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Professora Ana Paula Correia de Souza

Direito Processual Penal I

EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SISTEMAS DO PROCESSO PENAL

Antes de tratar da história do Direito Processual Penal, faz-se necessário fazer


uma breve explanação acerca da história da pena, visto que o processo penal é o caminho
necessário para se alcançar a pena.
A ideia de pena nasceu na época primitiva, em que a pena estava ligada ao
sentimento de vingança. A organização jurídica começou a surgir quando o homem
primitivo, que já procurava viver em sociedade, pois fora dela se sentia desprotegido,
passou a adotar o chamado vínculo de sangue, em que vigorava a tutela recíproca entre
os membros de uma mesma sociedade com membros de uma descendência comum. Daí
surgiu a ideia de vingança de sangue, em que os membros de uma determinada família,
clã ou tribo teriam o dever sagrado de matar um membro de uma outra “comunidade” se
um de seus companheiros tivesse sido morto.
A vingança não encontrava limites e com isso, muitas vezes, delitos leves
eram reprimidos severa e desproporcionalmente. Outras vezes, em razão do poderio e da
influência do infrator, a consequência era a impunidade.
Com o surgimento do Estado, representado inicialmente pelas religiões,
começaram a surgir regras de Direito Penal com conotação de divindade, cujas penas
variavam desde a expulsão à eliminação do transgressor, sacrifício que se oferecia aos
deuses.
A ideia de vingança foi dando lugar às penas públicas na medida em que foi
sendo reconhecida a autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar
em nome dos súditos.
No Direito Romano os crimes eram divididos em Delitos Públicos -
praticados contra a segurança da cidade e o parricídio, em Delitos Privados - praticados
contra particulares.
Assim, ao se tratar naquela época de um delito privado o estado era o árbitro
para solucionar o eventual litígio, que através das provas colhidas e apresentadas pelas
próprias partes chegava-se a uma decisão. A função do Estado era apenas de árbitro,
onde se prestigiava a conciliação entre as partes e a penalidade era aplicada apenas em
último caso.
No processo penal público, ocorreu a época uma evolução, ao contrário do
privado, que este último foi abandonado quase que totalmente.
A evolução do processo penal em Roma foi ainda maior quando o condenado
passou a ter a chance de recorrer perante o povo em comício (provocatio ad populum),
no qual anteriormente o acusado não detinha nenhuma garantia a sua defesa.
Assim na exposição do renomado doutrinador Fernando da Costa Tourinho
Filho tem-se o seguinte acerca do assunto:
Processo Penal Público, em Roma, fases interessantes. No começo da
Monarquia não havia nenhuma limitação ao poder de julgar. Bastava a notitia
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criminis para que o próprio Magistrado se pusesse em campo, a fim de proceder
às necessárias investigações. Essa fase preliminar chamava-se inquisitivo.
Após as investigações, o Magistrado impunha a pena. Prescindia-se da
acusação. Nenhuma garantia era dada ao acusado. Não havia limites ao arbítrio
dos Juízes. Era o processo denominado cognitivo.

Para moderar o arbítrio do Juiz, surgiu a provocatio ad populum, com intenso


colorido de apelação. O condenado tinha a faculdade de recorrer da decisão para o povo
reunido em comício.
No último século da República surge em Roma uma nova forma de
procedimento: a acusatio, ficando a administração da justiça a cargo de um tribunal
popular; composto inicialmente por senadores e, depois, por cidadãos.
Ao longo do tempo a acusatio, cedeu lugar a outra forma de sistema que
ficava a cargo do senado e depois do imperador.
Nesse procedimento cita-se a obra do renomado doutrinado Júlio Fabbrini
Mirabete, que assim o explica:
Os poderes do Magistrado, diz Manzini, foram invadindo a esfera de
atribuições já reservadas ao acusador privado a tal extremo que, em
determinada época, se reunia no mesmo órgão do Estado (magistrado) as
funções que hoje competem ao Ministério Público e ao Juiz?

Este tipo de sistema pode-se visualizar sob a ótica de ser a base primordial
que consagrou o sistema inquisitivo.

No processo penal germânico também ocorreu a distinção entre os crimes


privados e públicos, no qual, para os crimes públicos, o processo era administrado pelo
rei, príncipe, duque ou conde, através de uma Assembleia, para este tipo de procedimento
incumbia o ônus da prova ao réu, que através de sua defesa deveria provar sua inocência.
A aplicação da sanção era severa e nenhuma garantia era dada ao acusado, ficando a
punição a cargo do julgador.
Nos Delitos Privados, os crimes eram punidos com a Vingança Privada e,
mais tarde, pela Composição. A chamada vingança privada encontrou limites na Lei de
Talião, (olho por olho e dente por dente), impondo limites à reação do ofendido,
evoluindo posteriormente para a composição dos danos como forma de reparação do dano
e de despenalização, vez que em alguns crimes a vítima não objetiva a prisão do infrator,
mas desejava ser apenas ressarcida dos danos causados.
As principais provas eram os ordálios, ou Juízos de Deus, e o juramento. O
acusado jurava não ter praticado o crime de que era processado, e tal juramento podia ser
fortalecido pelos Juízes, os quais declaravam sob juramento que o acusado era incapaz de
afirmar uma falsidade. Essa prova do juramento baseava-se na crença de que Deus,
conhecendo o passado, pode castigar aquele que jura falsamente.

★VOCÊ SABIA?
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A ordália ou “juízo de Deus” nada mais era do que punições


corporais impostas aos acusados pelos juízes (água fervente, ferro
em brasa, fogo, água envenenada...), caso em que, se o acusado
sobrevivesse, significaria que Deus o absolveu de seus pecados,
sendo, em razão disso, perdoado pela justiça humana.
— Provação pelo fogo: O acusado deveria andar de três a nove passos
segurando um ferro em brasa. Suas mãos eram enfaixadas e as pessoas
esperavam três dias. Ao retirar as ataduras, se a ferida estivesse sarando,
a pessoa era considerada inocente. Se a ferida apresentasse inflamação
ou pouco avanço na recuperação dos ferimentos, a pessoa era
considerada culpada.
— Provação pela água quente: Bem parecida com a provação pelo fogo,
esta ordália consistia em fazer a pessoa acusada mergulhar a mão em
um caldeirão de água fervente. Mesmo raciocínio da cura indicando
culpa ou inocência.
— Provação da cruz: Duas pessoas ficavam frente a frente com os
braços estendidos, tal qual Jesus na cruz. O que primeiro baixasse os
braços era considerado culpado. Esta ordália em especial foi proibida
pelo rei Luis I, o Pio, filho de Carlos Magno, pois ele considerava a
prática uma blasfêmia a Jesus.
— Provação pela água gelada: A pessoa ficava imersa, provavelmente
só com a cabeça para fora de um lago com águas congelantes durante
um certo tempo. Se saísse dali sem estar sofrendo muito com o frio,
estava livre da acusação. Isso quando a pessoa não morria tentando
provar a inocência! Uma variação da ordália fazia a pessoa ser amarrada
e jogada em qualquer rio ou lago. Se ela boiasse, era culpada, já que
segundo os acusadores, a água não receberia um corpo impuro, sujo
com um crime.

A prática das ordálias caiu em desuso com a chegada da época conhecida


como Baixa Idade Média, por volta do ano 1100. Gradativamente as regiões que tinham
este costume deixaram de lado as ordálias, substituindo por outros métodos de julgamento
um pouco mais racionais e menos desumanos.

O Direito Canônico, ou Direito Penal da Igreja, apareceu na história para


defender os interesses da igreja, até o século XII, era do tipo acusatório, sendo assim, não
haveria um juízo sem acusação. Quem acusava devia apresentar aos Bispos, Arcebispos
ou Oficiais a acusação por escrito, juntamente com as devidas provas colhidas no trâmite
da instrução, sendo que não era permitido a época punir o acusado ausente.
Passados um século após a chegada do processo penal acusatório, este foi
deixado de lado pela jurisdição eclesiástica, dando lugar ao processo inquisitivo, como
bem remonta tal situação o autor Fernando da Costa Tourinho Filho:
Do século XIII em diante, desprezou-se o sistema
acusatório, estabelecendo-se o ‘inquisitivo’. Muito embora
Inocêncio III houvesse consagrado o princípio de que
Tribus modis processi possit: per accusationem, per
denuntiationem et per inquisitionem, o certo é que somente
as denúncias anônimas e a inquisição se generalizavam,
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culminando o processo inquisitivo, per inquisitionem, por


tornar-se comum.
Com o sistema inquisitivo em prática, foram tomadas medidas drásticas
acerca do processo penal naquela época, uma vez que foram abolidas a acusação nos
crimes que tratava de ação penal pública, também abolido foi a publicidade do processo,
no qual o magistrado procedia ex officio em segredo, também secretamente eram
procedidos os depoimentos das testemunhas, bem como o interrogatório do acusado, este
era realizado mediante torturas. A tortura só cessava quando o imputado expresse a
vontade de confessar. Se confessa durante os tormentos e, para que a confissão seja válida,
deve ser confirmada no dia seguinte.
Percebe-se que nenhuma garantia era protegida ao acusado. Através de
denúncia anônima iniciava-se o processo, da mesma forma não permitia qualquer tipo de
defesa pelo acusado, sob a alegação de que esta poderia criar obstáculos na descoberta da
verdade. O Santo Ofício (Tribunal da Inquisição), instituído para reprimir a heresia, o
sortilégio etc., era por demais temido.
Observa-se que até a Idade Média, a pena privativa de liberdade só tinha o
caráter de custódia, pois as penas propriamente ditas eram, na maioria das vezes, bárbaras.
Com a adoção do inquisitivo pela jurisdição eclesiástica, foi-se dominando
tal procedimento pela Europa continental, por países com legislações laica, como explica
Fernando da Costa Tourinho Filho:
O sistema inquisitivo, estabelecido pelos canonistas, pouco a pouco
dominava as legislações laicas da Europa continental, por países com
legislação laica, convertendo-se em verdadeiro instrumento de
dominação política.
A Itália foi um dos países que adotou o sistema inquisitivo, tanto é que
até os dias atuais pode-se encontrar esculturas em forma de leão, com
sua boca aberta, as bocas da verdade (Boccas della Verità) destinadas a
receber as denúncias secretas dos alcagüetes e digiti duri.
Na Espanha, vigorou o Código chamado Libro de lãs leyes, mais
conhecido com o nome de Lãs Siete Partidas.
Outro país que adotou o sistema inquisitivo foi a Alemanha, criando
várias leis, na qual a mais importante foi a Lei Imperial de 1503,
conhecida como Constitutio Criminalis Carolina, tal lei foi instituída
para punir os delitos contra a religião, a paz pública e a honra. Eram
secretos o lugar e a forma do processo. Não se conheciam o acusador,
os Juízes e até mesmo a sentença.
Na França, o sistema inquisitivo também foi adotado, no qual era
proibido a defesa pelo acusado. O Processo também corria em segredo,
no qual se o acusado era considerado inocente não precisava abdicar de
um defensor, no entanto se considerado culpado, ele era indigno de
defesa.

O processo iniciava-se de ofício. Acusador e julgador eram uma só pessoa.


Torturava-se o imputado para conseguir-lhe a confissão. O processo penal era totalmente
inquisitivo, no qual era escrito, secreto e não contraditório e era composto de três fases:
- A primeira, que a fase das informações, restringia-se às averiguações, à
colheita de provas. Tais averiguações eram realizadas secretamente;
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- A segunda, que era a da instrução preparatória;


- A última, a do julgamento.
As fases que tratam esse tipo de sistema inquisitivo eram presididas e
instruídas por um magistrado, no qual este podia também exercer o papel de acusador,
acerca de tal procedimento, o interrogatório do acusado era realizado secretamente e
sempre precedido de juramento.
O acusado até a fase do interrogatório desconhecia acerca das provas
apuradas em seu desfavor, e o magistrado, verificando que o crime que apurava-se era de
pouca relevância, nesse casos então ele (magistrado) atribuía-lhe as regras do Processo
Civil, no entanto se grave fosse o crime cometido pelo acusado, seguia o rito do processo
extraordinário, sendo assim a instrução daria lugar ao princípios do processo inquisitivo.
Desta forma, renomado doutrinador, Fernando da Costa Tourinho Filho,
remonta como realizava-se o sistema inquisitivo:
Renovam-se os depoimentos, precedidos de juramento, na ausência do
acusado. Interrogava-se o réu, a quem o Juiz impunha a obrigação de
prestar juramento. Faziam-se as acareações. (...) Os resultados das
investigações e da instrução formavam os cahiers du procés, os autos
do processo. O julgamento era realizado ante um tribunal formado do
lieutenant criminel e de seus assessores. O processo, lido na ausência
do réu. Um relator, que podia ser o próprio lieutenant, expunha ao
tribunal os resultados da instrução. Antes de ser julgado, o acusado era
novamente interrogado, sem a presença do Defensor. Caso só
existissem presunções e indícios graves, completava-se a prova com a
tortura, cuja finalidade era obter a melhor das provas: a confissão…

Na medida em que o sistema inquisitivo tomava conta dos processos em toda


Europa Continental, na Inglaterra após o IV Concílio de Latrão, que fez com que deixasse
de existir os “Juízos de Deus”, passando a tratar o acusado como um gentleman, sendo
que nesse país dominou-se a instituição do júri, deixando a cargo do povo sua persecução.
Na Inglaterra, portanto, havia o grande Júri e o pequeno Júri. Assim, quando
acontecesse um crime, o acusador no uso de suas atribuições abdicava do justice of peace,
ordem de detenção, ou citação do acusado. Sob a ótica do magistrado verificava-se se a
acusação tinha fundamento, em caso positivo o mesmo emitia um warrant contra o réu.
Conforme explicação do doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho, “o
grande Júri (composto de vinte e três membros) ou Júri de acusação manifestava-se, tão
somente, sobre a procedência da acusação”.
A votação se sucedia por maioria absoluta, no qual se o grande júri entendia
que a acusação se dava por procedente, era o acusado levado ao Juiz presidente do
pequeno Júri, para que este, perguntasse ao réu se o mesmo era culpado ou inocente.
Se o acusado confessasse o crime, a ele era imputado a pena, no entanto, se
negado, o pequeno Júri se reunia, composto de doze jurados, para a matéria ser debatida
e ao final o Juiz fazia um resumo, e os jurados proferiam o veredicto.
A pena capital começou a ser questionada, pois não demonstrava ser um
instrumento eficaz diante do aumento da criminalidade.
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★ A colaboração da Igreja neste ponto da história é significativa, pois


deve-se a Igreja a introdução no Direito da chamada pena de reclusão
(onde os religiosos ao se verem diante do pecado, recolhiam-se a uma
cela para purificar seus pecados e ficavam reclusos em penitência).

No século XVIII, surgiu um movimento de abolição do sistema inquisitivo,


formado por ideias revolucionárias do Iluminismo, nos quais cita-se Monstesquieu, que
condenava as torturas, Beccaria que defendia o direito de punir dentro dos limites da
justiça, Voltarie que censurou a Ordonnance de Luiz XIV, no qual tal lei parecia conduzir
o magistrado a ser inimigo do acusado.
Desta forma, com a pressão e o combate ao sistema inquisitivo, vários foram
as jurisdições que passaram a abolir as torturas. Assim, com a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, em 26/08/1789, as ideias revolucionárias do Iluminismo foram de
fato aceitas.
O Processo Penal pós-Revolução Francesa sofre modificações, adotando
um inquisitivo e acusatório, chamado de misto. No que tange a esse sistema inovador à
época, o mesmo trouxe consigo três fases:
- A da Polícia Judiciária;
- A da instrução e
- A do julgamento
Acerca da instrução preparatória, os princípios do sistema inquisitivo eram
ainda aceitos neste tipo de processo penal. O processo, dirigido por um Magistrado,
desenvolvia-se por escrito, secretamente e sem ser contraditório. A defesa era nula
durante a instrução preparatória. Na sessão de julgamento tornava-se acusatório o
processo: oral, público e contraditório.
No século XIX, vem à tona um novo movimento no sentido de abolir o
sistema inquisitivo da fase instrutória, restou inexitosa tal pretensão, no entanto foi-se
permitido a intervenção da defesa, demonstrando dessa forma, que não demoraria muito
tal sistema seria abolido da fase instrutória.

PROCESSO PENAL BRASILEIRO:


Com a vinda da Família Real em 1808, as leis passaram a ser editadas no
Brasil e se comutavam as penas. A igreja foi uma poderosa instituição e seu representante,
Papa Inocêncio II, elaborou formas para o início do procedimento criminal. Em 1822
ocorreu a independência do Brasil, a partir de então, houve a possibilidade do país formar
ordenamento penal e processual penal próprio.
Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição Brasileira, poder moderador,
a qual dispunha com precisão o Princípio da Legalidade: “nenhum cidadão pode ser
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (Artigo 5º
inciso II da CF). Vale dizer que em 1830 houve a edição do Código Criminal, que veio
solucionar a definição de tipos penais e algumas normas proibindo certas condutas. Em
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1832, foi instituído o primeiro Código de Processo Criminal de Primeira Instância, o qual
foi liberal e oferecia muitas garantias de defesa aos acusados.
A Constituição Federal Republicana de 1891 aboliu a pena de morte, salvo
em caso de guerra.
A legislação processual penal foi unificada com a Carta de 1934.
Fruto da revogação da Constituição de 1934, Getúlio Vargas inaugurou a fase
do "Estado Novo", implementando o regime autocrático, no qual concentrava-se os
Poderes Executivos e Legislativos nas mãos do Presidente da República. Nesse cenário,
foi outorgada a Constituição de 1937, conhecida como Constituição Polaca. Nessa
Constituição foi restaurada a possibilidade da pena de morte.
Com o advento da Carta Constitucional de 1937, providenciou-se a
promulgação do atual Código de Processo Penal.
No ápice da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), surge o Código de
Processo Penal, Decreto Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, vigente atualmente, o qual
manteve o inquérito policial e o procedimento escrito. O Código foi criado por Getúlio
Vargas durante o período do Estado Novo. Tinha como princípio da culpabilidade,
priorizava-se a segurança pública. A redação original ressalta a questão de reforçar os
poderes dos agentes policiais e a ampliação da liberdade probatória do juiz. O
interrogatório do réu era realizado como meio de prova e não como meio de defesa.
Quando o acusado fosse falar no seu depoimento era prova contra ele e se o indivíduo
ficasse em silêncio era considerado culpado. A redação original, entretanto, traz
características de preceitos fascistas.
Em 1946, após o fim da 2° Guerra Mundial e o fim do Estado Novo, foi
promulgada uma nova Constituição, na qual voltou a ser proibidas as penas de morte.
Após o Golpe de 1964, o Governo Militar, inspirado na Constituição de 1937,
outorgou uma nova Constituição (1967), restando evidenciada a preocupação
fundamental com a segurança nacional e concentração de poderes nas mãos da União e
do Presidente da República. Além disso, destaca-se a inclusão da censura como uma das
atribuições da Polícia Federal.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, que redemocratizou o país, atribuiu
ao Ministério Público a exclusividade de exercício da ação penal pública, instrumento
utilizado pelo Ministério Público para postular ao Estado a aplicação de uma sanção
decorrente de uma infração penal. A ação penal objetiva a aplicação da lei, ou seja, é o
direito de evocar-se o poder judiciário para a aplicação do direito.
O instrumento por meio do qual se concretiza e se pode exercer o poder-dever
punitivo (jus puniendi) é o processo penal, cujo titular exclusivo é o Estado. Sem limites
procedimentais claros e definidos, a realização prática do Direito Penal é desordenada e
fonte inesgotável de injustiças.

Jus puniendi ≠ Jus persequendi in judicio. O primeiro diz respeito


ao poder-dever de punir, o qual é exclusivo do Estado. O segundo diz
respeito ao direito de ajuizar a ação, pedir instauração e seguir com o
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processo, o qual é outorgado pelo Estado ao particular, como nos casos
de ações penais privadas.

Em regra:

Estado detentor
do jus puniendi,
por meio de um
terceiro
imparcial (juiz)

DEVIDO
PROCESSO

Estado como Investigado ou


detentor do acusado, como
direito de ação, detentor do direito
atuando por de ver preservada
meio do sua liberdade e
Ministério integridade moral.
Público

Existe uma relação imprescindível entre o delito, o processo e a pena, de


modo que são complementares. A pena é um efeito jurídico do delito e do processo,
consequentemente. No entanto, o processo não pode ser considerado como um efeito
jurídico da pena, visto que o processo surge da necessidade de impor uma pena ao delito
por meio de normas preestabelecidas.

PROCESSO
DELITO PENA
Completo e efetivo*

*Se o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, sursis) ou


se não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena.

Conforme demonstrado acima, os sistemas processuais são reflexos da


resposta do Processo Penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época.
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Doutrinariamente, três são as espécies de sistemas processuais detectados:


Sistema Inquisitório, Sistema Acusatório e Sistema Misto.

Sistema acusatório Sistema inquisitivo


Remonta ao Direito Grego, em que o povo Surgiu pela insatisfação com a inatividade
participava diretamente no exercício da das partes no sistema acusatório, ante a
acusação e como julgador; visão de que a persecução criminal não
poderia ser exercida por particulares;
Predominou até o século XII; Prevaleceu com plenitude até o final do
século XVIII, na maioria dos países;
Iniciativa probatória nas mãos das partes Iniciativa probatória nas mãos do juiz
(princípio acusatório ou dispositivo); (ativismo judicial = princípio inquisitivo);
Distinção clara das funções de acusar e Ausência de separação das funções de
julgar (durante todo o processo); acusar e julgar (concentração nas mãos do
juiz);
Observância do princípio da demanda ou Inobservância do princípio da demanda ou
inércia judicial (ne procedat iudex ex inércia judicial;
officio);
Juiz imparcial; Juiz parcial;
Aplicação do princípio do contraditório; Inexistência do contraditório pleno;
Paridade de armas e oportunidades entre Desigualdade de armas e oportunidades
as partes; entre as partes;
Procedimento regido pela publicidade e Procedimento escrito e secreto;
oralidade;
Aplicação do princípio do livre Aplicação do sistema de prova tarifada,
convencimento motivado (nenhuma prova com a preponderância da confissão do
tem maior valor que as outras); acusado*;
Excepcionalidade da prisão cautelar; Prisão cautelar é regra;
Coisa julgada e duplo grau de jurisdição. Ausência de coisa julgada e restrição ao
duplo grau de jurisdição.

* ★VOCÊ SABIA?
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Existiam 5 formas de torturas, e o suspeito tinha o “direito” a que
somente se praticasse um tipo de tortura por dia. Se em 15 dias o
acusado não confessasse, era considerado como “suficientemente”
torturado e era liberado. Poucos conseguiam resistir aos 15 dias. Em
alguns casos, a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas.

Com a Revolução Francesa surgiram novos postulados de valorização do homem


e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiram no processo penal de
forma paulatina.

Com o fracasso da inquisição, o modelo acusatório volta de forma gradual,


mantendo, dessa vez, o Estado como titular absoluto do poder de penar. Constatou-se a
necessidade de dividir o processo em 2 fases (pré-processual e processual propriamente
dita) e direcionar as funções de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nasce então
o Ministério Público.

Diante dessa nova visão, surge o sistema misto. O primeiro ordenamento


jurídico que adotou esse sistema foi o francês (1808), difundindo, posteriormente, a ideia
de cisão das fases de investigação e juízo para todo o mundo e na atualidade.

O sistema misto constitui-se pela junção do modelo inquisitivo e acusatório,


tornando-se, assim, eminentemente bifásico. Compõe-se de uma primeira fase,
inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não contraditória,
e uma segunda fase, acusatória, informada pelos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa.

Parte da doutrina brasileira (Guilherme Nucci; Tornaghi; Mougenot;


Denílson Feitosa; Edilson Bonfim) entendia, antes da entrada em vigor do Pacote
Anticrime (Lei nº 13.964/19), que vigorava o sistema misto (inquisitivo-acusatório;
inquisitivo garantista, acusatório mitigado, acusatório formal ou sistema francês) no
direito pátrio, levando em consideração das fases procedimentais aplicadas no processo
penal brasileiro, a saber:

1ª) Instrução preliminar: fase pré-processual materializada no inquérito


policial, cuja atribuição é da polícia judiciária, o qual é destituído de contraditório,
publicidade e defesa.
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2ª) Judicial: Partes (acusação, defesa e julgador) com atividades bem


definidas e observância do princípio do contraditório, ampla defesa e publicidade e
processo presidido pela autoridade judicial.

Entretanto, tal entendimento não era pacificado.

No que se refere à fase investigativa, Pacelli criticava o posicionamento que


entende pela adoção do sistema misto no ordenamento jurídico brasileiro, por entender
que a definição de um sistema processual há de se limitar ao exame do processo, e o
inquérito policial não é um processo, mas um procedimento administrativo.

Além desta crítica, Paulo Rangel, por exemplo, entende que hodiernamente,
o sistema processual penal brasileiro é acusatório, “pois a função de acusar foi entregue,
privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao
particular.” (2013, p. 50). Ele ressalta ainda que tal sistema adotado no ordenamento
jurídico brasileiro não é puro em sua essência, pois o inquérito policial regido pela
inquisitoriedade, integra os autos do processo, além de outros dispositivos na legislação
vigente que vão de encontro com o princípio acusatório.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores e a doutrina majoritária (Afrânio


Silva Jardim; Luiz Flávio Gomes; Fernando Capez; Renato Marcão; Mirabette; Tourinho;
Scarance; Pacelli; Badaró) entendiam que o ordenamento jurídico brasileiro acolhia o
sistema acusatório, ainda que não seja puro, segundo o qual há a separação das funções
de acusar, defender e julgar.

A corrente majoritária afirmava que é necessário que o Código de Processo


Penal brasileiro seja interpretado à luz da Constituição Federal de 1988, estando a
concepção de sistema acusatório intimamente ligada a determinados princípios,
principalmente o princípio da imparcialidade e do contraditório, para que o acusado seja
sujeito de direitos na ordem jurídica.

No entanto, outros doutrinadores (Aury Lopes Jr. e Jacinto Coutinho) pelo


fato de a legislação brasileira apresentar dispositivos que atribuem poderes instrutórios
ao juiz (arts. 310; 242; 127; 209; 196; 156, inc. I e II; 385; 383, do CPP), estando a gestão
da prova nas mãos do juiz, defendiam que o sistema processual penal brasileiro não seria
misto e muito menos acusatório, mas sim essencialmente inquisitivo (ou neoinquisitório).
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Quanto a esse argumento, a corrente que sustenta que o sistema processual


brasileiro é acusatório o rebate, afirmando que o juiz poderia produzir prova de ofício em
razão do princípio da busca pela verdade, evitando, assim, julgamentos injustos. No
entanto, dentre os estudiosos adeptos dessa corrente, Pacelli e Badaró defendem que
possibilidade de realização de diligências de ofício pelo juiz fica restrita à fase judicial e
de maneira complementar/residual, conforme pode ser percebido no parágrafo único do
artigo 212/CPP. Veja-se:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à


testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição
de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição.

Já o doutrinador Geraldo Prado, discorda, inclusive, dessa possibilidade, por


entender que o sistema processual brasileiro seria acusatório puro e, por isso, o juiz não
poderia produzir prova alguma de ofício, independentemente de ser na fase investigatória
ou na fase judicial.

Com a entrada em vigor da Lei n° 13.964/19, foi incluído ao CPP vários


dispositivos legais com inovações importantíssimas e dentre eles está o artigo 3-A que
dispõe o seguinte:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a


iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
Observe que o citado artigo deixa claro que o sistema processual adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro é o sistema acusatório.

No entanto, em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do Supremo


Tribunal Federal (STF), suspendeu por tempo indeterminado a eficácia do dispositivo em
comento. Esta decisão cautelar foi proferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305.

Com essa decisão, a discussão ressurgiu, pois os dispositivos legais que


permitiam a atuação probatória do magistrado continuavam vigorando.

Em agosto de 2023, as ADIs foram julgadas e, na oportunidade, o entendeu


entendendo, por maioria, pela atribuição da “interpretação conforme ao art. 3º-A do
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, pontualmente, nos
limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências
suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento
do mérito".

Em resumo, o STF firmou o entendimento de que o sistema processual


brasileiro é o acusatório, mas o juiz continua podendo determinar de ofício a produção de
provas para dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento. Sendo assim, pode-
se concluir que, segundo o STF, os artigos 156 e 209 do CPP continuam em vigor.

MAPAS MENTAIS

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