História da Pedagogia - Capítulo V: o cristianismo como revolução educativa.
(Franco Cambi) Resumo – Susana Bettú
Concepção do mundo, modelo de cultura e ideal de formação.
O Cristianismo operou uma revolução de mentalidade, a afirmação de um novo tipo de homem: igualitário, solidário, humilde, virtude do amor universal, castidade, pobreza. Do âmbito religioso vem modelar a visão da sociedade e os comportamentos coletivos, reinventando a família; o mundo do trabalho e a política. Temos então um novo modelo de sociedade baseada em relações de fraternidade e de civilidade pelos valores do evangelho. Os valores negativos do mundo antigo são colocados no centro: Fraqueza; Tolerância; Compaixão. Na sociedade valem os vínculos espirituais; sem relação hierárquica, assimétrica de domínio e de imposição étnica e locais. Política se transcreve em sentido religioso e irenista indo além do: “Dai a césar o que é de césar e a deus o que é de deus.” Em 313 ano de édito de Milão promulgado por Constantino, a igreja afirma-se como como representante da religião do Império. O cristianismo vem dar vida a um novo modelo de civilização onde a ideia de cultura coloca no centro o fator religioso. Grandes intérpretes do cristianismo até a modernidade: de Erasmo a Pascal; Hegel e Engels; Nietzsche e Freud. Toda sociedade orientada pela religião torna-se educadora mas mudam os ideais formativos: a Paidéia clássica contrapõe-se a Paidéia christiana. Revolução do cristianismo é também uma revolução pedagógica e educativa. Novo testamento, cristianismo primitivo e educação Documentos canônicos que trazem a mensagem educativa/formativa que depois em contato com o mundo helenístico e a cultura filosófica grega se tornará também revolução pedagógica. São 4 textos: os Evangelhos, as Epístolas de São Paulo, o Apocalipse de São João e os Atos dos Apóstolos. Os Evangelhos guiados por um mestre-profeta fala contra os hábitos correntes utilizando o “sermão da montanha” como exemplo para inquietar e desafiar a tradição. O amor torna-se agora a chave mestra de toda a educação cristã, amor a Deus e ao próximo. Epístolas de São Paulo traz outra visão da mensagem cristã. Mais dramática, mais inquieta, mais disciplinar, passada pelo filtro da cultura hebraica e da helenístico-romana, pois Paulo era um hebreu romanizado. Com o Apocalipse de São João, os temas do “fim dos tempos”, da tensão escatológica na história e da regeneração final do homem são os que iluminam um caminho educativo próprio das comunidades cristãs. Atos dos Apóstolos: no centro a ação educativa das primeiras comunidades cristãs. Funções educativas e seus ritos de iniciação: batismo, missa, oração. O nascimento da igreja e a organização educativa São os primeiros grupos Cristãos a praticar a oração em comum, a renovação da paixão de Cristo, última ceia, o culto aos mortos relacionados aos símbolos do cordeiro, asno e do peixe. A igreja aceitou apenas quatro autores, considerados os mais antigos, mais fiéis, uniformes, mesmo que orientados de maneira diversas, ficaram então conhecidos como Canônicos: São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. A ação que a igreja vinha então desenvolvendo era essencialmente pedagógica, no campo religioso e civil. São dois os aspectos que caracterizam o cristianismo: a centralidade da imitação da figura de Cristo e a adoção, na formação do cristão, da cultura clássica, literário-retórica e filosófica. Fixam-se também algumas práticas educativas ligadas à práxis comunitária relativas a família (que se modela pelo amor recíproco e dedicação aos filhos, embora os governe com autoridade). A herança do mundo clássico: a Paidéia cristã A marca da cultura grega se fixa dentro do discurso cristão e onde se inicia a simbiose entre cristianismo e helenismo. São Justino apresentou o cristianismo como a mais alta visão de Deus mas o nutriu da tradição filosófica grega, aproximando Platão e Cristo. Com Clemente e a Epístola aos Coríntios (30 anos após a morte de São Paulo), a retomada do cristianismo em termos helenísticos-romanos é bem definida: a comunidade cristã deve ser tornar um estado organizado; Roma deve ser a sede da autoridade religiosa, a ordem civil é fator chave da ética Cristã. Com a escola de Alexandria se aprofundou a noção de Paidéia cristã. Clemente de Alexandria e Orígenes reinterpretaram a Bíblia em sentido cristão e relendo a filosofia grega à luz de Platão, unindo filologia e interpretação. O educador se torna guia espiritual e cultural e oferece instrumentos para chegar a “sapiência” e a um crescimento espiritual superior. Padres capadócios, a partir de Homero mudam o curriculum da nova Paidéia cristã. A morphosis como crescimento regula a educação do cristão, mas deve desenvolver-se como cuidado, atento e contínuo e conduzir o homem para a sua areté. São Jerônimo (342-420), delineou o novo modelo de cultura; traduziu a Bíblia, estudou os clássicos Cícero e Virgílio, porém achava que o afastavam de Deus. Dois modelos no campo educativo: ascético (temor de Deus) e o clássico (ligado a Paidéia). O pensamento grego e o cristianismo fundaram a primeira tradição filosófica de nova religião. A ruptura cristã em pedagogia foi sensível mas as categorias mantiveram uma profunda continuidade. O monasticismo e “uma escola a serviço do Senhor” O primeiro mosteiro foi fundado em Subíaco por Bento de Núrsia (480-547), foi a nova estrutura elaborada pelo cristianismo. Um lugar de formação que submetia o processo formativo ao princípio da ascese (da renúncia e da mortificação). Do Egito o monasticismo difunde-se depois no Ocidente, onde no século VI teve seus modelos mais significativos, também no sentido cultural e educativo com Vivarium fundado na Calábria em torno de 552 por Flávio Magno Aurélio Cassidoro (480-572). A família e a educação cristã: a infância e as mulheres Muda-se a relação com o pai (o próprio Deus é visto como “Pai nosso”, misericordioso e amorável) que agora é o guia da família, atento e amoroso. Papel da mãe: a figura que apoia, que socorre, chegando até o heroísmo. Espelha-se na sagrada família, modelo ideal, centro de vida espiritual. A mulher é liberta de antigas cadeias, sublinha sua igualdade em relação ao homem (igualdade sobretudo diante de Deus). Santo Agostinho: O mestre da Pedagogia Cristã A obra de Santo Agostinho reativa no cristianismo os princípios da filosofia platônica: o inatismo da verdade; o dualismo alma/corpo; a ascese ética e mística típica sobretudo do neoplatonismo, mas salvaguardando as características originais da teologia, e da moral cristãs. Um ponto de continuidade entre cultura antiga, pensamento grego e cristianismo. No plano pedagógico, foi o mestre do Ocidente cristão, investigou os aspectos fundamentais de uma pedagogia de estatuto religioso e lhe deu soluções exemplares: pela espessura cultural, pelo vigor teórico e também pelo significado espiritual. Nasceu em 354 d. C. de pai pagão e de mãe – Santa Mônica – cristã, frequentou escolas de gramática e retórica na África onde mais tarde foi professor. Em 385, em Milão, teve contato com o cristianismo, estudou, discutiu e converteu-se. Segundo Santo Agostinho, a verdade ilumina a consciência e se manifesta nela. Ele indica o processo de formação do cristão nas confissões (autobiografia que mostra o complexo itinerário da formação da alma cristã, que deve se afastar do pecado e se dirigir a Deus através do arrependimento e da ascese mas tornando-se consciente de sua própria fragilidade), enfrenta o tema do educar-instruir, expõe um programa de cultura e instrução, fixa um itinerário educativo para a humanidade na filosofia da história e fixa os graus de formação espiritual do cristão: ler, meditar, orar, contemplar. O projeto educativo de Santo Agostinho permaneceu – na sua mescla de platonismo, filosofia plotiniana e cristianismo paulino – como um dos grandes modelos de pedagogia cristã a qual se continuou a recorrer durante séculos e que desfraldou a bandeira da educação cristã.