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ARTES VISUAIS, HISTÓRIA E

SOCIEDADE
AULA 2

Profª Danielly Dias Sandy


CONVERSA INICIAL

O presente texto apresenta um recorte local e temporal da história da arte,


tendo início com a Arte Românica, passando pela Arte Gótica e chegando à arte
do Renascimento na Europa. Após isso, é dada especial atenção a alguns dos
artistas que marcaram o último período citado, evidenciando primeiramente
alguns artistas do Renascimento italiano para, em seguida, citar alguns dos do
Renascimento alemão e dos Países Baixos. Assim, os conteúdos estão
organizados da seguinte forma:

• 1. A arte românica;
• 2. A arte gótica;
• 3. O Renascimento;
• 4. Artistas do Renascimento italiano;
• 5. Artistas do Renascimento alemão e dos Países Baixos.

A arte na Idade Média e início da Idade Moderna

O período da Idade Média, também conhecido como Idade das Trevas,


durou cerca de 1000 anos, tendo seu início no século V e seu término no início
da Idade Moderna, no século XV. Durante esse tempo, a arte passou por
algumas modificações, no entanto, preservou-se em seu caráter e
especificidades. Esse período veio após a era cristã primitiva, a qual sucedeu a
queda do Império Romano (Gombrich, 1999).
A Idade Média abarcou diferentes declinações estéticas com suas
especificidades, a depender da localização; no entanto, fatores religiosos, bem
como questões estilísticas cristãs, estiveram presentes em todo momento. Há
três estilos componentes da Idade Média mais marcantes: o Bizantino, o
Romano e o Gótico.
Sendo assim, podemos citar primeiramente a arte Carolíngia que se refere
ao período do reinado de Carlos Magno, durante os anos de 768 a 814, como
Imperador do Ocidente. Carlos Magno trabalhou na divulgação do cristianismo e
também foi um grande patrono das artes de seu tempo. Embora seu Império não
tenha perdurado, destacamos que, “em contraste, as realizações culturais de
seu reinado revelaram-se muito mais duradouras” (Janson; Janson, 1996, p.
107).

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Sob seu reinado, Carlos Magno demonstrou interesse em preservar a arte
e a cultura romanas, com a intenção de restaurar a antiga civilização. E conforme
ainda apontam Janson e Janson (1996, p. 107), Carlos Magno “teve um papel
ativo nessa restauração, através da qual ele esperava inculcar a tradições de um
passado glorioso nas mentes do povo semibárbaro de seu reino”. Para tanto,
essa primeira fase medieval foi responsável pela fusão entre a cultura celto-
germânica e a cultura mediterrânea.
Na arquitetura dessa fase, evidenciamos a construção de igrejas e
mosteiros cujas características básicas podem ter sido definidas em um concílio
eclesiástico (Janson; Janson, 1996). Isso demonstra que o estilo arquitetônico
utilizado era rigorosamente pensado em todos os detalhes da construção,
levando em conta fatores estéticos, mas também práticos e ainda religiosos.

Na arquitetura, essa orientação para o espiritual tomou a forma de


construções mais arejadas, mais leves. A massa e o volume da
arquitetura romana deram lugar a edificações que refletiam o ideal
cristão: discretos no exterior, mas refulgentes com mosaicos, afrescos
e vitrais espiritualmente simbólicos no interior. (Strickland, 1999, p. 24)

Outras linguagens da arte que se despontaram nesse período foram os


manuscritos e as capas de livros, além de trabalhos rigorosamente delicados de
ourivesaria. Os manuscritos eram sempre produzidos dentro dos mosteiros e
apesentam iluminuras, as quais são desenhos e ornamentos diversos. Enquanto
as igrejas carolíngias apresentavam mosaicos, murais, relevos, esculturas e
outros. Isso nos mostra o quanto a temática religiosa estava em alta durante
esse período e o quanto ela significava para o Império, não obstante, parece ter
sido um tema bastante profícuo durante toda a Idade Média.
Mas Gombrich ressalta sobre a temática mais usada para a produção
artística medieval:

Não devemos imaginar, porém, que toda a arte nesse período existiu
exclusivamente para servir a ideias religiosas. Na Idade Média não
foram construídas apenas igrejas, mas também castelos, e os barões
e senhores feudais a quem os castelos pertenciam empregavam,
ocasionalmente, artistas. (Gombrich, 1999, p. 167)

Assim, observamos que a arte produzida durante a Idade Média abarcou


de fato vários temas, linguagens e com distintos objetivos, embora a temática
religiosa tenha realmente vigorado. Isso não apenas no período que abarcou a
arte carolíngia, mas também em outros períodos da Idade Média, como o

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Românico e o Gótico, que receberão especial atenção nas próximas páginas. E,
por fim, trataremos sobre o Renascimento com destaque em alguns artistas.

TEMA 1 – A ARTE ROMÂNICA

A arte românica teve início na Europa no século XI, sendo um período de


destaque no que se refere à construção de grandes igrejas católicas. O termo
românico tem origem na influência que a arquitetura do mencionado período teve
da arquitetura romana, sobretudo seus arcos e abóbadas de berço. Não
obstante, no bojo da arte românica, ainda encontramos esculturas, pinturas,
manuscritos, iluminuras e mais. De acordo com Hauser:

A arte românica era uma arte monástica, mas, ao mesmo tempo, uma
arte da aristocracia. A combinação dessas qualidades mostra muito
bem como era grande a solidariedade entre o clero e a nobreza
secular. As mais importantes funções na Igreja medieval estavam
reservadas, à semelhança do cargo de sumo-sacerdote na antiga
Roma, para membros: da aristocracia; os abades e bispos, entretanto,
estavam vinculados ao sistema feudal não só por serem nobres, mas
também por seus interesses econômicos e políticos. (Hauser, 2003, p.
178)

As peças e artefatos que ambientavam as igrejas românicas também nos


mostram muito desse período medieval, destacando a simplicidade e a
severidade das formas.

Como a maioria dos fiéis era analfabeta, as esculturas ensinavam a


doutrina religiosa, contando histórias gravadas na pedra. A escultura
ficava concentrada no tímpano, que é o espaço semicircular entre o
arco e o dintel da porta central. (Strickland, 1999, p. 26)

Ao tratarmos da arquitetura dess período, imediatamente nos remetemos


às fortalezas românicas construídas com a planta em formato de cruz. A partir
disso, encontramos maciças paredes de pedra que se elevam até arcos
redondos em 180°, gerando a sensação de “robustez compacta” (Gombrich,
1999, p. 173). Nessas construções, encontramos austeridade e traços de uma
arquitetura robusta.
Destaca-se que havia interesse em construir igrejas com tetos
abobadados no lugar de tetos de madeira porque estes últimos facilmente
poderiam se incendiar. Para tanto, os pilares eram maciços e as paredes
bastante espessas. Não obstante, o conhecimento acerca das técnicas e
cálculos para a efetivação dessas construções parecia ter se perdido e, por isso,
havia grande dificuldade em fazer as abóbadas de berço utilizando pedras.

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Essa opção contribuiu para a ruína de grandiosas igrejas românicas,
mesmo algumas com pouco tempo de construção (Gombrich, 1999), e, como
exemplo, podemos citar as ruínas da Igreja de Saint-Etienne-le-Vieux in Caen,
departamento de Calvados, na França.

Figura 1 – Catedral de Pisa com a torre inclinada, na Piazza dei Miracle, na


Toscana, Itália, inaugurada no século XI

Crédito: Rosty McFly/Shutterstock

1.1 A pintura românica

Da pintura românica que chegou até nós, a maior parte foi produzida
dentro de mosteiros no caso das iluminuras e, portanto, é natural que
apresentem temas religiosos. Mas para além das iluminuras, destacamos a
pintura de ícones, murais, afrescos e ainda a produção de mosaicos. No entanto,
todos parecem manter determinadas características, como o colorismo e a
deformação das figuras.
No caso do colorismo, evidenciamos a aplicação direta das cores puras
realizada pelos artistas da época. Com isso, eram obtidas tonalidades diversas,
a depender da gama de pigmentos que tinham acesso. Não obstante, a
passagem de cores, ou seja, o degradê, não era utilizado porque as pinturas
pareciam muito mais com desenhos coloridos. Ao observarmos essas
características, podemos analisar alguns casos, considerando que a técnica
mais utilizada era a têmpera a ovo. Conforme Ralph Mayer:

No uso moderno do termo, a pintura a têmpera é aquela que emprega


um médium que pode ser livremente diluído com água, mas que após
secar torna-se suficientemente insolúvel para permitir sobrepinturas
com mais têmpera ou com médiuns de óleo e verniz. (Mayer, 1996, p.
287)

A partir do exposto, podemos imaginar que a técnica da têmpera aceita


camadas de pintura, chamadas de veladuras. A têmpera a ovo é uma tinta

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produzida com a gema ou a clara como aglutinante ou médium, misturado aos
pigmentos coloridos, que dão cor à mistura, permitindo que esta seja utilizada
como tinta. Mas devido ao uso de ovos como aglutinante, a têmpera tem uma
secagem muito rápida, inibindo o trabalho de passagem em degradê entre as
cores, o que exige do artista que a pintura seja produzida mais rapidamente.
Além disso:

Como regra geral, as técnicas de têmpera não são muito adequadas


para estilos casuais ou espontâneos e, na maior parte, requerem um
estudo aprofundado e uma familiaridade só alcançados através da
compreensão inteligente de seus princípios. (Mayer, 1996, p. 288)

Dessa forma, ao compreendermos a técnica e suas formas de aplicação,


compreendemos melhor os efeitos obtidos a partir dela. Mesmo assim, vale
ressaltar que o colorismo como característica das pinturas românicas ainda é
preservado nos afrescos, mosaicos e outras obras desse período.
Outra característica peculiar da arte românica é a deformação das figuras.
Tal deformação está relacionada à noção de proporcionalidade que permitia ao
artista representar uma figura em maior ou menor escala que as demais, a
depender de sua santidade. Além disso, em muitos casos, a proporcionalidade
dos membros das figuras também é deformada, sugerindo um estilo próprio com
possibilidades de leitura.

Figura 2 – Antigo ícone românico de Jesus nos braços de Nossa Senhora.


Barcelona, Espanha, Museu da Catalunha

Crédito: XRISTOFOROV/Shutterstock.

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TEMA 2 – A ARTE GÓTICA

Ainda dentro da Idade Média, encontramos a arte gótica a partir do século


XII até o início do Renascimento, tendo origem na França. O termo gótico tem
relação com aquilo que vinha dos “godos” – um povo de origem germânica
considerado bárbaro por não aderir às características da arte sob a influência
greco-romana. Isso se deu principalmente na arquitetura em que as
características góticas podem ser melhor identificadas. Dessa forma, a arte
gótica era vista como arte dos bárbaros, sobretudo as catedrais que se
assemelhavam a grandiosos monumentos em direção aos céus.

Figura 3 – Vitral de rosácea na Catedral de Notre-Dame, Paris

Crédito: mario confente/Shutterstock.

Para Gombrich (1999), o surgimento do estilo gótico tornou as


construções românicas pesadas, obsoletas e pouco graciosas. E, ainda, que o
estilo gótico sugeria muito mais do que uma técnica, pois contribuiu
metodologicamente com a construção de abóbadas mais seguras que contavam
com arcos transversais, permitindo, assim, que as construções se elevassem de
uma forma surpreendente. De acordo com Strickland:

Os teólogos medievais acreditam que a beleza da igreja inspirava a


meditação e a fé dos paroquianos. Consequentemente, as igrejas são
mais que uma simples reunião de espaços. São Textos sagrados, com
volumes de ornamentos pregando o caminho da salvação. As
principais formas de decoração nas catedrais góticas são a escultura,
os vitrais e as tapeçarias. (Strickland, 1999, p. 29)

A arte gótica possui características peculiares em diferentes linguagens


artísticas, outrossim, foi na arquitetura que novamente se evidenciou deixando
marcas indeléveis. “Desde que os cálculos fossem corretos, era possível

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construir uma igreja de um tipo inteiramente novo: uma edificação de pedra e
vidro como o mundo jamais vira” (Gombrich, 1999, p. 185).

Figura 4 – Interior da Catedral de Sainte-Chapelle, Paris, França

Crédito: Resul Muslu/Shutterstock.

Em resumo, as catedrais góticas apresentam como principais


características os arcos ogivais, a sequência de arcos formando arcadas, as
abóbadas de cruzaria, vitrais coloridos, rosácea usada sobre as portas de
entrada, esculturas externas diversas, incluindo as famosas gárgulas. “No
interior de uma catedral gótica somos levados a compreender a complexa
interação de trações e pressões que mantêm a grandiosa abóbada em seu lugar”
(Gombrich, 1999, p. 186)

Figura 5 – Catedral de Notre Dame – Paris, França

Crédito: TTstudio/Shutterstock.

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Na fase final da arquitetura do período gótico, temos as catedrais que se
elevam às alturas como se fossem chamas em encontro aos céus. Esse estilo é
conhecido como gótico flamejante, com linhas sinuosas que visualmente
sugerem o movimento do fogo.

Figura 6 – Catedral de Rouen (Catedral de Notre-Dame), em Rouen, França, um


belo exemplo de cathedral gótica no estilo flamejante

Crédito: Telly/Shutterstock.

Sobre as obras tridimensionais góticas, podemos observar o predomínio


do naturalismo nas esculturas das fachadas das catedrais, destacando o uso
dessas obras para a decoração religiosa, tal como as estátuas de pedra na
fachada da Catedral de Salisbury Cathedral facade (Cathedral Church of the
Blessed Virgin Mary), em Wiltshire, Inglaterra, na imagem a seguir:

Figura 7 – Estátuas de pedra na fachada de Salisbury Cathedral Facade

Crédito: Dmitry Naumov/Shutterstock.

E ainda, conforme mencionado anteriormente, podemos destacar as


esculturas conhecidas como “gárgulas”, que tinham a função de desaguadouros
por onde a água da chuva acumulada nos telhadas podia escoar. Essas
esculturas apresentam formas demoníacas, algumas humanas, outras
animalescas e todas monstruosas.

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O intuito era passar o sentimento aos fiéis de que, fora da casa de Deus,
todos estavam sujeitos ao mal e, ainda, de que o demônio estaria à espreita de
todos aqueles que pecassem. Dessa forma, esse símbolo era utilizado como
maneira de amedrontar aqueles que não frequentavam as igrejas ou possuíam
uma conduta incondizente com aquilo que era pregado.

Figura 8 – Gárgula na Catedral de Notre-Dame, em Paris

Crédito: Viacheslav Lopatin/Shutterstock.

A pintura gótica buscava transmitir uma mensagem religiosa sobretudo


aos analfabetos e leigos para que, assim, pudessem ter contato com os
conteúdos das sagradas escrituras. Vale destacar que o sentimento religioso
estava muito presente e evidente nas produções artísticas da época.
Diante de tamanha necessidade de expressão da fé, os artistas deixavam
de lado características como o naturalismo e o realismo, sendo facilmente
reconhecível, além de temas religiosos, simbólicos e imaginários, distorções nas
figuras e simplicidade na representação espacial. Assim, a espacialidade era
representada, muitas vezes, por meio de planos, considerando que, na Idade
Média, os artistas ainda não faziam uso da perspectiva. Para Gombrich:

na Idade Média, o artista aprendeu também a expressar em seu quadro


o que sentia. Não se pode fazer justiça a qualquer obra de arte
medieval sem ter em mente esse propósito. Pois esses artistas não se
propunham criar uma semelhança convincente com a natureza ou
fazer belas coisas: eles queriam transmitir a seus irmãos de fé o
conteúdo e a mensagem da história sagrada. (Gombrich, 1999, p. 165)

Conforme visto, a arte gótica possui bem claras as suas especificidades,


sobretudo na arquitetura, todavia, há elementos estilísticos que permanecem na
arte bidimensional e tridimensional, mas que tomam outras formas no final do
período gótico, que também pode ser chamado de “gótico tardio”. Desse período
do final do gótico e, consequentemente, da Idade Média, podemos destacar os

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artistas Giotto di Bondone (1267 – 1337), Jan van Eyck (1390 – 1441), Simone
Martini (1284 – 1344), Fra Angelico (1395 – 1455), Duccio (1255 – 1319).

Figura 9 – Pádua, Vêneto, Itália. Lamentação de Cristo, pelo artista Giotto di


Bondone, na Capella Scrovegni, concluída em 1305. Famoso início do
Renascimento com representação viva da emoção humana. Tema da Páscoa

Crédito: Mirages.nl/Shutterstock.

Figura 10 – Madonna com Menino, Siena, Itália. Pintura de Duccio Maestà


produzida durante o século XIV

Crédito: Svetlana Chekhlova/Shutterstock.

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Figura 11 – Jan van Eyck (1390 – 1441), A Lucca Madonna. Pintada em
aproximadamente 1437

Crédito: Oleg Golovnev/Shutterstock.

TEMA 3 – O RENASCIMENTO

O Renascimento foi o período que marcou a passagem na história da


Idade Média para a Idade Moderna. Isso ocorreu a partir do século XV, e o nome
renascimento foi utilizado por ter sido considerado o retorno e a valorização da
antiguidade clássica. Na renascença, consideramos que houve a celebração da
libertação da razão como uma forma triunfal do individualismo (Hauser, 2003) e,
assim, buscavam o renascer de elementos humanistas identificados na cultura
greco-romana e ideais racionalistas, universalistas, antropocentristas e
cientificistas.
De fato, foi um período de grandes descobertas quando os artistas tiveram
seus horizontes ampliados, deixando de ser um “artífice entre artífices” e se
voltando “para as matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva e para
a anatomia a fim de estudarem a construção do corpo humano” (Gombrich, 1999,
p. 287).
Não obstante, encontramos um retorno dos ideais classicistas não apenas
na arte, mas na sociedade da época. Tais ideais tinham forte relação com a
forma como o homem passava a conduzir a sua fé e pensamento metafísico em
relação aos aspectos religiosos e espirituais. “As ideias sobre salvação, o outro
mundo, redenção e pecado original, que encheram totalmente a vida espiritual

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do homem medievo, tornaram-se, é certo, meras ‘ideias secundárias’” (Hauser,
2003, p. 276).
Mesmo assim, vale destacar que no renascimento os temas religiosos e
metafísicos não foram abandonados, muito pelo contrário, aliás, passaram a
receber uma outra conotação com representações mais naturalistas em
composições matematicamente harmônicas e equilibradas.
No entanto, esses temas já não se traduziam mais em representações de
subjugação do homem diante do sagrado, muito pelo contrário, pois o homem
passa a ser visto como algo naturalmente sagrado e com um papel fundamental
na criação. E esse já representava um dos reflexos do pensamento
antropocêntrico na arte.
A presença do pensamento antropocêntrico, do homem no centro de
todas as coisas, permitia que o artista compreendesse a relação do homem com
o sagrado de uma forma mais humanista, valorizando a inteligência e
racionalidade humana. Tal pensamento pode ser facilmente identificado ainda
em questões sociais, econômicas e culturais desse período.

Figura 12 – Desenho do “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci, 1490, lápis


sobre papel. Nesse desenho, encerram-se ideais de harmonia, proporção e
equilíbrio, sendo considerado um dos símbolos do antropocentrismo

Crédito: Reeed/Shutterstock.

Contudo, temos o retorno da aplicação da proporção áurea e retângulo de


ouro nas composições diversas, sejam elas pinturas bidimensionais, esculturas
e até mesmo na arquitetura. E isso porque se buscava, por meio da matemática,
resultados harmônicos de uma geometria considerada sagrada por estar
presente em, basicamente, todas as formas da natureza.

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Para os artistas do renascimento, essas leis de equilíbrio estariam dentro
de nós e, portanto, seriam buscadas, de alguma forma, pelo nosso olhar em
resultado de nosso equilíbrio com a natureza.
A compressão acerca da natureza permitia ao homem ser um
investigador, um cientista da criação e não mais uma figura que deveria aceitar
sem compreender os diferentes fenômenos. A razão matemática entre o lado
maior e o menor do retângulo de ouro é 1,618, sendo chamado de número PHI
(Φ) em homenagem ao artista grego Phideas.

Figura 13 – Desenho do retângulo áureo com sua proporcionalidade ao lado de


exemplo dessa proporção em elemento da natureza

Créditos: Oleh Svetiukha/Shutterstock; Surachai Pung/Shutterstock.

A arquitetura renascentista apresenta características também baseadas


na composição áurea, abandonando a edificação de construções grandiosas que
se elevavam aos céus tal como no período gótico em detrimento de edificações
mais equilibradas e simétricas. A regularidade matemática presente nas
construções desse período tem relação com a proporcionalidade do corpo
humano e do retorno dos arcos romanos. Entre os arquitetos, devemos citar
Filippo Brunelleschi (1377 – 1446) que, segundo Gombrich:

Brunelleschi não foi apenas o iniciador da arquitetura da Renascença.


Segundo parece, a ele se deve outra momentosa descoberta no campo
da arte, a qual também dominou a arte de séculos subsequentes: a da
perspectiva. Vimos que mesmo os gregos, que entendiam o escorço,
e os pintores helenísticos que eram engenhosos na criação da ilusão
da profundidade ignoravam as Íeis matemáticas pelas quais os objetos
parecem diminuir de tamanho quando se afastam de nós. (Gombrich,
1999, p. 226-229)

Ou seja, o uso da perspectiva linear cônica para criar a ilusão de


profundidade no lugar da resolução a partir do uso da técnica do escorço permitia
ao artista trabalhar bem e explorar positivamente a tridimensionalidade no plano
bidimensional. Os resultados podem ser vistos nas pinturas do renascimento e
comparados com a resolução do espaço em pinturas de períodos anteriores.

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Para Argan (2003, p. 132), “a perspectiva não é, portanto, uma reflexão
intelectual sobre o dado percebido pelos olhos, mas o modo de ver segundo o
intelecto, primeiro com a mente, depois com os olhos”.
Como exemplo de obra, está o afresco da Santíssima Trindade, feito pelo
artista renascentista Masaccio (1401 – 1428), encontrando-se na Igreja de Santa
Maria Novella, em Florença, na Itália. Criado em 1427, essa obra é considerada
uma pintura pioneira no uso da perspectiva, tornando-se inspiração para muitos
artistas.

Figura 14 – Afresco da Santíssima Trindade, feito por Masaccio

Crédito: Bill Perry/Shutterstock.

A partir da observação do afresco acima, identificamos várias


características do renascimento, desde a resolução do espaço bidimensional a
partir da aplicação da perspectiva, ao naturalismo da representação das figuras,
em que o sagrado não é representado em dimensões maiores que as figuras
comuns. Assim, “o novo espaço pictórico racional independe das figuras.”
(Janson; Janson, 1996, p. 196). Além disso, podemos observar as cores claras,
harmonia e proporcionalidade.

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Figura 15 – Igreja de Santa Maria del Fiori, a Catedral de Florença. Teve início
em 1296 com projeto de Arnolfo di Cambio e contou com projeto de Filippo
Brunelleschi (1377 – 1446) para a construção da cúpula, sendo esta finalizada
em 1436

Crédito: ChiccoDodiFC/Shutterstock.

TEMA 4 – ARTISTAS DO RENASCIMENTO ITALIANO

A Itália foi o berço do renascimento, sobretudo a cidade de Florença,


oferecendo ambiente propício ao desenvolvimento intelectual, artístico, cultural
e científico, contribuindo economicamente para a produção dos artistas. No
renascimento italiano, encontramos vários mecenas, que eram os
patrocinadores da arte, capazes de confiar aos artistas da época grandes
encomendas que se tornariam, posteriormente, obras e patrimônio histórico e
cultural da humanidade.
Os artistas renascentistas italianos se preocupam em representar muito
mais detalhadamente a tridimensionalidade das coisas, nos levando a sentir o
volume das coisas, enquanto “os artistas medievais mal tomavam conhecimento
da luz. Suas figuras planas não projetavam sombras” (Gombrich, 1999, p. 260).
Outra característica é o uso de cores neutras e linearidade que racionalmente
separava figura e fundo. De acordo com Argan:

No princípio do Quatrocento cumpre-se, em Florença, uma


transformação da concepção, dos modos, da função da arte tão radical
quanto a que se completara, um século antes, com Giotto. Os primeiros
protagonistas do movimento são um arquiteto, Filippo Brunelleschi, um
escultor, Donatello, um pintor, Masaccio: suas obras estão
relacionadas, mas as três personalidades são diversamente
caracterizadas. (Argan, 2003, p. 129)

Vale destacar que cada artista que se despontou no renascimento italiano


deixou sua contribuição significativa para a arte, apresentando obras que,

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embora seguissem os ideais renascentistas, ainda apresentavam características
próprias.
Essas mesmas características adivinham de profundo estudo e dedicação
aos temas de interesse de cada artista. Entre os artistas do renascimento
italiano, podemos destacar Donatello (1386 – 1466), Andrea del Verrocchio
(1435 – 1488), Sandro Botticelli (1445 – 1510), Leonardo da Vinci (1452 – 1519),
Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564), Rafael Sanzio (1483 – 1520).

4.1 Sandro Botticelli (1445 – 1510)

Figura 16 – A obra O Nascimento de Vênus, pintada com têmpera, sobre tela,


sendo fotografada por turistas na Galeria Degli Uffizi, em Florença, Itália

Crédito: Hunter Bliss Images/Shutterstock.

4.2 Leonardo da Vinci (1452 – 1519)

Figura 17 – A Santa Ceia, afresco

Crédito: Ungvari Attila/Shutterstock.

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Figura 18 – Estudos de engenharia desenhados por Leonardo da Vinci em uma
de suas cadernetas

Crédito: KIM JIHYUN/Shutterstock.

Figura 19 – Estudos de anatomia humana, por Leonardo da Vinci

Crédito: lolloj/Shutterstock.

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4.3 Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564)

Figura 20 – A Pietá (Piedade), escultura dentro da Basílica de São Pedro, na


Itália

Crédito: PhotoFires/Shutterstock.

Figura 21 – Afrescos pintados por Michelângelo no teto da Capela Sistina, no


Vaticano

Crédito: S-F/Shutterstock.

TEMA 5 – ARTISTAS DO RENASCIMENTO ALEMÃO E DOS PAÍSES BAIXOS

O renascimento também teve bastante influência na Alemanha, inclusive


se disseminando entre os pensadores desse país. A arte e a ciência alemã
aderiram aos ideais renascentistas e também em decorrência da disseminação
do pensamento humanista pela Europa. O artista renascentista de maior
destaque na Alemanha foi Albrecht Dürer (1471 – 1528), que, além de pintor,
também se destacou como exímio gravador dominando diferentes técnicas como
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xilogravura, litogravura e outras. Dürer ainda contribuiu com o seu tratado sobre
geometria, com base em um estudo aprofundado sobre perspectiva.

Figura 22 – A penitência de São Jerônimo (c. 1494), óleo sobre madeira, Museu
de Viena

Crédito: Adam Jan Figel/Shutterstock.

Outros artistas renascentistas de destaque foram Lucas Cranach, o Velho,


(1472 – 1553), Albrecht Altdorfer (1480 – 1538) e Hans Holbein (1498 – 1543).
No renascimento dos países baixos e Holanda, podemos observar grande
influência do pensamento renascentista italiano com ênfase nas temáticas
religiosas, ao contrário do renascimento alemão, deu maior destaque a temas
narrativos ou com a representação de retratos humanos e da natureza, além de
imagens simbólicas e históricas.
Os países baixos eram formados pela região localizada na Europa
Ocidental, que atualmente inclui a Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Dessa
região, saíram muitos artistas dos quais ainda podemos destacar os artistas
flamengos da região de Flandres. Do renascimento nessa região, podemos
destacar os artistas Hieronymus Bosch (1450 – 1516), Joachim Patinir (1483 –
1524), Pieter Bruegel, o Velho, (1525/1530 – 1569).

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Figura 23 – A tentação de Santo Antônio, por Hieronymus Bosch, ca. 1530-1600,
pintura, óleo sobre painel. Santo António, o Eremita, em oração acompanhado
por simbolismo

Crédito: Everett Collection/Shutterstock.

NA PRÁTICA

A partir do que aprendemos nesta aula, vamos desenvolver nosso


“espírito renascentista”
• Sabendo que os artistas do Renascimento se dedicavam,
concomitantemente, à diferentes linguagens das artes e expressões
humanas, te convidamos a:
o Desenvolver um estudo da construção imaginária de uma catedral
para a sua cidade onde você criará o projeto arquitetônico, as
esculturas e pinturas externas e internas, além de todos os demais
itens que você queira incluir. Faça todas as anotações em seu
sketchbook e com variações de cada detalhe.

FINALIZANDO

Nesta aula aprendemos sobre a arte na Idade Média, passando pela arte
românica com destaque na construção das grandiosas e austeras igrejas
construídas nesse estilo. Também vimos sobre a pintura românica e destacamos
que muitas das esculturas desse período se encontram nas igrejas. Ainda,
tratamos sobre a arte do período gótico com ênfase nas catedrais góticas e suas
características como o arco ogival.
Além disso, nesta aula, tratamos sobre o Renascimento e suas
características e seus conceitos, como o antropocentrismo. A partir disso,

21
abordamos alguns dos artistas do Renascimento italiano para, por fim,
destacarmos alguns dos artistas do Renascimento alemão e dos Países Baixos.

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REFERÊNCIAS

ARGAN, G. C. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. São Paulo: Cosac


e Naify, 2003. v. 2.

FRIEDLAENDER, W. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999.

HAUSER, A. História social da arte e literatura. São Paulo: Martins Fontes,


2003.

JANSON, H. W; JANSON, A. F. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins


Fontes, 1996.

MAYER, R. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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