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Sobre a vivência do sentido no trabalho e nas organizações: contribuições da

logoterapia e análise existencial

About the experience of meaning in work and organizations: contributions of


logotherapy and existential analysis
DOI: 10.55905/revconv.16n.7-129

Recebimento dos originais: 19/06/2023


Aceitação para publicação: 17/07/2023

Rafael Rebouças Andrade


Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Petrópolis
Instituição: Universidade Católica de Petrópolis
Endereço: Fortaleza - CE, Brasil
E-mail: rafaelreb.andrade@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8258-8108

Márcia Fernanda Moreno dos Santos Ferreira


Mestranda em Administração pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Instituição: Centro Universitário Farias Brito
Endereço: Fortaleza - CE, Brasil
E-mail: fernanda.moreno@hotmail.com
Orcid: https://orcid.org/0009-0002-6562-4503

Rickardo Léo Ramos Gomes


Mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal do Ceará
Instituição: Instituto Euvaldo Lodi
Endereço: Fortaleza - CE, Brasil
E-mail: rickardolrg@yahoo.com.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6101-9571

RESUMO
O ser humano costuma dedicar uma grande parte de sua vida ao trabalho. Se é alto o investimento
de tempo, energia e dedicação, naturalmente, e, talvez, cada vez mais, muito também se espera
da vida profissional na sociedade contemporânea. Dada a relevância que o trabalho tem na vida
das pessoas na contemporaneidade, buscou-se desenvolver uma pesquisa de revisão narrativa,
seguindo uma abordagem qualitativa, de modo a alcançar o objetivo geral deste artigo que seria
o de conhecer as possíveis contribuições da Logoterapia e Análise Existencial ao contexto do
trabalho e das organizações. A centralidade do conceito relativo ao sentido de vida para a
Logoterapia e Análise Existencial contribui e convoca a se pensar a experiência humana a partir
de suas ações, relações e formas de organização. Faz-se, portanto, necessário estabelecer espaços
de reflexão sobre a relação entre sentido e trabalho para o homem e a mulher na
contemporaneidade. Ao final a pesquisa revela que entre as principais implicações do
pensamento Analítico Existencial aplicado ao sentido do trabalho e organizações, estaria a
proposta de se estabelecer empresas mais humanas, requisito necessário para a vivência e
potencialização de sentido no trabalho e nas organizações.

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Palavras-chave: sentido, trabalho, logoterapia, análise existencial.

ABSTRACT
Perhaps it is at work where human beings spend the most time. If the investment of time, energy,
and dedication is high, naturally, and perhaps increasingly so, much is also expected from work
life in contemporary society. Given the relevance that work has in people's lives in contemporary
times, a narrative review research was developed, following a qualitative approach, in order to
achieve the general objective of this article, which is to know the possible contributions of
Logotherapy and Existential Analysis to the context of work and organizations. The centrality of
the concept of the meaning of life for Logotherapy and Existential Analysis contributes and calls
for thinking about human experience based on their actions, relationships, and organizational
forms. It is therefore necessary to establish spaces for reflection on the relationship between
meaning and work for men and women in contemporary times. In conclusion, the research
reveals that among the main implications of Existential Analytical thought applied to the meaning
of work and organizations, would be the proposal to establish more human companies, a
necessary requirement for experiencing and enhancing meaning in work and organizations.

Keywords: meaning, work, logotherapy, existential analysis.

1 INTRODUÇÃO
Valerá a pena dedicar anos de estudos e grande parte do tempo de vida para fazer algo
que não tem sentido? Essa pergunta abre um horizonte de reflexão sobre o trabalho e sobre o
sentido que ele tem para as vidas das pessoas. Talvez é no trabalho onde mais tempo passa o ser
humano, mais ainda quando se leva em conta o tempo de preparação e estudos que muitas
profissões requerem. Se é alto o investimento de tempo, energia e dedicação, naturalmente, e,
talvez, cada vez mais, muito também se espera da vida profissional na sociedade contemporânea.
Não é difícil notar que grande parte da realização pessoal se busca dentro de uma profissão. O
trabalho de uma pessoa é muitas vezes algo mais que simplesmente o trabalho em si, pois
tipicamente se relaciona com diversos aspectos que tornam a experiência de trabalhar cheia de
sentido. O trabalho costuma conectar-se com a vida das pessoas a partir de um conjunto de
relações produtoras de valores e significados: na relação consigo mesmo e com os demais; no
valor e significado da criação de algum produto ou serviço; na experiência de poder oferecer algo
ao mundo, como contribuição ou exercício de uma missão singular; nos papéis sociais
construídos a partir das funções e trabalhados exercidos. Todas estas relações se entrelaçam no
nosso trabalho e adquirem sentido de forma individual e coletiva.

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A relação entre trabalho e sentido tem alcançado relevância na literatura sobre Gestão e
Organizações, na medida em que se compreende o impacto que o trabalho exerce nas pessoas.
Entre as teorias que se dedicam ao estudo das relações entre sentido de vida e trabalho, destaca-
se, no cenário da psicologia, a importante contribuição do psiquiatra austríaco Viktor Emil
Frankl, criador do método psicoterapêutico denominado Logoterapia e Análise Existencial.
Reconhecendo a importância de se estudar a relação entre trabalho e sentido de vida,
justamente pela ampla repercussão que pode ter o trabalho na vida das pessoas na atualidade,
tanto no que se refere a realização existencial como também na produção de sofrimento, buscou-
se desenvolver uma pesquisa de revisão narrativa e descritiva, de modo a se levantar as possíveis
contribuições da Logoterapia e Análise Existencial ao contexto do trabalho e das organizações.
Pretende-se, ainda, a partir da ciência psicológica contribuir para o avanço da discussão acerca
da humanização das relações de trabalho e o consequente incremento da qualidade de vida e da
saúde do trabalhador. A partir da revisão de literatura realizada, encontrou-se relevante material
provindo de livros clássicos de Viktor Frankl, bem como a importante contribuição de autores
mais recentes que tem se dedicado a escrever e a estudar a questão do sentido do trabalho a partir
do viés da Logoterapia e Análise Existencial. Também foi possível localizar a temática do sentido
do trabalho a partir de outros vieses, com crescente relevância também em textos da área de
Gestão de Pessoas. O texto foi organizado de modo abordar brevemente as seguintes temáticas,
dispostas nos tópicos da fundamentação teórica: O pensamento de Viktor Frankl; O Sentido do
Trabalho; O Sentido do Trabalho e as Organizações; A Liderança como promotora de Sentido e
o Sentido como Elemento Transformador. Em seguida, apresenta-se a metodologia e as
considerações finais referentes às questões levantadas nesta pesquisa.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O PENSAMENTO DE VIKTOR FRANKL
Médico, psiquiatra e neurologista, Viktor Emil Frankl criou um método de tratamento
psicológico que denominou Logoterapia. Nascido em Viena, no ano de 1905, deu início a sua
trajetória acadêmica dedicando-se a estudos em Medicina, Psicanálise e Psiquiatria. Doutor em
Filosofia e em Medicina, Frankl em sua carreira acadêmica lecionou em diversas Universidades
como: Harward, Pitsburg, San Diego, Dallas e na Universidade de Viena. Durante o período entre
1942 e 1945, Frankl viveu o que ele mesmo chamou de Experimentum Crucius: experiência de

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sobrevivência vivida em quatro campos de concentração nazistas. Embora que antes mesmo de
sua vivência nos campos de concentração já se utilizava o termo Logoterapia, este acontecimento
foi essencial para a estruturação e difusão do pensamento Frankliano (FRANKL, 2010). Parker
(2022, p. 01) faz o seguinte comentário sobre Frankl:

Em seu autoritário e extraordinariamente influente livro Man's Search for Meaning, o


psiquiatra Viktor Frankl propôs que a tarefa da vida de qualquer indivíduo é encontrar
significado, que o significado não pode ser obtido sem sofrimento e que o sofrimento
permite que o significado seja identificado.

Em sua construção teórica, Frankl desenvolve um pensamento antropológico


filosoficamente embasado, e uma abordagem psicoterapêutica que viessem a ser uma alternativa
às tendências reducionistas da ciência de seu tempo. Assim, Frankl propõe em sua teoria que a
pessoa humana é um ser bio-psico-espiritual, livre e responsável, e em busca de sentido na vida.
Esse sentido, no entanto, não seria fruto de uma criação teórica ou imaginativa, e sim da
concretude da experiência humana, no encontro de possibilidades valiosas a serem realizadas na
unicidade de cada momento e de cada existência singular. Na visão de homem proposta por
Viktor Frankl (2005), o conceito de sentido tem um lugar central, estando presente inclusive no
significado etimológico do termo Logoterapia, que em poucas palavras pode ser entendida como
psicoterapia centrada no sentido da vida. Em contraste com outras diversas teorias psicológicas,
a Logoterapia propõe a vontade de sentido como a principal e primeira força que nos move
enquanto existência humana. Diferente do que propunham renomados autores da psicologia,
como Maslow, Freud e Adler, para Frankl (2005), a pessoa não é movida, a priori, por uma
hierarquia de necessidades, ou por uma vontade de prazer ou por uma vontade de poder. Para
Frankl (2005), o sentido na vida é um aspecto central para o desenvolvimento humano, inclusive
entendendo-o como uma questão fundamental para a saúde. Frankl (2005) defende que na
vivência de sentido na vida, há um caráter terapêutico e preventivo, podendo até ser considerado
como um fator de proteção da saúde e de higiene psíquica.
Para o logoterapeuta colombiano Efrén Martinez Ortiz (2018), viver com propósito e
sentido significa poder conectar o coração e a razão às pessoas, ações e objetos valiosos, e que
conectar o coração ao que fazemos significa a abertura necessária para nos deixarmos tocar por
aquilo que é valioso. Desse modo, o sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode
ser cumprido somente por cada pessoa em sua existência singular. O sentido na vida, a partir da

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compreensão da Logoterapia não se trata, contudo, de algo abstrato, mas sim de uma relação
concreta do sujeito engajado em sua realidade e nas possibilidades valiosas que daí emergem.
A vida em cada realidade específica, única e irrepetível, demanda e clama por uma
resposta. O sentido seria a resposta mais adequada de engajamento pessoal em relação à vida
concreta, e enquanto tal, exige da pessoa uma habilidade de responder orientada por valores, o
que na Logoterapia se estabelece pelo desdobramento da responsabilidade, como response
hability (habilidade de responder), situada na irrepetibilidade de cada existência e de cada
situação e orientada por valores. Frankl propõe, ainda, a existência daquilo que ele mesmo chama
de categorias de valores. Tais categorias representam de forma didática os possíveis “tipos” de
caminhos que por meio deles, na concretude da vida, pode-se encontrar sentido. Estas categorias
de valores são três: Criação, Experiência e Atitude. Respectivamente: 1. Criando um trabalho ou
praticando um ato; 2. Experimentando algo ou encontrando alguém; 3. Pela atitude que tomamos
em relação ao sofrimento inevitável. (FRANKL, 2010)
Ainda que as reflexões do criador da Logoterapia se referissem, primariamente, à questão
da intervenção psicoterapêutica, as repercussões de sua teoria notadamente foram muito além da
clínica. Não demorou para se notar a aplicabilidade de seu pensamento nos mais diversos
contextos, tão logo vários autores, alguns encorajados pelo próprio Frankl, se dedicaram a aplicar
a Logoterapia e Análise Existencial aos contextos da educação, da saúde, do trabalho e da gestão.

2.2 O SENTIDO DO TRABALHO


A respeito do sentido da vida laboral, levando em consideração uma perspectiva da
sociedade contemporânea, facilmente identifica-se o quanto a realidade de trabalho pode
impactar na vida das pessoas. Pode-se, por exemplo, mencionar a função identitária que pode
exercer o trabalho, na medida que uma profissão ou um ofício implicam um papel e, portanto,
um lugar social assumido. Trabalhar com sentido denota um agir orientado por valores criativos,
vivenciais e atitudinais a partir das atividades próprias do contexto de trabalho. A partir de um
trabalho vivido e realizado significativamente, é possível viver o que Frankl (2011) aponta como
“caráter de algo único”, justamente quando se efetiva a resposta de sentido e de missão que só
pode ser dada existencialmente por nós mesmos. Sendo assim, para o psiquiatra vienense Viktor
Frankl (2010) não seria a profissão, em si, que tornaria o homem insubstituível; o que faz a
profissão é simplesmente dar-lhe a oportunidade para vir a sê-lo. Portanto, não depende da

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profissão em si, mas sim de nós, fazermos valer, no trabalho, aquilo que em nós há de pessoal e
específico, conferindo à nossa existência o seu “caráter de algo único”. Sobre essa relação, Frankl
(2005, p. 26) apresenta alguns resultados de suas pesquisas:

[...] o resultado de uma investigação publicada pelo American Council on Education.


Em 171.509 estudantes avaliados, o objetivo mais elevado que 68,1 % declararam ter
foi: ‘o desenvolvimento de uma filosofia de vida rica de significado’. Outra investigação
com 7948 alunos de 48 faculdades foi conduzida pela Universidade John Hopkins e
patrocinada pelo instituto nacional de Higiene mental. Desses estudantes, apenas 16%
declarou que seu objetivo principal era ganhar dinheiro, enquanto 78% assinalou a
seguinte resposta: “encontrar sentido para a minha vida”. Resultados análogos foram
obtidos pela universidade de Michigan: 1533 agricultores foram convidados a graduar
em ordem de importância os vários aspectos de sua atividade profissional e o ‘bom
pagamento’ colocou-se apenas em quinto lugar na escala geral.

Neste contexto, uma pesquisa, de alcance mundial, realizada em maio de 2023 pelo World
Economic Forum, estabeleceu um ranking de habilidades essenciais para os trabalhadores,
contando com uma relação de vinte e seis habilidades, das quais destacamos, na Figura 1, as dez
primeiras habilidades mais apontadas pelas empresas dos países pesquisados em todo o mundo.
O relatório do Fórum Econômico Mundial (2023) fornece informações importantes sobre as
lacunas de habilidades e os desafios de aquisição de talentos enfrentados pelas empresas
pesquisadas. Isto demonstra uma clara necessidade de requalificação em todas as áreas. O fato
de que 6 em cada 10 trabalhadores precisarão de requalificação até 2027 é uma estatística
importante que ressalta a necessidade urgente de ação para atender a essa demanda. Contudo, é
preocupante que apenas metade desses trabalhadores tenha acesso a treinamento adequado. Isso
indica um descompasso entre a demanda por reskilling e a disponibilidade de programas de
desenvolvimento de habilidades.

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Outro ponto relevante destacado no relatório é a estimativa de que em média 44% das
competências individuais dos trabalhadores precisam ser atualizadas. Esse percentual demonstra
a necessidade de um esforço colaborativo para garantir o aprendizado contínuo e o
desenvolvimento profissional. Para garantir que os trabalhadores permaneçam relevantes e
produtivos, é importante implementar programas de treinamento que atendam às necessidades
atuais do mercado de trabalho e que estejam em sintonia com o significado do sentido do trabalho
idealizado pelos colaboradores e pelas empresas. Abordando o conceito de sentido do trabalho,
Ortiz et al (2018, p. 41) conceituam como

A percepção afetiva-cognitiva de valores que tem uma pessoa em seu âmbito laboral e
que lhe convidam a agir de um modo particular nas atividades próprias de sua ocupação,
conferindo-lhe à pessoa, identidade pessoal e coerência consigo mesma e com a
organização [...] trata-se de uma experiência que toca a pessoa, compreende a
possibilidade de expressar-se através das atividades laborais e que demarca uma
congruência de valores que gerará ressonância íntima e comunitária.

Os autores propõem, ainda, que o sentido do trabalho depende de uma série de fontes,
sendo a primeira a conexão pessoal, isto é, o fato de que trabalho se conecte com a identidade de
cada pessoa. A segunda é a individuação, que faz que um trabalho seja valioso na medida que
torna a pessoa autônoma. A terceira fonte é a comunhão, ou seja, o trabalho se torna significativo
à medida que permite conexões significativas com os outros e exerce um papel importante para
um grupo ou comunidade. Para Ortiz et al (2018), o sentido do trabalho está relacionado com um
maior bem-estar, compromisso organizacional, satisfação laboral, sentido de vida e satisfação
com a vida em termos gerais; além de maior produtividade e melhor desempenho. Cancian et al.
(2023, p. 384) alertam que

[...] o sujeito ao identificar sucessivas insatisfações, tende a ter uma baixa percepção da
sua qualidade de vida, e por consequência pode adoecer tanto físico, quanto
mentalmente, assim, as insatisfações percebidas por este sujeito pode se difundir
comprometendo também a qualidade de vida dos demais colaboradores, tornando o
ambiente de trabalho tóxico.

Sisodia e Gelb (2020) afirmam que quando não há significado e propósito no ambiente e
no contexto de trabalho, muito especialmente quando nos sentimos desumanizados e
objetificados, ficam muito mais evidentes as experiências de sofrimento emocional e espiritual
relacionado ao contexto laboral. São bastante variadas as realidades de precarização do trabalho
e os consequentes prejuízos a saúde do trabalhador, campo de estudo, cada vez mais,

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indispensável, já que todos almejamos uma sociedade mais ética e humana. É possível citar como
aspectos que merecem atenção e cuidado: o excesso de demandas, a não consideração das
individualidades, o desrespeito aos direitos fundamentais, a baixa remuneração, os ambientes
insalubres, as situações de assédio moral, a não observação de aspectos referentes à segurança
do trabalho, os estilos autoritários de liderança, as discriminações e preconceitos de todos os tipos
e ordens que ainda tão frequentes; além disso é preciso mencionar aqueles sofrimentos que
tornam-se crônicos, em quadros de adoecimento das relações de trabalho, tal como a Síndrome
de Burnout. Não é difícil, portanto, estabelecer uma relação entre a lógica do capitalismo
selvagem, que coloca o lucro e a competição acima das pessoas, e as realidades mencionadas de
sofrimento laboral.
Também é uma questão de lógica afirmar que esses modos de produção de sofrimento no
trabalho, consequentemente, tendem a minar possibilidades de realização de sentido. Sobre isso,
Sisodia e Gelb (2020) defendem a necessidade de se desmistificar e se contrapor a atitude coletiva
que aceita e até acolhe a ideia de que esse é um mundo cruel e competitivo, e que os negócios
nada mais são do que uma corrida, mentalidade que empobrece o valor da vida frente as
exigências de trabalho, na medida que compactua com a submissão irrestrita das relações de
trabalho à lógica de produção. Para estes autores, a vida e o trabalho não deveriam ser encarados
enquanto realidades separadas, mas sim integradas. Em outras palavras, idealiza-se o trabalho
que inclui e potencializa os sentidos vitais, e a vida que encontra sentido, realização e lugar
também por meio do trabalho.

2.3 O SENTIDO DO TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES


Considera-se relevante o questionamento acerca de se a cultura, o clima e as relações
estabelecidas em nossas organizações têm sido mais frequentemente celeiro de sentido ou de
sofrimento. Colocar essas interrogativas é abrir espaço para se pensar os modos de produção de
subjetividade e experiências nas relações organizacionais estabelecidas.

As empresas permeiam nossas vidas. Mais que governos, organizações sem fins
lucrativos ou instituições religiosas, os negócios são uma força dominante na vida
contemporânea, quaisquer que sejam as condições. O modo pela qual elas atuam
exercem um impacto enorme em todos os aspectos da nossa vida: nosso bem-estar
material, nossa saúde física, emocional, mental e espiritual; e nossa habilidade de estar
presente e agora como pais, cônjuges, membros comunitários e cidadãos. (SISODIA;
GELB, 2020. p. 22)

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A competitividade enraizada nas nossas formas de nos relacionarmos acaba por fabricar
desejos, padrões e ideais que passam a pautar referenciais de produção social. As empresas por
vezes são o lugar onde, mais nitidamente, a extrema competitividade é encarnada, e, muitas
vezes, até assumida como um valor. A linguagem e a ética que regem as relações de trabalho
fazem emergir comportamentos análogos a um cenário de batalha, onde se busca, quase que
predatoriamente, alcançar as metas e as fatias de mercado.
Sobre o sentido de vida García-Alandete et al. (2018, p. 03) alertam que: “um baixo nível
de sentido de vida está relacionado à desesperança, depressão, dependência de substâncias,
comportamentos autolesivos e suicídio, entre outras variáveis indicativas de disfunção
psicológica”. Sisodia e Gelb (2020) defendem que o custo humano das “empresas como as
conhecemos”, que seguem o ethos e a linguagem de competição e dominação é inaceitavelmente
alto. Em sua obra Empresas que Curam, os mencionados autores expõem uma pesquisa
conduzida por Jeffrey Pfeffer, professor da Universidade de Stanford, cujos resultados estimam
que ambientes de trabalho estressantes são responsáveis por, pelo menos, 120 mortes de
empregados a cada ano, só nos EUA, sem considerar as experiências de sofrimento que não
chegam à morte, mas são, do mesmo modo, devastadores. Diante dos argumentos expostos,
torna-se necessário repensar as organizações e as relações de trabalho, com a finalidade de se
lançar um olhar alternativo e diferente à lógica do capitalismo selvagem e predatório. É o que
tem defendido, por exemplo, os autores do movimento capitalismo consciente quando propõem
que:

O propósito de uma empresa deve preceder a formulação de estratégias e políticas


corporativas e precisa endereçar questões fundamentais relacionadas ao que significa
ser humano, estando diretamente relacionado com o impacto que as pessoas – e
empresas - querem fazer no mundo. (MACKEY; SISODIA apud SIQUEIRA, 2020,
p.72)

Nesse sentido seria necessário redirecionar e ampliar o olhar dos gestores, para além do
lucro, em direção ao cuidado ético e respeitoso das pessoas, aspecto que deveria ser inegociável
no regimento das empresas.

Os lucros são vistos como o meio para um fim maior, mas não como o fim principal de
um negócio. Embora a rentabilidade a longo prazo seja vista como necessária e
desejável, os lucros a curto prazo não são alcançados à custa de considerações éticas e
ambientais ou de valores humanos mais altos, como o respeito pelos indivíduos.
(O´TOOLE; VOGEL apud SIQUEIRA, 2020, p.72)

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Assim, defende-se um processo de ressignificação das organizações, com efeitos de
humanização, para que estas, consideradas como local de competição, pressão e ansiedade,
pudessem, paulatinamente, se tornar lugar de cooperação, valorização, diversidade e
compartilhamento de sentido e valores. Tal anseio está bastante representado por Sisodia e Gelb
(2020), quando propõem que as empresas em vez de contribuírem para o sofrimento das pessoas,
poderiam se tornar lugar de cura, na medida em que o trabalho se transformasse em um lugar de
criação e compartilhamento de bens, valores e crescimentos pautados nos ideais maiores de bem
comum.

As empresas têm um enorme potencial para fazer bem ao mundo. Muito do bem está
sendo feito atualmente ‘inconscientemente’, simplesmente criando produtos e serviços
que as pessoas valorizam. No entanto, o negócio também pode ser feito muito mais
conscientemente, com um propósito mais elevado e criação de valor ótimo para todos
os principais stakeholders, enquanto cria culturas que aprimoram o desenvolvimento
humano. (SISODIA; GELB, 2020 p. 34).

Em uma linha muito similar de pensamento, o professor e importante expoente da


Logoterapia e Análise Existencial, Alex Pattakos, a quem Viktor Frankl incumbiu, pessoalmente,
a missão de levar seu pensamento ao cenário das organizações, defende a urgente necessidade de
humanização das empresas e das relações de trabalho, inclusive sob a justificativa de assim se
potencializar a experiência de sentido na vida. Na esteira do que já reivindicava Frankl, na
primeira metade do século XX, quando argumentava sobre a necessidade de re-humanização da
medicina e da psicoterapia, Pattakos (2005, p.06) leva esse discurso para o contexto
organizacional, apresentando a proposta que tornou-se seu lema: “acompanhe-nos nessa missão
de ajudar a mudar o mundo, uma empresa de cada vez.”
A teoria logoterapêutica aplicada ao ambiente organizacional acaba por destacar a
centralidade do sentido nas empresas e nas relações de trabalho, e sua repercussão no
desenvolvimento das organizações. Desse modo, passa-se a afirmar, veementemente, a relação
transcendente e significativa do trabalho para as pessoas e organizações, vistas enquanto
comunidades de sentido. Para tanto, estabelece-se como inegociável o papel de cada organização
no respeito à dignidade das pessoas, às individualidades e na consideração de suas necessidades
de realização de sentido e valores. Tem-se argumentado, desse modo, em prol de uma ampliação
da visão a respeito do que motiva e rege as organizações em última instância. Ao afirmar-se que
empresas precisam se voltar para além do lucro, voltando sua atenção aos colaboradores,

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significa deslocar o olhar das empresas para um princípio ético e teleológico que, obviamente,
deveria fundamentar todas e quaisquer práticas de organização humana, sob pena de restrição e
até obscurecimento do potencial humano.
Assim denuncia Pattakos (2005) quando afirma que a hiperintenção das pessoas ou de
uma organização pelo lucro, provoca o distanciamento da realização de sentido. Quando não se
tem respeito ou confiança, consequentemente não há suficiente criatividade ou produtividade.
Estabelece-se assim, o círculo vicioso do esvaziamento de sentido nas organizações e no trabalho.

Nosso trabalho é sempre algo tão mais que simplesmente nosso trabalho. É um conjunto
de relações: com nós mesmos, com os demais, com nossos clientes, com os produtos
que desenhamos criamos ou vendemos, com os serviços que oferecemos, com o meio
ambiente e com o impacto que tem o que fazemos no mundo. (PATTAKOS, 2005, p.
06)

As relações adquirem sentido de forma individual e comunitária. No trabalho, o


especificamente humano, sua personalidade e singularidade se estreitam com a comunidade, com
o mundo; isto significa que o trabalho humano é transcendentalizante; sai de si, se dirige a outros
ou a bens maiores. (PATTAKOS, 2005) As organizações, portanto, não devem ser entendidas
apenas como companhias privadas, e sim como uma organização diretamente relacionada com
seus colaboradores, clientes, provedores, sócios e governos. Uma organização precisa ser, antes
de tudo, produtora de valores, de relações, de padrões e de dinâmicas marcadas pelo papel e
propósito que exerce comunitariamente. Quando tais relações se tornam autênticas, éticas,
democráticas, justas, fundamentadas na confiança, no compartilhamento e na cooperatividade,
se forma uma verdadeira comunidade de sentido. Aqui se apresenta, justamente, o caráter
autotranscendente da realização de sentido, uma das proposições centrais da Logoterapia. A
existência humana aponta e se dirige para algo ou alguém além de si mesmo, e se não se
reconhece isso, perde-se o alcance de uma leitura humanizada acerca dos fenômenos humanos
dentro de nossas organizações. Sendo assim, cada organização possui seu ecossistema de valores,
sentidos e relações com o ambiente social. A missão dos gestores é cuidar e potencializar tais
relações. Para Ortiz et al (2018. p. 33),

As empresas que conseguem que seus trabalhadores encontrem sentido em seu trabalho
costumam ter equipes de pessoas que refletem fielmente o que a empresa é. Para as
empresas, se torna importante dar participação aos trabalhadores no desenho das tarefas,
pois isto demonstrou ser um fator potencializador de sentido.

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Isto abrange construir, reenquadrar e adaptar as relações; expandir, focalizar e conectar
percepções, trabalhando com as motivações, as fortalezas e paixões dos colaboradores. Os líderes
e suas respectivas equipes trabalham de modo uníssono (engajado) priorizando a qualidade no
trabalho e o pleno atendimento do cliente. Rahmadani et al. 2020, p. 03) explicam o quanto é
importante uma relação positiva entre um líder e os seus colaboradores:

[...]os líderes envolventes atendem às necessidades psicológicas básicas de seus


colaboradores, realizando certos comportamentos de liderança, como fortalecer,
capacitar, conectar e inspirar. Quando os colaboradores são fortalecidos, porque seu
supervisor/líder delega tarefas responsáveis e desafiadoras, eles se sentirão mais
competentes após a conclusão da tarefa ("Sim, eu posso").

O produto ou serviço oferecido pela empresa acabam, também, por refletir o sentido da
organização. O cliente passa a seguir o ideal da empresa tendo sempre atenção aos valores que a
empresa compartilha. O sentido que experimenta o cliente mostra e reflete o valor produzido pela
organização, pois cada serviço ou produto é um reflexo fiel do propósito da organização.
(PATTAKOS, 2005)

2.4 A LIDERANÇA COMO PROMOTORA DE SENTIDO


O estudo da Cultura Organizacional é um elemento-chave para se poder entender as
características e dinâmicas que conformam a “identidade” atual de uma organização. Nesse
sentido, a cultura organizacional que exprime a identidade de uma organização, é construída ao
longo do tempo, e está expressa em um ecossistema de significações e práticas que ligam seus
membros.

Cultura é um fenômeno dinâmico que nos cerca em todas as horas, sendo


constantemente desempenhada e criada por nossas interações com outros e moldada por
comportamento de liderança, em um conjunto de estruturas, rotinas, regras e normas.
Quando alguém introduz a cultura no plano que orientam e restringem o comportamento
da organização e de seus grupos internos, pode-se ver claramente como a cultura é
criada, inserida, envolvida e, finalmente, manipulada e, ao mesmo tempo, como
restringe, estabiliza e fornece estrutura e significado aos membros do grupo. Esses
processos dinâmicos da criação e do gerenciamento da cultura são a essência da
liderança e fazem-nos perceber que a liderança e cultura constituem lados da mesma
moeda. (SCHEIN, 2009, p. 1)

Quando se fala de uma identidade e de uma cultura organizacional, não é possível, como
que fazendo uma analogia, compreender a organização enquanto uma comunidade ou um
organismo vivo? Portanto, dotado de uma “personalidade” e de necessidades espirituais? Aqui

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julga-se necessário destacar este sentido. Costa, Araújo e Ferreira (2021, p. 21) apresentam a
seguinte definição sobre cultura organizacional:

Conjunto de valores, crenças, hábitos e regras que os membros de uma entidade


aprendem a respeitar e executar, buscando cumprir a doutrina imposta e os
ensinamentos aos novos integrantes, gerando deste modo os valores e diretrizes do
ambiente de negócio em que está inserido.

O paralelo proposto parece ter a sua lógica na medida em que são encaradas as
organizações enquanto um autêntico fenômeno humano, oriundo do entrelaçamento das
existências que a conformam, não apenas como uma soma de indivíduos, mas na conformação
de um todo significativo com uma dinâmica muito própria.

Desta maneira, o sentido da existência pessoal, enquanto pessoal, o sentido da pessoa


enquanto personalidade, está numa referência que lhe ultrapassa os limites, apontando
para a comunidade, transcende-se a si mesmo o sentido do indivíduo [...]. Mas não é só
a existência individual a precisar da comunidade para vir a ser portadora do sentido;
pode-se dizer também o contrário: a comunidade, por seu turno, precisa da existência
individual para ter algum sentido. (FRANKL, 2010, p. 115)

Se nos referimos a organização como um sistema de interações, de experiências e valores


compartilhados, que estabelecem ambientes favoráveis ou desfavoráveis a vivência de sentido,
logo nota-se que o “como” se vive tais relações, valores e experiências, incidem enormemente
nos sentidos ou vazios vividos, e, portanto, no valor agregado (engrandecedor) ou não.
Organizações nas quais as pessoas que as formam não têm noção sobre o sentido no trabalho,
significa que estas pessoas não se identificam com a organização, não dialogam com os
propósitos organizacionais, não estabelecem uma congruência entre valores organizacionais com
as práticas de gestão, nelas tende-se ver uma escassez de experiências de sentido e, portanto, um
predomínio de experiências de vazio.
A organização agregará valor na medida em que seus membros passem a perceber sentido
naquilo que realizam, aspecto que tem sido defendido, inclusive, como de importante influência
para os resultados organizacionais. Davidescu et al. (2020) e Batista et al. (2022) definem a
satisfação intrínseca no trabalho como o conjunto de emoções e respostas ligadas à orientação e
adaptação do trabalhador às atividades laborais, que podem influenciar os resultados
organizacionais. Se no trabalho e nas organizações as pessoas são valorizadas e reconhecidas, é
possível perceber o cuidado com o bem-estar, se, também, há espaço para uma integração dos
interesses e diferenças individuais em prol dos ideais comunitários, mais facilmente os

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stakeholders, instintivamente, sentirão que fazem parte de um todo significativo e a organização
cresce em sinergia e coesão. (PATTAKOS, 2005) Nesse sentido, o líder é aquele que tem,
especialmente, condições de estabelecer e promover contextos favoráveis, ou não, a vivências de
sentido em uma organização. São os gestores os que têm mais possibilidades de tomar decisões
e iniciar mudanças que venham a incidir diretamente no cotidiano da organização.

Quando os dirigentes de uma empresa põem a alma no trabalho, o efeito expansivo pode
ser explosivo. Quando a direção da empresa se compromete com o sentido, seus
empregados podem encontrá-lo com mais facilidade. Mas nem sempre é assim, sem
dúvida que quando a gerência não manifesta interesse pelos valores, resulta mais difícil
honrar o sentido do trabalho. (PATTAKOS, 2005, p. 07)

Desse modo, o papel do gestor ou do líder como promotor do desenvolvimento de uma


cultura organizacional plena de sentido, passa por movimentos e estratégias amplas, que
envolvam vários aspectos do cotidiano de uma organização, podendo lançar mão de recursos
relacionais, estruturais, operacionais, financeiros, afetivos, cognitivos, que venham a ser,
segundo a própria estratégia organizacional, contextos fomentadores de sentido no trabalho e na
instituição. No entanto, é preciso ressaltar que isso não acontece repentinamente, é um processo
amplo e abrangente e leva tempo. A cultura de uma organização é criada devagar, ao longo do
tempo, pelos líderes, pelos trabalhadores, na relação com o serviço e produto oferecidos e pelos
acontecimentos. É, portanto, algo estável, duradouro e difícil de mudar. A transformação da
cultura organizacional exige tempo e esforços em conjunto, e para acontecer é importante que os
gestores sejam catalisadores de mudanças, também enquanto depositários vivos dos valores e
comportamentos pretendidos.
Do mesmo modo, qualquer processo de mudança ou crescimento cultural, seja de ordem
organizacional ou pessoal, não se daria, de forma saudável, se feito verticalmente, de “goela
abaixo”. As experiências de sentido podem ser favorecidas ou fomentadas, mas jamais impostas,
assim como argumenta Viktor Frankl (2010), ao falar do processo de desenvolvimento humano,
uma vez que os fenômenos, genuinamente humanos, como amor, felicidade, sentido ou
criatividade não acontecem por ordens ou comandos, mas partem da acolhida e decisão de cada
pessoa. Portanto, mudanças culturais que potencializem a vivência de sentido nas organizações
exigem tempo e bastante trabalho em conjunto para serem propagadas e enfim afetarem as
dinâmicas e relações e organizacionais. Cabe mencionar que dados recentes divulgados pelo
Fórum Econômico Mundial (2023) estimam que 44% das habilidades dos trabalhadores

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precisarão ser atualizadas, e que, para além de habilidades técnicas-tecnológicas, grifa-se a
importância de capacidades interrelacionais como empatia e escuta ativa.

2.5 O SENTIDO COMO ELEMENTO TRANSFORMADOR


Quando se vive sentido, há uma ampla repercussão na existência de cada pessoa, pois
vive-se uma experiência de orientação e correspondência vital que passa a reconfigurar,
criativamente, aquilo que se vive enquanto subjetividade. Nesse aspecto, a experiência de sentido
refere-se à experiência ontológica, isto é, aos modos de ser e configurações existenciais
assumidos por cada pessoa. Para tanto, Frankl escapa de uma definição meramente estrutural-
física, para alçar uma compreensão existencial do ser de cada pessoa. Nesse contexto, Frankl nos
fala de uma “ontologia do tempo” no interior da qual descortina sua concepção de ser humano,
intimamente ligado às suas definições de temporalidade. (PEREIRA, 2017)
Para Frankl, a partir da figura de uma ampulheta, pode-se tecer uma leitura sobre a
existência humana enquanto temporalidade, isso porque o Ser e o Tempo se remetem,
mutuamente, enquanto dinâmica, transformação e permanência. O passado diz respeito ao que já
foi realizado, e nesse sentido a realidade dada, ou que somos até então. O futuro se refere ao
horizonte de possibilidades, não completamente acessível, mas que evidencia o vir a ser de cada
pessoa, que está para além do que está simplesmente dado. O presente representa a realidade de
atuação, um pequeno feixe no qual pode-se, efetivamente, movimentar, e de onde as atitudes
podem gerar novos influxos. Para exemplificar seu conceito de temporalidade que se articula
com sua visão de pessoa, Frankl utiliza a metáfora da ampulheta. Na metáfora, o futuro
existencial corresponde a parte de cima da ampulheta, àquela areia que ainda vai cair e se
depositar no fundo, passando pelo gargalo. O funil central, o lugar mais estreito, Frankl vai
atribuir ao presente, ou, em suas palavras, o feixe do presente. O fundo para Frankl, a areia que
já caiu, seria o passado, aquilo que das possibilidades do futuro se realizou, e se depositou
eternamente no passado.

O passado vai-se preenchendo de realidades incorporadas ao ser, enquanto que a linha


demarcatória do presente vai, a cada instante, resgatando à realidade os possíveis que
chegam do futuro. Para Frankl, a noção de que o fluxo do tempo se orienta do presente
ao futuro é equivocada. O pai da logoterapia sustenta que a temporalidade flui do
presente para o passado, do possível para o real. ‘O fluxo do tempo está orientado ao
passado, no qual as realidades se incorporam à eternidade do ser’. (PEREIRA, 2017, p.
31)

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Logo, para Frankl (2011), nossos esforços sempre se dirigem para o passado: nós nunca
atuamos sobre um futuro, mas sobre aquilo que desejamos conservar como realidades eternas em
nosso passado. O sentido, por sua vez, só pode ser entendido como atualidade, realidade em
execução, vivido na irrepetibilidade de cada situação. Nesse casso, podem se definir valores
como aqueles universais de sentido, que se cristalizaram nas situações típicas que a sociedade
tem de enfrentar. Quando se há vivências de sentido, tais experiências se cristalizam e se
depositam como valores no “celeiro do passado”, passando a configurar-nos enquanto SER.

O de que nós precisamos é respeito ao passado, não ao futuro; o passado é inevitável, o


futuro, o nosso futuro está à frente da nossa decisão e da nossa responsabilidade. Nesta
ótica, fica, sem dúvida, demonstrado que constitui um erro dizer que somos, perante o
futuro, responsáveis pelo passado. Pelo contrário, somos precisamente responsáveis,
perante o passado inevitável, pelo futuro decisivo. (FRANKL apud PEREIRA, 2013,
p.26)

Ao assumirmos a responsabilidade sobre o passado, sobre o que foi vivido e realizado,


trata-se, afinal de contas, sobre o que somos e sobre o que recebemos, vivemos e aprendemos, e
passamos, igualmente, a ser orientados nas possibilidades de nosso vir-a-ser, por esses valores
encarnados. Por isso, os valores não ficam só no passado, como em algo distante. Tais valores
se tornam também referências que podem orientar-nos em cada decisão e para as novas
experiências. Parece haver, portanto, um efeito eminentemente criativo e de abertura de
horizontes existenciais provenientes da realização de sentido. Quando nos remetemos às
organizações este raciocínio parece não diferir muito. Os sentidos vividos passam a nos
conformar como novas experiências e valores integrados ao que somos como organização.
Quando isso acontece, as novas experiências de sentido, encarnadas, cristalizadas e perpetuadas,
passam a conformar a nova “personalidade” de uma organização.
Desse modo, o sentido promovido, potencializado e vivido em uma organização se torna
também elemento por natureza criador e criativo, transformativo e transcendente para a
organização e seus membros. Abrir-se, oportunizar e potencializar experiências de sentido em
uma organização, implica encará-la enquanto uma autêntica comunidade. Uma comunidade,
diferente de uma massa, integra, significativamente, seus indivíduos, ao mesmo tempo que
precisa da existência individual para ter algum sentido. (FRANKL, 2010)
O sentido, portanto, se torna elemento que reúne, integra e aglutina as individualidades
em torno da construção de valores, bens e sentidos comuns, fazendo desabrochar um ecossistema

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que potencializa a experiência humana. Como afirma Penna, (apud ORTIZ et al, 2018, p. 33) “as
organizações que dedicam recursos a criação de sentido no trabalho podem proporcionar um
aumento de 55% na motivação, de 42% na lealdade, de 32% no orgulho e de 20% na
produtividade”. Por fim, Hindi e Frenkel (2022), em seus estudos, chegaram à conclusão de que
a produtividade das empresas que potencializam o sentido do trabalho de forma colaborativa
aumenta, em média 54%, em comparação com as empresas que não agem dessa maneira. Os
autores reforçam que essa atividade de colaboração agrega valor significativo ao aumentar o
desempenho da empresa.

3 METODOLOGIA
A fim de conhecer as possíveis contribuições da Logoterapia e Análise Existencial ao
contexto do trabalho e das organizações, foi realizada uma pesquisa de revisão bibliográfica
narrativa dentro de uma abordagem qualitativa. “A pesquisa bibliográfica tem a finalidade de
recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições teóricas existentes sobre determinado
assunto”. (GERHARDT; SILVEIRA, apud MOREIRA; MENEGAT, 2022, p.25)
Nesse sentido, buscou-se aprimorar, atualizar e contribuir com o conhecimento acerca da
temática em tela, analisando textos de obras já publicadas, artigos ou livros e teses de Doutorado.
As revisões narrativas, ainda que não sigam protocolos sistematizados de busca e seleção de
textos, são consideradas essenciais para o debate de determinadas temáticas, abrindo
possibilidades de futuras abordagens, e colaborando para a atualização do conhecimento.
(SILVA, 2019)
A revisão foi realizada de forma não sistemática no período de dezembro de 2022 a
janeiro de 2023. As buscas se basearam no objetivo da pesquisa, buscando textos de autores que
estudam as seguintes temáticas: Logoterapia, Análise Existencial, Liderança, Sentido de Vida,
Qualidade de Vida, Cultura Organizacional e Colaboração no Trabalho. Foram selecionadas
obras que apresentavam efetiva referência à temática abordada no trabalho, bem como de autores
provindos do mesmo viés teóricos e, também, de outros vieses teóricos que destacam o tema em
tela. A busca bibliográfica foi realizada nas bases de dados Google Acadêmico e de periódicos
científicos classificados, prioritariamente, com o índice Qualis A1 ou A2, complementada com
uma busca ativa nas listas de referências dos trabalhos selecionados. Durante a busca destacaram-
se obras do próprio fundador da Logoterapia, Viktor Frankl, além de autores como Alex Pattakos

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(2005), Ivo Pereira (2017), Efrén Martinez Ortiz et al (2018), García-Alandete et al. (2018),
Rahmadani et al. (2020), Sisodia e Gelb (2020), Davidescu et al. (2020), Costa et al. (2021),
Parker (2022) e Cancian et al. (2023).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O discurso da Logoterapia aplicada à questão do trabalho e das organizações
necessariamente se relaciona com a reivindicação de se propor organizações mais humanas. A
partir do pensamento de Frankl, entende-se que isso se daria nas empresas na medida em que se
tomasse o humano como aspecto central de cuidado, valorização, reconhecimento e
desenvolvimento. Os esforços dos líderes e gestores se voltariam a promoção de relações de
trabalho mais saudáveis e potencializadoras de desenvolvimento. A antiga máxima de que
pessoas felizes fazem uma empresa feliz, e vice-versa, se atualiza na medida em que se entende
que organizações que valorizam as pessoas, seus sentidos e propósitos, colhem como fruto valor,
engajamento e desempenho oferecidos.
Esta pesquisa ressalta que a busca de construir sentido nas organizações não é, no entanto,
algo fácil a se realizar, sobretudo por estarmos falando de um contexto no qual, ainda, parecem
predominar lógicas e dinâmicas que, caracteristicamente, tendem a reduzir a existência das
organizações a fins de produção e lucro. Quando o aspecto financeiro é o único que define o
sentido de uma empresa, desaparecem as decisões éticas, o que despotencializa a possibilidade
de se realizar sentido. Por outro lado, quando a força motriz do processo de decisão passa do
dinheiro as pessoas, se expande a possibilidade de criação de um ecossistema favorável ao
sentido.
Desse modo, a pesquisa identificou que os argumentos apresentados pelos autores da
Análise Existencial e Logoterapia reforçam, incrementam e vão ao encontro daquilo que tem se
falado e defendido em perspectivas atuais de gestão: a importância de transformar a organizações
em locais mais humanos e éticos, capazes de ajudar o mundo e a nós mesmos. E isso tudo conflui
para modelos gerenciais que prezam e que investem em formas de favorecerem relações e
experiências plenas de sentido em suas organizações.
Por fim, este estudo considera que o futuro do trabalho pode ser projetado para produzir
melhores resultados, e são as decisões políticas, o encaminhamento dos negócios e dos
investimentos, todos alinhados com as tomadas de decisão que os líderes tomam hoje que

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determinarão os resultados e o futuro panorama de ação. A esse respeito, espera-se que este artigo
científico contribua para uma agenda ambiciosa de várias partes interessadas para melhor
preparar trabalhadores, empresas, governos, educadores e sociedade civil para as disrupções
futuras e capacitá-los a agir nessas mudanças sociais, ambientais e sociais sempre levando em
consideração o sentido do trabalho para todos os agentes envolvidos.

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