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ELEMENTOS DA POÉTICA DE ROBERTO BOLÃNO ATRAVÉS DE UM ESTUDO

CRÍTICO DO VOLUME DE CONTOS PUTAS ASESINAS

ELEMENTOS DE LA POESÍA DE ROBERTO BOLAÑO A TRAVÉS DE UN


ESTUDIO CRÍTICO DEL VOLUMEN DE CUENTOS PUTAS DE ASESINA

Resumo: O presente artigo apresenta um trabalho que investiga os elementos recorrentes


que formam o esqueleto do livro de contos intitulado Putas asesinas (2001), do escritor
chileno Roberto Bolaño (1953-2003). O objetivo deste artigo é fazer uma sistematização dos
elementos de cada conto para obter uma perspectiva global do livro em relação à poética
que o constitui. Para alcançar este objetivo, procedemos a uma leitura comparada e cruzada
dos contos a partir da qual estabelecemos parâmetros que organizamos em uma tabela que
foi configurada a partir das seguintes entradas: a violência, a presença de elementos de
ficção científica, a importância do sentido do olhar, a autoficção, a poesia e a temática de
sexualidade. Assim, uma vez identificados e sistematizados os elementos que buscamos em
cada relato, nos concentramos em refletir sobre seu papel em cada conto, e em como se
relacionam entre si no conjunto, formando uma poética da coleção de contos.

Palavras-chave: ROBERTO BOLAÑO; PUTAS ASESINAS; ELEMENTOS DA POÉTICA.

ABSTRACT: This article presents a work developed in the Portuguese-Spanish Literature


Course, which investigates the recurring elements that make up the skeleton of each of the
stories present in the book entitled Putas asesinas (2001), by the Chilean writer Roberto
Bolaño (1953-2003 ). The objective of this work is to systematize the elements of each story
to obtain a global perspective of the book in relation to the poetics that constitute it. To
achieve this objective, we proceed to a comparative and cross reading of the stories from
which we establish parameters that we organize in a table that is configured from the
following entries: violence, presence of science fiction elements, importance of the sense of
the gaze, self-fiction, poetry and gender issues. Therefore, once we identify and systematize
the elements that we systematically look for in each story, we focus on reflecting on their role
in each story and how they relate to each other in general, forming a poetics from the
collection of stories.

Key words: ROBERTO BOLAÑO; KILLER PROSTITUTES; POETIC ELEMENTS.

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1-CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho é o resultado da leitura e análise da coletânea de contos,


intitulada Putas Asesinas que identificou os elementos da poética do autor Roberto
Bolaño no que tange a essa obra.

No contexto da literatura de língua espanhola, Bolaño foi considerado como o


último escritor latino-americano:

El último escritor latinoamericano fue Roberto Bolaño, muy a su


pesar. Epítome de esta doble tradición, exilado por fuerza y luego por
voluntad, chileno con un imaginario preponderantemente mexicano,
su obra señala una de las cumbres más altas de la literatura
latinoamericana, y al mismo tiempo, como una bomba de relojería,
también señala el camino hacia su extinción. (VOLPI, 2006, p.92).

Jorge Volpi defende que a literatura latino-americana era aquela que não
fugia de suas origens, ou seja, que ainda se baseava no realismo mágico, que
abordava a vida do latino-americano, enfim, uma literatura que se importava por ser
e não por vender. Volpi diz ainda que esse tipo de literatura já não existe mais. A
partir do BOOM (movimento literário dos anos 60 e 70 que divulgou amplamente o
trabalho de romancistas latino-americanos na Europa e nos EEUU) e do Realismo
mágico, a literatura hispano-americana obteve um grande público. No entanto, o que
antes era a força dessa literatura, começou a ser sua fraqueza, uma vez que todos
os escritores pareciam repetir fórmulas. Para continuar sobrevivendo, os novos
escritores tinham que abandonar sua raiz latino-americana, visto que o mercado já
estava saturado. Com isso, surgem grupos como McOndo e Crack que, segundo
Volpi, se dedicavam a escapar desta epidemia latino-americana. Para Volpi, o que
resta dessa literatura dos 60 e 70 são seus escritores, tais como Gabriel García
Márquez e Mario Vargas Llosa, a lembrança do realismo mágico e os escritores
atuais que ainda mantém a esperança de conseguir editoras para difundir seus
trabalhos.

Talvez, por ser considerado por muitos como o último escritor latino-
americano, Bolaño tenha recebido uma ampla acolhida na cena literária atual. Essa
recepção do autor na atualidade se verifica tanto no âmbito acadêmico, como nos
círculos de escritores, jornalistas, feiras literárias, saraus ou outros locais. De fato,
2
Bolaño pode transitar em um amplo espectro de aceitabilidade que, hoje, o coloca
num espaço de recepção que pode ir do canônico, ao anticanônico, já que suas
ideias e seus temas, as estruturas de seus romances mais badalados, como Los
detectives salvajes e 2666, o tom pouco conciliador com questões ainda polêmicas
no contexto latino-americano e mundial, seu compromisso com a sinceridade na
hora de emitir opiniões sobre literatura ou política, enfim, seu posicionamento no
campo, como diria Pierre Bourdieu (1996), fazem com que Bolaño tenha se
convertido após sua prematura morte em um escritor de culto que, contudo, continua
a desafiar o próprio establishment por sua postura intransigente, por sua ética
rigorosa e inegociável.

Com isso, se tratando de um autor bem acolhido no Brasil e também pela


pequena quantidade de trabalhos realizados tendo como objeto de estudo o conto
(DÉCIO, 1977), a ideia de partida desse artigo consistiu em pesquisar os elementos
recorrentes que formam o esqueleto de cada um dos relatos do livro Putas asesinas
(BOLAÑO, 2001). A través de um trabalho de sistematização desses elementos e de
uma leitura comparada e cruzada dos treze contos, se pretendeu ter uma amostra
daquilo que poderíamos chamar a poética de Roberto Bolaño.

2-ELEMENTOS POÉTICOS

A ideia de partida desse artigo consistiu em pesquisar os elementos


recorrentes que formam o esqueleto de cada um dos relatos do livro Putas asesinas
(BOLAÑO, 2001). A través de um trabalho de sistematização desses elementos e de
uma leitura comparada e cruzada dos treze contos, se pretendeu ter uma amostra
daquilo que poderíamos chamar a poética de Roberto Bolaño.

A partir de uma primeira leitura mais cuidadosa da obra, foram levantados os


elementos mais recorrentes ao longo do livro. São eles: (I) a violência como suposto
permanente e transversal nos contos, uma violência que pode estar atrelada ao
estado, ao gênero, ao sexo, à prostituição, ao corpo, a processos históricos, portanto
a ideias e, em particular, à história da América Latina no período que se inicia no
começo dos anos 1970, mas também da Espanha no mesmo período e até o final do
século XX; (II) a presença de elementos de ficção científica, que podem funcionar

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como pontos de inflexão que abrem o relato para uma dimensão temporal ou
narrativa da ordem da parábola ou do símbolo, o que significa narrar desde uma
perspectiva que busca superar seu próprio presente; (III) a importância do sentido do
olhar e o dispositivo do olho e da lente de uma câmera ou tela como mediações no
processo de representação na qual a imagem é uma construção estética, mais do
que uma evocação realista; (IV) a autoficção, que se dá na presença de B em vários
relatos (como apócope de Belano e alter ego de Bolaño), assim como de outros
personagens que representam pessoas conhecidas do entorno do autor, como seu
pai, em um dos contos, sua mãe em outro, etc; (V) a poesia e sua presença
constante na construção de enredos e climas e situações nas quais o personagem
principal de alguns relatos lê e cita autores e tendências que compõe o cenário, o
clima e o espectro de ideias dentro do qual parece que o conto reclama ser lido; (VI)
e, por fim, a sexualidade, que é problematizada sob vários ângulos em diálogos com
debates contemporâneos sobre o gênero.

2.1- A violência

Com diz GINZBURG (2019) a violência está presente em grande parte das
obras cinematográficas atuais. Há quem diga que “cenas de tiros ou lutas corporais
foram consideradas fatores de motivação para o consumo” (GINZBURG, 2019,
p.12). Algumas empresas dedicadas a produzir entretenimento associam
diretamente a expectativa do lucro à inserção de cenas violentas. Na atualidade, a
violência segue presente na TV, nos jogos e, claro, na literatura. Este mesmo autor
diz também que recorrentemente, em todos os meios mencionados, as cenas de
violência podem ser praticadas tanto pelo protagonista quanto pelo antagonista. O
que diferencia é a razão por pratica-la.

ALDAY (2010) comenta sobre o “gigantismo” que estes personagens que


praticam da violência sofrem. Essa ação acontece quando nós, leitores, nos
aproximamos do personagem, legitimando e defendendo sua ação violenta. Essa
aproximação pode acontecer, por exemplo, por se tratar de uma violência
socialmente aceita ou pela voz e forma pela qual a fato é narrado.

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Em Putas asesinas a questão da violência é abordada de diferentes
maneiras: Há a violência física, praticada de diferentes formas, a violência social e a
violência de Estado. Sobre isso discutiremos mais profundamente no tópico a seguir.

2.2- Ficçâo científica

Como veremos, a autoficção é um dos elementos mais marcantes nas obras


de Bolaño. E como a própria palavra diz, há uma mistura de autobiografia com a
presença de elementos de ficção. Portanto, os elementos de ficção científica se
entrelaçam com os fatos ocorridos na vida do autor causando um estranhamento na
cabeça do leitor. Esse elemento se estende desde um reflexo em um copo de vidro,
até a presença de vida alienígena. E como comentado, a autobiografia do autor e a
ficção se entrelaçam, fazendo com que tudo chegue até o leitor como algo muito
real.

2.3- O olhar

Em Putas asesinas a questão do olhar se amplifica por vários ângulos,


diferentes formas de se interpretar o olhar é apresentada e todas elas interferem
diretamente na análise do texto; seja o olhar de um personagem para outro, de um
personagem para determinada cena ou ação e, também nosso olhar com relação
aos acontecimentos narrados.

Como comentado quando tratamos sobre a violência, o nosso olhar sobre


determinada cena tem o poder de considera-la como certa ou errado e a partir disso
traçar o perfil do personagem. Um exemplo: Quando um policial mata um bandido. A
princípio vemos sem julgar, uma vez que o primeiro estava no ato de sua profissão.
Portanto, nos aproximamos do policial já que o ato que cometeu é aceito por muitos.
No entanto, se nos for narrado o porquê do “bandido” ser considerado assim, talvez
isso possa mudar. Consideremos portando que tal personagem era um “bandido”
por roubar comida em um mercado para não passar fome. Nessa perspectiva,
muitos vão julgar o ato do policial de o haver matado sem necessidade. Com isso
não haverá mais a aproximação a este personagem. Enfim, este é apenas um
exemplo para mostra que o nosso olhar sobre cada cena e situação narrada faz com
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que interpretemos um mesmo ponto de diferentes formas. Com isso a análise e
interpretação se torna individual.

Passemos agora para o olhar interno ao conto, ou seja, o olhar do


personagem a um outro personagem ou ação vivenciada por ele. Todo personagem
tem suas ações e comportamentos moldados pelo olhar que esse construiu do
mundo. Com os personagens de Putas asesinas acontece o mesmo: é possível
notar que muitos deles praticam de determinada ação ou se construíram de
determinada forma a partir do que observaram. Como exemplo podemos citar o
personagem Lalo, do conto Prefiguración de Lalo Cura; este é um personagem que
se apaixona de Olegario - ator pornô que contracenava com sua mãe - através dos
filmes que assistia e por observar como todos o tratavam e o mencionavam.

Como comentaremos um pouco mais diante, as mídias visuais e as


fotografias também contribuem muito para que esse elemento se faça presente nos
contos dessa coletânea de Roberto Bolaño.

2.4- A autoficção

Eurídice Figueiredo diz que a meneira de construir e encarar as categorias de


autobiografia e ficção sofreu grandes transformações nos últimos 30 anos, e hoje as
fronteiras entre elas se desvanecem. Ela segue dizendo que a autoficção é um
gênero que embaralha as categorias de autobiografia e ficção de maneira paradoxal
ao juntar, numa mesma palavra, duas formas de escrita que, em princípio, deveriam
se excluir.

O conceito de autoficção surge na França em um debate entre Philippe


Lejeune e Serge Doubrovsky em 1977. Doubrovsky é quem produz a palavra - que
na época era um neologismo - autofiction para validar seu livro Fils. No prefácio do
livro o autor diz:

Autobiografia? Não, isto é um privilégio reservado aos importantes


desse mundo, no crepúsculo de suas vidas, e em belo estilo. Ficção, de
acontecimentos e fatos estritamente reais; se se quiser, autoficção, por ter
confiado a linguagem de uma aventura à aventura da linguagem, fora da
sabedoria e fora da sintaxe do romance, tradicional ou novo. Encontro, fios de
palavras, aliterações, assonâncias, dissonâncias, escritas de antes ou de
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depois da literatura, concreta, como se diz em música. Ou ainda: autofricção,
pacientemente onanista, que espera agora compartilhar seu prazer

(FIGUEIREDO, 2010, p. 92, Apud DOUBROVSKY, 1977, p. 10,


tradução da autora)

O próprio escritor faz uma diferenciação entre autobiografia e autoficção; no


primeiro, se deve contar toda sua história, desde as origens, já no segundo pode
haver uma seleção de fatos a serem contados, sendo que estes podem ser
selecionados de diferentes fases da vida.

Como comentado anteriormente, esta palavra, autoficção, junta dois opostos:


a autobiografia, que é algo real e verdadeiro, como a ficção, algo irreal. Bolaño, por
sua vez, decide por utilizar da autoficção em suas duas vertentes; a utiliza em textos
que seriam totalmente autobibliográficos, como, por exemplo, o conto Carnet de
baile, mas que se tratando de uma autoficção faz a seleção de momentos se sua
vida a serem contatos, mas também a utiliza em textos ficcionais, onde há a
presença do irreal, citando como exemplo o conto Últimos atardeceres en la tierra.

2.5- Poesia

Este é um elemento que se faz muito presente nos textos de Roberto Bolaño por se
relacionar com o elemento anteriormente citado, a autoficção. Este elemento se
apresenta não somente pela citação de obras literárias, mas também de escritores,
filmes, músicas e tudo que se relacione com a arte.

2.6- Sexualidade

De acordo com Trujillo (2011), os mecanismos de validação de uma obra de


arte literária não podem ser omissos a temáticas que estão impregnadas do
cotidiano da população como são as relacionadas com a sexualidade, em suas
diversas manifestações, embora esta se encontre no campo das interdições e no
domínio do indizível.

Segundo este mesmo autor:

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Na filosofia grega clássica a sexualidade é determinada por ser
expressão de duas realidades: a primeira corresponde ao mundo dos
militares que se devem abster de assumir qualquer compromisso que
interfira na tarefa de servir o Estado e o soberano chegando, no caso
da teoria platônica, a propor a implantação de uma comunidade de
eunucos para integrar o exército. A segunda realidade expressa pelo
mundo filosófico grego aponta para a idéia de que o sexo entre
diferentes (heterossexual) não seria manifestação de perfeição,
sendo que aqueles que não encontrassem sua metade perfeita (igual)
viveriam um estado de conformismo e sua finalidade seria meramente
reprodutiva. Os intelectuais e a aristocracia buscariam o amor perfeito
no igual o que seria provavelmente uma forma de apologia da
homossexualidade. Com o advento do cristianismo abole-se o prazer
da esfera da sexualidade deixando esta como mero instrumento de
perpetuação da espécie. Os tempos modernos vêm-se tornando mais
flexíveis e tolerantes com as diversas práticas da sexualidade
colocando esta como expressão de libertação e catarse de todas as
formas de repressão da interioridade sendo que numa sociedade que
hiper-valoriza a sensualidade e a sexualidade chega-se perto de um
“pode tudo” na vivência erótica.

Nos contos de Roberto Bolaño todas as esferas da sexualidade se fazem


presente; seja a relação entre dois iguais (que muitas vezes é vista como algo
negativo), seja o Eros entre dois diferentes, e até mesmo o sexo ocasional.

3- ANÁLISE

Todos os contos trazem alguns ou, em alguns casos, todos os elementos


previamente estabelecidos, alguns de forma mais evidente, outros de forma menos
óbvia, mas sempre presente. Como vemos a seguir, dos 13 contos estudados, em 2
deles todos os seis elementos estavam presentes; em 6, cinco dos elementos
estavam presentes; em 3, quatro dos elementos estavam presentes; e em 2, apenas
três elementos estavam presentes.

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A presença dos elementos destacados nos contos
de Putas asesinas

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Ú V

Violência Ficção científica Importância do olhar


Autoficção Poesia Sexualidade/gênero

Como comentado anteriormente, a violência é um elemento em comum que


perpassa quase todos esses relatos. O primeiro conto que compõe a coletânea
Putas asesinas, intitulado “Ojo Silva”, traz uma afirmação que se faz presente não
apenas no conto em questão, mas também em todos os contos que o seguem: “De
la violência, de la verdadeira violência, no se puede escapar (...).” (BOLAÑO, 2006,
p.11). Esse elemento se faz presente em cada relato de diferentes formas: muitas
vezes estão presentes as violências físicas, que pode se dividir em violência infantil,
presente no conto ‘Ojo silva”, violência de gênero, presente no conto “Gómez
Palacio ” e “Putas asesinas”, dentre outras; a violência social, que pode se referir ao
descaso político e muitas vezes ao meio ao qual se está inserido. Esse ponto é
abordado nos contos “Prefiguración de Lalo Cura” e “Dentista”. E por fim, a violência
de estado, uma vez que em vários relatos é possível ver citações e comentários
sobre o Golpe Militar, o Exílio, a ditadura e o Golpe de Estado. Vale destacar que em
alguns contos outros tipos de violência se fazem presentes, como por exemplo o
estupro, a necrofilia e o suicídio. Apenas no conto intitulado “fotos” o elemento
comentado não foi identificado

O segundo elemento, a ficção científica, está presente em dez dos treze


contos. A princípio, podemos comentar sobre as viagens no tempo presente no
conto “Últimos atardeceres en la tierra”. Neste conto, a cortina do bar que ficava na
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beira da estrada a caminho de Acapulco e, que separava a cozinha do salão,
também separava um tempo do outro. Isso fica evidente a partir da percepção de B,
alter ego de Bolaño. No conto, “Ojo Silva” temos a presença e interação dos
personagens com um banco, elemento também presentes nos textos “El outro”, de
Borges, e “EL Gusano”, de Bolaño. Este elemento, nestes três textos, tem como
objetivo, suspender a realidade. Com relação a este elemento, se pode comentar
também sobre as narrativas “El retorno” e “Buba”, dois textos que tem como foco
principal algo de caráter ficcional, a vida após a morte e a cerimônia de sangue.

Outro elemento destacado no desenvolvimento do projeto foi a importância do


olhar. O conto que dá início a essa coletânea traz duas perspectivas diferentes para
esse mesmo elemento; primeiro, a metáfora presente no nome, ou melhor, no
apelido do personagem principal “Ojo”. E segundo, a profissão de fotógrafo de Ojo
Silva, que faz com que o olhar tenha uma importância significativa. Em suma, este
elemento se divide em duas categorias: As fotografias e as mídias visuais. Nos
contos “Fotos” e “Últimos atardeceres en la tierra” as fotografias são um objeto que
faz com que através de uma observação detalhada, o eu lírico se identifique com o
que vê. Já as mídias visuais, como a televisão e o cinema, trazem um enredo para a
trama dos contos “Putas asesinas” e “Prefiguración de Lalo Cura”. No primeiro, é a
partir desse elemento que o conto se desenvolve: depois de observar a Max pela
televisão, que a personagem principal cria o perfil deste homem e trama o seu plano.
No segundo, ao assistir os filmes produzidos por Pajarito, o eu lírico desenvolve um
sentimento especial. Em todos os contos em que esse elemento se faz presente, foi
possível observar que ele vem como ponto de sustentação para o desenvolvimento
do conto, ou para sustentar um dos outros elementos destacados nesse elemento.
Como por exemplo, no conto já comentado anteriormente, “Últimos atardeceres en
la tierra”, onde o eu lírico se aproxima de Rosey a partir da observação que faz de
uma foto deste escritor, trazendo desta forma algo de caráter autobibliográfico, uma
vez que Rosey e Bolaño tiveram um início parecido na profissão de escritor.

A autoficção está presente em dez dos treze contos. Esta é uma das
características que faz com que Volpi acredite que Bolaño foi o último escritor latino-
americano. Bolaño traz em seus trabalhos relatos que se acercam muito a sua vida
pessoal, e talvez por isso, três dos outros elementos levantados neste trabalho
sejam utilizados constantemente por Bolaño. Me refiro aqui à violência, à poesia e
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às questões relacionadas ao gênero que serão discutias a seguir. Este elemento por
alguns momentos se apresenta de forma muito acentuada, e outra de formar quase
que oculta, onde para um leigo, que conheça pouco sabre a vida do autor, passaria
despercebido. No conto “Ojo Silva” temos que o narrador participou da resistência
política e que é um exilado. Se comenta também sobre o fato de ser casado, ter um
filho, ter nascido no Chile nos anos 50 e ter morado no México em 1974. E de forma
minuciosa, temos uma passagem do conto onde o narrador pede uma cerveja sem
álcool. Isso porque no período em que escreveu este conto, Bolaño já havia sido
diagnosticado com uma doença no fígado. No conto “Carnet de baile” temos grande
parte da vida de Bolaño escrita alí. Nos é apresentado seu pai boxeador, a ida ao
Chile, a prisão, a ajuda de amigos que o libertaram... enfim, este é um conto que, me
arrisco a dizer, é totalmente autobibliográfico. Nos outros contos em que o elemento
se faz presente, estão características como: imigrante chileno, escritor, nunca haver
frequentado a universidade, dentre outras.

O quinto elemento, a poesia, também está presente em grade parte dos


contos. Ela pode estar representada por livros, por filmes, por músicas ou por
escritores. No conto “Últimos atardeceres en la tierra” o personagem está lendo um
livro que aborda o surrealismo francês, com isso, se cria um paralelismo entre
Rosey, personagem do livro, e B, personagem do conto que, como já comentamos,
é um dos alter egos de Bolaño. Ao se fazer um paralelismo entre esses dois
escritores, também se faz ao período que cada um presenciou, o nazismo e o Golpe
de Estado, respectivamente. No conto “Fotos”, são citados nomes de diversos
escritores franceses que estavam presentes no livro encontrado pelo personagem.
Já nos dois últimos contos da coletânea, temos os nomes de diversos escritores; no
primeiro, escritores que participaram da vida de Bolaño, como Pablo Neruda,
Nicanor Parra, Borges, e outras, e no segundo, escritores que foram influenciados
por Enrique Lihn.

Por fim, o último elemento faz referência as questões de gênero abordada nos
contos de Bolaño. A princípio, podemos comentar sobra a violência de gênero que
mulheres sofrem em muitos dos contos, como por exemplo: “Gómez Palácio”, onde
a diretora tinha medo de ser vista com outra pessoa por seu marido, que segundo
ela, é um cara violento. “Días de 1978”, onde U violenta a sua mulher, e “Putas
asesinas”, já que, ao que tudo indica, a personagem principal foi violentada por Max.
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Outro ponto muito abordado nos contos de Bolaño, ainda dentro deste elemento, é a
homossexualidade. Em muitos dos seus contos esse tema é abordado de forma
rápida, mas não deixando de estar presente. Logo no primeiro conto, “Ojo Silva”,
temos o comentário de um dos personagens que suspeitava da sexualidade do
personagem principal, o que é confirmado posteriormente. No conto “Prefiguración
de Lalo Cura”, a partir do meu ponto de vista, Olegario, um dos personagens, acaba
se apaixonando por Pajarito, o ator pornô. Isso fica claro não só pelo final do conto,
onde Olegario demonstra uma preocupação pelo ator, mas também nas descrições
que o mesmo faz de Pajarito; descrições sempre muito detalhadas e sempre
destacando os pontos positivos deste homem. No conto “Putas asesinas” temos um
breve comentário sobre o preconceito contra gays. Em “El retorno”, temos a relação
homossexual de Villenueve, um renomado estilista francês, com um cadáver. Em
“Buba”, temos um comentário sobre a homossexualidade de um de seus amigos, e
em “Dentista”, em diversos momentos nos é apresentada a possibilidade de que o
personagem principal seja homossexual. Ou seja, a homossexualidade está
presente em metade dos contos da coletânea Putas asesinas.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Outros elementos são recorrentemente abordados na obra estudada, como a


política e a prostituição. No entanto, não os analisamos de forma separadas uma
que vez que, a política está estreitamente relacionada com a autobiografia do autor,
e a prostituição é mencionada sempre de forma muito ligeira.

Concluiu-se, portanto, que os elementos identificados formam realmente um


esqueleto da obra e lhe conferem uma unidade ao conjunto. Em suma, é possível
propor que em Putas asesinas se configura uma poética que pode ser resumida nos
elementos transversais identificados, tornando-se evidente o projeto literário de
Bolaño para esta obra e, talvez, como parte de toda sua produção ficcional.

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