e o avanço da fome e da violência. Diante desta crise surge o
misticismo, que tem adquirido a função de compensador, ou seja, ele vem compensar o
indivíduo dos desgastes da vida social, isto é, fazer o que a sociedade secularizada
não pode produzir. É um mecanismo pela qual a humanidade joga os problemas para o
Céu, esperando receber uma resposta direta por meio de anjos. O misticismo de hoje
busca nos anjos a figura de protetores em um mundo que nos torna cada vez mais
desprotegidos e inseguros. Certos críticos como Paola Giovetti consideram este
fenômeno como conseqüência da própria crise. As pessoas desesperadas com os
tempos caóticos que estamos vivendo, buscam soluções de fuga, que sejam
milagrosas, substituindo a descrença nas instituições, nos governos e até na própria
ciência, pela magia e ajuda de seres espirituais.

Neste final de milênio a importância dos anjos está alcançando novas


dimensões, e estes seres estão presentes em quase todas as religiões. Estão nos
livros, nas revistas, nos jornais, nas publicações especiais, nos programas de televisão,
vídeos, e até no sistema de consultas pelo serviço 0900. Segundo a revista "Ultimato"
existem pessoas que trabalham como porta-vozes, pregadores e ministros dos anjos, o
artigo diz o seguinte:

Adriana Feres, economista, católica de formação, afirma que se comunica com


os anjos há mais de 20 anos. Ela reside na capital paulista, onde atua como pregadora
e ministradora em nome dos anjos. Ela afirma já ter assistido a mais de 2.500 pessoas.
Além de atender aqueles que a procuram, Adriana atende também a domicílio. Todas
as terças-feiras ela se dedica a uma clientela seleta, composta por empresários, que
recebe a ministração em suas casas. As ministrações – que ela chama de “terapia
angelical” – são feitas à base de recitação de Salmos e da invocação dos anjos para a
limpeza espiritual do ambiente. Nessas sessões, Adriana recebe mensagens dos
anjos, que ela transmite às pessoas atendidas. E os resultados? A empresária Cassilda
Silveira Camargo afirma ter sido curada de um tumor na medula, através da ajuda de
Adriana Feres. A empresária Maria Cristina Pereira de Almeida é outra pessoa que
afirma ter sido ajudada por Adriana. Ela diz que após descobrir que tinha mieloma
múltiplo, um tipo de tumor na medula, encontrou auxílio na ministração de Adriana. E dá
o seguinte depoimento: “Com a ajuda de Adriana e dos anjos consegui cuidar mais de
mim e perceber que Deus não tinha me abandonado” .4
Outra paulista que alcançou enorme sucesso e fama com os anjos é a
empresária Mônica Buonfiglio. Em 1992 ela lançou o livro Anjos Cabalísticos que teve
uma grande repercussão nacional, tornou-se um grande sucesso editorial e ocupou,
durante meses, o primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos no Brasil. Em seguida
a empresária escreveu mais dois livros sobre o mesmo assunto, A Magia dos Anjos
Cabalísticos e Tarô dos Anjos. Os livros de Mônica Buonfiglio chegaram a vender
naquele ano a impressionante marca de três mil exemplares por dia. O seu sucesso
editorial não poderia deixar de impulsionar o seu sucesso empresarial. Até setembro de
1994, a sua empresa Oficina Cultural Esotérica já contava com doze franquias.

Nas livrarias e nas bancas de revistas estão à venda mais de sessenta títulos de
livros e publicações sobre os anjos. Só a editora esotérica Pensamento tem doze
títulos nas livrarias. Um de seus títulos é escrito por uma protestante da Igreja
4
NASCIMENTO, Adão C. Anjos Hoje. Ultimato. Maio. 1996. p. 28
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Presbiteriana do Canadá, que assim se expressa: "Eu não tinha encontrado respostas
para essas questões nos ensinamentos da escola dominical, nos sermões ou nos
serviços da Igreja Presbiteriana do Canadá". 5 Diante de tanto interesse por anjos, a
Editora Três lançou uma coleção de vinte fascículos semanais com o título: "Anjos,
Tudo o que você queria saber". Foi um sucesso!

OS ANJOS E OS OVNIS

Muito corrente em nossos dias é a conclusão a que muitos chegaram por conta
da pesquisa de ufólogos, os anjos são ovnis. Estas pessoas usam certas passagens
bíblicas dos livros de Isaías, Ezequiel, Zacarias e Apocalipse para estabelecer
paralelos com as supostas aparições de ovnis. Mas qualquer tentativa para relacionar
estas passagens com os ovnis não passa de mera especulação. Todavia, o que é
interessante, é que tais teorias são alvo de atenção séria, e muitos até encaram estes
fenômenos como aparições de anjos caídos. É comum ouvirmos da boca de alguns
cristãos a afirmação de que os alienígenas são os demônios.

O que torna mais lamentável ainda é que este discurso não é apenas proferido
pela massa sem conhecimento teológico mas por líderes eclesiásticos que deveriam
por obrigação ter um mínimo de discernimento.

CONCEITOS POPULARES ACERCA DOS ANJOS

Devido à ignorância de alguns cristãos quanto ao ensino bíblico acerca dos


anjos, não é de se estranhar que conceitos falsos sobre anjos tenham surgido e
tenham tanta credibilidade em nossos dias. Entre estas crenças errôneas encontramos:
que os anjos são seres humanos que já morreram, ou seja, que nós nos tornamos
anjos quando morremos; que Satanás é um anjo caído tão poderoso quanto Deus e
tem a sua sede no inferno, local onde comanda todas as suas hostes; que cada ser
humano vive acompanhado por dois anjos, um eleito que o guia para fazer o bem, e um
caído que o induz para fazer o mal; e ainda, que simplesmente pelo fato de serem
anjos, todos são dignos de nossa confiança.

OS ANJOS ENTRE OS PROTESTANTES BRASILEIROS

A posição protestante clássica está refletida na resposta à pergunta dezesseis


do Catecismo Maior de Westminster que nos diz o seguinte: “Deus criou todos os
anjos, como espíritos imortais, santos, excelentes em conhecimento, grandes em
poder, para executar os seus mandamentos e louvarem o seu nome, todavia sujeitos a
mudança”. 6

Segundo o catecismo, os anjos realizaram um ministério extraordinário na


revelação especial de Deus, quando serviram de mediadores das mensagens divinas,
quando comunicaram bênçãos ao povo de Deus e quando executaram juízo sobre os
inimigos de Deus e de Seu povo.

5
A Comunicação com os Anjos e os Devas. p. 21

Conferir Anexo 1
6
MARTINS, Valter G. Confissão de Fé e Catecismo. p. 175
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Vários livros já foram publicados no Brasil sobre a angelologia. Um dos pioneiros


a escrever sobre o assunto foi Ebenézer Soares Ferreira, cujo livro, “Angelologia” foi
editado em 1966. Algum tempo depois, com muito sucesso, foi lançado o livro de Billy
Graham, “Anjos Agentes Secretos de Deus “. Na atualidade, muitos livros têm
contribuído para esclarecer sobre este assunto. Outros, infelizmente têm exagerado,
considerando os anjos como deuses ou semideuses.

O exagero tem saltado das páginas dos livros para os templos. Sobre este
assunto a revista “Ultimato” afirma:

Na periferia de uma grande cidade, o pastor de uma igreja evangélica faz


invocação os anjos no início dos cultos. Ele ordena que os anjos, com espadas
desembainhadas, fumegantes, se postem nas portas e nas janelas do templo para
impedir a entrada dos dardos inflamados do maligno. Ele aponta para as portas e para
cada janela, dando ordem para os anjos. Depois, sob a proteção da milícia celestial os
atos do culto prosseguem. Outro pastor, além de não concordar com a atitude do seu
colega, coloca-se em uma posição oposta. Ele afirma que os anjos nasceram na mente
dos hebreus, quando estes substituíam o politeísmo pelo monoteísmo. Sem saber o
que fazer com a multidão de deuses e semideuses que povoavam as suas mentes,
resolveram transformá-los em anjos, ministros do Deus único.7
Estes dois pastores representam posições extremas, que não expressam o
pensamento do protestantismo histórico. Na história cristã a preocupação com anjos
sempre oscilou em extremos. Na Idade Média os concílios se reuniam e havia tamanha
preocupação com os anjos que se tentava elaborar uma teologia para definir quantos
deles cabiam na cabeça de uma agulha. As vezes buscavam definir o sexo dos anjos,
se comiam e se produziam excremento ou não. No período do Iluminismo, no apogeu
da Razão, o assunto foi relegado a uma diminuição meramente especulativa, e deixou-
se de acreditar em anjos, pois os seres humanos enxergaram-se como os únicos seres
inteligentes do universo. Agora, com o fim de milênio, acontece um novo avivamento no
assunto, o interesse pelos anjos está novamente em alta.

Capítulo 1

HISTÓRICO DA ANGELOLOGIA

Todas as religiões reconhecem a existência de um mundo espiritual. Suas


mitologias falam de deuses, semideuses, espíritos, demônios, gênios, heróis e assim
por diante. Segundo Louis Berkhof “muitos críticos especialistas afirmam que os
hebreus derivam a sua angelologia dos persas”.8 Mas esta teoria não foi comprovada e,
para dizer o mínimo, é muito duvidosa.

LEVANTAMENTO HISTÓRICO DA ANGELOLOGIA PRÉ-CRISTÃ.

7
NASCIMENTO, Adão C. Anjos Hoje. Ultimato. Maio. 1996. p. 29
8
CHAFER, Lewis S. Teologia Sistemática. p. 143
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Uma tomada panorâmica, ainda que rápida, efetuada ao longo dos séculos e
das mais antigas civilizações, certifica-nos de um fato: por toda parte notam-se
vestígios da crença em seres intermediários entre a(s) divindade(s) e os homens. Os
anjos andam de mãos dadas em todo o curso da história com a raça humana, suas
aparições nos deixaram profundas marcas, a presença destes seres espirituais tem
sido reconhecida em quase todas as religiões. Sobre este assunto o Dr. William Cook
faz o seguinte comentário:

Realmente, quase todos os sistemas de religião, antigos ou modernos,


encontramos estes seres; nos aeons dos gnósticos, nos demônios, nos semideuses,
nos gênios e nos lares, que aparecem tão extensamente nas teogonias, nos poemas e
na literatura geral dos antigos pagãos, encontramos evidências abundantes da crença
quase universal da existência de seres espirituais inteligentes, que ocupam diferentes
ordens entre o homem e o seu Criador. Aqui, entretanto, geralmente encontramos a
verdade envolta na ficção e os fatos distorcidos pela louca fantasia da mitologia. A
doutrina dos pagãos, em relação aos seres espirituais, poderia ser assim resumidas:
Eles crêem que as almas dos heróis falecidos e dos homens bons foram exaltados a
uma posição de dignidade e felicidade, eram chamados demônios e supostamente
serviam de mediadores entre a divindade suprema e o homem. Havia, entretanto, uma
outra categoria de demônios, que supostamente nunca habitaram um corpo mortal, e
estes dividiam-se em duas categorias: Os bons que eram os guardiões dos homens
bons e os maus, que se dizia invejarem a felicidade dos humanos, tentando impedir
suas virtudes e provocar sua ruína. Nestas noções vemos um substrato da verdade,
mas, nas escrituras, temos a verdade em sua pureza original, livre das corrupções da
superstição e das imagens licenciosas dos poetas, e a sua verdade fica mais majestosa
em sua simplicidade.9
Para os povos primitivos, todas as manifestações da natureza correspondiam a
um espírito que pode ser benéfico e maléfico, conforme os efeitos decorrentes destes
fenômenos. Ao pé das nascentes e dos montes, junto a certos sítios animais ou
árvores, adeja um espírito que é preciso propiciar.

No Antigo Egito, prestava-se culto a uma multidão de espíritos inferiores às


divindades, que abrilhantavam suas cortes. Na Mesopotâmia, um número incalculável
de espíritos tinha características nitidamente pessoais e exercia um influxo não raro
definitivo sobre os destinos humanos. Dois milênios antes de Cristo, na Pérsia, antes e
depois da reforma de Zaratustra, era vívida a crença em seres intermediários, bons e
maus. Fica portanto claro: desde as eras primordiais, à convicção da existência de
seres pessoais inferiores à divindade e superiores aos homens tem sido praticamente
universal.

ANGELOLOGIA MESOPOTÂMICA

A Mesopotâmia é uma estreita faixa de terra situada na Ásia Ocidental, e


durante muito tempo foi o centro do mundo antigo, importante passagem entre o
Golfo Pérsico e o Mar Mediterrâneo. Sempre esteve exposta à infiltração de nômades
do deserto, montanheses rudes e povos indo-europeus. Sua história é uma sucessão
de guerras, invasões, massacres e de dominações diferentes. Sucederam-se no
9
Ibid., p. 335
Angelologia - 11

domínio da “terra entre rios” sumérios, acádios, amorritas, cassítas, assírios, hititas e
caldeus.

Os povos mesopotâmicos destacaram-se por sua religiosidade, alem de seus


deuses, era uma crença comum a existência de gênios tutelares, bons e maus que
exerciam grande influência nos acontecimentos humanos. Os touros alados chamados
de "karibu" eram os gênios bons, guardiões da morada dos deuses e dos reis. Para
impedir a ação dos gênios maus, os mesopotâmicos praticavam vários esconjuros, de
quem temos uma reminiscência no livro apócrifo de Tobias.

Dentre os povos citados, três são de enorme valor, o primeiro deles são os
sumérios, um povo de origem desconhecida, que ocupou o sul do vale no início do
terceiro milênio antes de Cristo. Eram pacíficos, e desempenharam um relevante papel
no desenvolvimento das civilizações mesopotâmicas, possuíam um sistema de escrita
chamado “cuneiforme”, fundaram em suas cidades bibliotecas e escolas. Os sumérios
possuíam três importantes cidades na qual uma delas tem um grande valor para o
desenrolar da história bíblica, são elas: Ur, Uruk e Lagash. A mais importante de todas
foi Ur, cidade que em sua época era um grande centro mercantil, opulenta e orgulhosa,
com seu poderio econômico foi de onde saiu o patriarca dos hebreus Abraão.

O progresso das cidades sumerianas foi interrompido pelas invasões de tribos


seminômades, procedentes do deserto da Síria, entre as quais destaca-se a dos
acádios. Os acádios eram semitas que estabeleceram-se ao norte da Caldéia,
fundaram importantes cidades como: Agadê, Sippar e mais tarde a poderosíssima
Babilônia.

Os sumerianos eram politeístas e não acreditavam em recompensas após a


morte. Visavam apenas obter, através da religião, dádivas materiais imediatas.
Acreditavam em um deus chamado Marduk que, segundo a lenda, depois de lutar
contra os deuses invejosos, criou o mundo e o homem do barro com o sangue do
dragão. Conheciam um mito sobre o dilúvio, que teria sido mandado pelos deuses para
castigar a humanidade. Gilgamesh, orientado por Marduk, salvou-se, recolhendo-se
numa arca com a sua família. Criam em gênios, que eram os mensageiros dos deuses
e os ajudavam a defenderem-se dos demônios, divindades perversas, contra as
enfermidades e a morte, acreditavam ainda em heróis, adivinhações e magia.

Seus deuses eram numerosos com qualidades e defeitos, sentimentos e


paixões, imortais, despóticos e sanguinários. Eram eles: Anu, deus do céu; Enlil, deusa
do ar; Ea, deusa das águas; Sin, deusa da lua; Shamash, deus do sol e da justiça;
Istar, deusa da guerra e do amor. Os sacerdotes se esforçavam para agrupar os
deuses em tríades (famílias). Cada divindade era uma força da natureza e dono de
uma cidade. Marduk, deus da Babilônia; era considerado o cabeça de todos, tornou-se
deus do Império durante o reinado de Hamurabi I (1792 – 1750 a.C.), foi substituído por
Assur durante o domínio assírio na Babilônia mas voltou ao seu posto com
Nabucodonosor.

O terceiro povo, os hititas, acreditavam que seu deus possuíam dois assistentes,
Sukkallu, seu mensageiro e Guzalû, mensageiro que conduzia o seu trono. Sukkallu é
mencionado como uma espécie de marechal ou policial em um documento
mesopotâmico, e o Guzalû como um oficial da corte em escritos cuneiformes
desenterrados em Chagar Bazar.
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Gaster, um orientalista especialista em história comparada das religiões, aplica


o método de sua especialização para explicar a angelologia bíblica. Segundo ele, a
concepção bíblica dos anjos como mensageiros celestes deriva-se das mais antigas
religiões pagãs do Oriente. Ele assegura que a maior parte das histórias a respeito de
anjos pertence ao repertório folclórico popular. Conforme ele, na Bíblia, no lugar desses
seres espirituais como gênios, demônios e fadas etc., são colocados os anjos. Os anjos
são, por conseguinte, simples versão hebraica destes heróis mitológicos do folclore
universal. Ele faz o seguinte comentário:

O deus hitita Hasmilis com uma nuvem despistou os inimigos, no mar vermelho
um anjo interpôs uma nuvem a fim de esconder os hebreus dos egípcios. O deus
supremo da Mesopotâmia mandava uma guarda de segurança proteger seus devotos,
Jacó possuía um anjo especial que o guardava e o protegia.10

ANGELOLOGIA EGÍPCIA

O Egito é uma estreita faixa de terra fértil que se estende ao longo das
margens do Nilo ao nordeste da África, entre o mar Mediterrâneo, o Sudão, o mar
Vermelho e o deserto da Líbia. Seu clima é seco. As chuvas são escassas e sua
fertilidade deve-se ao Nilo.

Na pré-história, a região do alto Egito ostentava densas florestas, onde


abundavam os animais de caça. Os grupos humanos, que aí se estabeleceram,
certamente de varias etnias, ainda hoje pouco definidas, dedicavam-se à caça e
praticavam o totemismo como sistema de definição dos vários grupos e de promoção
dos casamentos exogâmicos.

O povo egípcio pertencia ao ramo Mediterrâneo do grupo caucásico e na sua


formação entraram elementos negróides, líbios e semitas. Eram pacíficos,
trabalhadores, pacientes, e segundo Herodoto eram: “O povo mais religioso do
mundo.”11 Cultuavam um ser supremo, como senhor dos animais e uma multidão de
espíritos intermediários. Com o tempo, vindo a rarear a caça e tornando-se imperiosa a
vida sedentária, com a domesticação de animais e o cultivo das margens férteis do rio
Nilo, o ser supremo foi associado a uma entidade agrícola, como a mãe-terra e os
totens, por sua vez, passaram a distinguir, não só os vários grupos humanos mas
também as entidades protetores dos territórios em que estavam estabelecidos. Em
princípio, estes totens eram colocados acima das estátuas destas entidades protetoras,
mas, durante a segunda dinastia, começaram a aparecer as estátuas híbridas, com
corpo de homem e cabeça de animal, que caracterizam o politeísmo egípcio.

Tudo para o egípcio era divino, o próprio humano julgava-se possuir algo de
divino. O Kha, o que lhe permite a identificação com Osíris e o acesso à felicidade
eterna dos deuses. Ele criam que os deuses possuíam, família, servos e grandes
mansões.

Os egípcios acreditavam que o ser humano se compunha do corpo e de dois


outros elementos: o Ba, representado por um pássaro sem cabeça e o Ka, espécie de
gênio protetor que nascia com o homem e acompanhava-o durante toda a sua vida e

10
TERRA. João M. Anjos na Bíblia. p. 8
11
SOUSA, Osvaldo R. História Geral. p. 11
Angelologia - 13

cuidava dele após a morte.

O Egito era uma terra de muitos deuses. Visto que as divindades locais eram a
base da religião, os deuses egípcios tornaram-se extremamente numerosos. Deuses
da natureza eram comumente representados por animais e pássaros. Eventualmente,
divindades cósmicas personificadas por forças da natureza foram elevadas acima dos
deuses locais, passando a ser teoricamente reputadas como divindades nacionais.
Estas divindades tornaram-se tão numerosas que chegaram a ser agrupadas em
famílias.

Os templos, igualmente, eram numerosos e espalhados por todo Egito. Com a


provisão de um lar ou templo para cada deus, surgiu o sacerdócio, as oferendas, as
festividades, os ritos e as cerimônias de adoração. Em troca destas acomodações, o
povo considerava que seus deuses eram seus benfeitores. A fertilidade do solo e dos
animais, a vitória ou a derrota, as inundações do vale do Nilo, enfim, todos os fatos que
afetam o bem estar da vida do povo, eram atribuídos a alguma divindade.

A proeminência nacional atribuída a qualquer deus em particular era


intimamente relacionada à política. O deus-falcão, Horus, subiu à categoria de deus
local para a de deus oficial de império quando o rei Menés estava no poder e uniu o
baixo ao alto Egito. No entanto, quando a quinta dinastia subiu ao poder, ele patrocinou
o deus-sol de Heliopólis, Ré, como o cabeça do panteão egípcio. A maior aproximação
de um deus nacional no Egito foi o reconhecimento dado a Amon, durante os reinos
médio e novo. Os magníficos templos de Carnaque, Luxor, nas vizinhanças de Tebas,
até hoje dão testemunho do patrocínio real conferido a uma divindade. Muito tempo
depois, durante o reinado da décima oitava dinastia, o culto a Amon, com o seu
sacerdócio tebano, tornou-se tão forte que o desafio faraônico contra o seu poder foi
esmagado com sucesso, quando da morte de Aquenaton. A despeito da proeminência
das divindades nacionais, em ocasião alguma elas foram adoradas com exclusividade
por toda massa egípcia. Para um aldeão egípcio, a divindade local era a que se
revestia de toda a importância, fosse ela em figura humana (antropomorfismo), figura
animal (zoomorfismo), corpo humano, ou cabeça de animal (antropozoomorfismo). Os
principais deuses eram: Amon-Rá, Osíris, Ísis, Horus, Ptah, Thot e Anúbis.

Os egípcios acreditavam na vida após a morte, para eles, o registro sem mácula
neste mundo daria ao indivíduo o direito à imortalidade. Isto justifica os sepultamentos
reais, nas pirâmides e túmulos, onde foram encontrados depositadas provisões
adequadas para outra existência, como alimentos, bebidas e outros luxos da vida. Nos
primeiros tempos, até mesmo os servos eram mortos e postos ao lado do cadáver do
seu senhor. À semelhança de Osíris, que era símbolo divino da imortalidade, os mortos
egípcios eram julgados perante um tribunal do submundo composto de quarenta e dois
deuses e por ele chefiado. A alma, depois de fazer a sua defesa através do “Livro dos
Mortos”, deveria declarar-se inocente dos quarenta e dois pecados e confirmar as suas
virtudes. Depois, seu coração, símbolo da consciência, era pesado numa balança por
Anúbis. Se fosse inocente, iria viver eternamente em bosques com pássaros canoros e
lagos cheios de lotos e gansos.

É difícil, praticamente impossível apontar denominadores comuns na religião do


Egito ao longo de quase três mil anos de desenvolvimento. A religião vai desde o
politeísmo grosseiro até um monoteísmo solar. A tolerância extrema que havia na
religião egípcia explica a interminável adição e reconhecimento de tão numerosos
Angelologia - 14

deuses; nenhum deles foi jamais eliminado. Visto que os estudiosos modernos acham
difícil fazer uma análise lógica dos múltiplos elementos desconexos dessa religião, é de
duvidar que qualquer egípcio nato pudesse fazê-lo. A confusão é o resultado de toda
tentativa em correlacionar o exército de divindades com os seus respectivos cultos e
ritos. Também não podem ser relacionados as hostes de mitos e crendices.

Um mito bastante conhecido tinha a ver com o rio que sustentava toda a vida
naquele país. O deus Osíris foi assassinado e retalhado por Set, seu irmão, em
seguida seu corpo foi espalhado por seus mensageiros em todo o Egito. Ísis sua irmã
e esposa, auxiliada por Horus, Thot e Anubis, recolheu os pedaços do corpo do seu
marido e os colou. A única parte de Osíris que não conseguiram achar foi seus
testículos, pois fora colocado nas profundezas do Nilo por Set. Este mito simboliza a
fertilidade, a regressão das águas no outono e a volta com inundações na primavera.

Havia também culto aos animais, que serviam para representar seus deuses,
estes animais eram: o gato, o crocodilo, o chacal, o escaravelho e o boi Ápis que vivia
em uma capela em Mênfis e era servido por sacerdotes e quando morria era
embalsamado.

O fato do sol se esconder todas as tardes e reaparecer no dia seguinte, bem


como o Nilo crescer e recolher-se ao leito, levou os egípcios a desenvolver o culto aos
mortos.

Em alguns textos fúnebres no Egito fala-se de uma escada entre o céu e a terra.
Escadas em miniaturas eram colocadas nos túmulos do Egito a fim de facilitar a
ascensão da alma ao céu.

Era conhecido também o correio celeste entre os deuses através de


mensageiros mencionado na famosa “Carta Satírica” egípcia de Hare que foi escrita
aproximadamente no século 13 a.C. na qual ocorre o termo com uma palavra de
origem semítica.

ANGELOLOGIA CANANITA

O nome Canaã se aplica às terras que ficam entre Gaza, no sul e Hemate, no
norte, ao longo das costas do Mediterrâneo. Os gregos, em seu intercâmbio com
Canaã, durante o primeiro milênio a.C., chamavam seus habitantes de fenícios, nome
esse que provavelmente teve origem no termo grego que significa “púrpura”, a cor
carmesim de um corante de têxteis produzido em Canaã. Desde o século XV a.C., o
nome Canaã vinha sendo aplicado, de modo geral, à província egípcia da Síria, ou,
pelo menos às costas fenícias, o centro da indústria de púrpura. Consequentemente,
as palavras cananeu e fenício têm a mesma origem cultural, geográfica e histórica.
Mais tarde, essa área veio a ser conhecida como Síria e Palestina. A designação
Palestina teve sua origem no nome Filístia.

Com a migração de Abraão para Canaã, essa terra se tornou o centro das
atenções nos desenvolvimentos históricos e geográficos dos tempos bíblicos. Estando
estrategicamente localizada entre os dois grandes centros que abrigavam as mais
antigas civilizações, Canaã servia de ponte natural que ligava o Egito a Mesopotâmia.
Em resultado disso, não é de surpreender que fosse mista a população da região.
Cidades de Canaã, como Jericó, Dotã e outras, já vinham sendo ocupadas desde
Angelologia - 15

séculos antes dos tempos patriarcais. Devido ao primeiro grande movimento semita
dos amorreus para a Mesopotâmia, parece provável que os amorreus lançaram
povoados por toda palestina.

Durante o reino médio, os egípcios estenderam seus interesses políticos e


comerciais tanto para o norte como para a Síria. Não menos importante entre os
invasores era os hititas, que penetraram em Canaã vindos do norte e que figuravam
como cidadãos bem estabelecidos quando Abraão adquiriu a caverna de Macpela (Gn.
23). Os refains, um povo até recentemente obscuro, exceto quanto às referências
bíblicas, foram a pouco identificados na literatura ugarítica. Pouco se sabe acerca de
outros habitantes que figuram na narrativa de Gênesis. A designação cananeu
provavelmente abarcava a confusa mescla de povos que ocupavam a região na era
dos patriarcas.

A religião de Canaã era politeísta. El era reputado como principal divindade


cananeia. Simbolizado como um touro entre um rebanho de vacas, o povo se referia a
ele como “pai touro”, considerando-o criador. Assira era a esposa de El. Nos dias de
Elias, Jezabel patrocinava a quatrocentos profetas de Assira ( 1 o Rs 18.19). O rei
Manassés erigiu a imagem dela no templo de Jerusalém (2 a Rs 21.7). O primeiro dentre
os setenta deuses e deusas que eram tidos como proles de El e Assira era Hadade,
mais conhecido pelo nome de Baal, que quer dizer senhor. Como monarca reinante
dos deuses, ele controlava os céus e a terra. Por ser deus da chuva e da tempestade,
ele era o responsável pela vegetação e pela fertilidade. Anate, a deusa amante da
guerra era sua irmã e consorte. No século IX a.C. , Astarte, deusa da estrela
vespertina, era adorada como sua esposa. Mote, deus da morte, era o principal
adversário de Baal. Ion, deus do mar foi derrotado por Baal. Esses e muitos outros
deuses são os primeiros a figurar no catálogo do panteão cananeu.

Visto que as divindades cananéias não tinham caráter moral, não é de


surpreender que a moralidade daquele povo fosse extremamente baixa. A brutalidade
e imoralidade que se destacam nas narrativas sobre estes deuses é algo muito pior
que qualquer outra coisa vista no Oriente. E, posto que isso se refletia na sociedade
cananéia. Os cananeus, nos dias de Josué, praticavam sacrifícios de crianças, a
prostituição sagrada e adoração á serpente como parte de seus ritos e cerimônias
religiosas.

Conforme Gaster, as divindades semitas também tinham mensageiros a seu


serviço:

A deusa-mãe dos hititas era assessorada por dois grupos de fadas, boas
e más. As boas eram enviadas para assistir às famílias benquistas pela deusa,
deviam proteger as plantações, cuidar dos vestidos e ornamentos femininos e arranjar-
lhes casamentos. As más eram enviadas às famílias malquistas pela deusa, deviam
deixar solteiras suas mulheres, excitar contendas e discórdias, “de modo que quebrem
a cabeça”. No antigo testamento também há anjos que são mandados para o bem e
outros que são enviados para castigar e punir. Nos textos ugarísticos de Ras Shamrá,
os estafetas celestes eram enviados em pares, pois assim se acontecesse um acidente,
um não ficaria sozinho na estrada. Em Gênesis 19.1 os anjos viajam em pares pelas
estradas de Sodoma.12
12
TERRA, João M. Anjos na Bíblia. p. 9
Angelologia - 16

ANGELOLOGIA BABILÔNICA

Em 616 a.C. Nabopolassar pôs os assírios em fuga para o norte, ao longo


do rio Eufrates, até Harã, retornando com lucrativos despojos, antes que o exército
assírio pudesse desfechar em contra-ataque. Isso levou a Assíria a aliar-se ao Egito,
que fora libertado do domínio assírio por Psamético I em 645 a.C.

Após repetidos assaltos contra a Assíria, caiu a cidade de Assur diante dos
medos comandado por Ciaxares, em 614 a.C. O resultado dos esforços babilônicos por
ajudar os medos, nesta conquista, foi a aliança medo-babilônica, confirmada através
de matrimônio. Na primavera de 605 a.C, Nabopolassar enviou Nabucodonosor, o
príncipe herdeiro, com o exército babilônico para cuidar da ameaça egípcia no alto do
rio Eufrates . Ele marchou diretamente e com determinação para Carquemis, cidade
que os egípcios dominavam desde 609 a.C., quando Neco subira em auxílio às forças
assírias. Os egípcios foram decisivamente derrotados em Carquemis.
Nabucodonosor passou a controlar a Síria e a Palestina, fato que teve um efeito
decisivo sobre Judá. Nabucodonosor instalou-se em Ribla onde montou seu quartel
general. Joaquim, rei de Judá, que fora vassalo de Neco, agora tornara-se sujeito a
Nabucodonosor. Judá foi levada cativa, e seu templo, orgulho nacional, foi saqueado,
seus jovens e artífices apanhados e deportados para Babilônia (Dn.1.1) no primeiro
desterro, a supremacia babilônica se consuma sobre Judá quando pela segunda vez,
em 597 a.C. Nabucodonosor leva o resto do despojo e nomeia Zedequias rei em
Jerusalém.

Em 588 a .C. Zedequias se rebela contra Babilônia, daí começa o desfecho, a


destruição final de Jerusalém. Desnuda de sua população por força do exílio, a capital
de Judá foi abandonada em ruínas .A glória do reino Babilônico começou a dissipar-se
depois da morte de Nabucodonosor , em 562 a.C. Sendo hábil construtor, ele fez da
cidade de Babilônia a mais poderosa fortaleza do mundo, adornada de esplendores e
belezas jamais ultrapassados.

Após a sua morte, Evil-Merodaque , também conhecido como Avel-Marduque,


governou somente por dois anos sobre o império que herdou de seu pai. Seu nome
nos trás uma idéia da religião babilônica.

Merodaque é mencionado na Bíblia somente em Jeremias 50.2. Observamos


que neste texto o nome Merodaque é paralelo à palavra bel, transliteração do atributo
acadiano de Marduque, “Senhor”. Fora esta menção em Jeremias 50.2, o nome de
Merodaque aparece na Bíblia apenas em nomes pessoais, tais como: Merodaque-
Baladã (Marduk-apal-idenn), Evil-Merodaque (Awel-Maruduk) e Mordecai.

É desconhecida a origem do nome Merodaque, embora várias etimologias


tenham sido sugeridas. Em sumério a forma de seu nome é dAMAR-UD, e nos mais
antigos registros silábicos (babilônio antigo) o nome é marutuk (ma-ru-tu-uk). A
tradução seria “O bezerro/ filho de Utu (o deus–sol).” Mas, Jacobson nos dá outra
possibilidade: "O nome significa “filho da tempestade”, pois a idéia que os textos
apresentam de Merodaque é mais de um deus da tempestade, chuva, raios e trovões
do que de um deus-sol."13

Em acadiano a forma do nome é mar(u)duk(u). É interessante a vocalização do

13
Dicionário Internacional de Teologia do A. T. p. 897
Angelologia - 17

seu nome em hebraico, merodak (na LXX é Merodaque). Alguns estudiosos são da
opinião de que existe uma semelhança deliberada com ,adonay, “meu Senhor”. O mais
provável é que seja uma vocalização eufemística, assemelhando a palavra com
meborak, “maldito”.

Geralmente se diz que Merodaque foi exaltado à sua posição de supremacia no


panteão babilônico quando Hamurabi fez de Babilônia a capital política do sul da
Mesopotâmia (XVII a.C.), embora fosse conhecido como um deus de menor
importância já no terceiro milênio a.C. É, contudo, bem defensível a idéia de que
somente no reinado de Nabucodonosor I (1.100 a.C.), Merodaque realmente se tornou
o “rei dos deuses”. Merodaque era filho de Enki (Ea) e de Eridu, o deus da sabedoria e
patrono das artes mágicas. O próprio pai de Merodaque foi pai de Nabu, o qual,
próximo do fim do período neobabilônico (séc. VI a.C.), suplantou o pai em
popularidade. Merodaque era o deus da cidade de Babilônia. Ali o seu templo era
chamado É-Sag-ila, “a casa que ergue bem alto a sua cabeça”. A seu lado encontrava-
se a famosa torre de degraus (Zigurate), É-Temem-an-ki, “a casa dos alicerces dos
céus e da terra”, com aproximadamente 91 metros de altura. O grande portal oriental
do templo, a porta santa, que ficava fechada com tijolos o ano inteiro, era aberta
quando era comemorado a principal festa de Merodaque, a festa de Akitu (ano novo).

Nesse dia, comemorava-se o casamento de Merodaque com sua noiva,


Sarpanitu, levando-se as estátuas de ambos para fora dos muros da cidade. Ali fora,
simulava-se uma relação sexual entre os dois, assegurando assim a fertilidade da terra
no ano que se iniciava. Nesta festa também se recitava a estória de Enuma Elish (o
épico babilônico da criação). Merodaque, o herói dessa estória, é nomeado pelos
deuses para liderar com seus gênios a luta contra Tiamat.

ANGELOLOGIA MEDO-PÉRSA.

A Pérsia está situada entre a Mesopotâmia, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico,


a Índia e o Turquestão, na Ásia Central. Seu clima é quente e seco. Quase não chove
ali. O solo é árido, com pequenas faixas férteis nos vales, onde se formam oásis.

Os medos e os persas, habitantes do planalto iraniano, pertenciam ao grupo dos


indo-europeus que viviam nas estepes orientais do mar Cáspio e denominavam-se
ários, que quer dizer nobres. Os medos estabeleceram-se na parte setentrional dos
montes Zagros, próximo da Assíria, por volta do século IX a.C. Os persas ocuparam a
parte meridional, nas proximidades do Golfo Pérsico, no século VI a.C. Eram altos,
bons cavaleiros, valentes, dedicados à agricultura e ao pastoreio, ao trabalho em
cobre, bronze e ouro.

A origem deste povo está no século VIII a.C. Os assírios, no apogeu de seu
militarismo, dominaram os medos. As tribos destruídas e vencidas uniram-se na luta
contra o invasor. No século seguinte estava formado o reino Medo, com a capital em
Ecbátana.

Segundo a tradição, Déjoces foi o primeiro rei medo. Ciáxares (625 a 585 a.C.),
com um exército bem armado e disciplinado, impôs o seu domínio aos persas e tentou
aniquilar o poderio assírio. Sob a sua dinâmica, a Média se impôs como uma ameaça à
supremacia assíria durante a última metade do século VII a.C., e as forças combinadas
da Média e da Babilônia destruíram Nínive. O matrimônio de Nabucodonosor com a
Angelologia - 18

filha de Ciáxares selou esta aliança de tal modo que prevaleceu um delicado equilíbrio
de poder durante todo o período de expansão e supremacia babilônica. Astíages (585
a 548 a.C.) continuou a política expansionista de Ciáxares, seu pai, até ser destronado
por Ciro.

O Império Persa, segundo a tradição, foi fundado por Ciro, neto de Astíages e
filho da princesa Mandane, casada com Cambisses, príncipe persa. Educado por
pastores, tornou-se posteriormente um bravo guerreiro. Notável administrador, recebeu
o título de “rei do mundo”.

A cultura persa era eclética, adotaram o progresso intelectual dos povos


submetidos. A arquitetura era secular, não havia construções religiosas. Segundo
Antônio Alves, a religião dos persas teve um enorme destaque pois “o cristianismo,
o judaísmo e o islamismo, as grandes religiões atuais derivam diretamente da religião
persa”.14 Os fundamentos da religião persa fora ensinados por Zaratustra (Zoroastro
em grego).

No zoroastrismo, existiam dois deuses: Ahura Mazda (ou Ormuzd),


representando o bem, a luz e Arimã, representando o mal, as trevas. Portanto, era uma
religião dualista.

Cada um destes deuses era auxiliado por uma multidão de mensageiros (Djins)
ou gênios maléficos (Devas). Acreditava-se que o bem e o mal lutariam até o fim dos
tempos com a vitória do bem. Mazda necessitava da ajuda dos homens nesta batalha.
Para isto, eles deveriam evitar os pecados e seguir certos mandamentos morais, era
uma religião de conteúdo ético, preceitos morais. Acreditava-se ainda em um céu e em
um inferno, no julgamento das almas e em um messias, Saoshyant, nascido de uma
virgem, Huôu. No fim dos tempos, haveria a ressurreição para todos e um julgamento
final. Era uma religião escatológica.

O Zoroastrismo não manteve a sua pureza original, mas misturou-se às


superstições primitivas, à magia e à religião caldaica. Daí, surgiram duas heresias: o
Mitraismo, que era a adoração à Mitra, anjo de Ahura Mazda. As cerimônias desta
religião incluíam um banquete onde se servia pão e vinho, uma lavagem purificatória
com água (batismo), a guarda de um dia santificado (domingo) e o dia do nascimento
do sol (25 de dezembro).

Estas crenças se espalharam rapidamente pelo Oriente com o Império


Macedônico e mais tarde se estabeleceram em Roma em 100 a.C.

A outra heresia foi o maniqueísmo, fundado por Mani, sacerdote em Ecbatana,


entre 250 e 276 d.C.. Foi portanto, o grande concorrente do cristianismo no Império
Romano decadente.

Mani levou ao extremo a doutrina dualista, para ele tudo que fosse material era
intrísicamente mau e tudo que fosse espiritual seria necessariamente bom. Assim, só
haveria salvação quando abandonássemos a carne e nos dedicássemos somente ao
espírito.

ANGELOLOGIA ENTRE OS GREGOS


14
História Antiga e Medieval. pg. 59
Angelologia - 19

A grande preocupação da filosofia grega era explicar a harmonia e a ordem do


Cosmos. A este respeito diz Foerster: "Os filósofos gregos depois do insucesso de
representar o mundo como um kosmos de dinamismo abstrato, introduziram, com os
daimones, seres intermediários pessoais."15

Esta teoria era uma resposta à carência generalizada de um teodicéia. Ao lado


dos "daimones", como forças ativas e determinantes da ordem cósmica, aparecem os
demônios maus, princípios de desordem cósmica. Assim, Plutarco cita os Alastores
como exemplo de demônios maus. Hesíldo os denominava "vigilantes da humanidade".
Para Platão, os demônios são providências intermediárias entre Deus e os mortais. Os
estóicos também aceitavam esta concepção dos demônios como as potências
aglutinadoras da ordem cósmica. Diórgenes disse que “segundo os estóicos, os
demônios são inspetores que vigiam com simpatia todas as coisas humanas”.16

Nos escritos herméticos, os demônios, enquanto condicionam o destino


humano, são postos em relação com todas as desventuras e catástrofes: furacões,
tempestades, raios, incêndios, terremotos, bem como a fome, guerras e assim por
diante.

A filosofia helenista atribui a estes seres intermediários, controladores da ordem


cósmica uma verdadeira paixão pela natureza visível. Conforme esta empatia, os
demônios maus tinham um desejo de estarem mais próximos da terra, enquanto os
seres intermediários bons eram habitantes do céu.

Esta doutrina foi ampliada pelos neoplatônicos que conceberam um grande


sistema de seres intermediários, que à medida que se aproximam da terra, se tornam
cada vez mais imperfeitos. Assim, os demônios, conforme o seu caráter, transformam-
se em seres superiores aos homens, mas sempre imperfeitos, e constituem cada um
dos degraus da evolução que vai da matéria ao espírito, do homem a Deus.

Na crença e na filosofia popular helenista, os demônios são ainda responsáveis


por cada um dos fenômenos. Assim, determinadas doenças eram atribuídas a certos
demônios. Plínio fala de um demônio da febre. Em sentido neoplatônico são chamados
daimones as divindades que presidem à vida ou que vigiam os elementos dos cosmos.

Ao lado do termo daimon há no helenismo o termo daimónion que designa tudo


o que transcende as possibilidades humanas, e que, tanto no bem, como no mal, pode
ser reduzida ao influxo de potências superiores.

A palavra grega , (daimon, onos), que através do latim eclesiástico


daimoniu (m), nos deu demônio, procede do verbo  (daiesthai), "repartir,
dividir". Em sentido estrito, daimon significa "uma força, uma potestade que exerce
algo", donde "divindade, destino" como atesta o sânscrito bhága, "parte, destino,
senhor". Em Homero, demônio é um poder que não se quer ou não se pode nomear:
daí seu duplo sentido de divindade e destino, sem nenhum direito a sacrifícios. Em
Hesíodo,  (daímon), significa um "semi- deus, um demônio". Já na literatura
grega se fazia a distinção entre  (kakodaimonia), "posse ou perseguição
desenfreada por um mau demônio" e  (eudaimonia), "felicidade, isto é posse

15
TERRA, João M. A Angelologia de Karl Rahner. p. 379
16
TERRA, João M. A Angelologia de Karl Rahner. p. 380
Angelologia - 20

de um bom demônio". Só a partir do latim cristão é que daemonium, "demônio", mero


decalque do derivado grego  (daimónion), passou a significar "espírito
maligno, diabo, satanás". A crença em espírito sobrenaturais um pouco menos
antropomorfizados do que os olímpicos é uma característica muito antiga da religião
popular grega; um certo daímon está ligado a uma pessoa ao nascer e determina, para
o bem ou para o mal, o seu destino. Para Empédocles, daímon é um outro nome com
que se designa psique, o que provavelmente reflete a origem divina e os poderes de
que eram dotados os "demônios", Sócrates atesta a antiga tradição religiosa, quando
fala na apologia, de um certo demônio, de algo divino,   (daimonion ti) que o
aconselha a evitar certas ações. Segundo ainda o autor supracitado, talvez seja um
engano pensar que Sócrates ou seus contemporâneos fizessem uma distinção muito
acentuada entre daímon e theion, entre "demônio e divino", uma vez que "a defesa
socrática contra o ateísmo na apologia, assenta num argumento de que acreditar nos
daímones é acreditar nos deuses". Na República o daímon aparece como uma espécie
de anjo-da-guarda, mas se aquele está ou não dentro de nós foi algo que muito se
discutiu na filosofia posterior. No Banquete, Platão, pelos lábios de Diotima, identifica
Eros com um daimon, que funciona como intermediário entre os deuses e os homens.
Os neopitagóricos e neoplatônicos agasalham esta noção: os deuses olímpicos
habitavam o éter, enquanto os daímones, divindades menores, ocupavam o ar inferior e
exerciam influência e providência diretas sobre os mortais.17
Entre os gregos subsistia o culto aos gênios tutelares da natureza. Um velava
pelo bom funcionamento dos moinhos e outro que quebrava os vasilhames; um que
presidia o bom êxito dos partos nos rebanhos e outro que transmitia a febre aos
doentes.

Para Platão, o daimon é um ser pessoal, intermediário entre a divindade e os


homens destinado a mover o homem nos caminhos do bem. Aristóteles afirmou:
"acima do céu seres não sujeitos a alterações ou paixões que levam uma vida ótima e
eterna".18 Cada um deles move um dos céus e é intermediário inteligente entre "o Motor
Imóvel e o homem, tornando-se assim elemento da explicação dada por Aristóteles do
movimento do universo".19

Crisipo, e com ele, outros filósofos estóicos, prevêem em seu sistema seres
espirituais incapazes da plena impassibilidade e felicidade divina, mais muitos
superiores aos homens. Trata-se de seres bons e seres maus que talvez seja a causa
das desgraças e da maldade humana.

ANGELOLOGIA NO JUDAÍSMO.

No judaísmo tardio se encontra a mesma demonologia cósmica que existia entre


os gregos. Conforme o pensamento judaico expresso no Bereshit Rabba:

Cada fenômeno material, cada força natural: chuva, granizo, vendaval, mar etc.,
é expressão, a manifestação de um anjo, do mesmo modo, cada acontecimento na vida
humana, doença, alimentação, empobrecimento e etc. ... é a aparência que revela a
17
Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. p. 278
18
GIUDICI, Maria Pia. Os anjos existem ! p. 16
19
Ibid., p. 16
Angelologia - 21

atividade de um espírito (anjo ou demônio). Não há um talo de uva na terra que não
tenha seu anjo no céu.20
Conforme a tradução judaica, o nome dos anjos designa sua função cósmica ou
histórica; assim, o anjo que anuncia o nascimento é chamado Gabriel, que significa
“virilidade de Deus”. O Midrash Dbharem Rabba afirma: “Gabriel é aquele que prende à
fecundação de tudo o que vive, até fazer nascer os animais, amadurecer os frutos”. 21
Nos comentários dos rabinos os anjos tem uma participação importante. O Dr. Donald
D. Turner conta-nos o seguinte:

Ainda que o livro de Ester não mencione nem Deus nem anjos, nos escritos dos
rabinos abundam referências ao ministério dos mesmos. Por exemplo: um anjo impediu
Vasti de comparecer perante o rei Assuero, a fim de abrir caminho para escolha de
Ester; quando o escrivão leu as crônicas perante o rei, segundo esses comentários, o
bem que havia sido praticado por Mardoqueu, havia sido apagado do livro pelo escriba
Sinsai, mas afirmam que o anjo Gabriel tornou a escrever a passagem no lugar devido;
que três anjos ajudaram Ester quando ela se apresentou no pátio perante o rei; que ao
sair o rei no jardim, por ocasião do segundo banquete, encontrou três homens (anjos
disfarçados) que arrancavam as árvores do jardim, aos quais perguntou porque faziam
aquilo, e responderam que Hamã fora quem ordenara; que um anjo empurrou Hamã,
obrigando-o a cair sobre o leito de Ester no momento em que o rei regressava ao salão
de banquete, etc...Estes são apenas alguns exemplos da profusão de referências aos
anjos, nos escritos dos rabinos.22
As referências nos escritos rabinicos afirmam que mil anjos acompanham a
cada judeu; um deles o precede para dizer aos demônios que abram alas, e ainda,
quando um judeu entra em um lugar imundo roga aos seus dois anjos que o esperem
na saída, o versículo usado para dar apoio a esta crença é o Salmo 91.11-12.

Os judeus igualmente discutiam se o anjo protetor estava encarregado da


criança desde a sua concepção, desde o seu nascimento ou desde a sua apresentação
no templo, tudo isso prova o quão arraigada entre os judeus era essa crença.

ANGELOLOGIA ENTRE OS ROMANOS.

Como os gregos, os romanos tinham a convicção da existência de gênios


tutelares da natureza. Um grupo de gênios velava pelo bom funcionamento das coisas,
enquanto outros perturbavam e ensinavam destruição. Os bons presidiam com êxito o
parto dos animais, e os outros transmitiam a febre aos doentes.

Os romanos não tinham imagens de seus deuses, nem sequer templos.


Contentavam-se em demarcar certas áreas sagradas, geralmente bosques, para fazer
suas preces e oferecer os seus benefícios aos gênios. Estes eram numerosíssimos e
muito especializados, pois cada um deles tinham uma função determinada. Por
exemplo; nos trabalhos agrícolas havia um Vervactor para a primeira passagem do
arado, um Redaptor, para a segunda passagem, um Insitor para a semeadura, e assim
por diante.
20
TERRA, João M. A Angelologia de Karl Rahner. p. 381
21
Ibid., p. 381
22
A Doutrina dos Anjos e do Homem. p. 11
Angelologia - 22

No desenvolvimento da criança, havia um Cunina, para cuidar dela no berço, um


Rumina, para a sua alimentação, e um Statulina, para que aprendesse a ficar de pé.
Isto é, os nomes individualizam os gênios, indicando a sua função. Não havia
preocupação em determinar o seu sexo nem a sua hierarquia, pois o que realmente
importava era o poder que ele tinha para favorecer ou prejudicar o homem.

Os cultos eram celebrados nos lares, onde encontramos uma religiosidade mais
expontânea, na qual preponderam os elementos de uma cultura agrária. Todo o “pai de
família” era um sacerdote nato, que oficiava como tal em seu próprio lar, segundo ritos
que ficavam em grande parte ao seu arbítrio. Os objetos de culto eram:

O gênio da família, que era a força vital presente e imanente no chefe do clã,
personalizada e venerada junto ao leito nupcial, festejada no dia do nascimento do
chefe da família com ofertas de vinho, incensos e bolos. Está de alguma forma ligado
aos espíritos dos antepassados e às forças da natureza, representada pela “serpente”,
animal mítico que protege os casamentos e a transmissão da forças generativas; Os
lares: são originalmente divindades dos campos, como tal veneradas nas encruzilhadas
com pequenas capelas, que depois são transferidas para as cidades . São forças
fecundantes que passaram a ser invocadas como divindades protetoras das famílias,
identificando-se de alguma forma com os manes e os gênios; Os Penates: são
originalmente divindades protetoras das dispensas familiares e da cozinha, que com o
tempo se tornaram responsáveis pela multiplicação dos bens familiares; não são
representados em figuras, pois constituem uma coletividade; Os manes: são os
antepassados, fundadores do clã, ou dignos de memórias pelos seus feitos, cujo
espírito se perpetua nos chefes de família.23

Capítulo 2

OS ANJOS NA HISTÒRIA RELIGIOSA CRISTÃ

ANGELOLOGIA NA IGREJA PRIMITIVA.

Desde o início da era cristã existem claras evidências da crença na existência


dos anjos. Orígenes, teólogo cristão que viveu entre os anos 185 a 254 d.C. escreveu
o seguinte:

Somos criaturas com duas naturezas: animal, semelhante às bestas, e racional,


porém racional imperfeita. Não haverá outra criatura melhor? Assim como percebemos
por nossa parte sensível que existem seres inferiores, é razoável crer, por nossa parte
nobre e intelectual que existem seres superiores. Quanto ao Todo-Poderoso haver
criado uma multidão de anjos, é razoável, pois estaria o céu deserto de habitantes

23
PIAZZA, Waldomiro O. Religiões da Humanidade. p. 166
Angelologia - 23

inteligentes? Deus não é nem desocupado nem solitário. Seu caráter consiste em ser
bom e fazer o bem.24
Os primeiros cristãos entendiam que havia dois grupos de anjos. Uns eram
considerados bons e os outros maus. Os primeiros eram tidos em alta estima, como
seres pessoais de elevada categoria, dotados de liberdade moral, engajados no serviço
jubiloso de Deus, e designados por Ele para atender ao bem-estar dos homens. Os
outros eram tidos como seres que faziam tudo para destruir a felicidade humana.

A convicção era que os anjos tinham corpos perfeitos e etéreos, foram criados
bons, mas, alguns abusaram da liberdade e caíram, apartando-se de Deus. Inácio de
Antioquia acreditava que a salvação dos anjos dependia do sangue de Cristo. Orígenes
declarou a impecabilidade dos anjos, afirmando que: "Se foi possível a queda de um
anjo, talvez seja possível a salvação de um demônio."25

Satanás, o príncipe dos demônios, que era originalmente um anjo de classe


eminente, era considerado o chefe dos anjos maus. Entendia-se que sua queda foi por
causa do orgulho e uma ambição pecaminosa, enquanto que a queda de seus
subordinados era atribuída à cobiça dos anjos pelas filhas dos homens. Este conceito
baseava-se na interpretação comum na época de Gênesis 6.2. Calamidades de várias
espécies como: doenças e acidentes muitas vezes eram atribuídas à influência danosa
de anjos maus.

Ao lado da idéia geral de que os anjos bons atendiam às necessidades dos


cristãos, ainda que havia anjos-da-guarda para igrejas individuais e para cada pessoa
era a crença comum na época. Jerônimo acreditava que um anjo-da-guarda era
designado para cada ser humano.

A idéia de uma hierarquia entre os anjos surgiu com Irineu e Clemente de


Alexandria. Mas, foi com Dionísio, membro do Areópago de Atenas , um desconhecido,
em fins de século V ou princípio do VI, que foi escrito uma série inteira de obras de
grande importância para teologia mística da Idade Média. Esta obra sobre anjos, "A
Hierarquia Celeste", por muitos séculos foi o texto mais consultado sobre o assunto,
ele fala o seguinte:

Os espíritos celestes fruem uma participação mais subida no dom do que as


coisas que simplesmente existem, ou irracionais, ou os que raciocinam, como fazemos
nós. Já que eles configuram a si mesmos de modo inteligível, a fim de imitar a Deus, e
diligenciam por parecer-se sobrenaturalmente à Tearquia (Trindade de Deus, em
contraposiçâo a hierarquia dos anjos), empenhando-se por acomodar a própria
inteligência a esta semelhança, seus contatos com a Tearquia são naturalmente mais
profundos. De fato, eles vivem em comunhão com ela e, na medida em que lhes é
permitido, tendem para o alto, impelidos pelo amor divino e indefectível, recebendo as
iluminações primordiais de forma imaterial e sem mistura alguma; ou melhor, são
acondicionados para essas iluminações e a sua vida inteira cifra-se em intelecção. Tais
são os espíritos celestes, antes do mais e de muitos modos participantes do divino, e
reveladores do segredo teárquico. Por isso, de preferência a todos os demais, foram
estimados dignos de se chamarem "Anjos". De fato, é primordialmente a eles que cabe

24
NASCIMENTO, Adão C. Anjos Hoje. Ultimato. Maio. 1996. p. 29
25
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática. p. 192-93
Angelologia - 24

a iluminação teárquica e, por meio deles, nos são transmitidas as revelações que nos
excedem.26
Dionísio, o Areopagita, dividiu os anjos em três classes: tronos, querubins e
serafins. Essa classificação foi adotada por diversos escritores, um deles foi Santo
Agostinho (345-430 d.C.), bispo de Hipona, que dava ênfase ao fato de que os anjos
bons foram recompensados com o dom da perseverança, jamais cairiam:

Os santos Anjos não alcançam o conhecimento de Deus mediante palavras


soantes, mas pela própria presença da verdade imutável, isto é, do seu Verbo
unigênito; e conhecem o Verbo, e o Pai e o seu Espírito Santo; e sabem que eles
formam a Trindade inseparável, na qual as pessoas em si mesmas são uma única
substância; e que no entanto não são três deuses, mas um só Deus. Eles conhecem
estas verdade melhor do que nós mesmos. Também conhecem estas verdades melhor
do que nós nos conhecemos a nos mesmos. Também conhecem as criaturas na
sabedoria de Deus -- como no modelo interior segundo o qual foram feitas -- melhor do
que em si mesmas; e nela conhecem igualmente a si mesmos, melhor do que em si
mesmos -- muito embora também se conheçam a si mesmos; de fato, eles foram
criados e são perfeitamente distintos de quem os criou. No saber de Deus, portanto,
têm um conhecimento diurno; em si mesmos, ao contrário, um conhecimento por assim
dizer crepuscular, como dissemos acima. É muito diferente conhecer uma coisa na idéia
segundo a qual foi feita, do que em si mesma. Assim como é muito diferente conhecer a
retidão das linhas e a verdade das figuras geométricas quando se consideram com a
inteligência do que quando escritas na areia; e uma coisa é a justiça na verdade
imutável, outra na alma dos justos. O mesmo vale de todas as demais coisas. Assim, o
firmamento situado entre as águas superiores e as águas inferiores, que foi chamado
céu; a massa de todas as águas inferiores e a terra árida e o popular das ervas e
plantas; assim a criação do sol, da luz e das estrelas; a dos animais saídos das águas,
isto é, dos voláteis, dos peixes e dos seres que nadam; outro sim a dos animais que
caminham ou rastejam sobre a terra, como a do homem, que sobrepuja todas as
realidades terrestres. Todas estas realidades são conhecidas pelos Anjos de maneira
diferente no Verbo de Deus, no qual contemplam as suas causas ou razões, segundo
as quais foram criadas em sua imutável estabilidade; e de maneira diferente, em si
mesmas. No primeiro caso, com um conhecimento mais claro, no segundo com um
conhecimento mais sombrio, como são o conhecimento do modelo artístico e o da obra
em si mesma. Quando, depois, estas obras são referidas á glória e veneração do
Criador, parece até que surge a manhã na mente de quem as contempla.27

GNOSTICISMO

O termo “gnose” (conhecimento) é usual da literatura cristã dos primeiros


séculos, tanto na canônica como na apócrifa. Designa dois movimentos religiosos de
tendências contrárias.

A gnose autêntica é um conhecimento aprofundado dos mistérios divinos,


revelados por Deus, e contemplados com as luzes do Espírito Santo. A chamada
“gnose herética” é também um conhecimento aprofundado dos mistérios divinos, mas
26
GIUDICI, Maria Pia. Os Anjos Existem! p . 121
27
Ibid., p.117
Angelologia - 25

sob as luzes da reflexão filosófica.

Dá-se o nome genérico de “gnosticismo” ao movimento pseudo-cristão que


procurou explicar mistérios divinos segundo estes princípios filosóficos, dispensando os
dados da Revelação, e ensinando um dualismo radical entre matéria e espírito, que
valia por uma negação da redenção cristã.

DEMIURGO

Etimológicamente  (demiurgos) é um composto de  (demio)


“Que concerne ao povo ou ao público” e  (worgós) “Que diz respeito ao
trabalho”, donde, em princípio, demiurgo significa em Homero “o artesão, o especialista
que trabalha para a comunidade, como os carpinteiros , os advinhos, os aedos, os
médicos, os arautos". Mas, desde o momento em que o artesão em grego 
(bánausos) passou a ser depreciado, demiurgo começou a traduzir especificamente o
médico, o artista e, posteriormente, o criador.

Foi, ao que tudo indica, a partir de Platão, que demiurgo se tornou o criador dos
deuses menores, da alma e do mundo e da parte imortal da alma humana, mas para
tanto, usa os  (eide), “as formas, as idéias preexistentes” como modelo.

Não se trata, no entanto, de um ser onipotente. Cria o cosmo tão bom quanto o
possível, competindo com os efeitos contrários da  (Amánque), a necessidade.

Mais tarde se fez uma dicotomia: O demiurgo é tão somente um ordenador do


mundo,  ( ), do que é, por oposição ao criador,    "do
que ainda não é".

ANGELOLOGIA MEDIEVAL

Durante a Idade Média ainda havia alguns que se inclinavam a admitir que os
anjos têm corpus etéreos, mas a opinião predominante era de que são incorpóreos.
As aparições angélicas eram explicadas com a admissão de que, em tais casos, os
anjos adotavam formas corporais temporárias para fins de revelação. Vários outros
pontos estiveram em discussão entre os escolásticos.

Quanto ao tempo em que os anjos foram criados, a opinião dominante era que
foram criados no mesmo tempo da criação do universo material. Embora alguns
sustentassem que os anjos foram criados no estado de graça, a opinião mais comum
era que foram criados somente num estado de perfeição natural.

Havia pouca diferença de opinião sobre dizer que os anjos ocupavam um


mesmo lugar. A resposta comum a esta questão era afirmativa, conquanto se
assinalasse que a presença deles no espaço não é circunscrita, mas definitiva, visto
que somente os corpos podem estar circunscritamente no espaço.

Embora todos os escolásticos concordassem que o conhecimento dos anjos é


limitado, os tomistas e os scotistas diferiam consideravelmente no concernente à
natureza deste conhecimento. Todos admitiam que os anjos receberam conhecimento
infuso quando de sua criação, mas, Tomás de Aquino negava, enquanto Duns Scotus
Angelologia - 26

afirmava, que eles podiam adquirir novo conhecimento através de sua atividade
intelectual.

A ANGELOLOGIA ENTRE OS REFORMADORES

A reforma não trouxe nada de novo, quanto a doutrina dos anjos. Tanto Lutero
quanto Calvino tinham vívida concepção do ministério dos anjos, e particularmente da
presença e poder de Satanás. Os cristãos reformados continuaram a ensinar que os
anjos ajudavam ao povo de Deus. João Calvino (1509-1564) acreditava que "os anjos
são despenseiros e administradores da beneficência de Deus para conosco...Mantêm a
vigília, visando a nossa segurança; tomam a seu encargo a nossa defesa; dirigem os
nossos caminhos, e zelam para que nenhum mal nos aconteça". 28 Acentuava o fato de
que Satanás está debaixo do controle divino, e que, é instrumento de Deus. Só
podendo agir dentro dos limites prescritos pelo Criador. Quanto a obra realizada pelos
anjos bons, a opinião era que sua tarefa especial consiste em atender aos herdeiros da
salvação.

Martinho Lutero (1485-1546) em “Conversas à Mesa", falou em termos


semelhantes. Observou como esses seres espirituais, criados por Deus, servem à
Igreja e ao Reino. Eles ficam muito perto de Deus e dos cristãos, "estão em pé diante
da face do Pai, perto do sol, mas sem esforço vêm rapidamente socorrer-nos".29

O pensamento de outros reformadores esta resumido no Artigo XII da Confissão


Belga que trata sobre a criação:

Ele criou também os anjos bons, para serem Seus mensageiros e servirem Seus
eleitos, alguns dos quais caíram daquele estado de perfeição em que Deus os criara,
para eterna perdição deles; e os outros, pela graça de Deus, permaneceram firmes e
continuaram em seu primitivo estado. Os demônios e os maus espíritos são tão
depravados que são inimigos de Deus e de todo o bem, no máximo de sua capacidade,
como assassinos que lutam pela ruína da igreja e de cada um dos seus membros, e
pela destruição de todos, com os seus vis estratagemas; e, portanto, por sua
iniquidade, estão sentenciados à perdição eterna, em diária expectação dos seus
horríveis tormentos.30

A ANGELOLOGIA NA MODERNIDADE

Foi talvez o teólogo liberal Paul Tillich (1886-1965) quem postulou o conceito
mais radical do período moderno. Considerava os anjos essências platônicas,
emanações da parte de Deus.

Acreditava que os anjos queriam voltar à essência divina da qual surgiram para
serem iguais a Deus. Sobre isto Tillich aconselhava: "para interpretar o conceito dos
anjos de modo relevante, hoje interprete-os como a essências platônicas, como

28
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Vol. 1 p. 187
29
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática. p. 194
30
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. p. 142-43
Angelologia - 27

poderes da existência, e não como seres especiais. Se você interpretá-los desta última
maneira tudo não passará de grosseira mitologia".31

Karl Barth (1886-1968) e Millarde Erikson (1932), entretanto, encorajam uma


abordagem mais cautelosa e sadia. Barth, o pai da neo-ortodoxia, achava ser o assunto
"o mais notável e difícil de todos"32 e ainda, "nós descobrimos com surpresa que nos
acontecimentos nos quais menos suspeitávamos de sua presença, os anjos estavam
em atividade, falaram e a agiram efetivamente". 33 Ericsom , teólogo conservador,
acrescentou que podemos ser tentados a omitir, ou negligenciar o estudo dos anjos,
porem "se é para sermos estudiosos fiéis da Bíblia, não temos outra escolha senão
falar a respeito deles".34

ANGELOLOGIA NA PÓS-MODERNIDADE

As últimas décadas do século XX têm sido caracterizadas por movimentos que


romperam com tudo o que, historicamente, tem sido crido como verdade fundamental,
da qual não se poderia abrir mão. Esses movimentos têm tomado vários nomes como:
secularismo, relativismo, pós-modernismo e pluralismo.

O tempo pós-moderno teve início com a falência do comunismo, com a queda


do muro de Berlim, em 1989, e com o insucesso absoluto da economia do sistema
materialista.

Houve a queda dos padrões morais anteriormente estabelecidos e começou a


questionar-se de maneira muito mais clara a necessidade de haver uma verdade
objetiva.

Entretanto, o pluralismo não nasceu no período pós-moderno. Ele tem suas


raízes já no período moderno. No começo do século XIX Schleiermacher começou a
questionar o exclusivismo do cristianismo que dizia ser Jesus Cristo o único caminho
para a vida. O problema da diversidade religiosa estava levantado.

O cristianismo começou a ser questionado como a única saída para os


problemas humanos. Ele argumentava que Deus está “salvificamente” disponível, em
algum grau, a todas as religiões, mas o evangelho de Jesus Cristo é o cumprimento e a
mais alta manifestação da consciência religiosa universal.

O cristianismo do liberalismo teológico do século passado começou a sustentar


que o Deus imanente do cristianismo não pertencia somente ao cristianismo, mas
pertencia a todas as culturas religiosas do mundo. Jesus era apenas o exemplo
máximo desse Deus imanente , mas não era a única forma dele expressar-se.

Para o pluralismo as outras civilizações também possuem seu próprio acesso


salvífico à vida divina, independentemente do cristianismo. Por isso, no final do século
passado e no começo deste século, começou a haver diálogo com as outras religiões
e, até uma tentativa de ecumenismo entre as várias religiões do mundo.

31
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática. p. 194
32
Ibid., p. 194
33
TERRA, João M. Anjos na Bíblia. p. 71
34
HORTON, Stanley . Teologia Sistemática. p. 194
Angelologia - 28

No mundo pós-moderno as pessoas podem ter as suas próprias idéias com


respeito ao texto lido. Ninguém pode reivindicar exclusividade de verdade na sua
interpretação. O pós-modernismo afirma que a linguagem não pode expressar
verdades a respeito do mundo de um modo objetivo. “A linguagem, por sua própria
natureza, dá forma ao que pensamos. Visto que a linguagem é uma criação cultural, o
significado é, em ultima analise, uma construção social”. Os valores do pós-
modernismo não são pessoais, mas sociais, da cultura. O verdadeiro significado das
palavras é parte de um sistema fechado de uma cultura, que não faz sentido para uma
outra cultura. A linguagem humana não contém qualquer verdade absoluta, e nisso os
pós modernistas estão tirando vantagem.

Um texto não pode conter uma verdade absoluta, pois o sentido que o autor quis
dar a ele não é importante. O importante é como quem lê o entende. Pessoas podem
ter as mais diferentes interpretações do mesmo texto, sem que isso constitua uma
contradição. A contradição existe se há a verdade absoluta, mas como não há, não há
contradição.

O pluralismo religioso vigente na sociedade teve um enorme crescimento nestas


últimas décadas, quando os “cristãos” têm recebido profundas influências das religiões
e filosofias orientais.

Certa parábola contada por budistas nos diz o seguinte: Havia três homens
cegos e um elefante, cada um desses homens cegos apalpou o elefante vindo a
conceber uma idéia diferente dele. O primeiro cego, após apalpar o lado musculoso do
elefante, chegou à conclusão de que ele era como um muro. O segundo cego, após
apalpar as pernas grossas e roliças do elefante, protestou, dizendo: “Não, o elefante
tem uma forma diferente. Isto que estou apalpando é uma coluna”. Vocês dois estão
enganados. Isto que nós apalpamos é uma grande cobra”. E assim, cada um dos três
teve uma concepção diferente do mesmo elefante. Enfim todos falaram coisas bem
diferentes do mesmo elefante.

Estes “cristãos” têm usado esse tipo de parábola para ilustrar a relação que tem
havido entre o cristianismo e as outras religiões. Todas elas têm abordagens diferentes
a respeito de Deus, mas todas estão falando da mesma coisa, sob perspectivas
diferentes, para alguns deles, falar dos anjos e falar de Deus é praticamente a mesma
coisa.

Se um cristão afirmar que somente através do cristianismo se pode ter uma


visão real de Deus, e que todas as outras religiões estão erradas, ele está se portando
como um dos cegos da estória que diz que somente a visão dele é correta e não a dos
outros.

Jesus para estes “cristãos” é salvador, mas não é a única forma do homem
alcançar a salvação. Ele é uma entre as muitas outras formas do Deus infinito revelar-
se, por isso, em alguns grupos a angelologia tem sido mal interpretada, têm tomado um
rumo diferente daquilo que as Sagradas Escrituras nos ensinam, pois eles tem
ocupado o lugar de seu Senhor.

O Deus do cristianismo para os pluralistas é um Deus de amor, e não pode


excluir da salvação os não cristãos pelo simples fato deles não serem cristãos. Na
sistematização da teologia reformada a soteriologia fica na dependência da cristologia;
para os pluralistas é o contrário, a cristologia é que é dependente da soteriologia. O
Angelologia - 29

grande pressuposto é que a salvação tem outros caminhos, além do proposto pelo
cristianismo.

Se Jesus é apenas um caminho no processo da salvação da humanidade, o


elemento preponderante é a soteriologia, e a cristologia vem cumprir apenas um dos
propósitos redentores de Deus, Jesus não pode ser a revelação especial de Deus no
sentido da salvação depender unicamente dele, há outras revelações, inclusive os
anjos, que são igualmente soteriológicas. O amor de Deus é tão grande que não
poderia deixar de fora as outras nações pelo simples fato de não terem sido
evangelizadas, por isso outras formas de salvação são possíveis.

Segundo a abordagem pluralista, todas as religiões têm de abandonar a sua


arrogância teológica. Nenhum grupo religioso pode jactar-se de ser superior ao outro
em termos de verdade, porque a religião está associada à cultura. E não existe uma
cultura superior à outra. Todas são igualmente boas.

Cristo é apenas uma opção de salvação, é um caminho e não “o” caminho,


existe várias opções de chegar ao único Deus, pois não existe uma verdade absoluta,
mas existe verdades, o que é verdade para min pode não ser verdade para outra
pessoa. Por essa razão, ninguém pode reivindicar estar com a verdade absoluta. A
verdade está com todas as religiões, e não é propriamente de uma só, por isso aqueles
que postulam uma padrão de verdade são criticados. Para eles, crer na verdade
absoluta é o erro dos cristãos.

Muitos segmentos do cristianismo têm mudado o paradigma básico da busca da


verdade objetiva da palavra de Deus para a “verdade” da experiência. Se o paradigma
da verdade de Deus não é levado em conta, e aceitamos o paradigma da experiência,
não podemos negar a validade da experiência de outras religiões como fonte de
autoridade, logo a experiência religiosa de todas as tradições deve ser fonte de
autoridade.

Capítulo 3

O ENSINO BÍBLICO SOBRE OS ANJOS.

A revelação da Antiga e Nova Aliança atesta a existência e atividade de seres


supraterrenos. Cada afirmação a proceder da teologia a ponderar sobre os anjos se
radica em última análise no testemunho da Escritura, o qual vai proceder ao conspecto
histórico-teológico e ao desenvolvimento sistemático da angelologia.

A Bíblia nos fala de uma ordem de seres celestiais totalmente distintos da


humanidade e da Divindade, que ocupam uma posição exaltada acima da atual
posição do homem caído. Estes seres celestiais são mencionados pelo menos 108
vezes no Antigo Testamento e 165 vezes no Novo Testamento; é a partir deste
conjunto de Escrituras que forma-se a doutrina denominada angelologia.
Angelologia - 30

EXISTÊNCIA DOS ANJOS

A existência de anjos foi admitida na Escritura e, ela é a única fonte de


informações dignas de confiança sobre estes seres. Assim como o homem é a mais
importante criação da esfera terrestre, os anjos são a mais importante criação das
esferas celestial, como esta descrito em Colossenses 1.16-17: “Pois nEle foram criadas
todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos,
sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dEle e
para Ele. Ele é antes de todas as coisas. NEle tudo subsiste”. Assim como os anjos, e
todos os outros seres mortais, foram criados por Cristo e para Cristo, eles permanecem
para sempre para o louvor de Sua glória. Embora alguns seres humanos e certos anjos
neguem a adoração a Deus, a maior parte dos anjos está diante do Seu trono em
adoração incessante. Não deve ser assunto de menor importância nos conselhos
divinos que certas criaturas que caíram no pecado neguem parte do louvor àquele a
quem toda honra é devida. Este repúdio por parte dos anjos caídos não poderá
continuar para sempre. Sobre a disposição da inimizade na esferas celestial foi dito:
“Por que convém que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus
pés. O último inimigo a ser destruído é a morte”. (I Cor.15.25-26), enquanto que sobre
a disposição da inimizade nas esferas terrestre foi escrito: “Mandará o filho do homem
os seus anjos que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a
iniquidade, e os lançarão na fornalha acessa; ali haverá choro e ranger de dentes.
Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu pai. Quem tem ouvidos
para ouvir ouça”. (Mt.13.41-43).

ANGELOLOGIA VETEROTESTAMENTÁRIA.

São várias as manifestações dos anjos no Antigo Testamento. Um anjo socorreu


Hagar no deserto (Gn.16.7-11); os anjos anunciaram o nascimento de Isaque
(Gn.18.11-15); os anjos anunciaram a destruição de Sodoma (Gn.19.1-23); os anjos
retiraram a Ló, sua esposa e suas duas filhas para fora de Sodoma (Gn.19.16-17); um
anjo impediu a morte de Isaque (Gn.22.11-12); anjos guardaram a Jacó (Gn.28.12;
31.11; 32.1; 48.16); um anjo guiou Israel no deserto (Ex. 14.19; 23.20-23); a lei foi dada
por anjos (At.38.53; Gl.3.19; Hb.2.2); um anjo repreendeu Balaão (Nm.22.31-35); um
anjo acudiu Elias (I Rs.19.5-8); Eliseu estava cercado de anjos (II Rs.6.14-17); um anjo
livrou Daniel dos leões (Dn.6.22); anjos acampam-se em redor do povo de Deus
(Sl.34.7; 91.11) etc.

A presença de anjos no Antigo Testamento talvez possa ser recuada às antigas


tradições de Israel, embora suas representações e funções, sua configuração e
significado tenham sofrido evolução. A influência dos povos e culturas limítrofes de
Israel como a de Canaã, Assíria, Babilônia, e sobretudo depois do exílio a Persa e
Helenísta, deixaram suas marcas quanto à crença dos anjos na religião de Israel. O
auge máximo representa o período mais tardio de Israel, no livro de Daniel. E depois
dele por influxo do gênero apocalíptico, propagou-se a crença e a presença dos anjos e
dos demônios na literatura intertestamentária dos livros apócrifos.

Israel introduziu a presença e função dos anjos sem desdouro nem míngua de
seu monoteísmo, mas, ao contrário, ao serviço incondicional de Javé, o Deus único,
Senhor da criação e da história.

O Israel mais antigo imaginava o seu Deus como um velho patriarca, rodeado
Angelologia - 31

de uma corte celestial de seres quase divinos, aos quais chamava filhos de Deus
(Gn.6.4; Jó.1.6). Essa representação não diferia muito a dos Cananeus no modo de
conceber suas divindades ou a dos outros povos do Oriente Médio. A influência dos
mitos ugaríticos esta subjacente na representação arcaica de Israel sobre os anjos.

Relacionadas com estas representações temos a expressão “exército de Javé”


(Js.5.14), e a invocação “Javé dos exércitos”, que não deve ser entendido do exército
de Israel e sim “Javé dos exércitos celestiais” (Jr.7.3). O mesmo vale para “ o
acampamento de Deus” (Gn.32.3) com o qual encontrou-se Jacó. A influência e
presença dessas expressões encontramo-las no Novo Testamento em “uma multidão
do exército celeste” que acompanha a aparição do anjo aos pastores na noite (Lc.2.13)
ou “ a legião de anjos” que Jesus recusa pedir a seu Pai para livrar-se de seus
inimigos, os escribas, fariseus e sumos sacerdotes (Mt.26.53).

ANGELOLOGIA NEOTESTAMENTÁRIA

O Novo Testamento é devedor do ambiente angélico que rodeava os últimos


livros canônicos do Velho Testamento, a ela, porém, deu-lhe a marca que dimanava da
tríplice novidade do cristianismo: a centralidade cristológica de Jesus, a manifestação
do Espírito Santo e o tempo fundacional da igreja. Jesus, o Espírito e a igreja
constituem a nova realidade de Deus para os homens. Tudo que o Novo Testamento
diz sobre os anjos, suas funções, serviços e mensagens, está totalmente subordinado
à novidade aparecida com Cristo e o Espírito Santo e é até irrelevante em sua
comparação. Isso é o que faz o teólogo K. Rahner confessar:

No Antigo Testamento a doutrina dos anjos aparece relativamente tarde, como


uma espécie de imigração de fora, e no Novo Testamento (...) o tema dos anjos toca-se
melhor sob uma atitude de repulsa ao culto angélico e com a consciência de
superioridade do cristianismo sobre todos os poderes e potestades do mundo, de modo
que o interesse existencial e religioso dos cristãos continuaria em vigor mesmo que não
existisse anjo algum (bom ou mal) dotado de individualidade e substancialidade
própria.35
Dentro de sua concepção cristológica e pneumática de salvação, o Novo
Testamento acentua o dualismo moral que ainda era ambivalente na angelologia do
Antigo Testamento. Assim, os anjos mostram-se bons para os cristãos ao passo que os
demônios, destruidores e negativos. A hierarquia atingiu mais o demoníaco que o
angélico. Satanás é mais decisivo na ordem do mal e da perdição do que Miguel na da
salvação. Foi totalmente deslocado por Cristo e o Espírito, únicos agentes
escatológicos de Deus na salvação dos homens. Embora alguns textos mínimos
aludam à batalha de Miguel contra Satanás, dos anjos contra os demônios (Ap.12.7;
Jd.9), também estes foram interpretados. Daqui se deduz que os anjos vão perdendo
no Novo Testamento do ponto de vista teológico, pela significação central de Cristo e
do Espírito.

DEFINIÇÃO DE ANJO

O nome anjo no uso corrente de hoje significa um espírito supraterreno, não


35
TERRA João M. A Angelologia de Karl Rahner. p. 385
Angelologia - 32

primeiramente conforme sua natureza, mas conforme sua tarefa no serviço dedicado a
Deus. Desde o início da Idade Média sagrou-se definitivamente esse significado. O
hebraico carece de uma expressão específica de conteúdo semelhante ao da palavra
anjo, como se dá nas línguas modernas. Mal’akh originou-se com muita probabilidade
da raiz árabe (la aka) que significa mandar alguém com recado. O nome significa
primitivamente o abstrato, o envio, a mensagem, mas transfere em seguida para o
concreto, o enviado, o mensageiro. Neste significado geral denomina-se também o
sacerdote (Mal.2.7), o rei (II Sm.14.17-20), homens enfim (I Sm.29.9). Se o termo
designa um anjo em sentido restrito, específico, então se trata de um caso particular do
uso geral da palavra. O vocábulo designa o mensageiro de Deus familiarizado com Ele
face à face e por isso mesmo pertencente a uma ordem superior ao homem (II
Pe.2.11).

No grego a palavra  (angelos) abarca a mesma significação geral da


palavra. No Novo Testamento aparece de maneira mais clara a distinção da palavra,
mais só a Vulgata é conseqüente nesta distinção, por empregar “nuntios” para o
mensageiro comum, e “angelus” para o mensageiro celeste de forma inequívoca; o
mensageiro indeterminado torna-se um mensageiro de Deus, anjo, quando o contexto
menciona indiretamente a Deus como quem envia, ou o vocábulo conota o nome de
Deus por meio do genitivo ou do pronome possessivo. Cada anjo tem a Deus por dono,
e sua razão de ser é ser Seu anjo santo ou anjo santo de Deus que toma parte no falar
e agir de Deus na terra.

A par de Mal’ak denominação fundamental toda calcada na função e na


atividade do termo, depara-se no Antigo Testamento com outros nomes para os anjos.

Porque provêm de Deus, chamam-se “filhos de Deus” (Gn.6.2; Jó.1.6; 2.1); são
os “santos” (Jó.5.1; 15.15); os “poderosos” (Sl.102; 103). Habitam, pois, com Deus nos
céus (Gn.21.17; 22.11) e ainda, também na terra (Gn.32.2). São designados por vezes
segundo a figura de sua aparição, de "varões" (Gn.18.2,6; 19.10,12).

Vistos em um conspecto geral, formam os anjos o “exército de Javé” (Jos.5.14),


o “exército do céu” (I Rs.22.19); Deus mesmo é considerado o “Deus dos exércitos”
(Os.12.6; Am.3.13); “Javé dos exércitos” (I Sm.1.3,11; Is.1.6; 6.3). Em I Samuel 17.45
designa esta formação a Deus como Senhor supremo de guerra do povo, em cujo
nome se põem em pé de guerra os exércitos. Demonstra isso que o termo abarca
sentido muito geral e que “exército” pode designar também os astros (Jr.32.22;
Is.40.26).

Os anjos estão divididos em dois grupos: os eleitos e os caídos. De início, neste


trabalho, eles serão tratados indistintamente, para depois separá-los.

NATUREZA DOS ANJOS

A ORIGEM DOS ANJOS.

Segundo Colossenses 1.16-17 deduzimos que todos os anjos foram criados de


uma só vez. Também podemos dizer que a criação dos anjos foi completa naquela
ocasião e que nenhum outro foi acrescentado depois ao seu número. Eles não estão
sujeitos à morte ou qualquer forma de extinção, portanto eles não diminuem nem
Angelologia - 33

aumentam de número. O plano pelo qual a família humana tem garantia de procriação
não tem correlativos entre os anjos. Cada anjo, sendo uma criatura direta de Deus, tem
um relacionamento imediato e pessoal com o criador. Da família humana no mundo
vindouro, Cristo disse: “... nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como
os anjos no céu” (Mt.22.20-30). Assim, conclui-se que não há diminuição nem aumento
entre esses seres celestiais.

CORPORALIDADE DOS ANJOS

Comparados com a existência humana e animal, os anjos podem se dizer


incorpóreos, mas apenas no sentido de que não tem uma organização mortal. As
Escrituras dão a entender que os anjos tem uma corporificação. Deus é espírito, mas
quando Cristo se dirigiu aos judeus, ele disse do Pai: “Jamais tendes ouvido a sua voz,
nem visto a sua forma” (Jo.5.37 cf. Êx.33.23; Ez.1.1). É essencial que um anjo tenha
forma localizada, determinada e espiritual. Com demasiada freqüência é atribuído aos
anjos limitações que pertencem a humanidade. Para os santos no céu foi prometido um
“corpo espiritual”, um corpo adaptado ao espírito do homem (I Cor.15.44). Como o
corpo do Senhor glorificado (Fp.3.21). Há muitos tipos de corpos, até mesmo na terra,
o Apóstolo declara isto em I Coríntios 15.39-40: “Também há corpos celestiais e corpos
terrestres”. Não podemos dizer que não há corpos celestiais apenas porque o homem
não tem poder de discernir estes corpos. Não podemos dizer que os anjos não existem
apenas porque não conseguimos os ver. Os espíritos tem uma definida organização
que está adaptada à lei de sua existência. Eles são finitos e espaciais, tem a
capacidade de se aproximar da esfera humana, mas o fato de maneira nenhuma lhes
impõem a conformidade com a existência humana. O aparecimento de anjos pode ser,
quando a ocasião exige, com a aparência de homem de modo que eles passam por
homens: como poderíamos explicar de uma outra maneira que alguns “sem saber
acolheram anjos” (Hb.13.2)? Por outro lado, seu aparecimento às vezes é
deslumbrante e gloriosa (Mt.28.2-4). Quando Cristo declarou: “Um espírito não tem
carne nem osso, como vedes que eu tenho”(Lc.24.37-39), Ele não quis dizer que um
espírito não tem corpo algum, mas, antes, que os espíritos têm corpos
constitucionalmente diferentes dos corpos humanos. Sobre a natureza e corporalidade
dos anjos o Dr. William Cook diz o seguinte:

No Antigo Testamento o salmista os chama de espíritos: “Fazes a teus anjos


ventos (espíritos)” (Sl.104.4). E no Novo Testamento eles são chamados pelo mesmo
termo: “Não são todos eles espíritos ministradores?” (Hb.1.14). Contudo é preciso fazer
uma pergunta: Os anjos são tão espirituais a ponto de serem absolutamente imateriais
como Deus? Ou estarão revestidos de uma refinada estrutura material? As opiniões,
tanto dos antigos como dos modernos estão muito divididas neste assunto. Atanásio,
Basílio, Gregório, Niceno, Cirilo e Crisóstomo defendiam que os anjos eram
absolutamente imateriais; mas Clemente Alexandrino, Orígenes, Cesário e Tertuliano,
entre outros pais da igreja, achavam que estes seres benditos estavam revestidos de
uma refinada estrutura material. O termo espírito que lhes é aplicado não decide
absolutamente por si mesmo a questão; pois como essa palavra, tanto no hebraico
quanto no grego, é um termo material indicando vento, ar ou hálito, pode sem violência
ser aplicado tanto a um espírito puro quanto a uma natureza material refinada. É
verdade que, no aparecimento dos anjos aos homens, eles assumiram uma forma
humana visível. Este fato, entretanto, não prova a sua materialidade; pois os espíritos
humanos no estado intermediário, embora desencorporados, tem em seu
Angelologia - 34

relacionamento com o corpo aparecido em forma humana material: como Moisés, no


Monte da Transfiguração, também Elias foi reconhecido como homem; e os anciãos
que apareceram e conversaram com João no Apocalipse, também tinham forma
humana (Ap.5.5; 7.13). Mas tais aparições não podem absolutamente decidir.
Teologicamente não há nenhuma incongruência ou improbabilidade de uma natureza
material refinada. O céu sem dúvida é adequado para habitação de tais seres. Enoque
e Elias foram levados ao céu em corpo e alma pela transladação; a humanidade
glorificada de nosso Senhor está entronizada ali; e os anjos, embora revestidos de uma
estrutura material, podem habitar na presença divina esplendorosa... Mas, como existe
uma lei de adaptação, a grosseira materialidade da ”carne e sangue” não pode
penetrar naquela região de bem-aventurança. Deduzimos, então, que se os anjos
estão revestidos de uma natureza que exclui tudo o que envolve a possibilidade da
deteriorização e qualquer relacionamento com os apetites e desejos animais.36

A PERSONALIDADE DOS ANJOS

A personalidade dos anjos é algo difícil de se averiguar, porém não podemos


concordar com a declaração de Martensen:

Há muitos tipos de espíritos sob os céus e por causa disso também muitos graus
de espiritualidade e independência espiritual; podemos, portanto, muito
apropriadamente afirmar que os anjos se dividem em duas categorias.... Se
contemplarmos os anjos em seu relacionamento com o conceito de personalidade,
podemos dizer: há poderes, cuja espiritualidade está tão longe de ser independente que
possui apenas uma personalidade representativa; resumindo, são apenas
personificações, de tal caráter são as tempestades e as chamas que executam as
ordens do Senhor. Existem outros poderes na criação que possuem um grau mais
elevado de espiritualidade, um estado intermediário de existência entre a personificação
e a personalidade. Sob esta categoria podemos classificar os poderes espirituais da
história, como por exemplo, os espíritos das nações e as divindades da mitologia...
Mas, se nesta questão encontramos poderes da história, que pairam na região, que jaz
entre a personalidade e a personificação, mas certo ainda é que a revelação reconhece
uma terceira categoria de poderes cósmicos que constituem um reino espiritual livre e
pessoal.37
Cada aspecto da personalidade dos anjos, foi declarada nas Escrituras. Embora
os seus serviços e dignidade possam variar, não há nenhuma implicação na Bíblia de
que um anjo é mais inteligente que os outros. Eles são seres individuais, e embora
espíritos, experimentam emoções, eles prestam cultos inteligentes, um provérbio
popular israelita chegou a comparar o homem mais sábio entre os homens com um
anjo (II Sm.14.17).

A inteligência dos anjos excede a dos homens nesta vida, porém, é


necessariamente finita. Como nos declara Alberto Matos: "Imagina-se que a
capacidade intelectual dum anjo tem uma compreensão mais vasta que a nossa, que

36
CHAFER, Lewis S. Teologia Sistemática. p. 342
37
Ibid., p. 340
Angelologia - 35

uma só imagem na mente angelical contenha mais detalhes do que uma vida toda de
estudos poderia proporcionar aqui".38

Os anjos são sábios, atuam como agentes pessoais mas não são oniscientes
como Deus. Estão sujeitos a certo desenvolvimento mental por meio do escrutínio,
segundo parecem, visto desejarem conhecer mais acerca da salvação por intermédio
do evangelho (I Pd.1.12). São reverentes, a atividade mais elevada executada por eles
é a adoração (Ap.7.11), eles contemplam com o devido respeito a face do Pai
(Mt.18.10). São mansos, não retêm ressentimentos pessoais, nem injuriam seus
opositores (II Pd.2.11). São poderosos (Sl.103.20), mas sempre empregam seu poder
visando a glória de Deus. Eles conhecem as suas limitações (Mt.24.36) e a sua
inferioridade diante o Filho de Deus (Hb.1.4-9). São santos (Ap.14.10) e leais; apesar
da rebelião que houve nos céus, os anjos eleitos permaneceram fieis ao Senhor. São
individuais, mas, embora às vezes apareçam em sua condição separada, estão sujeitos
a classificação e a variadas categorias de importância.

A HABITAÇÃO DOS ANJOS

As Escrituras afirmam que os anjos habitam as esferas celestiais (Mc.13.32). O


Apóstolo Paulo escreveu: “um anjo vindo do céu” (Gl.1.8) e “toda família, tanto no céu
como sobre a terra” (Ef.3.15). Jesus ensinando os discípulos a orar disse: “Faça-se a
tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt.6.10). Podemos afirmar que o universo
encontra-se habitado por inumeráveis exércitos de seres espirituais. O Dr. Gaebelein
escreve o seguinte sobre a habitação dos anjos:

No hebraico céu está no plural, “os céus”. A Bíblia fala de três céus, sendo o
terceiro céu, o Céu dos céus, o lugar da habitação de Deus, onde o Seu trono sempre
esteve. O Tabernáculo do Seu povo terreno, Israel, era um modelo dos céus. Moisés,
quando esteve na montanha, olhou para a vastidão dos céus e viu os três céus. Ele não
tinha telescópio. Mas o próprio Deus lhe mostrou os mistérios dos Céus. Então Deus o
advertiu quando estava para construir o Tabernáculo, dizendo ao Seu servo: “Vê que
faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte” (Hb.8.5).
O Tabernáculo tinha três compartimento: o pátio externo, o lugar santo e o Santo dos
santos. Uma vez por ano o Sumo Sacerdote entrava neste local terreno de adoração,
passando pelo pátio externo para o lugar santo, e finalmente, levando o sangue do
sacrifício, ele entrava no Santo dos santos para aspergir o sangue na presença santa
de Jeová. Mas Arão era apenas um tipo daquele que é maior, o verdadeiro Sumo
Sacerdote. Dele, do verdadeiro sacerdote, o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, foi
escrito que ele penetrou nos céus (Hb.4.14) , “porque Cristo não entrou no santuário
feito por mãos, figura do verdadeiro porém do mesmo céu, para comparecer, agora, por
nós, diante de Deus” (Hb.9.24). Ele passou pelos céus, o pátio exterior, o céu que
circunda a terra, o lugar santo, os universos imensos, com sua distância imensurável, e
finalmente, Ele entrou no terceiro céu, o céu que a astronomia sabe que existe, mas
que nenhum telescópio pode alcançar. Nos lugares celestiais, de acordo com a epístola
aos Efésios, estão os principados e potestades, a multidão incontável de anjos. Sua
habitação está nos Céus. Deus que os criou, que os fez espíritos e os revestiu de
corpos apropriados para a sua natureza espiritual, também deve lhes ter designado
38
Angelologia, a doutrina dos anjos. p. 30
Angelologia - 36

habitação... também é significativo que a frase “exército dos Céus” signifique tanto as
estrelas como também os exércitos angelicais; o “Senhor dos exércitos” também tem o
mesmo significado duplo, pois Ele é o Senhor das estrelas e o Senhor dos anjos
(Sm.148.1-5).39

O PODER DOS ANJOS

Os anjos são poderosos. Seu poder, embora grande, é restrito. Eles não podem
fazer coisas peculiares à divindade como criar, agir sem os meios, ou sondar o coração
do homem. Eles podem influenciar a mente humana como uma criatura pode
influenciar outra. Mesmo sendo magníficos em poder eles podem reivindicar a ajuda
divina quando se encontram em conflito com outro anjo (Jd.1.9). Sobre o poder
angélico o Dr. Cook escreveu o seguinte:

“Anjo forte” e “anjo poderoso” são termos que encontramos no Apocalipse. O


nome Gabriel significa o poderoso de Deus; e entre as designações das ordens
angélicas encontramos os poderes (). O atributo de poder extraordinário
pertence à natureza angélica em geral, conforme Davi nos informa quando exclama:
“Bendizei ao Senhor todos os seus anjos, valorosos em poder” (Sl.103.20). É
impossível fazer qualquer comparação entre o poder de um ser espiritual, como um
anjo, e o poder físico do homem, que é limitado por sua organização. Se, contudo, o
poder do homem pode ser calculado pelos efeitos assombrosos que pode produzir
através do seu conhecimento superior, e os dispositivos que pode usar, temos então
exemplos que nos podem dar uma frágil idéia dos recursos do seu poder angélico, pois
provavelmente o seu conhecimento superior da natureza os capacita a empregar em
um grau muito mais alto do que nossos recursos do universo, cumprindo qualquer
ordem que Deus lhes possa ter dado. Sejam quais forem os meios através dos quais os
seus poderes são exercidos, os efeitos são estarrecedores. Milton descreve-os
arrancando as colinas dos seus fundamentos e arremessando-as contra os seus
antagonistas. Isto é poesia, mas no registro das Escrituras temos a verdade sem o
colorido da ficção; e aí encontramos anjos, como um ministro da vingança que destruiu
70 mil pessoas do reino de Davi em três dias; outro destruindo 85 mil guerreiros
corpulentos em uma noite num exército armado do orgulhoso monarca assírio; e um
outro destruindo todos os primogênitos do Egito numa só noite. No Apocalipse vimos
anjos detendo os quatro ventos do céu, esvaziando taças e controlando os trovões da
ira de Jeová sobre as nações culpadas; a velha terra treme sob a exibição do grande
poder dos ministros de um Deus vingador do pecado. Mas os anjos também são bons
para fazer o bem; e enquanto sua natureza santa faz deles fiéis executadores da
justiça, sua benevolência, como também sua santidade; faz que se deleitem no
emprego de suas energias no serviço da misericórdia.40

O NÚMERO DOS ANJOS

Os anjos são descritos na Bíblia como multidões “que os homens não podem
contar”. Podemos imaginar que há tantos seres espirituais em existência, quanto vão
existir seres humanos em toda história da terra. O número dos anjos é comparado à
39
CHAFER, Lewis S. Teologia Sistemática. p. 343
40
Ibid., p. 344
Angelologia - 37

quantidade de estrelas no céu, mostrando-nos que é impossível para o homem definir o


seu número. Quanto a isto o Dr. Cook nos diz o seguinte:

Ouça o que diz Micaías: “vi o Senhor assentado no Seu trono, e todo o exército
do céu estava junto a Ele, à sua direita e a sua esquerda” (I Rs.22.9). Ouça o que diz
Davi: “os carros de Deus são vinte mil, cem milhares de milhares” (Sm.68.17). Eliseu viu
um destacamento destes seres celestiais que foram enviados para sua guarda pessoal,
quando “o monte estava cheios de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (II
Rs.6.17). Ouça o que Daniel viu: “milhares de milhares o serviam, e miríades de
miríades estavam diante dele” (Dn.7.10). Eis que os pastores vigilantes viram e ouviram
na noite de nascimento do Redentor: “uma multidão da milícia celestial louvando a Deus
e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas” (Lc.2.13). Ouça o que diz Jesus: “acaso
pensas que não posso rogar ao meu Pai, e Ele me mandaria neste momento mais de
doze legiões de anjos?” (Mt.26.53). Veja novamente o magnífico espetáculo que João
viu e ouviu quando olhou para o mundo celestial: “vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao
redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de
milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: digno é o Cordeiro que foi
morto ...” (Ap.5.12). Se estes números forem entendidos literalmente, eles indicam 202
milhões, mas são apenas uma parte do exército celestial. Contudo, é provável que
estes números não tem a intenção de indicar qualquer quantidade exata, mas que a
multidão era imensa, além do que costumava usualmente entrar na computação
humana. Por isso, lemos em Hebreus 12.22, não sobre um número definido ou limitado,
embora grande, mais de “incontáveis hostes de anjos”.41
Ainda que os anjos sejam seres racionais e poderosos, e que tenham sido
criados de uma só vez, são tantos que nós, os homens não temos capacidade
suficiente para enumerá-los.

Os anjos são chamado de uma multidão, um acampamento, exército ou hostes,


e jamais uma raça ou raças, nações e povos, como sucede com os homens (Gn.32.1).

Tentar descobrir quantos anjos existem e nomeá-los é pura tolice, pois a


Escritura não define a sua quantidade. Há um número definido deles que apenas o
Senhor conhece, pois foram criados ao mesmo tempo e de uma só vez.

DIVISÃO ENTRE OS ANJOS

A divisão ocorreu quando Satanás incitou os anjos contra o Criador e levou


consigo a terça parte dos anjos (Ap.12.4). Os anjos então passaram a constituir dois
grupos: os eleitos que permaneceram fazendo a vontade do Senhor e os caídos que
deram ouvidos a Satanás.

O TEMPO DA REBELIÃO E SEU RESULTADO

Não há como medirmos com precisão a época desta rebelião mas, sabemos que
se deu no céu e antes da queda da humanidade.

41
Ibid., p. 344
Angelologia - 38

Os anjos eleitos confirmaram a sua posição diante do Senhor, os caídos


perderam a primitiva santidade e automaticamente tornaram-se corruptos em natureza
e conduta. Um grupo destes anjos caídos foi lançado no Hades e aí permanecem
presos (Jd.6), os demais encontram-se soltos e se ocupam em opor-se aos anjos bons
(Dn.10.13) até o dia do juízo final onde sofreram o tormento eterno (Ap.20.10).

ANJOS ELEITOS

Em I Timóteo 5.21 aparece a expressão “anjos eleitos”, surge imediatamente um


campo interessante de pesquisa referente ao alcance que a doutrina da eleição
soberana deve ter na relação dos anjos para com o seu Criador. É preciso aceitar que
os anjos foram criados com um propósito e que no seu reino, assim como o homem, os
desígnios do Criador serão executados até o fim. A queda de alguns anjos foi tão
antecipada por Deus quanto a queda dos homens. Está também implícito que os anjos
passaram por um período de experiência.

O MINISTÉRIO DOS ANJOS

Os anjos servem em duas esferas: perante Deus, na corte sublime, e na terra,


entre os homens. As referências na Escritura feitas aos anjos são principalmente de
forma narrativa de suas atividades e nelas encontramos um vasto campo de atividades.
Entretanto, o que é mais importante não é o seu relacionamento com os habitantes da
terra, mas, antes, o seu serviço prestado a Deus. O Apóstolo João nos declara que em
sua adoração as criaturas viventes “não tem descanso nem dia nem noite,
proclamando: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo Poderoso, aquele que era,
que é, e que há de vir” (Ap.4.8). O profeta Isaías diz que eles “clamavam uns para os
outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos, toda terra está cheia da
sua glória” (Is.6.3). Com esta mesma intenção o salmista declara: “Bendizei ao Senhor
todos os seu anjos, valorosos em poder, que executam as suas ordens, e lhe
obedecem à palavra” (Sl.103.20); “Aleluia! Louvai ao Senhor do alto dos Céus, Louvai-
o nas alturas. Louvai-o todos os seus anjos, Louvai-o todas as suas legiões
celeste”(Sl.148.1-2).

O serviço dos anjos à humanidade não pode ser explicado tomando por base o
amor deles aos homens. Eles não estão interessados em agradar aos homens, mas,
antes de tudo estão interessados em fazer aquilo a que foram designados. Não é
imaginação, mas é realidade, que os anjos estão em nosso meio como servos,
munidos da responsabilidade de nos prestar auxílio (Hb.1.14).

Embora os anjos estivessem presentes na criação, nenhuma referência foi feita


ao ministério deles até os dias de Abraão. Em companhia do Senhor, eles visitaram o
patriarca em Manre (Gn.18.1-2) e de lá foram libertar Ló. Está escrito que a lei “foi
promulgada por meio de anjos” (Gl.3.19) e foi administrada “por ministério de anjos”
(At.7.53). O seu cuidado para com o povo eleito de Deus encontra-se tanto no Velho
quanto no Novo Testamento.

Na terminologia do Antigo Testamento, às vezes os anjos foram chamados de


filhos de Deus, enquanto que os homens foram chamados de servos de Deus. No
Novo Testamento isto foi invertido. Os anjos são servos e os cristãos filhos de Deus.
Esta ordem peculiar, talvez se deva ao fato de que no Antigo Testamento, os homens
Angelologia - 39

foram considerados inferiores aos anjos; enquanto que, no Novo Testamento, os


santos são vistos em relação à sua exaltação final na semelhança de Cristo, em
comparação com o estado dos anjos que é inferior.

Eruditos como Lewis Sperry Chaffer afirma que os anjos não estão presentes na
atual dispensação, ele diz o seguinte:

No plano de Deus, a atual dispensação ficou evidentemente desprovida de


manifestações angélicas. Isto pode ser facilmente explicado porque os santos de Deus
estão habilitados, como em nenhuma outra dispensação, pelo Espírito Santo e sujeitos
à Sua orientação, que é mais constante, vital e dignificante do que as visões angélicas.
Contudo, os anjos se destacarão no encerramento desta dispensação, quando o
Senhor retornar com o grito de arcanjo.42
É indiscutível a presença do Espírito Santo em nosso meio, este fato é descrito
no livro de Atos (At.2.1-13) e sem dúvida o cristão é o templo do Espírito Santo ( 1º Co.
6.16), mas não podemos concordar com a afirmação supracitada, pois os anjos estão
presentes em nossa dispensação, um anjo libertou miraculosamente os apóstolos
depois da descida do Espírito (At.5.17-20), Pedro também foi liberto pela intervenção
de um anjo (At.12.1-18).

O escritor de Hebreus é enfático em dizer que: “Não são todos eles espíritos
ministradores enviados para o serviço, a favor dos que hão de herdar a salvação?”
(Hb.1.14). Se somos templos do Espírito Santo, que é Deus, porque os anjos não
estariam nesta dispensação? Nós não precisamos mais do seu auxílio? Segundo
Hebreus 1.14 o Apóstolo nos declara que o ministério angélico é vivo e atual.

Capitulo 4

A CLASSIFICAÇÃO DOS ANJOS

O ANJO DO SENHOR

Nos textos mais primitivos do Antigo Testamento a proteção de Javé em favor


de Israel é personificada na expressão “Anjo de Javé” (Gn.16.7-14; 18.2; 21.17-19;
22.11-14; 31.11-13; Êx.3.2-6). O Anjo do Senhor significa uma manifestação especial
de Deus.

O ministério deste Anjo lhe dá uma proximidade singular de Deus, nestes textos
parece haver uma alternância intencional, muitas vezes abruptas, entre a palavra de
Javé e a do anjo nestas passagens citadas. Por exemplo em Gênesis 16.7-13 o texto
introduz de repente o “Anjo de Javé”. Ele aparece a Hagar no deserto, como o
42
Teologia Sistemática. p. 350
Angelologia - 40

mensageiro de Deus, alguém familiar, ante o qual ela nada tem a temer. Hagar
reconheceu na promessa do Anjo a autoridade e o poder de Deus. É um anjo que
aparece, mas é Deus quem formula a promessa.

Em Êxodo 3.2-6 a alternância ou equivalência entre o Anjo de Javé e Deus é


ainda mais óbvia: quem aparece é o Anjo de Javé, porém quem vê e fala é Javé. É
difícil estabelecer uma distinção clara entre Deus e o Anjo de Javé.

O Novo Testamento também fala do Anjo do Senhor, expressão que


corresponde à antiga fórmula Anjo de Javé ou Anjo de Deus (Mt.1.20; 2.13; 28.2;
Lc.1.11; 2.9; At.5.19; 8.26; 12.7).

A maneira pela qual o Anjo do Senhor é descrito distingue-o de qualquer outro


anjo. A ele é atribuído o poder de perdoar ou reter pecados (Êx.23.20-23).

Duas coisas são ditas acerca deste anjo. Primeiro, que o nome do Senhor está
nele e segundo, que ele é o rosto do Senhor , o rosto do Senhor está nele, por isso ele
tem poder de salvar (Is.63.9), e de recusar o perdão. Como diz Alberto Matos: "Não se
pode evitar a conclusão de que este anjo misterioso não é outro senão o Filho de Deus,
o Messias, o Libertador de Israel, e o que seria o salvador do mundo. Portanto, o Anjo
do Senhor é realmente um ser incriado".43

O Anjo do Senhor é a expressão vulgarmente usada no Antigo Testamento para


designar o próprio Cristo em várias de suas manifestações antes da encarnação. Em
muitas passagens ele é distinto de Deus, mas depois é identificado como sendo uma
personalidade divina.

GOVERNADORES

A Bíblia especifica certos grupos, como também diversos importantes indivíduos


entre os anjos. Mencionamos cinco representações principais de supremacia entre
estes seres, a saber, Tronos (), Domínios (), Principados (),
Autoridades () e Poderes (). Considerando que a Bíblia não se
compraz em tautologia inútil, podemos crer que há um significado específico em cada
uma dessas denominações, significado esse que sem dúvida corresponde às
realidades terrenas que levam tais nomes. A verdade revelada relativa aos anjos não é
suficientemente completa para que se estabeleça uma analogia perfeita. O termo
Tronos refere-se àqueles que estão sentados sobre eles; Domínios àqueles que
exercem influência; Principados àqueles que governam; Poderes àqueles que exercem
supremacia, e Autoridades àqueles que são revestidos de responsabilidade especial.
Embora haja uma aparente semelhança entre estas denominações, temos de presumir
que estes títulos representam uma dignidade incompreensível e os diversos graus de
categorias. As esferas celestiais de governo excedem os impérios humanos como o
universo excede a terra.

A doutrina sobre os anjos segue o desenvolvimento de toda Sagrada Escritura.


É um elemento da história da salvação e toda a Sagrada Escritura se escreve na
dinâmica de seu desenvolvimento histórico. O modo de falar ou de representar o
mundo misterioso dos anjos implica em recurso constante à linguagem do simbolismo

43
Angelologia, a doutrina dos anjos. p. 27
Angelologia - 41

religioso.

No Oriente antigo os vizíres governavam seus reinos por meio de sátrapas que
constituíam a sua corte. As mitologias orientais concebiam de modo análogo o governo
celeste do universo constituído por um panteão de divindades que regulamentavam os
eventos terrestres.

O Antigo Testamento mostra o Senhor como um soberano oriental rodeado por


uma grande corte (I Rs.22.19; Is.6.1) . Os membros de sua corte são seus servidores
(Jo.4.18), que são chamados santos (Jo.5.1) ou filhos de Deus (Dt.32.8).

ARCANJOS

Arcanjo () é uma palavra grega que significa, o principal entre os


anjos. O prefixo “arc”, sugere ser um anjo chefe, principal e poderoso.

Na Bíblia protestante aparece a menção de apenas um arcanjo, Miguel, seu


nome em hebraico significa: “Quem é como Deus?”. O significado do seu nome pode
representar uma resposta a Lúcifer, cujo o coração se elevou dizendo: “Serei
semelhante ao Altíssimo” (Is.14.14). Assim, Miguel acrescentado do vocábulo arcanjo
denota que nenhum ser criado pode ser “semelhante a Deus”.

O livro apócrifo de Enoque menciona o nome de sete arcanjos, a saber: Uriel,


Rafael, Raquel, Saracael, Miguel, Gabriel e Remiel. Segundo é dito ali, a cada um
deles Deus entregou uma província sobre a qual reinassem. A autoridade de Miguel
seria “sobre a melhor porção da humanidade e sobre o caos”. Segundo este escrito ele
é o protetor de Israel como nação.

QUERUBINS, SERAFINS E CRIATURAS VIVENTES

As interpretações a respeito desta tripla classificação dos anjos variam bastante.


O Dr. A. H. Strong defende que são “figuras simbólicas, temporais e artificiais” que
“não tem existência pessoal”. Ele tenta comprovar esta idéia afirmando que estas
designações específicas não se encontram acopladas aos anjos em nenhuma
passagem das Escrituras. Smith e Alford defendem que são apenas símbolos dos
atributos de Deus. A grande proporção de expositores acha que são anjos mais
importantes que ocupam posições elevadas, totalmente à parte, talvez, dos governos.
Alguns expositores procuram descobrir diferença de posição e graduação entre
aqueles que receberam tais designativos. Satisfaz mais atribuir-lhes não apenas o mais
alto posto, mais também o mesmo agrupamento em geral.

Os diferentes termos usados parecem indicar uma diferença de serviço prestado


mais do que diferença em posição inicial. Por causa da alta posição destes anjos, o
serviço que eles prestam devem ser considerados com a devida atenção.

QUERUBINS

Querubin deriva do hebraico, cujo significado é “guardar”, “cobrir”. Com esta


função eles aparecem mencionados em vários textos. Eles agiram como guardiães da
santidade de Deus, tendo guardado o caminho para a árvore da vida no Jardim do
Angelologia - 42

Éden (Gn.3.24).

O título querubin fala de uma posição elevada e santa, sua responsabilidade


está intimamente relacionada com o trono de Deus, como defensores de Seu caráter.
Em uma nota em Ezequiel 1.5, o Dr. C. I. Scofield em sua Bíblia de referência faz o
seguinte comentário:

As “criaturas viventes” são idênticos aos querubins. O assunto é um tanto


obscuro, mas da posição dos querubins junto ao portão do Éden, sobre a cobertura da
arca da aliança e em Apocalipse 4, concluímos que eles têm a ver com a vindicação da
santidade de Deus contra o orgulho presunçoso do homem pecador, “para que não
estenda a mão e tome também da árvore da vida” (Gn.3.22-24), apesar do seu pecado.
Sobre a arca da aliança, que é da mesma essência do propiciatório, eles viam o sangue
aspergido que falava, um tipo da perfeita manutenção da justiça divina pelo sacrifício de
Cristo (Ex.25.17-20; Rm.3.24-26). As criaturas viventes (ou querubins) parecem ser
seres reais da ordem angélica. Os querubins ou seres viventes não são idênticos aos
serafins (Is.6.2-7). Aqueles parecem relacionar-se com a santidade de Deus ultrajada
pelo pecado, os serafins, com a impureza do povo de Deus. A passagem de Ezequiel é
altamente figurativa, mas o efeito foi a revelação da glória Shequiná do Senhor ao
profeta. Tais revelações estão invariavelmente ligadas com novas bênçãos e serviços.44
Os querubins aparecem pela primeira vez junto ao portão do jardim do Éden,
depois que o homem foi expulso e como protetores para que o homem não retorne
poluindo a santa presença de Deus. Aparecem novamente como protetores, embora
em imagem de ouro, sobre a arca da aliança, onde Deus se comprazia em habitar. A
cortina do tabernáculo que separava a presença divina do povo ímpio, tinha bordados
de figuras de querubins (Ex.26.1). Ezequiel refere-se a estes seres chamando-os pelo
seu título dezenove vezes e a verdade relacionada com eles deriva destas passagens.
Ele os apresenta com quatro rostos diferentes: de um leão, de um boi, de um homem e
a face de uma águia (Ez.1.3-28; 10.1-22). Este simbolismo relaciona-os
imediatamente com as criaturas viventes da visão de João (Ap.4.6-5.14).

SERAFINS

O título serafin fala de adoração incessante, do seu ministério de purificação e


de sua humildade. Eles aparecem apenas uma vez nas Escrituras sob esta
designação (Is.6.1-3). Sua atribuição tripla de adoração conforme registrada por Isaías
foi repetida por João (Ap.4.8) sob o título de criaturas viventes, fato este que de longe
estabelece a identidade desse grupo.

O vocábulo “serafin” vem da raiz hebraica “saraph”, que quer dizer: “consumir
como fogo”. O nome saraph designa também uma serpente venenosa (Nm.21.6-8) ou
uma serpente alada (Is.14.26;30.6). Segundo o Dr. Joann Michl “existe uma suspeita
que há uma relação de origem entre os serafins e as serpentes”. 45

O modo com que Isaías fala dos serafins insinua que eram conhecidos dos seus
leitores. Conforme Isaías 6.6, não parecem os serafins destacados para o serviço dos
homens, mas consagrados totalmente ao louvor de Deus. Assemelhando-se ao
44
Bíblia com as Referências e Anotações de Scofield. p. 796
45
TERRA, João M. Anjos na Bíblia. p. 30
Angelologia - 43

“exército do céu”, que está a direita e a esquerda do Trono de Deus (I Rs.22.19;


Jó.1.6).

Diferente dos querubins, permanecem como servidores em torno do Trono


Celestial, cantam louvores a Ele e estão sempre prontos a fazer o que Ele manda.
Enquanto os querubins são os anjos poderosos, os serafins podem ser considerados
os nobres entre os anjos. Ao passo que aqueles defendem a santidade de Deus, estes
atendem ao propósito da reconciliação, e assim preparam os homens para aproximar-
se apropriadamente de Deus.

CRIATURAS VIVENTES

Criaturas Viventes é um título que representa estes anjos manifestando a


plenitude da vida divina, sua atividade incessante e permanente participação na
adoração a Deus. É um titulo que representa os querubins.

ANJOS CAÍDOS

Muitos crêem que Deus criou os anjos caídos, ou que eles se rebelaram porque
Deus quis. Ambas as idéias estão erradas pois Deus nem criou os anjos caídos e nem
desejou a rebelião dos mesmos (Dt.32.4). Os anjos caídos foram criados perfeitos mas,
tendo dado ouvidos a Satanás, terminaram rejeitando a autoridade de Deus.

PERSONALIDADE E DESTINO DOS ANJOS CAÍDOS

Como era de se esperar eles são o contrário dos anjos eleitos: são
rebeldes (II Pd.2.4), irreverentes (Jd.9), astutos (Mt.4.6; Ef.6.11), ferozes (I Pd.5.8) e
traiçoeiros (II Cor.11.14), eles opõem-se aos propósitos do Criador, afligem ao povo de
Deus, executam os propósitos de seu líder, Satanás. Portanto, em sua reta final o
homem caído tem condição de obter a regeneração através de Cristo, mas não há
oportunidade para o anjo caído, seu destino já está traçado e prestes a ser consumado.

SATANALOGIA

Semelhantemente como no céu, os anjos destituídos de sua glória procuraram


preservar a mesma hierarquia que antes tinham. A Escritura nos dá subsídios para
afirmar que eles ainda seguem o mesmo líder, Lúcifer.

Na Escritura, o chefe dos anjos caídos aparece sob uma diversidade de nomes
diferentes. Alguns nomes são próprios e outros, títulos descritivos que nos mostram
sua obra e caráter, como Apocalipse 12.10, onde ele é chamado de “o acusador de
nossos irmãos”.

Muita coisa nos revelam os seus nomes, são eles: a Serpente, que fala de sua
astúcia; Lúcifer, o filho da alva, que era o seu título no céu antes da queda; Diabo, que
significa acusador, ou caluniador; Satanás, que significa oponente; Apolion, que
significa destruidor; Dragão, que fala do seu poder; o Príncipe deste mundo; Príncipe
dos poderes do ar; o deus deste mundo. Quatro destes títulos pessoais aparecem em
um único versículo (Ap.12.9).
Angelologia - 44

Este poderoso anjo aparece na Bíblia com destaque, importância e poder, ele é
o agente infernal que está no comando de todos os demônios. Ele penetra na história
da humanidade desde a sua primeira página e vai até o seu final, sempre apresentado
como um fator muitíssimo vital nos negócios dos homens, dos anjos e do universo
propriamente dito. É muito significativo que as Escrituras tracem com detalhe e cuidado
a existência desta pessoa excessivamente cruel e maldosa desde a sua criação,
através de toda a sua carreira, até o seu julgamento final. Tal distinção não foi atribuída
a nenhum outro anjo ou ser humano, que tenham sido usados por Deus. Nenhum
outro foi assim analisado e revelado quanto às suas motivações, seus métodos, seu
caráter e seus propósitos.

Encontramos esta ampla revelação e nos sentimos desafiados a prosseguir,


considerando que esta importante doutrina da Bíblia é a verdade relativa a um ser que
foi originador do pecado, o promovedor deles nas esferas angélicas e humana, e o
mais imperioso oponente das coisas de Deus.

Poucos podem dizer como o Apóstolo: “Não somos ignorantes dos seus ardis”
(II Co. 2.11). Este ser é aquele “que engana o mundo inteiro” e de maneira muito
evidente quando o mundo não acredita em sua existência. Esta incredulidade promove,
sem dúvida e grandemente, a sua vantagem. Quando as pessoas estão desinformadas
ou mal informadas, tornam-se uma presa fácil do poder do inimigo das almas. Os
saduceus modernos procuram resolver este assunto chamando este ser “de uma figura
de linguagem, uma personificação metafórica do mal” ou “uma ilusão das mentes
insanas”. Eles negam a sua personalidade como também a dos demônios. Satanás
incentiva tais impressões uma vez que desarmam o preconceito e o temor em relação
ao seus empreendimentos infernais. Quanto à possibilidade deste poderoso anjo não
passar de uma simples “figura de linguagem”, sem personalidade real, devemos notar
que figuras de linguagem não são anjos criados que pecam, e seres do reino das
trevas condenados a um julgamento final horrível nas mão de Deus. Uma metáfora não
podia entrar em um bando de porcos e precipitá-lo para uma destruição imediata (Mt.
8.31). Como também uma metáfora não poderia oferecer os reinos deste mundo ao
Senhor, declarando que esses reinos lhes foram dados para que desse a quem
quisesse dar (Mt. 4.1-11). Sobre isto o Dr. Gerhar nos diz o seguinte:

A exegese racionalista que atribui possessões demoníacas à superstições e


transforma os registros do Novo Testamento sobre este tema sombrio em fantasias
ilusórias, se fora aplicada a todo o ensino bíblico sobre as coisas invisíveis e
sobrenaturais, transformaria todo o mundo espiritual em irrealidade. Entre as zombarias
sobre o diabo e as zombarias sobre o Redentor existe apenas um pequeno passo. Não
devemos esquecer que a crença na personalidade do diabo e na influência dos
demônios nos negócios humanos assumiram formas grotescas durante a Idade Média,
nem que a má interpretação da possessão diabólica levou homens bons a cometer atos
de horror. Mas será que os abusos dos fatos das Escrituras prova que não há
veracidade em sua declaração do poder do diabo sobre os homens maus e sobre a
natureza? Será que é superstição dizer que satanás é o “maligno”, que é o “príncipe
deste mundo?”. Só porque alguns teólogos e mestres em outros séculos entenderam
mal e aplicaram mal alguns dos milagres de nosso Senhor? Se esta maneira de
raciocinar fosse aplicada às verdadeiras superstições, os monstruosos erros do
politeísmo não provariam que não existe Deus? O oráculo de Delfos não provaria que
Angelologia - 45

Isaías não pode ser um profeta genuíno? Ou a feitiçaria da África não provariam que
nenhum culto é digno dos homens? Ou os totens dos índio americanos não provariam
que não existe providência divina?. 46
Cada elemento da personalidade de Satanás foi estabelecido na Escritura. A
sociedade, de maneira estranha, retém a terminologia bíblica aplicada a Satanás,
embora cada vestígio dessa terminologia esteja esvaziado do seu verdadeiro
significado. Sem referência à revelação, a sociedade imaginou um ser grotesco, ornado
de estranhos atavios, que se tornou o personagem central de peças de ficção e de
teatro e, então, convencido de que tal ser como esse que pintou não existe, lançou
todo o conjunto de verdade revelada ao limbo dos mitos de uma era passada.
Infelizmente, o verdadeiro ser apresentado nas Escrituras não desapareceu com tal
desprezo pueril e travesso da solene verdade de Deus. Não há falta de evidência da
personalidade de Satanás e dos demônios. O registro de seus atos, como o de seu
destino compõem as páginas mais negras das Escrituras. O Lago de Fogo foi
preparado “para o diabo e seus anjos” (Mt.25.41). Personagens de ficção e metáforas
não são julgados com a morte de Cristo nem condenados ao Lago de fogo.

Os conflitos e provações dos cristãos se explicam totalmente dentro de três


realidades: o mundo, a carne e o diabo. Satanás, “o deus deste mundo” é uma
personificação viva da mentira. Mais reveladoras são as palavras de Cristo dirigida aos
judeus: “Vós sois do diabo, que é o vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele
foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade. Quando ele profere
mentira, fala do que lhe é próprio porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo.8.44). Sobre
isto o Apóstolo nos dá um testemunho triplo: Encontramos a declaração de que
Satanás é o sedutor de todo o mundo (Ap.12.9); Ele será lançado no abismo fechado e
selado para que “não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos”
(Ap.20.2-3), e por fim, quando ele for solto encontramos a declaração de que “sairá a
seduzir as nações que há nos quatro cantos da terra” (Ap.20.7-8). A natureza maligna
que domina a carne nasceu da mentira de Satanás no Jardim do Éden, e ele mesmo é
um contendedor vivo que se opõe ao crente, não apenas na esfera da carne e do
sangue, mas também no reino de atividade espiritual.

Três objeções foram formuladas contra esta doutrina bíblica subsidiária da


angelologia: 1. Diz-se que sua origem está na mitologia, Satanás não existe e por isso
não há necessidade de estudarmos acerca de tal pessoa; 2. Esta doutrina trata-se de
um maniqueísmo cristão, a infinita guerra entre o bem e o mal é algo que sempre vai
existir, pois os dois se equilibram em força; 3. Deus é o criador de tudo, Satanás como
criatura sua não milita contra Ele, pois no final, como no princípio, “Deus é tudo em
todos”.

O ESTADO ORIGINAL DE SATANÁS E SUA QUEDA

A biografia de Satanás é longa, que retrocede ao passado imemorial, está no


presente e penetra na eternidade vindoura. Estes aspectos da história (criação, estado
original e queda) deste grande anjo estão de tal maneira interligados que dificilmente
podem ser examinados separadamente. A revelação relativa a Satanás começa em
um período sem data, entre a criação dos céus e da terra, naquela forma perfeita na
qual eles aparecem pela primeira vez (Gn.1.1).

46
CHAFER, Lewis S. Teologia Sistemática. p. 359
Angelologia - 46

A passagem central que trata especificamente destes aspectos de Satanás é


Ezequiel 28.11-19. Esta passagem é um esboço sobre o mais poderoso dos anjos;
mostra um período da primeira glória da terra e fala sobre o pecado angélico inicial. O
contexto imediato e circundante da profecia de Ezequiel apresenta um registro dos
julgamentos divinos dos inimigos de Israel e, segundo I Crônicas 21.1, Satanás
pertence a este grupo.

A porção que apresenta a verdade relativa a Satanás está um tanto oculta uma
vez que se encontra acomodada a retórica oriental. É um meio legítimo de expressão
divina como qualquer outra forma de literatura, mas transmite a sua mensagem apenas
àqueles que buscarem o seu significado mais profundo com muita atenção.

Para se entender corretamente esta revelação vital sobre Satanás é muito


importante observar que os versículos precedentes a este capítulo (Ez.28.1-10),
embora sejam dirigidas ao “príncipe de Tiro”, são claramente uma palavra ao homem
do pecado, a obra prima e personificação final de Satanás, como também a que segue
é uma palavra ao próprio Satanás.

Há um significado notável na maneira pela qual estes dois discursos estão


relacionados e foram colocados em seqüência. O homem do pecado está identificado
através da Escritura por sua presunção blasfema de ser Deus. Assim como um príncipe
é inferior e está sujeito a um rei, o homem do pecado está sujeito a Satanás.

Antes do discurso para um “príncipe” e um “rei”, faz-se alusão a quatro nações.


Amom, Moabe, Edon e Filístia, e a mensagem a estas nações encontra-se reunida em
dezessete versículos, enquanto que a mensagem dirigida a cidade de Tiro ocupa
oitenta e três versículos. Esta proporção é impressionante, sugerindo a importância
simbólica desta cidade. Tiro era a cidade comercial do mundo, como a grande
Babilônia fora antes. Com esta ênfase dá-se a entender a promoção do ideal do
sucesso do mundo. Tiro é o símbolo de um mundo que ama a Mamon.

Assim como o Filho maior de Davi é distinguido nos Salmos messiânicos pelos
aspectos sobrenaturais apresentados, a pessoa chamada nessa passagem de “rei de
Tiro” é , conforme descobrimos, o mais elevado dos anjos. Não poderia ser um mortal.
Alguns dos aspectos importantes dessa passagem serão aqui examinados.

IDENTIDADE DE PERFEIÇÃO (Ez.28.11-12)

Esta passagem se enche de extraordinária importância quando reconhecemos


nela a palavra de Jeová ao “rei de Tiro” e não a palavra do profeta. "Uma lamentação"
que significa intensa angústia acompanhada de gestos de bater no peito, é um termo
impressionante quando descreve a tristeza de Jeová derramada sobre o pecador; e
não é o que acontece sempre? Jeová deixa de lamentar alguma vez as suas criaturas
errantes? Se aceitássemos que há uma aplicação secundária deste lamento a algum
rei de Tiro, tal conjectura seria de pouco valor ou significado à vista dos aspectos
sobrenaturais que são imediatamente apresentados; pois “assim diz o Senhor Deus: Tu
és o sinete da perfeição cheio de sabedoria e formosura”. Tal expressão é um
superlativo até mesmo com os padrões divinos. A intimação que todo poder criativo
divino com referência à sabedoria e formosura foi representada neste rei. Essa
terminologia não teria lugar na boca de Jeová relativamente dirigindo-se a um homem,
que não passa de um rei pagão.
Angelologia - 47

A expressão, entretanto, está de acordo com a verdade quando consideramos


que é uma mensagem dirigida ao maior de todos os anjos em seu estado perfeito,
antes da queda.

O JARDIM DE DEUS (Ez.28.13)

O Éden é tanto o Jardim de Deus (Ez.28.13) quanto o monte santo de Deus


(Ez.28.14-16), é um conceito não encontrado em Gênesis.

Pouca diferença faz se esta referência é o Éden de Gênesis ou um Éden


anterior. Satanás esteve nos dois; mas ninguém poderá afirmar que qualquer rei de
Tiro fosse assim favorecido. Os ornamentos de jóias sugerem sua grande importância
e o resplendor de sua aparência. Assim, cheio de resplendor, ele foi apresentado no
Jardim do Éden, pois o seu nome no hebraico, “nahash”, significa: serpente (Gn.3.1),
o reluzente. O apóstolo declara que mesmo agora ele se transforma em um anjo de luz
(II Cor.11.14). Estas pedras preciosas aparecem apenas três vezes no registro bíblico:
no peito do sumo sacerdote, que era a manifestação da graça divina; na nova
Jerusalém, que reflete a glória de Deus, e como a vestimenta deste grande anjo, sinal
de sua elevada posição.

Nenhuma distinção poderia ser imposta a qualquer criatura que fosse mais
exaltada do que a imposta por estas pedras. Semelhantemente, esta figura apresenta
este anjo como criado para ser um diadema de louvor ao seu Criador. Ele não
precisava de um instrumento de louvor para glorificar a seu Criador; ele era o diadema
de louvor.

A declaração mais reveladora neste versículo é a afirmação que ele é um ser


criado. No verso 15 há uma repetição, onde se diz que ele era “perfeito” em todos os
seu caminhos desde o dia em que foi criado. O poder e a sabedoria deste ser são tão
extensos que “não poucos têm suposto que ele fosse eterno como o próprio Deus.”47
Sendo uma criatura, apesar do seu estado, no final ele ficará sujeito ao seu Criador e
irá prestar-lhe contas.

TU ERAS (28.14) - Como já dissemos, anteriormente, os querubins estão


relacionados com o trono de Deus na qualidade de protetores e defensores de Sua
santidade. Que este ser pertença à ordem dos querubins é impressionante.

Jeová dirige uma palavra especial ao anjo neste ponto: “... te estabeleci” e, a
seguir, as palavras reveladoras: “Permanecias no monte santo de Deus”. Este serviço
específico de querubim, ou protetor, era prestado no próprio Trono de Deus uma vez
que a frase, monte santo de Deus, no uso que tem no Antigo Testamento, é o lugar da
autoridade de Deus (Ex.4.27; Sl.2.6;3.4; 43.3; 68.15).

A partir destas revelações podemos concluir que este grande anjo foi criado
acima de todos os anjos para ser o defensor do trono de Deus. Se alguém disser que
Deus, sendo o Todo-Poderoso, não precisa dessa defesa, podemos responder que não
é uma questão de necessidade de Deus, mas antes, uma revelação do que Deus
resolveu estabelecer. Ele sem dúvida não precisa dos querubins junto ao portão do
Éden, mas Ele os colocou ali.

47
Ibid., p. 364
Angelologia - 48

A última frase, “no brilho das pedras andavas”, é um tanto obscura. Pode referir-
se a uma glória anterior na terra. As “pedras afogueadas” talvez fossem a manifestação
do fogo consumidor que Jeová é. Nesse caso, esta declaração sugeria que o primeiro
estado deste anjo era de relacionamento ininterrupto com a santidade divina.

É preciso reconhecer que nenhum rei de Tiro atende a esta exaltada descrição.
Nenhum homem pecador jamais foi tal diadema de louvor, nem foi diretamente criado
por Deus, nem pertenceu ao grupo dos querubins, nem foi colocado no monte santo de
Deus, nem andou no meio das “pedras afogueadas”, nem foi perfeito em todos os seus
caminhos desde a sua criação.

PERFEITO ERAS (28.15) - A descrição muda agora e revela-se o fato do


primeiro pecado deste anjo. Achou-se iniquidade nele. A antiga perfeição ficou para
trás. A insinuação é que foi descoberto um pecado secreto.

A onisciência de Deus não pode ser enganada, nem de deixar de conhecer


todas as coisas. Se os nossos segredos estão sob a luz do Seu rosto (Sl.90.5),
também o mesmo acontece com os pecados secretos dos anjos. Satanás caiu da
perfeição original pois queria ser igual a Deus.

E PECASTE ( 28.16-17) - A palavra "comércio" é muito sugestiva. O mesmo


pensamento ocorre com referência ao homem do pecado expresso pela palavra
comércio (Ez.28.5). A idéia aqui esta muito afastada dos negócios e transações no
comércio feito pelos seres humanos.

O significado do termo é “andar por aí”. Talvez indique que Lúcifer andava
entre os anjos difamando Deus, para assegurar a fidelidade deles ao seu propósito de
rebelião contra o Criador.

Pensava ele que fazia algo as escondidas do Criador, que Deus seria
surpreendido com suas atitudes.

JAMAIS SUBSISTIRÁS (28.18-19) - Estes versículos apontam para o


julgamento futuro e final que Deus preparou para este anjo poderoso, julgamento esse
que foi mais completamente descrito em outras partes da Escritura..

Neste contexto Deus registra a origem, o estado, o caráter e o pecado do maior


de todos os anjos. A importância desta revelação na doutrina dos anjos e na doutrina
do homem não pode ser superestimado.

Deus não criou Satanás como tal; Ele criou um anjo que era perfeito em todos
os seus caminhos, e esse anjo pecou opondo-se à vontade de Deus. Através desse ato
ele se tornou Satanás, o oponente, e tudo mais que estes títulos dão a entender.

A antiga questão levantada pelos céticos do passado sobre quem fez o Diabo
foi respondida nesta passagem que acabamos de considerar. Vimos que Deus criou
um anjo santo com poder de escolher entre o bem e o mal, e que ele escolheu o mal.
Através do poder degenerador do pecado, Satanás, como também Adão, tornou-se um
ser totalmente diferente daquele que Deus criou.

Quando Deus cria um ser para cumprir um determinado propósito, esse ser tem
de cumprir perfeitamente esse ideal divino. Portanto, quando procuramos descobrir a
Angelologia - 49

personalidade deste grande anjo, seria bom identificar o propósito para o qual Satanás
foi criado e avaliar as qualidades que tinha em vista desse propósito.

Com o seu pecado ele perdeu a sua santidade original e a sua posição celestial,
mas conserva a sua sabedoria, voltou à sua imensa capacidade para o mal e o seu
entendimento foi prostituído ao nível das mentiras, das fraudes, das ciladas e dos
artifícios. A extensão destes empreendimentos malignos, seu caráter exaltado, sua
motivação e método, constituem uma porção deste vasto tema. Sobre esta passagem
de Ezequiel F. C. Jennings conclui dizendo o seguinte:

a) Pelo seu cenário e linguagem não pode aplicar-se a algum filho do homem
pecador; é impossível. b) Portanto, necessariamente, refere-se a um espírito ou
anjo. c) Este anjo ou espírito, seja quem for, foi pessoalmente a coroa dessa primeira
criação. d) Sua tarefa era proteger o trono de Deus, proibindo a aproximação do mal,
ou de qualquer injustiça. e) Achou-se nele iniquidade e, essa iniquidade foi a auto
exaltação.

f) Foi pronunciada a sentença da expulsão do seu lugar, embora não tenha sido,
pelo menos totalmente, executada.48

O PECADO DE SATANÁS

Em Isaías 14.12-17 foi delineado o pecado de Satanás. É verdade que, desde o


princípio, Satanás não cessou de pecar; mas estamos especificamente interessados
em seu pecado inicial, pecado esse que foi o primeiro pecado a ser cometido no
universo. De fato, o primeiro pecado a ser cometido não só explica-nos muito sobre a
pessoa que o cometeu, mas também é a norma ou padrão de todo pecado,
demonstrando o elemento do pecado que faz dele o que é : “sobremaneira maligno”
(Rm.7.13).

Esta referência de Isaías da lugar à questão se Satanás está agora residindo


realmente fora do céu, ou se ainda habita na esfera em que foi colocado quando foi
criado. Uma idéia popular, que surge totalmente alheia à revelação, diz que Satanás
habita nas regiões inferiores, senão no próprio inferno.

Em relação a isto, é essencial considerar que na Bíblia encontramos a referência


a três céus: a) a atmosfera na qual “as aves do céus” se movem e na qual “o príncipe
das potestades do ar” tem autoridade e está ativo; b) os espaços estrelares que, como
já indicamos antes, são a habitação dos santos anjos; e c) o “terceiro céu” que é a
habitação do Deus trino, local esse que não pode ser determinado. A questão é se
Satanás com o seus anjos foram lançados para fora de sua habitação original. Certas
passagens lançam luz sobre este problema. Sobre isto Jesus disse: “Eu via Satanás
caindo do céu como um relâmpago” (Lc.10.18). Em Apocalipse 12.7-9 fala de Satanás
sendo expulso do céu para a terra e, como foi descrito, evidentemente vai acontecer no
futuro. Em Ezequiel 28.16-19 é prevista a expulsão de Satanás. Esta palavra não
revela o tempo quando esta promessa será cumprida, além do fato de que estes
versículos estão associados com o julgamento final de Satanás.

Certas passagens dão a entender que Satanás está atualmente no céu ao qual
ele tem direito por criação. Em Jó 1.6 e 2.1 afirma-se que Satanás estava presente no
48
Ibid., p. 366
Angelologia - 50

céu. Em Jó 1.6 aparentemente, nos mostra que não havia nada de incomum com a
presença de Satanás naquele lugar e ocasião. Ele foi chamado para prestar relatório
de suas atividades, e ele o fez. Neste relatório ele revela ter liberdade suficiente para
“rodear a terra, e passear por ela”, como também de aparecer na presença de Deus
nas alturas. Cristo advertiu a Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou
( = “pediu”) para vos peneirar como trigo” (Lc.22.31). As implicações são
que Satanás apareceu pessoalmente diante de Deus com este pedido. Em Efésios
6.11-12 o apóstolo nos dá uma advertência e com a mesma finalidade nos declara que
os poderes do mal ainda se encontram nas esferas celestiais. As evidências que este
conjunto de passagens apresenta, e aparentemente não há testemunho contrário, é
que Satanás ainda se encontra na sua habitação original e ali ficará até que, segundo
Apocalipse 12.7-9, será lançado na terra como parte da experiência da tribulação.

Ezequiel 28.11-19 e Isaías 14.12-17 que contribuem tanto para a revelação da


história passada de Satanás precisam ser interpretadas de acordo com os diferentes
pontos de vista destes autores humanos. Ezequiel em sua visão profética estava no
limiar da história angélica e viu em perspectiva o final da carreira de Satanás, enquanto
que Isaías em sua visão profética estava no final desta história e viu em retrospectiva o
que ele registrou.

Isaías viu assim de trás para frente, explica a sentença que dá início à sua
profecia, que presume que este poderoso anjo terá então caído do céu. Grande parte
do que se encontra nesta predição ainda não se cumpriu em sua medida completa. Os
grandes empreendimentos deste anjo como Isaías os viu ainda não se concluíram.

Estes dois profetas empregam contrastes extremos nos títulos que aplicam a
este anjo. Quando começou a descrever o santo e elevado estado deste anjo quando
foi criado, Ezequiel se dirige a ele, falando em nome de Jeová, chamando-o de “rei de
Tiro”, enquanto que Isaías, procurando apresentar a degradação deste ser, dirige-se a
ele usando o seu título celestial, “Lúcifer, filho da alva”. Parece que estes títulos foram
assim propositalmente empregados com o intuito de colocar estes dois estados, de
todo o mais alto poder criativo e o da extrema degradação de um anjo, em
surpreendente justaposição.

O título, “Lúcifer, filho da alva”, é a gloriosa designação deste grande anjo antes
de seu fracasso moral. Lúcifer significa “luminoso” ou “brilhante” e é quase idêntico a
Nahash, a serpente, que significa “a luminosa”.

O profeta Isaías anuncia a queda deste anjo e algo do seu grande poder
(Isaías.14.12-17). Sobre este poder ele disse: “tu que debilitava as nações”, “que fazes
estremecer a terra”, “tremer os reinos”, “que punha o mundo como um deserto”,
“assolava as suas cidades” e “que a seus cativos não deixa ir para as suas casas”.

Ao que nos parece o pecado de Satanás tinha a pretensão de permanecer em


segredo. Este é o significado das palavras “tu dizias no teu coração”. Desta forma,
nesta passagem é nos mostrado que o pecado de Lúcifer consiste em cinco
declarações contra a vontade de Deus. Estas cinco declarações de Satanás são
evidentemente os diversos aspectos do mesmo pecado, o de procurar subir acima da
esfera para a qual ele foi criado e acima do propósito a serviço que lhe foram
atribuídos. As cinco declarações foram as seguintes:
Angelologia - 51

1. “Eu subirei ao Céu”. Ele propunha-se aparentemente fazer habitação no


terceiro céu, no mais alto dos céus onde Deus habita. A habitação dos anjos é
evidentemente em um plano inferior; pois, quando retornou ao mais alto céu, após a
Sua ressurreição, Cristo assentou-se “acima de todo principado, e potestade, e poder,
e domínio” (Ef.1.20-21); mas Satanás, cuja habitação é a mesma dos anjos, embora
seus deveres lhe dessem acesso às esferas da terra e às outras mais elevadas (Jo.1.6;
Ez.28.14), em uma auto-promoção ímpia determinou que a sua habitação deveria ser
mais elevada do que a esfera que lhe fora designado por seu Criador. Sua intenção
egoísta conforme nos foi revelada nesta declaração é um ultraje contra o plano e o
propósito do Criador.

2. “Acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono”. Com esta declaração
Satanás revelou que, embora designado como guardião do trono de Deus aspirava
possuir um trono seu e governar sobre “as estrelas de Deus”. Os seres angélicos e não
o sistema estelar, é o que está obviamente em vista (Jo.38.7; Jd.1.13; Ap. 12.3-4). Ao
que nos parece grande parte da ímpia ambição de Satanás de possuir um trono foi
atendido, pois sabemos que agora ele é um rei reconhecido, embora julgado, com
autoridade tanto no reino celestial (Mt.12.26; Ef.2.2; Cl.2.13-15) como na esfera
terrestre (Lc.4.5-6; II Co.4.4; Ap.2.15). O caráter pecador do propósito de Satanás de
garantir um trono é visível.

3. “No monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte”.


Segundo Isaías 2.1-4, “o monte” se refere ao lugar do governo divino na terra, e a
referência à “congregação” é claramente a Israel. Assim, esta presunção específica
parece referir-se a participar pelo menos do governo messiânico na terra. Este reino
terá sua sede em Jerusalém, a cidade do grande Rei. O Messias vai reinar no monte
Sião “para os lados do norte” (Sl.48.2). A crucificação de Cristo foi ao norte de
Jerusalém, ali Cristo julgou e despojou os principados e potestades (Cl.2.15). É
possível que, ao ser assim julgado, os desígnios ímpios de Satanás de apoderar-se do
governo messiânico foram desfeitos para sempre.

4. “Subirei acima das mais altas nuvens”. Das mais de cento e cinqüenta
referências às nuvens na Bíblia, cem relaciona-se com a presença e glória divina. O
significado desta arrogante declaração provavelmente se descobrirá no uso da palavra
nuvens. Jeová aparecia em uma nuvem (Ex.16.10); a nuvem era chamada de “a
nuvem do Senhor” (Ex.40.38); quando Jeová estava presente, a nuvem enchia a casa
(I Rs.8.10); “O Senhor, cavalgando numa nuvem ligeira” (Sl.104.3; Is.19.1); Cristo virá,
assim como foi, sobre as nuvens do céu (Mt.24.30; At.1.9; Ap.1.7); assim também o
povo remido aparecerá (Is.60.8; I Ts.4.17). “O homem do pecado” de Satanás se
exaltará “contra tudo o que se chama Deus, ou objeto de culto” (II Ts.2.4) e com esta
arrogante declaração Satanás está evidentemente procurando assegurar-se de alguma
glória que pertence somente a Deus.

5. “Serei semelhante ao altíssimo”. Esta última das declarações de Satanás


contra a vontade de Deus pode ser considerada como a chave para entender e
pesquisar suas motivações e seus métodos. Apesar de uma impressão quase universal
de que o ideal de Satanás é ser diferente de Deus, aqui se revelou com o propósito de
ser semelhante a Deus. Contudo, esta ambição não é de ser como Jeová, o auto-
existente, o que nenhum ser criado poderia ser; mas ser semelhante ao altíssimo,
título que significa “que possui os céus e a terra” (Gn.14.19-22). O propósito de
Satanás então, é ter autoridade sobre os céus e a terra. O caráter essencial maligno do
Angelologia - 52

pecado aqui, como qualquer outra parte, é a rebeldia da parte da criatura de


permanecer na posição exata na qual foi colocado pelo criador. Na busca de um
propósito de ser imitador de Deus e copiador dos empreendimentos divinos, Satanás,
aparentemente com sinceridade recomendou a Adão e Eva que também fossem “como
deuses’. A palavra original traduzida aqui para “deuses” é Elohim e a forma plural de
Elohim evidentemente explica o plural de “deuses”. O que Satanás realmente disse foi:
“Vocês serão como Elohim”. Em resposta a esta sugestão, que apenas refletia a
suprema ambição do próprio Satanás de ser semelhante ao Altíssimo, Adão penetrou
no mesmo caminho ímpio de repúdio do propósito divino.

O pecado de Satanás pode portanto ser resumido como um propósito de


garantir: 1. a mais alta posição celeste; 2. direitos reais no céu e na terra; 3.
reconhecimento messiânico; 4. a glória que pertence a Deus somente; e 5. uma
semelhança com o Altíssimo, “que possui os céus e a terra”.

Não pode haver uma estimativa adequada do efeito imediato do pecado de


Satanás, primeiramente sobre si mesmo, e então sobre o vasto exército de seres
espirituais que em fidelidade a Satanás, não guardaram o seu estado original.

SATANÁS SEGUNDO O ANTIGO TESTAMENTO

Ele foi apresentado no Antigo Testamento sob diversas caracterizações, mas


aparece apenas quatro vezes Antigo Testamento sob o nome hebraico de Satanás. Em
I Crônicas 21.1 temos um registro da verdade que Satanás levou Davi a contar o povo
de Israel contrariando a vontade do Senhor, e este ato da parte de Satanás ilustra bem
o seu propósito e caráter. O Salmo 109.6 e Zacarias 3.1-2 revelam o mesmo desígnio
satânico. Na primeira destas duas passagens, a presença de Satanás é invocada como
um julgamento contra os inimigos de Jeová, enquanto que, na segunda, Satanás está
de pé numa atitude de prontidão para resistir ao propósito divino em benefício de
Josué, o sumo sacerdote. É o próprio Jeová que repreende Satanás diretamente, esta
passagem faz paralelo com Judas 9 onde Miguel invoca Jeová para repreender
Satanás. A outra referência do Antigo Testamento a Satanás é a reveladora narrativa
da controvérsia de Jeová com Satanás por causa de Jó.

SATANÁS SEGUNDO NOVO TESTAMENTO

O Novo Testamento encontramos uma longa atividade de Satanás e dos


demônios, certamente, como o eterno propósito de Deus na redenção que estava para
se realizar, a mais violenta oposição foi estabelecida pelos poderes das trevas contra o
propósito de Deus. Parece que toda a possível oposição existente dos anjos caídos foi
disposta em ordem de batalha para este encontro. Tal esforço supremo da parte de
Satanás está de acordo com a verdade revelada, mas também está de acordo com a
razão. Só uma situação poderá ser comparada a está, a saber, o período que
precederá imediatamente ao segundo advento de Cristo, onde, conforme está
anunciado em Apocalipse 16.13-14, “eles são espíritos de demônios operadores de
sinais, e se dirigem aos reis do mundo inteiro com o fim de ajuntá-los para a peleja do
grande dia do Deus Todo-Poderoso”. Esta situação é mais detalhadamente
apresentada no Salmo 2, como também em Apocalipse 19.17-21. O verdadeiro caráter
deste conflito futuro fica esclarecido quando notamos que estes reis guerreiros estarão
possuídos por demônios.
Angelologia - 53

Conforme descrito no Novo Testamento podemos perceber uma dupla


classificação nas atividades de Satanás: a que vem através de sua autoridade como rei
sobre os espíritos do mal e a que surge através de seu domínio mundial (II Cor.4.4;
Lc.4.6).

SATANÁS JULGADO NA CRUZ

Colossenses contem duas passagens notáveis, que anunciam o caráter


ilimitado de Cristo na cruz. Em 1.15-18 é atribuído a Cristo a criação de todas as coisas
e a preeminência acima de toda a sua criação, a epístola prossegue declarando nos
versículos 19-22 o seguinte: “Porque aprouve a Deus que nele residisse toda a
plenitude, e que, havendo feito a paz pelo sangue da cruz, por meio dele reconciliasse
consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus. E a vós outros
também, que outrora eréis estranhos e inimigos no entendimento pela vossas obras
malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne mediante a sua morte,
para apresentar-vos perante Ele, santos inculpáveis, e irrepreensíveis”. O aspecto
desta reconciliação que a cruz provê é tão sem limites quanto o reino que inclui tanto
os céus quanto a terra.

O termo reconciliação não é o equivalente a restauração ou salvação. Seu


significado exato é “mudar totalmente” e o seu resultado se evidencia no fato da
estimativa divina de todas as coisas terem mudado completamente na cruz. Em II
Coríntios 5.19 quando nos diz que Deus reconciliou o mundo consigo, não esta
declarando que todos os homens são salvos, ou que todos serão salvos. E com um
significado, a reconciliação de “todas as coisas”, conforme Colossenses 1.20 não da a
entender que todas as coisas no céu e na terra estão agora perfeitos diante de Deus,
ou que necessariamente o serão. A reconciliação que foi operada na cruz fornece um
fundamento para a redenção daqueles que foram escolhidos por Deus e um
fundamento para o julgamento daqueles que rejeitam Sua provisão.

As Escrituras não dão a menor indicação de que os homens caídos que


continuam impenitentes, ou que os anjos caídos, serão salvos do seu destino
(Mt.25.41; Ap.20.12-15). Cristo estendeu o seu benefício a todas as coisas, nos céus e
na terra. Satanás e os seus exércitos foram julgados. Os anjos caídos e seus atos
malignos vieram à tona para o julgamento divino e foram julgados embora a execução
deste julgamento esteja ainda no futuro.

A segunda passagem de Colossenses é extraordinariamente explícita, embora


nem tudo o que ela anuncia possa ser entendida pelos habitantes dessa esfera. Ela
diz: “Tendo cancelado o escrito da dívida que era contra nós e que constava de
ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz;
e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo
triunfando deles na cruz” (2.14-15). Aqui, como antes, o valor da cruz se vê estendido
aos dois reinos, ao humano (v.14) e ao angélico (v.15). Dentro do reino angélico,
realizações estupendas foram indicadas pela revelação de Cristo, com sua morte
despojou principados e potestades, publicamente os expondo ao desprezo, triunfando
deles na cruz. A imaginação humana poderia conceber tudo isto sendo realizado em
um julgamento final, mas esta realidade mediante a cruz de Cristo é uma realidade
presente. Satanás já foi julgado (Jo.12.31;16-11). Hebreus 12.14 declara o seguinte:
“Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também
Angelologia - 54

ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder
da morte, a saber, o diabo”. Assim, por meio da Escritura podemos chegar à conclusão
que Satanás e os seus exércitos foram julgados, despojados, desmascarados,
vencidos, sentenciados e expulsos por Cristo na Sua morte.

A EXECUÇÃO DO JULGAMENTO

A execução do julgamento feito contra Satanás por Cristo no Calvário foi


antecipado nas Escrituras em três estágios sucessivos. Estes deverão ser
considerados totalmente à parte dos três julgamentos já passados, a saber: 1. a
degradação moral e correspondente perda de posição devido à queda, 2. a sentença
pronunciada contra ele no Jardim do Éden, e, 3. o julgamento da cruz. A futura
execução do julgamento de Satanás pode ser assim exposta:

1. Satanás é expulso dos céus. – A expulsão de Satanás dos céus junto com
seus anjos para a restrita esfera terrestre, encontra-se descrita em Apocalipse 12.7-12.
Além da revelação da verdade central que Satanás e seus anjos são expulsos do céu,
esta passagem revela muitas outras verdades vitais. Os meios que serão empregados
para expulsar Satanás e os seus anjos não serão outros além da autoridade e do poder
dos santos anjos sobre a liderança de Miguel. Os anjos caídos, estando vencidos,
serão exilados de suas esferas naturais e confinados à terra.

Um canto de regozijo sobe aos céus por causa do alívio que a ausência destes
anjos caídos provoca. Tudo isto é muito sugestivo. Da mesma maneira um lamento é
dirigido à terra em vista das calamidades que a presença deles impõe aos seus
moradores. Em conexão com este exílio a grande ira de Satanás é excitada, é
aparentemente aí que ele toma consciência de que a causa que abraçou desde o
princípio está perdida para sempre. A presença de Satanás e suas hostes restringindo
à terra, cheios de imensurável ira, dificilmente poderia ser um motivo de alegria para a
terra. Esta situação é um dos fatores que contribui para a grande tribulação que foi
predita para aqueles dias (Mt.24.21; Dn.12.1).

A expulsão das hostes satânicas dos céus significam muito, também, para os
“irmãos” que Satanás não tem cessado de acusar dia e noite, diante de Deus. O que é
que constitui a oposição de Satanás ao relacionamento de Deus com os homens?
Talvez exista um não pequeno ressentimento por causa da redenção que não foi
estendida aos anjos como ela é estendida aos homens. Talvez Satanás ainda exerça
parte de sua responsabilidade original, como defensor e promotor da justiça sobre a
qual o trono de Deus deve permanecer para sempre. O plano redentor propõe-se a
apresentar os pecadores justificados diante de Deus mediante o mérito que Cristo
providenciou pelos perdidos na Sua morte. É fácil de se aceitar que a constituição de
pecadores justificados mediante a obra salvadora de Cristo seja um ponto de oposição
satânica contra Deus. Não há nada escrito no evangelho a qual Satanás possa se opor
para frustar os planos do Criador, mas, persiste “cegando o entendimento” dos que
estão perdidos (II Co.4.3-4).

Aquele que se especializa em justiça auto-promovida sempre foi o que menos


compreendeu a doutrina da justiça imputada e sempre foi seu maior opositor.
Certamente não podemos estranhar se o próprio Satanás se opõe como aqueles que
entre os homens são influenciados por ele, contra o fruto permanente da graça
redentora. As acusações que Satanás lança contra os irmãos sem dúvida são
Angelologia - 55

acusações contra o pecado real e a injustiça da parte deles. Imaginemos que ele não
poderia acusá-los com o que fosse totalmente inverídico. Tal atitude cairia por terra
com o seu próprio peso. Antes, Satanás sentiu-se ofendido pelo arranjo através do qual
os santos são preservados apesar de sua indignidade, como também pela imputação
da justiça a pecadores sem merecimento antes de mais nada. Aqueles que são
remidos não são mais condenados, por mais que Satanás nos acuse seus
argumentos jamais poderão nos atingir (Nm.23.1-17).

2. O julgamento de Satanás no segundo advento de Cristo. – A segunda vinda


de Cristo porá um fim na grande tribulação (Mt. 24.30) e acabará com o reino do
homem do pecado (II Ts.2.8-7), Satanás será amarrado com uma grande cadeia e
lançado no abismo (Ap.20.1-3). Satanás, o enganador do mundo inteiro estará preso e
a terra ficará livre dele por um período de “mil anos”. Sua furiosa presença na terra
durante um período precedente contribuiu muito para a agonia da tribulação. Assim,
seu afastamento de toda a atividade contribuirá muito para a paz e a justiça na terra
durante mil anos.

Mais adiante neste contexto temos a revelação de que Satanás será solto no
final dos mil anos por “pouco tempo” (Ap.20.7-9). As nações, serão enganadas
novamente e as suas mentiras as lançarão novamente, e pela última vez, em uma
guerra. Em Isaías 2.1-4 foi predito que a guerra cessará durante o reino da paz, mas,
será imediatamente retomada quando Satanás for solto do abismo.

Uma predição correspondente em Isaías 24.21-23 acrescenta muito à revelação


de que Satanás estará no abismo. Se, como parece justificado, “as hostes celestes, e
os reis da terra, na terra” é uma referência aos anjos caídos e seus principados e
poderes, está claro que os anjos caídos serão colocados juntos com seu chefe, no
abismo. Podemos deduzir com isto que os anjos caídos acompanharão Satanás no
final de sua carreira. É preciso notar que alguns deles já se encontram em cadeias
aguardando o julgamento final que virá a todos os espíritos do mal (Jd.1.6;III Pe.2.4).

3. O julgamento final de Satanás. – A escritura descreve o último passo na


execução do julgamento de Satanás. Ele e suas hostes “serão lançados para dentro do
lago de fogo e enxofre” (Ap. 20.10). A raiz do mal e seus anjos sofrerão o castigo final e
eterno.

Capítulo 6

A ANGELOLOGIA E SUA RELEVÂNCIA PARA A IGREJA.

Os anjos e a humanidade restaurada haverão de formar uma unidade. Os anjos


são retratados por Cristo como um modelo do cumprimento exultante da vontade de
Deus (Mt. 6.10). Essa doutrina encarece a dignidade de Cristo, o qual é o cabeça dos
anjos; e igualmente encarece a glória e a majestade da igreja, que os inclui (Ef. 1.10;
Fp. 2.10; Cl. 1.16-20). Em meios aos conflitos dessa época presente, essa doutrina
constitui uma garantia para a consciência cristã de que a Igreja Triunfante não é um
ideal vazio.
Angelologia - 56

A RELAÇÃO ENTRE DEUS, OS ANJOS E O HOMEM.

Os seres morais livres no passado remoto se confrontaram com duas


possibilidades: o bem e o mal.. Estas duas possibilidades chegaram ao seu clímax em
três exemplos importantes: a queda dos anjos; a queda do homem e a morte expiatória
de Cristo. Destes, o primeiro, está intimamente relacionado como o segundo e o
terceiro; mas, a relação entre o primeiro e o terceiro é remota.

O mal começou com o erro de um anjo. Esse anjo foi seguido por uma multidão
de outros anjos. O mesmo erro foi cometido pelo primeiro homem e transmitido à sua
raça na forma de uma natureza corrompida.

Retrocedendo nesta seqüência histórica, é possível reconhecer que a raça ficou


prejudicada pelo pecado do primeiro homem; que os nossos pais foram tentados pelo
anjo que foi o primeiro a pecar no céu e que uma multidão de anjos pecaram sob a
influência deste mesmo pecador original.

Assim, surgiram problemas insuperáveis. É difícil avançarmos e encontrarmos


um motivo pela qual um anjo iluminado, perfeito e não sofrendo o assédio de um
tentador, que permanecia na presença imediata de Deus e que devia compreender a
diferença entre a luz moral e as trevas morais, preferiu seguir este triste caminho.
Como pode ser explicado o nascimento do mal moral no ventre do bem moral?

O aspecto metafísico da origem do mal é um problema ainda sem solução, com


referência e ele, apenas certos aspectos podem ser captados por nossa mente finita.
No caso da queda do homem , é imperativo, à luz da revelação de Deus, reconhecer
certas verdades imutáveis quando nos aproximamos do assunto desconcertante acerca
da queda dos anjos. São estas: que Deus é santo e não pode ser de maneira
nenhuma, direta ou indiretamente o instigador do pecado angélico; embora os anjos
fossem criados para cumprir um propósito divino, sua queda foi prevista desde a
eternidade; eles receberam a autonomia de anjos, que lhes concedia a liberdade de
permanecer ou se afastar do estado de santidade no qual foram empossados pela
criação; os anjos que caíram, diferentemente dos homens que pelo nascimento físico
herdam a natureza corrompida. Os anjos estavam diretamente relacionados com Deus
em santidade angélica original, posição essa da qual cada um caiu individualmente
como o primeiro anjo; e embora a queda do homem abrisse o caminho para a graça de
Deus ser demonstrada na redenção, não há nenhum bem compensador de qualquer
grau na conexão com o fato dos anjos terem pecado.

Os anjos foram criados com a responsabilidade da autodeterminação. Este foi o


ideal divino representado por eles na criação. A possibilidade do mal não estava neles
de maneira nenhuma como uma necessidade. Afirmar que Deus poderia ter evitado a
sua queda uma vez que tinha poder para fazê-lo, é dispor a vontade divina no governo
contra a vontade divina na criação; contra a vontade divina representada na
constituição dos anjos.

Embora os anjos quando criados despertassem para a consciência em um


estado de santidade e sem tentação alguma por solicitação externa, não obstante,
receberam a incumbência de querer e fazer aquilo que faz parte da santidade.
Diferente do caso do homem, parece que os anjos passaram por um período de prova.
O amor de Deus era o de Criador por sua criatura; mas eles tinham aquela liberdade de
ação que é natural à responsabilidade angélica.
Angelologia - 57

Essa liberdade foi concedida ao primeiro homem, mas com exceção importante:
já havia em existência um reino do mal com suas solicitações externas e fervorosas
para o mal. Os anjos não foram desafiados por tal influência externa quando
começaram a sua existência consciente. A multidão de anjos que pecaram sob a
influência do primeiro anjo pecador fica imediatamente eliminada do problema.

Eles caíram, cada um individualmente, mas por força das influências que
surgiram depois que experimentaram seu estado de santidade. A confirmação do bem
foi para os anjos, antes da queda e que contemplavam e desfrutavam a presença do
Senhor, uma conseqüência bem mais provável do que para o homem caído, que
jamais viu a Deus nem experimentou um momento de santidade perfeita. Agostinho
declarou: "que ninguém duvide que os santos anjos na sua habitação celeste estão
seguros e certos da felicidade eterna e verdadeira, embora não sejam realmente co-
eternos com Deus".49

Os anjos foram influenciados na direção da santidade. Esta constante comunhão


com Deus que foi concedida aos santos anjos e originalmente estendida a todos os
anjos, é sem medida em sua potencialidade. A única lei da existência angélica era a
vontade do Criador. Essa lei atendia a cada necessidade da experiência e felicidade
angélica. Determinava cada detalhe do seu relacionamento com Deus e de uns com os
outros. Afastar-se dessa vontade era assumir uma atitude falsa para com todas as
coisas. Até que ponto este afastamento mudou o amor em ódio e amargura?

Quanto ao problema do primeiro pecado cometido pelo primeiro anjo, seria bom
notar que, sob as condições existentes, qualquer caminho pelo qual o pecado avança,
ele era inexistente. Agressividade contra Deus era a única direção na qual tal ser
poderia pecar.

A natureza do primeiro pecado continua sendo um mistério, como este princípio


do mal encontrou acolhida em tal ser? Continuar com Deus como a sabedoria infinita
fazia parte da sanidade angélica. Afastar-se do bem foi insanidade angélica, mas um
tipo de insanidade responsável. O pecado não tem lugar na constituição e no status do
anjo que não caiu. Sua presença é ilegalidade e ausência de razão.

Tanto a filosofia como a teologia têm examinado o problema do primeiro pecado


e oferecem suas soluções. Sejam quais forem os vestígios de verdade que possam
sugerir, nenhum é suficiente. O pecado, sendo uma contradição da razão é uma coisa
irracional em si mesma, não está sujeito a razão. É bem possível que uma criatura
irracional acostumada à falta de santidade até simpatize com a insanidade que uma
outra criatura exibe, mas não é uma explicação que justifique o pecado dos anjos antes
da queda.

Tanto os anjos como o seres humanos foram criados para centralizarem-se em


Deus. Tornar-se egocentralizada é uma contradição a lei básica da existência da
criatura. A falsificação da ordem moral de Deus, quando egocentralizada , torna-se
completa. Também é uma violação do plano original relativo ao inter-relacionamento
entre os próprios seres finitos. O pecado não é só contra Deus, mas também contra
todos os outros seres criados.

O erro de um anjo antes da queda dá imediatamente lugar a duas importantes

49
CIDADE DE DEUS, Livro XI, pg. 33.
Angelologia - 58

perguntas teológicas, a saber: como pôde um Deus santo permitir que uma criatura
Sua pecasse? como pôde um anjo, antes da queda, sem a influência do mal, pecar?
Ao considerar a questão apresentada pela primeira destas perguntas, poderia se dizer
que, embora o assunto seja estranho ao comentário que está sendo desenvolvido, a
criação original de Deus foi declarada boa aos Seus santos olhos; que Ele, sendo
onisciente e sabendo que certos seres morais cometeriam erros, e findariam por cair,
mesmo assim os criou, mas, tanto no caso dos anjos como no caso dos homens, Ele
declara o fracasso moral daqueles que falharam e nunca de Si mesmo.

Quanto à segunda pergunta, podemos acrescentar o seguinte ao que já foi dito:


o mal moral é um fato definitivo no universo, fato esse que não pode ser explicado nem
atenuado. Quando buscamos em sua origem, como foi cometido pelo primeiro anjo
antes da queda, descobrimos que o pecado é um mistério, é irracional e
excessivamente mau.

O pecado não esta em Deus como também não esta em qualquer parte de Sua
criação original, pois foram criados em um estado de perfeição. Deus por sua
onisciência já previra tudo o que iria acontecer; mas o pecado não surgiu por sua
vontade, e sim pela vontade livre do pecador. Se o pecado tivesse originado-se das
mãos de Deus então tudo seria pecado, logo a criação não teria sido perfeita.

O pecado não é uma fraqueza iminente da criatura, pois nesse caso, todos
teriam falhado. O pecado não é uma coisa concomitante com a agência moral livre,
pois nesse caso todos os agentes morais deveriam falhar. Sobre este aspecto do
pecado Agostinho disse:

Se perguntássemos a causa da miséria dos anjos maus, ocorre-nos, e não sem


racionalidade, que eles são miseráveis porque abandonaram a Ele que é supremo e
que se voltariam para si mesmos que não têm tal essência. E este vício que outro nome
receberia alem do orgulho?... Se ainda perguntássemos qual foi a causa eficiente de
sua vontade má, não encontramos nada. Pois o que é que torna a vontade má a ação?
E, consequentemente, a vontade má é causa da ação má, mas nada constitui a causa
eficiente da vontade má...Quando a vontade abandona aquilo que está acima dela e se
volta para o que é inferior, torna-se má, não porque busca o que é mau, mas porque
essa busca é má. Portanto não foi uma coisa inferior que tornou a vontade má, mas ela
própria tornou-se má porque perversamente desejou uma coisa inferior50.
O pecado é uma ação da parte da criatura, que pela criação, foi planejada para
ser totalmente centralizada em Deus. Um caminho é cheio de angústia e leva à
perdição, o outro é de tranqüilidade e leva a vida eterna. Algo destas verdades deveria
ter sido compreendido pelos anjos, por isso o mistério do surgimento do pecado torna-
se ainda maior.

O mal no mundo não é um acidente, ou uma coisa que não tenha sido prevista
por Deus, Ele tem um projeto consumado no Calvário. O mal deve seguir o seu curso e
fazer a sua demonstração total para que possa ser julgado, não como uma teoria, mas
como uma realidade concreta. O mal deve continuar junto com o bem até que cada um
realize o seu fim determinado.

50
CIDADE DE DEUS, Livro XII. pg. 6
Angelologia - 59

APRENDIZADO PROGRESSIVO DOS ANJOS

As Escrituras revelam que os anjos estão aprendendo com a observação dos


homens na terra, especialmente na obra da redenção. A propósito, isto indica que os
anjos não são oniscientes. Contudo, não devemos concluir que os anjos sabem menos
que os homens. A declaração de Pedro: “cousas essas que anjos anelam perscrutar”
(1.12), revela o seu interesse na humanidade. É significativo que estas “coisas”
referem-se ao programa de Deus no primeiro e segundo advento de Cristo e o
evangelho da graça que esta sendo pregado no mundo.

A igreja na terra é uma revelação aos anjos da sabedoria de Deus (Ef. 3.10).
Pela revelação de Si mesmo em Cristo e pela instituição da igreja na terra glorifica a Si
mesmo diante dos anjos. Eles que até agora cheios de respeito, o louvam pela
maravilha da criação e vêem a Sua sabedoria glorificada em uma nova forma de
comunhão através do qual homens perdidos são salvos através da redenção de Cristo
Jesus.

Não há base para a crença de que a redenção mediante a morte de Cisto se


estenda aos anjos caídos (Mt. 25.41; Ap. 20.10). Os anjos eleitos foram beneficiados e
passaram a esferas mais elevadas do conhecimento, pois através da igreja podem
contemplar a sabedoria de Deus. A existência da igreja e a pregação do evangelho
condicionam o crescimento dos anjos em sabedoria espiritual.

A consumação final na segunda vinda afetará não apenas a posição relativa ao


conhecimento espiritual dos anjos, mas as Escrituras dão a entender que a
consumação final vai igualmente afetar a vida dos anjos.

Indiretamente pelo menos, eles participarão dos benefícios espirituais que a


igreja recebe em Cristo, tanto as coisas do céu quanto as da terra serão reunidas em
Cristo (Cl 1.15-21). Os anjos vão relacionar-se com Cristo de um modo pelo qual não
se relacionam com Ele agora, e que eles só entenderão na plenitude dos tempos. Mas,
embora a sua vida e conhecimento cheguem a um status mais elevado de perfeição
espiritual através da igreja, na glória final do reino, a posição e o ofício dos anjos
ficarão subordinados à autoridade e ao ofício dos santos.

OS ANJOS SÃO EXEMPLO PARA HUMANIDADE

Embora os anjos sejam mencionados em muitos trechos das Escrituras, não é


fácil formularmos a doutrina bíblica acerca dos anjos. Uma das razões porque é difícil
esta sistematização é porque a angelologia não se constitui o enfoque primário das
Escrituras.

Os contextos angelicais sempre tem Deus, ou Cristo, como seu ponto central. A
maioria dos aparecimentos de anjos é fugaz, sem ser provocada ou predita. Tais
manifestações confirmam verdades, mas nunca produzem por si mesmas. Quando os
anjos são mencionados, é sempre para informar-nos mais a respeito de Deus, o que
Ele faz, e como Ele o faz.

A ênfase primária da Bíblia, portanto, é o Salvador, e não os seus servos; o


Deus dos anjos e não os anjos de Deus. O estudo dos anjos é uma parte vital da
teologia, tendo valor tangencial e implicações para outros ensinamentos da Escritura. O
Angelologia - 60

estudo destes seres magníficos pode encorajar algumas das virtudes cristãs:

1. Humildade. Os anjos são seres que, apesar de habitarem junto ao trono de


Deus, servem continuamente aos cristãos de maneira invisível e, às vezes,
imperceptivelmente. São o mais puro exemplo de serviço humilde; buscam somente a
glória de Deus e o bem dos fiéis. Eles são uma lição prática de como deve e pode ser o
serviço cristão.

2. Confiança, segurança e serenidade. Nos tempos de desespero, os anjos


eleitos são exemplo de confiança em Deus. Sua atitude de fidelidade ao Senhor lhes
garantem a segurança eterna. Se os anjos sentem esta segurança imagine o que o
cristão deve sentir por conta daquilo que Deus fez for ele na cruz.

3. Responsabilidade cristã. Tanto Deus quanto os anjos estão presenciando


as ações ímpias dos cristãos (I Cor.4.9). Que motivação é para o cristão comportar-
se de modo digno!

4. Otimismo sadio. Desafiando o próprio maligno, os anjos eleitos escolheram


servir ao santo propósito de Deus. Seu exemplo, pois, torna plausível o serviço
dedicado a um Deus perfeito neste universo imperfeito. No futuro os anjos serão os
instrumentos do afastamento definitivo de todos os ímpios (Mt.13.41-42;49-50). Este
fato encoraja-nos a preservar em meio a todas as situações da vida.

5. Reverente temor. Os anjos mesmo sendo magnífico em poder demonstram


um reverente temor ao Senhor, isto deve servir de exemplo para todos nós.

6. A participação na história da salvação. Deus empregou anjos na história


sagrada, especialmente Miguel e Gabriel, para preparar o caminho para o Messias.
Posteriormente, anjos proclamaram e adoraram a Cristo. Compreendê-los devidamente
levará o cristão a envolver-se no serviço.

OS ANJOS E CRISTO

Os anjos estão à disposição de Deus e de Jesus. É marcante a presença dos


anjos na vida do Filho de Deus. Antes de nascer, já a concepção de Jesus é anunciada
por um anjo a José (Mt.1.20). O nascimento é anunciado por anjos aos pastores em
Belém (Lc.2.9-14). Um anjo salva Jesus de Herodes avisando a José para fugir para o
Egito (Mt.2.13). Um anjo anuncia a morte de Herodes e manda José com sua família
voltar a Israel (Mt.2.19). Na tentação de Jesus anjos serviram ao Senhor no deserto
(Mt.4.11). Um anjo confortou Jesus no Jardim das Oliveiras (Lc.22.43). O evento pascal
da ressurreição do Senhor é atestado pelos anjos. Anjos anunciaram as mulheres que
chegaram ao túmulo que Jesus ressuscitou (Mc.16.6). No evangelho de João, os anjos
se limitaram a perguntar a Maria Madalena a quem ela procurava, sem lhe dar resposta
(20.13). Foi um anjo quem rolou a pedra do túmulo para abri-lo (Mt.28.2). No dia da
ascensão, dois anjos explicaram aos apóstolos o que se passou com Jesus. Ele foi
subtraído da vista de seus discípulos e reaparecerá somente na Parousia (At.1.10).
Uma promessa enigmática de Cristo que parece relacionar-se à visão da escada de
Jacó afirma aos discípulos: "Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer
sobre o Filho do homem" (Jo.1.51). O sentido desta frase não é propriamente uma
promessa de uma visão de anjos, mas sua afirmação simbólica da união misteriosa de
Jesus com Deus. É Cristo que une o céu e a terra.
Angelologia - 61

A encarnação do verbo mostra que todo ato salutar de Deus é relativo ao verbo.
Por isso a Escritura não se delonga na descrição exterior das aparições angélicas. Mas
salienta a mensagem que devem anunciar aos homens, os anjos revelam-se pela sua
palavra como mensageiros celestes, como servidores do evangelho de Cristo.

Embora na kenosis Deus tenha encarnado, o Filho, “por breve tempo abaixo dos
anjos”, contudo esta mesma frase termina assim: “coroaste-o de glória e de honra e
sujeitaste a seus pés todas as coisas” (Hb. 2.7) e desta glória participam todos os
“irmãos” de Cristo (Hb. 2.11). Certamente o modo de ser dos anjos é superior ao dos
homens e só os ressuscitados e transfigurados “serão como os anjos” (Mt. 22.29). O
próprio ser dos anjos transborda o desejo de adorar constantemente o Filho de Deus,
por isso são santos. Contudo, o Filho não veio em socorro dos anjos e sim da raça
humana caída (Hb. 2.16).

Ainda que o Senhor, tenha conquistado completa vitória contra Satanás, este
não abandonou a luta, nem a esperança de sua vitória. Não sabemos quantas vezes o
próprio Satanás lutou com Jesus Cristo durante o seu ministério, nem sabemos tudo
quanto os anjos fizeram em seu favor.

O estudo desta importante doutrina, poderá portanto levar-nos a conhecer


melhor o nosso Salvador e Deus, por nos dar uma compreensão mais exata de seus
métodos de ação para com a humanidade; além disso, este estudo serve para lançar
luz sobre muitos trechos da Escritura, os quais, doutra maneira, permaneciam
obscuros, isto é, se não aceitássemos o que ensinavam as Escrituras acerca da
existência de multidões de seres espirituais.

Serve-nos de consolo e de explicação sobre um dos métodos através dos quais


Deus opera no mundo; por conseguinte, recusar ou até mesmo ignorar essa verdade
revelada na Escritura e dispensar o consolo e o conhecimento que Deus está no
controle de todas as situações. Isso não quer dizer que devamos procurar ver os anjos
a cada passo, este não é o propósito deles nem a vontade do Senhor. Ninguém será
salvo só por acreditar que anjos existem, nem ficará perdido só por descrer na sua
existência, Jesus foi quem morreu na cruz para remir-nos de nossos pecados, tendo
tomado sobre si mesmo o castigo merecido pelos nossos pecados e tendo
experimentado a morte que nós merecíamos. Uma coisa é certa, tudo quanto é de
Cristo, pertence agora aos eleitos e até mesmo os recursos celestiais como os anjos;
tudo quanto é de Cristo é para os remidos. Por isso, a glória do Senhor Jesus Cristo
consiste também em que os seus se interessem pela sua herança. Sobre parte desta
herança, o Dr. Donald D. Turner conta-nos uma parábola:

Uma jovem pobre trabalha muito para sustentar sua infeliz mãe que tem outros
filhos órfãos de pai. A jovem tem várias dívidas porque o seu pequeno salário não é
suficiente para cobrir as muitas despesas indispensáveis à família, e porque ninguém
quer dar-lhe mais crédito além do que tem. Não possui amigos que a ajudem e que lhe
emprestem um centavo sequer. Porém, passa pelo escritório, onde trabalha um
homem famoso e riquíssimo; enamora-se dela e se casam. No dia seguinte ao do
matrimônio a esposa sai à rua e os comerciantes procuram vender-lhe tudo quanto é
possível sem ao menos pedir-lhes o menor depósito. Fiando-lhe sem limites tudo
quanto ela desejar. Todos a saúdam; os melhores lugares lhe são abertos. Por que?
Porque agora o seu esposo e todos os seus recursos e créditos lhe pertencem também:
Angelologia - 62

os amigos e servos dele agora já são amigos e servos dela, de modo que devido à sua
união com o esposo ela encontra sua posição ao lado dele.51
Jesus Cristo tomou os nossos pecados e nos outorgou a sua justiça, seus
servos imediatamente começam a ministrar-nos. Os anjos são representados por Cristo
como um modelo do cumprimento exultante da vontade de Deus (Mt.6.10). Essa
doutrina também encarece a dignidade de Cristo, o qual é cabeça dos anjos; e
igualmente encarece a glória e a majestade da igreja, que os inclui (Ef.1.10; Fp.2.10;
Cl.1.16-20). Finalmente, em meio aos conflitos desta época presente, essa doutrina
constitui uma garantia para a consciência cristã de que a Igreja Triunfante não é um
ideal vazio, mas antes, é uma realidade presente, e que os cristãos já possuem os
direitos de sua cidadania celestial (Hb.12.22; Ef.1.21,23).

OS ANJOS E A IGREJA

Os anjos intervém na vida da igreja em função de algum evento especial. Um


anjo fez Felipe viajar com um intendente etíope para que ele o instruísse e o batizasse
(At.8.26-31). Por isso a epístola ao Hebreus (1.14) chama os anjos de espíritos
encarregados de um ministério, enviados a serviço para aqueles que devem herdar a
salvação.

Os anjos estão também presentes no serviço divino da comunidade cristã. O


culto da comunidade celebra-se em sintonia com o louvor dos anjos e com sua alegria
escatológica. Conforme Ap.5.8 e 8.3, os anjos levam a Deus as orações dos cristãos. A
igreja terrena, com seu culto está sempre a caminho para a Jerusalém celeste,
continuamente se aproxima das "miríades de anjos, da assembléia festiva dos
primeiros inscritos no céu ..." (Hb.12.22). a liturgia celeste conforme Apocalipse é um
modelo que a liturgia terrestre procura imitar. A exultação é resultante da penetração
refulgente da presença de Deus em Cristo, é canto de Sua salvação, é característica
tanto da comunidade primitiva (At.2.46), como da comunidade celeste (Ap.11.7).

Visto que os anjos se ocupam em ministrar em favor dos cristãos, um anjo


dirigiu-se ao autor de Apocalipse e apresentou-se como conservo (Syndoulos) seu e de
todos os que crêem em Cristo (Ap.19.10; 22.9). Para os anjos é uma alegria
contemplar a salvação dada por Deus aos homens (I Pd.1.12; Ef.3.10).

Os anjos se alegram com a perseverança dos justos e a conversão dos


pecadores (Lc.15.7,10). Mateus relata uma palavra de Jesus dizendo que os
"pequeninos" tem "seus anjos" no céu, onde contemplam "todo tempo a face de Deus"
(18.10). "Pequenos" () designa talvez nesse contexto não as crianças, mas os
homens "simples", os "fracos", os "desprezados" e os "pobres".

Um episódio dos Atos dos apóstolos mostra como se representavam então a


união entre um homem e seu anjo: Pedro libertado miraculosamente da prisão dirige-se
à casa onde esta reunida a comunidade. As pessoas presentes na casa pensam que
não é Pedro que esta batendo a porta, mas seu anjo (At.12.15).

Em I Cor.l1.10, Paulo pede que as mulheres, quando estiverem reunidas na


comunidade, que cubram a cabeça "por causa dos anjos". Paulo considera os anjos
como guardiães da ordem entre os homens e não toleram que ela seja desrespeitada.
51
A Doutrina dos Anjos e do Homem. p. 51
Angelologia - 63

O serviço dos anjos a Cristo torna-se serviço aos homens que anunciam a
Cristo, está por conseguinte ordenado e subordinado o serviço dos anjos a igreja e a
sua proclamação.

CONCLUSÃO

A busca por anjos não é novidade, a história comprova que ela sempre existiu.
Provar a existência dos anjos é algo que foge ao alcance da humanidade. A Escritura
Sagrada é quem nos ajuda nesta busca, porém, é lógico que a mesma não trata a
angelologia na mesma intensidade como trata a cristologia. Não é este o seu propósito.
Mas, a escritura fornece informações sobre os anjos, e pode responder às questões
levantadas sobre os anjos pela sociedade. Esta doutrina atesta a existência de um
mundo espiritual; Fortalece a nossa fé quanto a providência divina; Ensina-nos
humildade.

Ao estudarmos este assunto temos a possibilidade de conhecermos melhor


nosso inimigo, sabermos também os recursos que estão a nossa disposição e que
Deus fortalece o Seu povo e os livra das tribulações.

Estas questões são uma alerta para a igreja, seu povo deve receber um devido
preparo para saber discernir as distorções que surgem. Não podemos vencer estas
distorções fugindo delas, a igreja tem de estar ciente da grande responsabilidade que
tem em suas mãos para mostrar o real valor dos anjos e sua função entre nós.

Infelizmente a igreja não tem valorizado a angelologia, pois é muito raro


ouvirmos um sermão sobre o assunto, e os livros a respeito são poucos. Tudo isso
dificulta a pesquisa. No entanto esperamos que este trabalho venha a servir de alerta
para a igreja, e a contribuir para futuras considerações.

ATIVIDADE

1. Forneças detalhes sobre o assunto anjo em nossos dias. P4

2. Como a igreja vinha tratando a questão dos anjos? P4

3. Fale sobre o conceito popular dos anjos. P8

4. Faça um comentário com citação de fatos segundo o que está exposto no


capítulo sobre a angelologia na mesopotâmia. P10

5. Explique a angelologia no judaísmo. P18


Angelologia - 64

6. Qual é o pensamento dos gnosticos sobre os anjos? P23

7. Qual é o conceito de angelologia na modenidade? P25

8. Comente a existência dos anjos citando versos bíblicos. P27

9. Detalhe a definição de anjo. P29

10. Descreva a origem dos anjos. P30

11. Analise e descreva a personalidade dos anjos. P31

12. Determine comentando o poder dos anjos. P32

13. Estabeleça a hierarquia dos anjos; p34

14. Comente sobre o anjo do Senhor. P36

15. que são anjos governadores? P37

16. Qual é a função dos serafins? P39

17. Faça um comentário do estado natural de satanás. P42

18. Explique o trabalho de satanás contra os santos no antigo e novo


testamento. P47

19. Qual é a importância do estudo dos anjos para a igreja? P50

20. Estabeleça o relacionamento entre Cristo e os Anjos e a Igreja e os Anjos.


P54/56

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