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ANIMAIS DE

ESTIMAÇÃO:

DA COMPETIÇÃO

À SIMBIOSE

Trabalho de Conclusão
da Residência Médica em Psiquiatria
do Hospital Psiquiátrico São Pedro
POA – RS - Brasil

AUTOR: JORGE PREGER


ORIENTADORA: Dra. OLGA FALCETO
2001 (em processo de atualização)
2

Dedico inteiramente este trabalho

a Bubi e Dana ,
minhas cachorras,

ainda vivas, muito vivas,

em minha memória afetiva


3

Agradeço especialmente à
Henriqueta Kopsch von Wackerritt
pelo seu dedicado e preciso trabalho
como tradutora de alemão,inglês
e italiano
e revisora de português
ea
Claus Michael Preger
pelo estímulo e acessoria
4

Sumário

Sumário pg. 4

Resumo 5

Abstract 6

Introdução 7

Bio-antropologia da Domesticação dos cães 10

Aspectos Culturais 17

Visão Psicanalítica 22

Função Sistêmica dos Animais Domésticos 33

Benefícios ao Bem-estar e Saúde Humanos 45

O Melhor Amigo do Cão ? 53

Conclusões 56

Referências 59
5

Resumo
O ser humano surgiu como espécie há aproximadamente
duzentos mil anos. Somente entre dez e quinze mil anos, iniciou-se o
processo de domesticação dos animais. O lobo foi o primeiro animal a
passar por este processo, dando origem ao cão. À medida que os séculos
foram passando, o relacionamento entre o homem e cão se tornou cada
vez mais intenso, a ponto de, dificilmente, podermos pensar em nossa
sociedade sem a presença deste e de outros animais de estimação (pets).
Os laços que nos unem possuem, desde os primórdios da civilização, um
componente prático e utilitário, que diz respeito, por exemplo, ao aumento
significativo da eficiência da caça com a ajuda dos cães, quando esta
atividade era essencial para nossa sobrevivência. Há ainda o aspecto
emocional, que por sua vez, adquiriu também grande importância na
sociedade humana, devido ao fato de os animais poderem servir como
excelentes fontes e objetos de cuidados e de afeto.
A presença dos pets tornou-se evidente em praticamente
todas as culturas, com significados tanto universais quanto particulares,
dependendo da época e local onde os encontramos. Atualmente, metade
das famílias ocidentais possuem animais de estimação. Nos anos
sessenta, começaram a ser estudados à nível científico, os benefícios que
eles proporcionam ao ser humano, tanto em situações especiais, como
aos institucionalizados, prisioneiros, deficientes físicos e mentais, quanto
em momentos especiais do ciclo vital, como na infância, adolescência,
separação, viuvez e velhice. Acumulou-se também, desde então, um
grande conhecimento sobre a função sistêmica dos pets, tanto a nível
familiar, quanto a nível social mais amplo, bem como em relação a seu
significado simbólico em nossas vidas, visto sob o prisma psicanalítico. E
por fim, foram desenvolvidas diversas técnicas que utilizam os pets como
co-terapeutas em terapias individuais e familiares.
6

Abstract
The human being appeared as a species nearly two hundred
thousand years ago. Only between ten and fiveteen thousand years ago
the domestication of animals began. The wolf was the first animal to be
domesticated, thus being the origin of the dog. As centuries were passing,
relationship between man and dog became so strong, that is difficult to
realize our society without any pets. We are linked to pets, since the
beginning of our civilization, in useful way, which can be demonstrated by
the improvement of hunting with the help of dogs, at a time this activity was
essential for our survival. We can also speak about the emocional way,
which became very important in human society, because animals can
serve as a great source and object of care and love.
The presence of pets, became clear in almost all cultures,
with universal and private meanings, depending when and where we find
them. At present time, half of western families have pets. During the sixties,
the benefits they provide human beings began to be studied csientificaly,
not only for people in unusual conditions, like prisioners, in institutional
context, with mental and physical handicapped, but also people in special
moments of their life cycle, like childhood, teens, divorce, widowhood and
old age. Since than, a great knowledge arose about the systemic function
of pets at familiar level and a large social level, as well as concerning their
symbolical meaning in our lives, regarding the psychoanalytical point of
view. Finally, several techniques were developed using pets as co-
theraphists in individual and family therapy.
7

Introdução
A espécie humana, Homo sapiens sapiens, surgiu no período
paleolítico superior, por volta de duzentos mil anos atrás. Mas somente na
transição para o neolítico, chamado de período mesolítico, o homem
iniciou, dentre outras coisas, o processo de domesticação dos animais,
tendo sido o cão o primeiro deles 1 ( quadro 1 ). Isto ocorreu há
aproximadamente doze mil anos, o que é sustentado por evidências
arqueológicas, tais como desenhos em cavernas e achados fósseis
(Banilla, 1969; Serpell, 1995 ). O relacionamento de nossa espécie com o
cão e seu ancestral, o lobo 2, assumiu diversas características distintas ao
longo destes milhares de anos. De uma relação inicial de competição e
predatismo mútuos, ecologicamente falando, foram surgindo interações
diferentes, como o comensalismo, o mutualismo e a simbiose. Esta última
com conotações mais psicológico-afetivas do que ecológicas. Estes
modelos interacionais coexistiram, e ainda coexistem, dependendo do
local, da época e da cultura observados.
A importante presença dos animais de estimação (pets3) no
cotidiano humano, em nossa cultura ocidental moderna e pós-moderna, é
revelada, não só por nossa vivência e observação, mas também por dados
numéricos . Estimava-se que, na década de sessenta, existiam 140
milhões de cachorros no mundo, sendo 6 milhões na Grã-Bretanha. E
ainda, mais de 50% de famílias de língua inglesa possuiam cachorros
(Banilla, 1969). Dados do início da década de noventa indicam que
existiam por volta de 170 milhões de pets no mundo, dos quais cachorros,
gatos, pássaros e peixes eram a grande maioria. Nos dias de hoje ( não
atualizado), estima-se que existem somente no EUA 63 milhões de gatos
e 54 milhões de cachorros ( Serpell, 1995 ). No Brasil, existem

1
Existe uma teoria de que o primeiro animal domesticado foi o porco, no continente
asiático ( comunicação pessoal de um veterinário )
2
Estudos modernos de comportamento, morfologia, vocalização e biologia molecular,
indicam que o lobo, se não é o único, é o principal ancestral do cão. Porém, de acordo
com outras linhas de pensamento evolucionista, o cão originou-se do coiote ou do
chacal, ou ainda, de um canídeo já extinto, que seria o tronco filogenético comum aos
canídeos atuais. ( Serpell, 1995 ).
3
A palavra pet provém do verbo “to petting”, que em inglês significa acariciar, sendo
utilizada para designar animais de estimação; optamos pelo seu uso devido a sua
sonoridade e ao fato de já estar também consagrada em nosso meio, apesar de ainda
não ter sido incorporada à língua portuguesa.
8

aproximadamente 27 milhões de cães ( informação veiculada no


programa Fantástico da Rede Globo em 14/01/2001). Atualmente,
encontramos diversos sites na internet especializados no assunto, o qual
passou a ser frequente em programas de TV e reportagens de jornais e
revistas leigos, como La Nacion, Correio do Povo, Zero Hora, Veja, Isto É,
Claudia, Marie Claire, etc. Na década de sessenta, nasceu o interesse na
pesquisa dos aspectos da relação interespecífica entre o ser humano e os
animais de estimação, interesse este que tornou-se mais significativo nos
anos oitenta na comunidade científica da Europa e EUA. Surgiram
periódicos especializados e seguidamente passaram a ocorrer simpósios
internacionais sobre este tema. O que até então pertencia à cultura e
conhecimento empírico-popular, começou a fazer parte e enriquecer o
conhecimento científico. Acumulou-se então, uma considerável quantidade
de dados relativos aos benefícios que o homem obtém na convivência com
os pets, tanto a nível físico quanto emocional. Alguns autores abordaram
o tema sob o prisma psicanalítico, e , outros, sob a ótica sistêmica,
estudando o papel dos pets na estrutura e dinâmica familiares. A proposta
deste trabalho é sintetizar esta bagagem de conhecimentos, cuja
importância só recentemente vem sendo reconhecida em nosso meio.
9

Quadro 1

ANO PERÍODO ESPÉCIE CARACTERÍSTICAS

-3.000.000 Australopithecus - Primeiros sinais de


Plioceno intencionalidade
Homo habilis - Industria lítica,
monofacies
- 1.500.000 - Recoletores, carniceiros

Pleistoceno Homo erectus - Fogo, caçadores,


recoletores, bifaces
Homo - Primeira expansão do
PALEOLÍTICO
neanderthalensis gênero Homo a
INFERIOR
- 200.000 Ásia e Europa
- Sepulturas

Homo sapiens - Desenvolvimento de


PALEOLÍTICO moderno na práticas rituais
MÉDIO África e após - Início do último
na Ásia período glacial
- 40.000 - Ainda nômades

- Escultura e pintura
PALEOLÍTICO Homo sapiens - Arte franco-cantábrica
SUPERIOR na Europa - Armas de arremesso

- 20.000

- Final da glaciação
MESOLÍTICO Homo sapiens - Cerâmica
na América - Arte Levante espanhol
- Conceito de alma
- 10.000
- Animais domésticos

- Povoados, sedentarismo
Holoceno - Pedra polida
- Agricultura, pastoreio
NEOLÍTICO - Tecelagem, escrita
10

Bio-antropologia da
Domesticação dos Cães
Desde quatrocentos mil anos atrás, no período paleolítico
inferior (quadro 1), os hominídeos habitavam os mesmos sítios de
ocupação e caça dos lobos, mantendo com os mesmos uma relação de
competição pelo alimento e pelo abrigo nas cavernas. Também havia uma
relação de predatismo mútuo. Em algumas ocasiões, os homens poderiam
atacar os lobos para comê-los ou usar suas peles como vestimenta
( Serpell, 1995 ). Mas o inverso também era verdadeiro, e até a idade
moderna, quando as florestas européias ainda eram repletas de lobos,
eles representavam um perigo aos viajantes ou pessoas que se
embrenhavam mato a dentro. Esta situação foi ilustrada em diversas
histórias ao longo do tempo, algumas já pertencentes ao patrimônio
cultural ocidental .
A importância dos lobos no quotidiano da espécie humana foi
retratada nos primórdios das manifestações artísticas do ser humano, a
denominada arte franco-cantábrica, que são esculturas em pedra e
pinturas nas cavernas, localizadas na França e norte da Espanha, feitas há
quarenta mil anos, no nascimento de nossa espécie, durante o período
paleolítico superior (figura 1). Os temas tratados eram os que mais
preocupavam os homens e faziam parte de seu dia a dia. Apesar da
beleza de formas e cores alcançadas pelos artistas primitivos, não eram
estes seus objetivos. A corrente de pensamento dominante entre os
estudiosos de história da arte acredita na chamada “ magia propiciatória “.
Pintando, o homem incorporava a força do animal e passava a possui-lo,
facilitando assim sua morte. Pintava-se como forma de materializar o
desejo. Esta era a lógica da visão mágica de mundo (Arte nos Séculos,
1994). Foi esta mesma lógica que fez serem produzidos, já no período
mesolítico, quase trinta mil anos depois, os primeiros indícios da
domesticação dos lobos e conseqüente surgimento dos cães. Mais para o
centro e sul da Espanha, foram encontradas em cavernas, pinturas
retratando homens acompanhados de cães em cenas de caça, produção
artística que pertence à denominada arte do Levante espanhol (figura 2).
Outros indícios importantíssimos, que também possibilitaram a
aproximação de datas, através da técnica de análise do carbono 14, são
sepulturas da mesma época – datando de doze mil anos atrás --
encontradas em Israel, onde, em uma delas, foram enterrados juntos um
homem idoso em decúbito lateral com os membros fletidos, com sua mão
11

sobre o tórax de um cão filhote (figura 3); e na outra, um humano com


dois cães adultos. Ainda em Israel, encontrou-se diversos crânios de
cachorros e, no Iraque, uma pequena mandíbula, todos do mesmo
período que as sepulturas. O achado mais antigo porém, encontrado em
um sítio arqueológico glacial na Alemanha, é também uma mandíbula de
cão, de quatorze mil anos (Serpell, 1995).
Estes achados fósseis suscitam uma questão muito
importante, qual seja a transformação da espécie Canis lupus em Canis
domesticus. Existe ainda uma polêmica em relação à questão a qual
espécie estes ossos pertencem. Alguns deles, principalmente os mais
antigos, já são morfológica e dimensionalmente diferentes dos ossos de
lobos, porém ainda não se pode afirmar com certeza que sejam de cães.
Seriam então, no mínimo, de lobos domesticados, já apresentando
adaptações genéticas, em uma fase de transição. Supõe-se que alguns
filhotes de lobos capturados, por um motivo qualquer eram deixados vivos,
ao invés de serem mortos para servir de alimento. Os que não se
submetiam e tornavam-se agressivos à medida que iam crescendo, eram
sacrificados ou fugiam. Os outros iam habituando-se ao convívio com os
humanos, e ao reproduzirem-se, ao longo de várias gerações, foram se
diferenciando de seus ancestrais devido ao isolamento genético e
necessidade de adaptações biológicas e comportamentais ao novo
estilo de vida ( Bradshaw e Brown, 1990; Morris, 1986; Serpell, 1995).
A domesticação deu-se então através de um duplo
processo, genético e cultural, ambos intrinsecamente relacionados. O
primeiro foi conseqüência de um estresse biológico devido às difíceis
condições de sobrevivência, como por exemplo, a diminuição da oferta de
alimento, pois os cães comiam o que sobrava dos homens
(comensalismo). Como adaptação, então, houve modificações hormonais,
resultando em diminuição do tamanho corporal e do crânio, diminuição da
acuidade visual e auditiva, amadurecimento sexual precoce, aumento da
freqüência dos ciclos reprodutivos de anual para semestral, aumento da
ninhada, além de outras modificações. Em relação ao aspecto cultural, o
cão passou a ser mandado, a ter um dono, e mais tarde a ser usado como
objeto de valor, vendido ou trocado como mercadoria. Esta questão foi
facilitada pelas semelhanças na organização social entre os lobos e o
homem, onde existem relações hierárquicas definidas. A domesticação
pode então ser resumida em um processo no qual um animal selvagem,
muito agressivo, com alto grau de percepção e rápidas reações ao
estresse, transformou-se em um animal dócil, com menor grau de
percepção e considerável tolerância ao estresse. Na tentativa de
reproduzir as modificações naturais ocorridas na domesticação, foi
realizado um experimento, na Sibéria, com raposas capturadas. Estas
foram sendo selecionadas e isoladas para reprodução, de acordo com o
temperamento dócil. Produziu-se, em algumas gerações, uma linhagem
12

com transformações semelhantes às ocorridas com os cães, como


comportamento, orelhas caídas, padrões de pelagem e ciclo
reprodutivo semestral. Acredita-se que estas mudanças se devam a uma
desestabilização do genoma (Serpell, 1995).
Após analisarmos como ocorreu esta transmutação genético-
-cultural, resta sabermos qual o motivo e porque o lobo, e não outra
espécie selvagem. O período paleolítico superior corresponde ao final da
última era glacial. A sobrevivência humana dependia quase que
exclusivamente da caça, cujas técnicas começaram a ser aperfeiçoadas
no início do período mesolítico. Ao invés do arremesso de pedras pesadas,
o homem passou a utilizar flechas com pedras afiadas nas pontas
(microlitos). Como já dito anteriormente, o Homo sapiens e o Canis lupus
tinham uma convivência muito próxima, e apesar de serem competidores
entre si, possuiam um objetivo em comum: caçar, sobreviver. A parceria
com os cães aumentou significativamente a eficiência da caça, pois seu
faro e audição mais desenvolvidos que o do homem ajudavam a encontrar
as presas, e os animais machucados pelas flechas eram seguidos,
abatidos e trazidos por eles (figura 4). Os cães também vigiavam o
território, devido à sua percepção mais aguçada e um forte e instintivo
senso de territorialidade. No período neolítico, eles passaram a ser usados
no pastoreio, e foram diversificando cada vez mais suas funções em nossa
sociedade.
Não houve porém inicialmente, por parte dos humanos,
um direcionamento intencional para estes objetivos, como poderíamos
pensar. O que realmente possibilitou aos ancestrais dos cães se
vincularem tão fortemente aos homens foram dois fatores. Em primeiro
lugar, os lobos possuem organização social em alguns aspectos
semelhante à nossa, com relações de dominação, submissão e liderança,
o que facilitou sua obediência e fidelidade. Em segundo, dentre os animais
selvagens,é um dos que possuem o mais alto grau de neotenia, isto é, a
preservação de características comportamentais infantis na fase adulta,
como brincar, choramingar, trocar carícias e submeter-se passivamente.
Pensa-se então, que a questão primordial da aproximação homem-cão, foi
a possibilidade convivência, e a seleção inicial deu-se pelo aspecto
comportamental, pelo temperamento. Desde o início deste relacionamento,
já existia um forte componente afetivo, o que é revelado pelas sepulturas
encontradas em Israel. Ser enterrados juntos significa permanecer unidos
eternamente, no outro mundo, no desconhecido. Esta prática permanece
viva até hoje em culturas aborígenes em diversos locais do planeta
( Bradshaw e Brow, 1990; Morris; 1986; Serpell, 1995).
13

FIGURA 1. Caverna de Font de Gaume, França. Arte franco-cantábrica;


período paleolítico superior, 40000 anos. 1/10 do tamanho original (The
Childhood of Art, 1913).
14

FIGURA 2. Caverna Cueva da la Vieja, Espanha. Arte do Levante espanhol,


período mesolítico, 12000 anos. Pintura em preto, altura original do cervo: 29 cm.
(Arte Prehistorico, 1952).
15

FIGURA 3. Enterro de um ser humano com um filhote de cão. Sítio


arqueológico de Ein Mallaha, Israel, 12000 anos (Serpell, 1995).
16

FIGURA 4: reprodução artística de uma caçada (Serpell,1995).


17

Aspectos Culturais
Uma questão importante que ainda aguarda solução é se
houve uma ninhada de cães que se reproduziu e difundiu entre os
agrupamentos humanos, ou se houve vários focos de domesticação
independentes. O que se sabe ao certo é que, de doze a oito mil anos
atrás, os cães espalharam-se pelo mundo, tendo sido encontrado seus
vestígios em diversas culturas da antigüidade, em sítios arqueológicos de
dez mil anos no Alaska, oito a doze mil anos no Iraque, sete mil anos na
China, oito mil anos no Japão e seis mil e quinhentos a oito mil e
quinhentos anos no Chile (Serpell, 1995).
Mesmo tendo desenvolvido com o homem fortes laços
afetivos e laborativos, durante estes milhares de anos, os cães foram e
são ainda tratados de forma muito ambivalente em nossa sociedade. Além
dos animais abandonados e/ou que sofrem maus tratos, eram até mais
recentemente muito apreciados como alimento, e ainda o são em lugares
como sudeste da Ásia, Indochina, América Central e do Norte, partes da
África e algumas ilhas do Pacífico,. Esta prática era difundida na Europa
durante o período neolítico. Atualmente, no oeste da África, Coréia e
Filipinas existe produção de cães em escala comercial para o abate.
Veremos a seguir como foi e é expressa culturalmente esta ambivalência,
não somente em relação aos cães, mas também em relação aos gatos, os
quais dividem com os primeiros, nos dias de hoje, o privilégio de animais
domésticos preferidos (Serpell, 1995).
Chevalier e Gheerbrant (1990) nos dão uma visão ampla do
significado cultural dos animais de estimação: “A primeira função mítica do
cão, universalmente atestada, é a de psicopompo, guia do homem na noite
da morte, após ter sido seu companheiro no dia da vida. De Anúbis (Egito)
a Cérbero (cristianiamo), passando por Thot (índios da Guatemala), Xolotl
(Astecas), T’ian Kúan (China), Cullan (Celtas) Hécate (Grécia) e Hermes
(Grécia), ele emprestou seu rosto a todos os grandes guias das almas, em
todos escalões de nossa história cultural ocidental. Mas existem cães no
universo inteiro, e em todas as culturas eles reaparecem como variantes
que não fazem senão enriquecer este simbolismo fundamental”. Outra
imagem muito difundida do cão em diversas culturas é a associação cão-
fogo-sexualidade, representação do herói pirogenético, centelha de fogo
que precede ou se confunde com a centelha divina e com a energia
sexual. Segundo os autores, porém, o que mais caracteriza a metáfora
canina, é a dualidade própria de seu símbolo, aspecto este amplamente
difundido, não correspondendo a nenhuma limitação geográfica. Ao
mesmo tempo em que é considerado como companheiro, guardião
vigilante e espírito protetor dos homens, é visto como um animal impuro,
18

desprezível e suporte da maldição divina. Em resumo, prosseguem os


autores, “a figura do cão abarca um simbolismo de aspectos
antagônicos, que nem todas as culturas conseguiram resolver”.
A domesticação dos gatos, a partir do gato do mato, um
felino de porte pequeno denominado Felis silvestris, é mais recente,
datando de aproximadamente seis mil anos, no antigo Egito. Teve também
um componente afetivo e outro utilitário: livravam os depósitos de
alimentos, principalmente grãos, dos roedores (Soares, C.J., 1985). De
acordo com outros pesquisadores, é mais prudente afirmar que a
domesticação dos felinos ocorreu há três mil anos, já que o indício que
possuímos – um desenho de um gato com coleira – não nos permite
afirmar se era um animal selvagem mantido em cativeiro, ou um gato já
domesticado. Os egípcios tinham como costume capturar animais como
babuínos, hienas, leões, mangustos e até crocodilos, e mantê-los em suas
casas, na tentativa de domesticá-los. A difusão dos gatos domésticos a
partir do Egito, se deu através dos mercadores fenícios e de suas viagens
marítimas. Os felinos logo substituiram os mangustos, doninhas ou cobras,
que os humanos levavam para suas casas para caçarem os roedores, pois
eram muito mais eficazes que estes animais nesta tarefa. Chegaram à
Grécia em 500 A.C., de onde foram levados à Itália e norte da Europa, e
na India em 200 A.C., de onde se espalharam pelo extremo oriente e
China. A dependência do homem em relação aos gatos como predadores
de ratos, chegou a tal ponto que não se admitia um navio que não levasse
um felino a bordo, e se ele porventura caísse no mar, era sinal de mau
presságio para a viagem. À medida que os gatos domésticos proliferaram
pelo mundo, outras subespécies de gatos selvagens contribuiram
provavelmente para sua herança genética ( Hofmann, 1997).
Na civilização egípcia, os gatos eram animais sagrados.
Somente aos sacerdotes era permitido matá-los, em rituais de oferenda à
deusa Bastet, que era representada como uma mulher com cabeça de
gata. Bastet tinha um temperamento dócil, simbolizando o amor e a
fertilidade. Era o oposto das deusas leoas Tefnut, Heliópolis e Sekhmet, as
quais tinham o temperamento instável, sendo sujeitas a acessos de cólera,
lançando fogo pelos olhos e pela boca e provocando tormentas no
deserto. As deusas leoas podiam transformar-se na deusa gata e vice-
versa, expressando as mutabilidades emocionais do princípio feminino e
os pólos antagônicos da psique humana (Hofmann, 1997; da Silveira,
1998). O cão também tinha seu lugar na mitologia egípcia, através da
figura de Anubis, que possuia a função de guiar e proteger as almas dos
mortos na jornada do mundo do além (Serpell, 1995).
Os gatos, na antiga mitologia germânica, puxavam o carro de
Fréia, a deusa da fertilidade, a mais popular do mundo germânico,
equivalente a Bastet dos egípcios, Afrodite dos Gregos, e Vênus dos
romanos. Um dia da semana era dedicado a esta deusa, sendo o “Freya’s
19

day “, considerado o dia mais propício aos casamentos. Esta é a


origem do “Friday “, sexta-feira, no inglês moderno (da Silveira, 1998).
No início da era cristã, os felinos conviviam harmonicamente
com os monges nos mosteiros e com a população. A letra “M” encontrada
na fronte de muitos gatos, era vista como selo de Maria, a qual era
representada como um gatinho, em muitas obras de arte. O fanatismo e
obscurantismo religiosos da Idade Média reverteram esta situação. Eles
transformaram-se em símbolos da exaltação dos sentidos e do prazer
sexual, tão combatidos pela Igreja. Eram associados às crenças pagãs e
bruxaria, tendo sido perseguidos e milhares deles queimados nas
fogueiras da Inquisição. Nos séculos seguintes, as atitudes em relação aos
felinos domésticos eram ambivalentes, e variavam de acordo com a época
e o local. Eles só recuperaram, porém, seu verdadeiro status doméstico,
na Europa iluminista dos séculos XVII e XVIII. Até os dias de hoje ainda
persiste, através de superstições populares, o conceito do gato como um
ser temível e misterioso, com poderes sobrenaturais (Hofmann, 1997).
Algumas culturas possuem uma ligação muito forte com os
animais de estimação. O melhor exemplo são algumas tribos aborígenes
da Austrália, onde os cães são acariciados e beijados como as crianças,
dormem junto com os humanos, os quais comem suas pulgas e os
carregam no colo, quando estão cansados durante as caçadas (Serpell,
1995).
Em alguns locais da Ásia, principalmente na India, os cães de
rua são intocáveis, respeitados como parte de um tabu religioso. Acredita-
se que este fato se deve a uma lenda hindu, escrita no livro sagrado
Mahabharata. Durante uma longa jornada pelas montanhas, em direção ao
céu, na qual morrera sua rainha e seus quatro irmãos, Yudhisthira, já
exausto, estava acompanhado apenas por um cão, que o seguira desde o
início da caminhada. De repente, em um facho luminoso aparece Indira, o
rei dos céus, convidando-o a finalizar sua jornada em uma carruagem
celeste. Ele não poderia levar o cachorro, pois a presença de um animal
sujo seria uma ofensa ao céu. Prontamente recusou-se a deixar para trás
quem lhe foi tão leal, devotado e amável. Aconteceu então a grande
revelação e Yudhisthira passou em seu teste final ao renunciar o paraíso
pelo amor a um cão, o qual transformou-se repentinamente em Dharma, o
deus da justiça. O devoto foi então carregado ao paraíso aclamado por
uma multidão radiante (Serpell, 1995).
Na tribo Lisu, das montanhas tailandesas, e na tribo Kenyah,
de Kalimantan, na Indonésia, os cães de rua, apesar de não serem
alimentados, são tolerados em grande quantidade e respeitados. No
primeiro caso, há razões mitológicas. Os cães são considerados heróis
que salvaram a humanidade da fome roubando sementes de arroz dos
campos de Deus, o qual, provavelmente como punição, ao atender um
pedido dos homens de que salvasse a humanidade da inconveniente
20

necessidade copulatória, trocou os genitais humanos por cães.


Somente estes então permaneceram com esta necessidade, o que
não é um problema para eles, pois não trabalham. Já na tribo Kenyah, os
cães são percebidos como crianças, que pensam, têm emoções como os
humanos e entendem nossa língua (Serpell, 1995).
Entre os índios Yurok, da Califórnia, os cães ajudam muito
na caça ao veado, sendo muito valorizados. Existem diversas histórias
folclóricas de homens obcecados por seus cães, os quais são brindados
com cerimoniais religiosos quando morrem. Acreditam que, na morte do
dono, ele será protegido pelo espírito do seu cão, mesmo este
permanecendo vivo. Em contrapartida, já refletindo sentimentos ambíguos,
os cães não podem entrar nas habitações humanas, não recebem nomes
próprios, e não se pode falar com eles, pois se respondessem, haveria
uma inversão da ordem natural, o que provocaria grandes catástrofes
(Serpell, 1995).
Na tribo Beng , em Ivory Coast, os donos dão aos seus cães
nomes estrangeiros e preocupam-se muito com eles, mas não os
alimentam nem acariciam. Esta conduta tem raízes mitológicas. Em uma
de suas lendas, um cão e um gato foram enviados ao céu como
mensageiros, para pedir a imortalidade. O primeiro distraiu-se no caminho
com um osso, e o segundo chegou primeiro. Porém, por não ser muito
inteligente, passou a mensagem errada. O cão, e não o gato, foi
responsabilizado pela existência da morte. Consegue, entretanto se
redimir, em outra lenda, na qual faz uma aliança com os humanos,
salvando-os de uma conspiração feita pelos outros animais (Serpell, 1995).
Na sociedade dos BaMbuti, tribo de pigmeus do Zaire, os
cães possuem interessante função social. Apesar de valorizados por
serem essenciais companheiros de caça, são também muito maltratados,
servindo como escape para a raiva reprimida, já que demonstrações de
agressividade entre os humanos são extremamente evitadas. Algo
semelhante também ocorre em povoados do sul da Georgia, onde o cão
também é muito usado como insulto (Serpell, 1995).
Nas culturas que utilizam os cães como alimento,
poderíamos pensar que haveria necessariamente uma distância e
indiferença em relação a estes animais. Mas em muitas delas, o que se
observa são sentimentos complexos e ambivalentes. Em alguns lugares,
os donos nunca comem seus próprios cães, ou então é usada terminologia
eufemística para disfarçar a origem da carne. Por exemplo, na Nigéria
central, um cão abatido para consumo é chamado de “404 Station Wagon”
(nome de um carro) e as partes do animal são da mesma forma
denominadas pelas partes do automóvel. No Havai pré-colonial e outras
ilhas da Polinésia, os cães eram muito estimados e próximos às pessoas.
Algumas mulheres amamentavam filhotes de cachorro em seu próprio
peito. Mas também eram muito apreciados como alimento, apesar dos
21

donos dos cães sacrificados demonstrarem grande arrependimento.


Eles acreditam que o cão era um ser humano que foi punido por seu
mau comportamento social, tendo seu status rebaixado, sua fala
substituída pelo uivo, e que os humanos lhe concedem ocasionalmente
favores, como indulto. Esta crença tem provavelmente a função de diminuir
a culpa por abater e devorar seus companheiros (Serpell, 1995).
Um comportamento semelhante ocorre entre os índios Sioux,
os quais são muito próximos e devotados a seus cães, considerando-os
um tipo de humano com personalidade própria. Porém, matam os cães em
rituais religiosos e os comem em festas em homenagem a pessoas
especiais. Os que são nomeados nunca são sacrificados, e os que são
destinados aos rituais não podem ser nomeados. Eles acreditam que o cão
sacrificado viajará ao mundo mítico, onde irá implorar pelo bem da
humanidade, sendo ele o animal mais indicado para esta missão espiritual,
por ser o melhor amigo do homem (Serpell, 1995).
Para os alquimistas, o cão devorado pelo lobo representa a
purificação do ouro pelo antimônio, penúltima etapa da grande obra:
transmutação dos metais em ouro, busca da pedra filosofal. Ora o que são
neste caso o cão e o lobo, senão os dois aspectos do símbolo em questão,
que sem dúvida encontra, nesta imagem esotérica, sua resolução e, ao
mesmo tempo, sua mais alta significação? Cão e lobo a uma só vez, o
sábio (ou o santo ) purifica-se ao devorar-se, ou seja, sacrificando-se em si
mesmo, para alcançar finalmente a etapa última de sua conquista
espiritual (Chevalier & Gheerbrant, 1990).
Ao longo da história da civilização, os gatos e os cães, assim
como outros animais domésticos, foram retratados das mais diversas
formas nas artes plásticas, na literatura, no teatro, cinema, desenhos
animados e na mitologia. Na maioria das vezes, o foram, com fortes
características antropomórficas, o que demonstra duas questões muito
importantes: o quanto eles estão próximos aos humanos e participam de
nossa sociedade, e o quanto são utilizados como objetos de projeção de
nossos aspectos considerados positivos ou negativos, de nossas virtudes
e instintos (Hofmann, 1997; Serpell, 1995).
O que se pode perceber basicamente , na maioria das
culturas ilustradas, e inclusive em nossa cultura ocidental atual, em relação
aos animais de estimação, é o sentimento e conduta ambivalentes,
expressos das mais variadas maneiras, o que reflete a própria
ambivalência em relação ao reino animal. Em diversas mitologias, os cães
são associados com a porta de entrada das casas, por estarem na
fronteira entre o selvagem e o doméstico. Seriam eles então animais
privilegiados ou humanos degradados? Será que a proximidade com os
cães ameaça dissolver as barreiras que nos separam dos animais? Por
que estariam sendo usados por nós como objetos de projeção, sendo alvo
de sentimentos e condutas tão complexos quanto contraditórios?
22

VISÃO PSICANALÍTICA

O texto que se segue tratará de alguns aspectos do


relacionamento do ser humano com os animais de estimação sob o prisma
psicanalítico ou de teorias afins. Em linhas gerais, iniciaremos pela
questão da ambivalência, seguindo pelo aspecto dos mecanismos de
defesa. Após, será ressaltado o uso dos pets como co-terapeutas e, por
fim, serão enfocadas as teorias de Bowlby e Winicott, principalmente.
Rynearson (1978) observa que a maioria dos estudos
psiquiátricos retratam o significado simbólico da "conflituosa" relação entre
o ser humano e os pets. Os estudos de caso são seguidos de análises
postulando a transformação dos impulsos primários frustados em
erotização-bestialidade, voyeurismo, incesto, agressividade, crueldade,
sacrifício, fobias e licantropia nas relações com os pets. Apesar destes
serem parte constante na vida humana, existem muito poucos estudos
psiquiátricos com este enfoque, talvez justamente pelo fato de os conflitos
mencionados serem raros. O mais comum é uma relação harmoniosa com
benefícios mútuos.
Para começarmos com o enfoque psicanalítico, nada melhor
que buscarmos subsídios junto ao seu criador, especialmente quando um
de seus trabalhos cria uma ponte notável entre os aspectos culturais e
antropológicos com a psicologia. Em Totem e Tabu, Freud (1913-1914)
analisa duas instituições sociais, o totemismo e a exogamia, as quais,
segundo os antropólogos, fizeram parte dos estágios iniciais de
desenvolvimento de todas as culturas humanas. Até hoje ainda se
encontram presentes, modificadas nos mais diversos graus, nas culturas
primitivas sobreviventes, bem como nas culturas modernas, em forma de
vestígios. O autor chega à conclusão, baseado em teorias antropológicas,
nas observações de Darwin sobre os primatas e na teoria psicanalítica,
que estas instituições nasceram de uma espécie de Complexo de Édipo
primitivo. Nos pequenos agrupamentos humanos iniciais, assim como
ocorre com os gorilas, por exemplo, haveria um macho mais forte, líder do
grupo, com direito exclusivo às fêmeas, inclusive às filhas. Os filhos
machos, à medida que iam ficando adultos, ou enfrentavam e destronavam
o líder, ou, o que era mais provável, saiam do grupo de origem para
formar o seu próprio, do qual teoricamente seriam os líderes. Em algum
momento, os filhos se unem, matam e devoram o pai , na tentativa de
incorporar seus atributos, sendo esta forma de identificação uma crença e
prática difundidas entre os povos primitivos. Para o grupo não se consumir
em novas lutas pela liderança entre os machos sobreviventes, ocorre uma
23

associação entre os mesmos, surgindo então regras para regular o


acesso às fêmeas, ao poder e ao direito de assassinar, garantindo
assim a paz e o desenvolvimento social do grupo. Desta forma pôde
ocorrer então uma reconciliação com o pai, representado na figura
totêmica de um animal com o poder mítico de proteger e guiar os homens.
À medida que os agrupamentos humanos crescem, vão se dividindo em
clãs, cujos princípios de inclusão seguiam a linhagem materna, tornando-
se proibido o casamento entre membros de um mesmo clã. Cada clã tem
seu próprio totem, considerado seu ancestral comum, o qual é venerado e
somente pode ser morto em rituais sacrificatórios, quando os membros do
clã, ao devorar seu totem, reincorporam seus atributos, reforçam seu
parentesco e revivem o ato primordial de morte do pai prímevo. Vão
configurando-se então os tabus, código de leis não escrito mais antigo,
que proíbe a morte do animal totêmico (parricídio) e o casamento dentro
do clã (incesto), proibições estas que correspondem aos mais antigos e
poderosos desejos humanos. Portanto, o totemismo contém a própria
ambivalência edípica em relação ao pai. E o tabu demonstra em sua
essência – origem, finalidade e significado – uma dicotomia. Ele vem da
luta entre desejos opostos, objetiva proibi-los mas também revivê-los, e
significa ao mesmo tempo sagrado e impuro, termos que originalmente
eram unidos em um só.
Mesmo após a degradação ou desaparecimento do sistema
totêmico, um de seus principais aspectos, que interessa especialmente
para este trabalho, permaneceu em nossa cultura como um resquício: a
ambivalência em relação aos animais. E não somente esta, mas a
tendência em projetar e deslocar impulsos originados na relação com o
pai, aparece nas fobias de animais, fenômeno exemplificado e analisado
inúmeras vezes na literatura psicanalítica. Freud (1913-1914) cita um de
seus casos , o do pequeno Hans, e um caso de Ferenczi, o do pequeno
Árpad, como exemplos da concordância do totemismo com as fobias. Fica
claro na análise destes dois casos a atitude emocional ambivalente em
relação ao pai e seu deslocamento para um animal, bem como o medo e a
identificação para com o mesmo, como se fosse um animal totêmico. No
primeiro caso eram os cavalos e, no segundo, as galinhas. Como
ilustração da vida pessoal de Freud, Friedmann et al (1983) transcrevem
uma parte de um parágrafo do livro “ Freud : his life in pictures and
words “ ( Freud, E. et al, 1978 ), no qual o pai da psicanálise revela o amor
por seu cão: “ É realmente incrível como alguém pode amar um animal
como Topsy com tão extraordinária intensidade; afeto sem ambivalência, a
simplicidade livre dos quase insuportáveis conflitos da civilização, a beleza
de uma existência completa em si mesma... o sentimento de íntima
afinidade e incontestável solidariedade “... Apesar desta declaração, ele
nunca demonstrou interesse clínico em relação aos pets de seus clientes.
24

Serpell (1995) cita vários autores que abordam a


questão da ambivalência: Perin (1981) afirma que ela representa a re-
emergência do amor e ódio desenvolvidos no processo de separação e
individuação em relação aos pais, sendo que os pets fariam o papel
simbólico de arquétipo do amor idealizado que traz a memória do afeto
recebido da mãe. Já Beck e Katcher (1983) e Burt (1988) observam que os
cães representam aspectos de nosso inconsciente, nossos instintos,
desejos e sentimentos reprimidos, o animal que nos habita. Elmendorf e
Kroeber (1960) ao estudarem os Yurok Indians, da América do Norte,
concluiram que o homem sente-se ameaçado com a sensação de que a
proximidade com os cães dissolva a barreira psicológica que nos distingue
dos animais.
A psiquiatra Nise da Silveira (1998), criadora do ” Museu de
Imagens do Inconsciente “ , faz também uma ponte entre a antropologia e
a psicologia . Cita uma lenda egípcia gravada em uma pedra no templo de
Dakked e o comentário da Dra. M. L von Franz ao ver uma foto desta
gravação, de que teria sido a primeira sessão de psicoterapia da história.
Diz a lenda que, em uma ocasião, a deusa leoa Tefnut, em um estado de
fúria devastadora, foge para os desertos da Núbia. Seu pai Rá, o deus
supremo e deus do sol, envia Tot, o deus da sabedoria, com a missão de
trazê-la de volta. Este, toma a forma de macaco e , indo ao encontro da
leoa, lhe informa da tristeza que sua partida causou, conta-lhe fábulas,
conseguindo aos poucos comover a deusa, a qual derrama lágrimas que
“ caem como chuva torrencial “. Ela então toma a forma de gata
novamente e retorna a sua casa, onde é recebida com muita alegria. Nise
da Siveira , utilizando o mito da furiosa deusa leoa que se transforma na
mansa gata Bastet, realizou uma interessante sessão psicodramática com
seus pacientes da Casa das Palmeiras. Ela relatou o mito a uma paciente
que havia incendiado o almoxarifado, ressaltando a semelhança entre esta
e a deusa. A paciente demonstrou muito interesse e acabou
protagonizando as deusas mutantes na peça “ A incendiária “, uma versão
do mito, elaborada e teatralizada pelos pacientes. A psiquiatra relata que
sua intenção terapêutica foi alcançada, pois a paciente fora atingida pela
linguagem mítica, tornando-se freqüentadora do zoológico afim de estudar
as posturas das leoas.
O antropólogo Morenz (1962), ao comentar a adoração de
divindades teriomórficas nos templos egípcios, referindo-se principalmente
à metamorfose das agressivas deusas leoas na mansa gata Bastet e vice-
versa, nos dá um possível caminho, supostamente já trilhado pelos
egípcios, para minimizar a ambivalência em relação aos animais: “ As
representações semi-humanas de deuses exprimem um pensamento que
aceita o homem sem rejeitar o animal. Vemos nessas figuras o primeiro
exemplo de conciliação intelectual do inconciliável. Ao aspecto estático
25

da figura junta-se um aspecto dinâmico. “. É digno de nota que ,


no inconsciente, os opostos podem conviver harmonicamente.
Nise da Silveira (1988), referindo-se aos contos populares e
fábulas, observa o quão freqüente o gato é percebido como animal
inteligente, pérfido, astucioso, egoísta, infiel, malicioso, falso, etc. Comenta
que esta visão ambivalente seria a projeção das características com as
quais os homens se identificam. Marie Louise von Franz (1981), uma
especialista em interpretação de contos de fadas, ressalta que as formas
mais antigas e básicas de contos arquetípicos são as histórias de animais,
cujos personagens antropomórficos estão sempre investidos de projeções
de fatores psíquicos humanos. Ela afirma: " Enquanto houver uma
identidade arcaica e enquanto não se levar em conta a projeção, o animal
e o que se projeta nele são idênticos; eles são uma e a mesma coisa.
Representam os nossos instintos animais, e, neste sentido, são de fato
antropomórficos ".
Em uma experiência realizada com 104 estudantes
secundaristas nos EUA ( Eddy et al, 1993), ficou clara a tendência que
temos em atribuir, ou projetar, aos animais, características humanas. Os
participantes deveriam indicar a possibilidade de trinta animais, escolhidos
como exemplares da maioria dos grupos filogenéticos, realizarem três
tarefas cognitivas complexas. Deveriam também quantificar em que
extensão os animais se parecem com eles e o quanto experenciam o
mundo como os humanos. Em todos os casos houve atribuição de
habilidades cognitivas e percepção de similaridade a todos animais, sendo
considerados, em ordem crescente de antropomorfismo, os invertebrados,
peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, tendo sido os pets (cães e
gatos) e primatas os que receberam o mais alto índice.
Outros importantes mecanismos de defesa estão também
envolvidos no relacionamento do homem com seus animais de estimação.
Serpell (1995) relata quatro casos nos quais problemas comportamentais
nos cães estavam diretamente associados a transtornos análogos em seus
donos, ou a altos níveis de estresse na família em função de alguma
situação específica. Relata também uma pesquisa realizada por ele
mesmo, na qual encontrou relação estatisticamente significativa entre
alguns transtornos neuróticos nos donos e nos seus cães. Sugere que
estes seriam alvo de identificações projetivas, como mecanismo de
assimilação das neuroses das pessoas com as quais convivem.
A análise de uma garota de nove anos revelou o quão
próxima ela se sentia de seus animais domésticos, utilizando-os como
objetos de identificação , externalização e deslocamento , tentando
através deles resolver seus conflitos de forma adaptativa (Sherick, 1982).
O autor cita uma observação de Freud em “Totem e Tabu ”, na qual este
afirma que as crianças, assim como homem primitivo, sentem-se muito
próximas aos animais devido à ausência de vergonha em mostrar seu
26

corpo e à falta de arrogância e escrúpulos, que fazem os adultos


civilizados sentirem-se superiores a eles. Sherick conclui que a relação
homem-pet não possui a alta carga conflitual existente nas relações
humanas, o que faz com que muitos pacientes consigam ver a si mesmos
e aos outros com mais clareza, menos negações e repressões. Afirma
ainda que além da importância simbólica, os animais de estimação têm
valor como objeto para o homem , por si mesmo, e que ignorá-los, seria
subestimar uma dimensão importante da vida do paciente.
Wright et al (1994) confirmam esta observação ao fazer o
relato de dois casos de Síndrome de Capgras. Este transtorno é um
delírio de substituição, no qual ocorre a crença de que uma pessoa ou um
objeto é substituído por uma réplica, sendo freqüente a sensação de ser
perseguido por ela. O mais importante é que a figura replicada é sempre
significativa na vida da pessoa, sendo exatamente o que ocorre nos casos
relatados, onde as réplicas são os próprios cães das pacientes, além de
outras figuras. Eram duas mulheres solteiras, de setenta e seis e cinqüenta
e sete anos, com pouco convívio social e que dormiam com seus pets, os
quais eram parte centrais de suas vidas. Os autores explicam
psicodinamicamente o transtorno como sendo uma dissociação patológica
da representação dos objetos internalizados, desencadeada por mudanças
cruciais nas relações interpessoais, as quais produzem sentimentos
ambivalentes intoleráveis, resolvidos com o delírio de duplicidade.
O psicanalista argentino Kusnetzoff (1982), descreve a
análise de um adolescente, especialmente a sessão na qual o mesmo leva
junto seu cão Doberman. Interpreta este fato como sendo uma tentativa de
supercompensação narcisista por parte do paciente, que ao assustar seu
terapeuta com a entrada súbita do cão, transfere ao mesmo sua própria
sensação de pavor e desamparo e a perda brusca de investimento nos
objetos, conseqüentes a uma história de abandono e desqualificação por
parte de seus pais. Existia também um deslocamento em direção ao cão
da figura temida e idealizada do pai, o que acrescido ao fato do cão
pertencer ao irmão do paciente, leva Kusnetzoff a conectar esta situação à
obra de Freud, citada anteriormente: “ A articulação entre o endeusamento
animal e conceito de pai tem sido demonstrada repetidamente. Freud a
demonstra como uma primeira forma substitutiva, anterior à forma de Deus
e, de um modo geral, quando a relação com o pai muda essencialmente. A
raiz desta adoração animal é uma saudade do pai, produto direto do crime
parricida. Intimamente vinculada com esta trama de representações, se
encontra a eleição de um animal doméstico por parte do jovem. Sublinho
doméstico, porque o processo de criar um animal junto ao homem é, como
o próprio Freud assinalara, o método mediante o qual se experimenta o
afeto do pareamento consanguíneo ”... Não é por acaso que o nome do
doberman era ‘Varón” ( varão em português ). O psicanalista ressalta a
27

importância das manifestações não verbais no campo transferencial,


principalmente quando se trabalha com adolescentes.
Na psicoterapia de crianças esta premissa torna-se ainda
mais válida, o que é um ponto chave no trabalho do psicanalista infantil
norte americano Boris Levinson, que desde a década de sessenta utiliza
seus próprios cães como co-terapeutas, tendo sido o precursor da técnica
“ pet assisted psychotherapy “. Ele percebeu, ao acaso, pois trabalhava em
sua própria casa, que os pacientes sentiam-se mais à vontade na
presença de seus cães. Começou então a utilizá-los de forma sistemática
nas sessões, criando um ambiente menos tenso e ansioso e mais familiar
para as crianças, as quais têm muito mais facilidade de formar um vínculo
inicial com o cachorro, que poderia ser transferido ao terapeuta. Por ser
fonte de afeto incondicional e pela ausência de julgamento, os animais
domésticos despertam facilmente a confiança, principalmente das
crianças. Servem também como tema constante nas sessões e objeto de
projeção. Fazendo uma alusão aos cães guia de cegos, chamados de
“seeing eye dog “, Levinson (1970) criou o termo “seeing heart dog “,
referindo-se à capacidade dos cães de fazer aflorar e revelar os
sentimentos das pessoas.
A psiquiatra infantil alemã Angela Brüch (1988), apesar de
não fazer nenhuma referência a Levinson, segue a mesma linha de
trabalho. Ela observa que a criança deve movimentar-se livremente na
sessão e escolher o meio através do qual representa e com o qual entra
em contato com o terapeuta, sendo que o cão e o gato se oferecem
espontaneamente ao papel de co-terapeuta e as crianças os aceitam de
muita boa vontade. Ressalta ainda que os animais liberam um variado
leque de sentimentos nos pacientes, e fortificam suas projeções,
identificações e transferência. Podem surgir conflitos de triangulações
entre o paciente, terapeuta e o animal, o que enriquece o espectro de
intervenções terapêuticas. Segundo a autora, o uso de animais cria uma
dinâmica que ultrapassa como técnica o psicodrama, jogos e testes
projetivos. Ela utiliza seu próprio cão e gato, que se acostumaram com
crianças desde cedo e não se perturbam com gestos desajeitados ou
agressivos. Em seu artigo, descreve sete casos clínicos para exemplificar
seu trabalho. Em um deles, um garoto de oito anos apresentava enurese
noturna. Demorava muito tempo a fazer os temas e alimentar-se, durante
os quais travava uma “queda de braço “ com sua mãe. Esta, incentivava e
orgulhava-se muito da independência de seu filho, salientando que ele
cuidava da irmã menor e nunca aceitava doces. Recusava também carinho
de seus pais, bem como dos bichos na terapia, querendo mostrar que não
precisava. Apresentava muita habilidade nas tarefas motoras. Nos jogos
psicodramáticos, ele representava um caubói que nunca podia descansar,
pois seus pais eram muito fracos. A terapeuta era uma rainha rica e ele
queria roubá-la. Isto foi entendido como o esforço que ele tinha que fazer
28

para alcançar a riqueza materna. Tinha que lutar contra seus instintos
e tendências regressivas para ser “homenzinho”. A dificuldade em
fazer os temas, comer, e sua enurese demonstravam o quanto, em algum
aspecto, ele desistira desta tarefa impossível. Fez uma tentativa de
recuperação quando construiu uma caixa para o gato fazer xixi, quando a
terapeuta comentou que este urinava nos vasos de plantas, como se
estivesse tentando tratar sua própria enurese. Estas questões foram sendo
trabalhadas nas sessões, e seus pais foram compreendendo o significado
dos sintomas passando a agir de forma a liberá-lo a ser mais criança. Em
uma das sessões, ele distribuiu velas acesas por toda a sala, expressando
uma necessidade de aconchego e proteção. O garoto passou a trocar
carinho com os bichos, com seus pais e irmã, urinar menos na cama,
soltar mais suas emoções e fazer os temas bem como alimentar-se com
mais facilidade. Noutro caso, uma garota de seis anos, portadora de
retardo mental leve, gaguejava muito ao falar. Sua mãe era furiosa e
decepcionada com ela, por sua filha não conseguir cumprir com suas
expectativas. Na terapia, ela segurava o gato com muita força e não o
deixava sair. Agarrava-o pela perna e pelo rabo chegando a machucá-lo.
Não obedecia aos comandos e tampouco aprendia o jeito certo de segurar
o bichinho, o que fez a terapeuta tomar a decisão de tirá-lo da sala para
sua proteção. A paciente ficou inconsolável durante algumas sessões, até
que em uma delas, o gato apareceu espontaneamente e aproximou-se
dela, deixando-a radiante de alegria. No jogo psicodramático, representava
um bebê faminto, e o cão tinha que fazer-lhe companhia enquanto a mãe
estava fora. A terapeuta deu-se conta que seu jeito de agarrar os bichos
era uma expressão de seu medo de ser abandonada. A garota começou
então a vivenciar o quanto era desnecessária a sua atitude possessiva
com os bichos e foi aprendendo a separar-se sem ter o sentimento de
perda. Começou a gaguejar menos e a freqüentar uma escola especial
com muita motivação, o que deixou sua mãe mais esperançosa.
Stephenson (1973), outra psiquiatra infantil, relata a
dificuldade de se trabalhar com crianças na faixa etária de nove a doze
anos, pois elas, ao mesmo tempo em que são menos acessíveis ao uso de
bichinhos e bonecos, ainda possuem pouca capacidade de verbalizar seus
conflitos e uma tendência muito grande a negar seus sentimentos. Além
disto, sua atitude pré-adolescente de rebeldia em relação aos pais, pode
ser transferida ao terapeuta, criando ainda mais dificuldades. A autora
lista, exemplificando, várias técnicas que seriam eficazes para usar com
estas crianças. Uma delas seria a utilização de pets como co-terapeutas,
igualmente à recomendação de Levinson. Cita um caso de uma garota
depressiva e epiléptica de doze anos com muita dificuldade de
relacionamento com outras crianças, devido a sua auto-imagem negativa e
sensação de ser diferente. Sua terapeuta lhe deu um gatinho, após
tentativas de vínculo marcadas por distanciamento, evasibilidade e
29

desconfiança. A paciente gradualmente começou a falar da solidão


que o gato sentia, de sua desconfiança em relação às pessoas, seu
desejo de brincar com outros gatinhos, e de seus sentimentos de raiva do
gato que o abandonara. À medida que o terapeuta conversava com a
garota sobre estes sentimentos projetados no gato, ela começou a formar
uma relação de confiança com ele.
Mason e Hagan (1999) descrevem um estudo qualitativo, no
qual entrevistam treze terapeutas que se utilizam da " pet assisted
psychotherapy " nos mais variados settings terapêuticos e instituições,
listando as vantagens que mais foram referidas com o uso desta técnica.
Os pets funcionam como um quebra-gelo, diminuem a ansiedade, criam
uma atmosfera caseira, tornam o terapeuta menos ameaçador, aumentam
a satisfação do terapeuta em trabalhar, e tornam-se uma ferramenta de
acesso aos pacientes, pois ajudam a construir o vínculo com o paciente
através de uma linguagem não verbal ( o pet se aproxima do paciente
quando sabe que este vai chorar ), e são objeto de projeção dos conflitos e
sentimentos dos mesmos, que muitas vezes falam com o terapeuta
indiretamente através do pet. Os entrevistados relataram que em muitos
casos não há benefícios, porém mesmo em pacientes com medo de pets,
pode haver um processo de dessensibilização. E em situações onde
aparece ciúmes da relação do pet com seu terapeuta, isto pode ser
trabalhado como material terapêutico. Referiram ainda que esta técnica
pode ser usada em diversos tipos de transtornos, sendo mais eficaz nos
de ansiedade. As autoras do trabalho fazem uma auto-crítica em relação à
possibilidade de viés, devido ao fato de todos os terapeutas serem
amantes de animais e partidários convictos da utilização dos mesmos na
terapia.
Outras construções teóricas nos fornecem uma boa base
para a compreensão do vínculo ser humano/pet. Três autores utilizam a
teoria do apego de Bowlby para esta finalidade (Odendaal, 1981;
Rynearson, 1978; Sable, 1995), observando que o comportamento de
apego não é intrinsicamente infantil nem patológico. É de crucial
importância nos animais sociais, sendo uma classe distinta do
comportamento sexual ou da alimentação. O apego do adulto sadio é
flexível, se acomodando a uma variedade de relacionamentos, alternando
modelos e papéis de cuidados, resultando em maior tolerância para
suportar separações e mais auto-confiança. Os animais domésticos têm o
potencial de prover uma ligação emocional de apego, promovendo uma
sensação de bem-estar e segurança. Porém, a atitude de vínculo pré-
verbal dos animais pode satisfazer a necessidade humana regressiva de
nutrição em circunstâncias patológicas, pois foca o relacionamento em
uma figura que responde mais pobremente, diminuindo seu padrão de
apego e interações maduras. Este deslocamento serve como sustentação
das identificações projetivas, pois gratifica uma parte vulnerável do self
30

sem risco de envolvimento interpessoal. O pet é imbuído


simbolicamente com amor e confiança incondicionais, que nutrem o
desejo insaciável de proximidade. Este grau de envolvimento ocorre em
pessoas com o ego mal estruturado e recapitula a dinâmica regressiva da
ligação mãe-filho, pois há uma fixação em uma fase precoce do apego,
devido a uma privação afetiva importante na infância. A pessoa torna-se
incapaz, nos mais variados graus, de responder às expectativas sociais de
maturidade, tornando-se um adulto com desejo constante de nutrição, com
relacionamentos complicados, tanto interpessoais quanto com um animal
de estimação. O resultado disto são vínculos ansiosos com grande
ansiedade de separação e dependência e/ou cuidados compulsivos, onde
há uma projeção da necessidade de ser cuidado. O luto complicado pela
morte de um pet costuma ser comum nestes casos. A desconfiança básica
destas pessoas contribui para a excessiva ligação com os pets, os quais
são constantemente receptivos e incondicionais como fonte e objeto de
cuidados. Em contrapartida esta qualidade os transforma em importante
ferramenta terapêutica no caso de pacientes regressivos e crianças, como
observado por Levinson, que compartilham necessidade intensa de vínculo
pré-verbal, ou em pessoas mais estruturados em momentos de crise ou
perdas significativas, o que seria o caso de pacientes com transtorno de
estresse pós-traumático (Altschuler, 1999), que apresentam notória
resistência ao uso de medicações ou psicoterapia.
Ainda citando Rynearson (1978), este autor relata alguns
casos clínicos para ilustrar suas afirmações. Uma mulher de 48 anos, com
história de privação afetiva na infância, e que tivera sua gata companheira
e confidente morta pela mãe, por ter arranhado a irmã menor, estava
enviuvando pela segunda vez em um intervalo de um ano. No enterro do
segundo marido ela viu o rosto de sua gata no lugar dele. Passou a ter um
vínculo extremamente ansioso e cuidados compulsivos com sua gata
atual, bem como crises de ansiedade constantes. Isto foi entendido como
uma regressão ao padrão de vínculo de sua família original, desencadeado
pelas perdas importantes e recentes. Em outro caso, uma mulher de 32
anos recém divorciada devido ao vínculo excessivo que tinha com seu cão,
procurou tratamento após tentativa de suicídio. Já estava morando há
algum tempo com sua mãe, que tinha o diagnóstico de borderline e
alcoolismo, e também era muito apegada ao cão, apesar de ameaçar
constantemente de tirá-lo de sua filha. Em uma destas ameaças, a
paciente matou seu cão e suicidou-se. Teve supostamente uma reação
psicótica à ameaça de separação. O cão era a figura internalizada de
apego, através da qual mãe e filha mantinham vínculo indireto e intensa
simbiose.
As descobertas de Winnicot, principalmente a teoria do
objeto transicional, podem também nos ajudar a explicar a importância do
vínculo com os animais de estimação (Levinson, 1970; Klosinski,1979). No
31

processo de maturação da criança, no qual há um progressivo


afastamento em relação aos pais, assim como diminuição da
necessidade do afeto e proteção dos mesmos, o pet pode ser uma fonte
importante de segurança e afeto, e seria, segundo Levinson, muito mais
eficaz para este fim que objetos inanimados como o bico, paninho ou
bichinho de pelúcia, pois é um objeto transicional interativo. Provê um
setting constante e seguro na ausência dos pais; é “ o outro “ que não
julga, minizando as ansiedades pelo não cumprimento das expectativas
paternas. As crianças podem formar uma sub-cultura com o pet e com
seus iguais que também possuem animais, diminuindo a sensação de
sentirem-se fora do mundo dos adultos. No período de socialização,
quando a criança pode sentir-se rejeitada pelo grupo, o pet pode fornecer
um importante suporte emocional, pois não faz demandas excessivas, e
nesta relação, a criança pode ser verdadeira, ser ela mesma, sentindo-se
aceita e desejável, o que reforça seu auto-conceito positivo e auto-estima.
As brincadeiras com os bichos funcionam, entre outras coisas, como uma
catarse das tensões escolares e domésticas. Klosinski, após evocar a obra
de Winnicot, cita as conclusões do antropólogo Savishinski (1974) ao
estudar a tribo dos índios Hare, do norte e oeste do Canadá: “ a
socialização das crianças é um processo de troca de papéis e
personagens entre elas e os cães da tribo, no qual se educam
mutuamente, a fim de se acostumarem com o comportamento e realidade
do mundo dos adultos, e poder enfrentá-lo melhor “. Podemos então
atribuir uma “ função transicional “ aos animais de estimação, tanto no
setting da vida real, como no contexto de uma sessão terapêutica, como
facilitador de vínculo com o terapeuta.
Este fenômeno poderia também ser explicado pela teoria do
aprendizado, sob um ponto de vista comportamental (Brickel, 1982). Existe
uma tendência natural de nos aproximarmos de estímulos prazerosos e
nos afastarmos dos dolorosos. Uma resposta que provoque reação de
ansiedade – dificuldades naturais da vida ou estar só em uma sala com
uma pessoa ( terapeuta) desconhecida – pode ser diminuida ou extinta se
o estímulo é apresentado com simultânea exposição a um estímulo
prazeroso, que pode ser a figura de um cão alegre e manso. Esta técnica
comportamental é descrita como sendo a mudança no foco de atenção.
O psicanalista Leonard Simon, (1984 ), afirma que é possível
tirar conclusões sobre os mais profundos aspectos íntimos da vida da
pessoa, quando olharmos para sua específica relação com seu específico
pet, o que é corroborado por Levinson (1970) ao apontar que a relação da
criança com seu pet revela seu nível de desenvolvimento. Mac Donald
(1979) ressalta em seu artigo que Stott (1956), já na década de cinqüenta,
ao elaborar o Bristol Social Adjustment Guide, um manual de mau
ajustamento em crianças, encontrou que " preferir animais do que
pessoas" era um dos itens que identificava depressão em crianças, assim
32

como " pobre relacionamento com o pai ". Citando ainda Simon, ele
nos diz que a relação ser humano/pet produz o mesmo tipo de
experiência transferencial que as relações humanas. Porém há,
infelizmente, uma diferença crucial: os pets não conseguem prover as
pessoas de um feed-back circular com o propósito de corrigir nossas
falhas ( self regulation ), o que seria semelhante à definição de padrão de
vínculo pobre e regressivo, citado anteriormente. Assim, os processos
disfuncionais de satisfação pessoal são freqüentemente postos em ação, o
que resulta em efeitos negativos nos donos, no crescimento individual e
nas relações familiares. A raça de cachorro que a pessoa possui pode ser
a projeção de profundas necessidades e identificações. Alguém inseguro
ou paranóide pode querer um poderoso cão de guarda. Quem quiser
associar sua auto-imagem a graça e agilidade pode ter um Afghan Hound
ou um Saluki. Isto é primário pois o cão geralmente reflete seu dono, o que
muitas vezes é mais do que mera coincidência (Fox, 1974). Como
podemos observar, a relação com os animais de estimação não é
intrinsicamente boa nem má. Pode ser muito enriquecedora ou
empobrecedora, o que dependerá diretamente da estrutura psicológica das
pessoas envolvidas
33

Função Sistêmica dos


Animais Domésticos

Até recentemente, apenas alguns terapeutas tinham


coragem de incluir os pets na terapia como ferramenta importante ( em
nosso meio isto ainda é válido ). Como veremos no próximo capítulo, todo
o conhecimento, e portanto, o uso terapêutico dos pets era direcionado
para maximizar as habilidades e a saúde de adultos, crianças e idosos em
situações especiais, ou ajudar pessoas durante crises, como divórcio ou
perdas importantes. Atualmente, é mais comum eles serem incluídos no
plano terapêutico, mesmo que não participem diretamente das sessões.
Em algumas famílias, segundo alguns autores, a participação do pet torna-
se essencial para o sucesso da terapia. Às vezes, inclusive, é necessário
tratar especificamente o próprio animal de estimação ( Mackler, 1982 ).
De acordo com Andolfi (1986), muitos autores sistêmicos
consideram o triângulo como a unidade mínima de observação, como um
esquema mental por meio do qual se recolhem informações mínimas sobre
um sistema. O modelo diádico não é suficiente para dar conta do vasto
sistema dentro do qual uma relação entre duas pessoas se desenvolve.
As relações a dois não passam de um lado do triângulo., que une os dois
vértices correspondentes às duas entidades em questão, que sempre
estarão de alguma forma conectados com uma terceira entidade ocupando
metafóricamente o outro vértice. Este outro pode ser uma entidade
abstrata, algum membro da família, um amigo, instituições, lembranças,
expectativas,etc. E por que não um pet?
Pittman (1990) relata um caso interessante que tornou-se
folclórico em sua carreira, o qual ele denominou de “caso do Cocker
Spaniel molhado”. O autor coloca a questão sensibilidade e intuição do
terapeuta versus o uso de técnicas terapêuticas, discorrendo também
sobre os fatores que impedem o sistema familiar de promover mudanças.
Ele dá exemplos de intervenções extremas e improvisadas de acordo com
a necessidade do momento. Em um dos casos, uma mulher estava
catatônica há três dias, pois ficara sabendo de mais uma das traições de
seu marido, o qual era sempre protegido por sua mãe, tanto nas questões
conjugais como de trabalho. Pittman estava com uma co-terapeuta e a
paciente em uma visita domiciliar. Havia feito várias tentativas de tirar a
mulher daquele estado, inclusive uso de anti-psicótico injetável no dia
anterior, sem nenhum sucesso. Ela estava caída no chão, quando foi
34

ouvido um barulho de arranhar na porta. Foram abrir para ver o que


era, quando entrou correndo o Cocker Spaniel da casa, todo molhado,
pois estava nevando. Ele foi direto a sua dona pulando em cima dela e
lambendo-lhe o rosto. Ela levantou imediatamente, foi fazer café para suas
“visitas “, e pôde então falar sobre a raiva que sentia de seu marido e sua
sogra, e a terapia seguiu então o curso normal. Este fato foi entendido
como tendo sido o afeto direto e sincero do cachorro que a fez sair
daquele estado patético, que era também uma forma de fazer seu marido
sofrer. Pittman poderia ter ido mais longe no entendimento, apesar de não
ser este o objetivo do capítulo. Era evidente que havia uma coligação
muito forte entre o marido da paciente e sua mãe, que estava triangulada
entre o casal. A paciente, por sua vez, tratou de fazer o mesmo com seu
cachorrinho, que equilibrava a situação, substituindo afetivamente o
marido. O cão funcionava então como mantenedor homeostático do
sistema, e somente ele realmente poderia reverter o quadro da paciente,
pois era o único no qual ela confiava, ao contrário do marido, sogra e dos
terapeutas. Poderia o filho do casal desempenhar este papel? Sim, e
talvez o fizesse em alguma medida, como muitas crianças o fazem.
Os pets, porém, são mais freqüente e facilmente
triangulados, assim como se prestam a objeto da projeção de nossos
sentimentos e impulsos narcísicos, agressivos e dependentes. Eles não
falam, são ” o melhor amigo do homem “, nos dão afeto incondicional,
não ativam nosso medo de rejeição e submetem-se passivamente mesmo
quando mal tratados. Uma família que coloca uma criança neste papel,
paga um preço muito alto. Esta situação não preenche as demandas de
crescimento afetivo e individuação de um ser humano, e os sintomas, em
suas mais variadas formas e intensidades cobrarão este preço. Por
questões biológicas, as necessidades e capacidades intelectuais e afetivas
de um pet adulto correspondem às de uma criança humana. Sua relação
com o homem é de dependência, por definição. Um cão que dorme na
cama do casal, provavelmente estará muito bem. Uma criança, à medida
que seu crescimento lhe exija uma capacidade maior de diferenciação a
nível de interações sociais, logo apresentará disfunções.
Em muitos casais, a triangulação com o pet é evidente, com
o animal de estimação dormindo no meio dos cônjuges, inclusive inibindo a
atividade sexual. Entin novamente, citando o antropólogo Jay Ruby (1982),
relata uma pesquisa na qual foi constatada que 65% dos pets dormia no
quarto dos donos, dos quais, 45% na cama. Refere que em muitos destes
casos, quando o cão morre , o casal se separa, pois a relação baseava-se
na evitação e era focada no cão. Pela lente sistêmica, segundo Entin
(1986), os pets podem estar envolvidos com os focos de reatividade e
intensidade emocional das famílias, revelando o nível de diferenciação
individual dos donos, vindo a ser objetos dos processos projetivos das
pessoas e participando das relações triangulares que se estabelecem.
35

Muitas vezes, ajudam os familiares a se conectarem, pois falam entre


si através do pet e sobre o mesmo, não se dirigindo diretamente,
mantendo sempre uma distância mínima. Isto evita que conflitos venham à
tona com suas possíveis crises conseqüentes, conferindo ao pet, então,
um papel homeostático. Entin ilustra outra forma de triangulação e de
função homeostática de um pet com um caso, no qual uma esposa muito
submissa ao marido, adotou um gato, e passou a se opor a seu cônjuge
sempre em nome dos interesses do seu pet, mas nunca em nome de seus
próprios interesses; mudou sem mudar. Este autor ressalta também o
quão interessantes são as fotos de famílias, pois podem revelar qual a
posição que os pets ocupam nas mesmas, ou que metáfora representam
para seus donos. Em outro exemplo, Entin descreve uma família em cujas
fotos aparecem a esposa acariciando seu cão, com o marido em segundo
plano; ou o marido abraçando os dois filhos e ela abraçando o cão. Alguns
meses mais tarde houve a separação. Ele ganhou a guarda das crianças
na justiça, e ela , a guarda do cachorro. Pode-se tirar muitas conclusões
dependendo da freqüências com que os pets aparecem nas fotos de
família, em que contexto e do que é falado a respeito das fotos (Ruby,
1982).
No jornal Zero Hora de 23 de agosto de 1998, no auge do
escândalo de Bill Clinton com Mônica Lewinski, há uma matéria com uma
foto do casal Clinton, com sua filha Chelsea e o cão da família Buddy. O
colunista David Coimbra faz uma análise político-familiar da situação
utilizando a foto como ilustração. Afirma que ela é o reflexo da astúcia de
Hillary, que propositada e disfarçadamente transmite uma imagem de uma
mulher que se sacrifica em nome da família, fazendo uma recriminação
silenciosa mas digna ao marido, pois “há coisas mais importantes que sua
dor”. Os três se mostram de lado caminhando juntos. Hillary, no fundo,
distraída, mal aparece. Chelsea, no meio, e Bill, em primeiro plano,
prestam atenção em Buddy, também em primeiro plano, mais a frente. O
Presidente é o centro geográfico da foto, e o cão, o centro afetivo. Este
reivindica a atenção, distraindo o observador, tornando subliminar a
mensagem principal da primeira dama, qual seja, o interesse em seu
próprio futuro político. Em meio a uma grande crise familiar, o cão distrai a
família, e a população americana. Ele seria então o mantenedor
homeostático da família presidencial e dos Estados Unidos da América. E
por que não do mundo, já que estamos falando da mais poderosa e
influente das nações?
Soares (1985), citando diversos autores, coloca em seu
artigo que o papel do pet depende da estrutura, emoções subjacentes e
clima social da família, bem como da força ou fraqueza emocional de cada
membro. Os pets podem ajudar a alargar a rede social da família, bem
como proporcionar um setting familiar seguro, e um meio através do qual
as crianças testam amor e ódio, preferências e rivalidades, dependência e
36

cooperação, sentimentos destrutivos e criativos. Podem funcionar


como um outro significativo, como protetor e confortador. Porém, em
famílias disfuncionais, o vínculo sadio transforma-se em vínculo ansioso,
com cuidados compulsivos e luto patológico na morte do pet. As crianças,
algumas vezes, deslocam o medo que sentem dos pais aos animais,
resultando em fobias, e a projeção deste medo e raiva não resolvidos pode
resultar em crueldade em relação a estes. Ainda nestas famílias, o pet
freqüentemente fica doente junto com ou em substituição a algum membro
familiar em momentos de estresse, podendo vir , inclusive, a morrer. O
comportamento dos pets é uma extensão da psicopatologia humana. Em
famílias com fobia social generalizada, eles também, geralmente, ficam
com medo de sair de casa. Alguns terapeutas observaram que o
comportamento do pet em um momento particular da terapia, é um reflexo
direto do clima afetivo do grupo familiar, devido a sua excessiva
sensibilidade às cargas emocionais da família. Em outros casos, algum
membro familiar ou toda a família pode utilizar o pet para expressar
resistência à terapia, usando-o para ocupar tempo, como pretexto para
deixar a sala ou para criar conflitos, quando o indivíduo ou a família está
sob pressão do terapeuta.
Soares ainda cita duas pesquisa com dados que refletem a
forte interação entre o homem e seus animais de estimação. Uma delas,
feita com quinhentos donos de cães, mostra que 56% dos pets dorme na
cama, 64% recebe comida na mesa, 86% dos donos divide seu lanche
com ele e 54% celebra seu aniversário. A pesquisa não aferiu o grau de
funcionalidade desta famílias. Outro trabalho, realizado com sessenta
famílias, mostra que 87% delas considera o pet como um membro familiar,
36% pensa nele como pessoa, 66% referiu aumento da felicidade quando
obteve o pet, em momentos difíceis de sua vida, 81% relatou ser o pet
sensível aos sentimentos positivos e negativos da família, inclusive
apresentando sintomas psicossomáticos, como inapetência e diarréia e
36% observou que os pets demonstram esta sensibilidade através de
atuações. Algumas famílias referiram várias maneiras pelas quais os pets
ajudaram a resolver conflitos, como por exemplo falar ao pet algo que não
se tem coragem de dizer a outro, de forma que este outro esteja ouvindo.
Enfim, o autor coloca que em algumas famílias, principalmente nas
disfuncionais, o relacionamento homem/pet deveria ser considerado como
um dos sub-sistemas aos quais devemos estar atentos como terapeutas.
Ann Otney Cane, da Universidade de Maryland, realizou um
questionário com famílias sobre seu relacionamento com os pets. Uma das
perguntas, se os pets estão sintonizados ou não com os sentimentos dos
membros da família, foi respondida de forma afirmativa por 81% dos
participantes. Estes, deram como exemplo que os pets estão atentos às
doenças, depressão, tensão, raiva, agitação, felicidade e excitação. A
autora observa que nestes momentos, os pets podem ser descritos como o
37

barômetro da ansiedade na família, e geralmente indicam as tensões e


conflitos familiares (Messent, 1982).
Segundo Klosinski (1979), os pets são fator de equilíbrio em
ambiente familiar patológico, possuindo a função de compensação ou
substituição onde o padrão de interação entre os membros está
perturbado, sendo mais fácil perceber o papel positivo dos pets em
ambientes em crise do que em famílias, com adolescentes e crianças
normais. O autor relata três casos exemplificando suas observações.
Wilson e Netting (1983) assinalam que o pet funciona como um pára-raio
que alivia a pressão de algum membro problemático da família. Rynearson
(1978), apoiando-se na teoria de Bowlby, observa que os pets, em
circunstâncias patológicas, servem como foco de deslocamento dos
conflitos humanos familiares, sendo esta função definida como
intermediário simbólico. Em famílias nas quais existe alto grau de
desconfiança básica, com padrão de apego regressivo predominante, o pet
funciona como figura de vínculo indireto entre os membros. Ele é um
participante confiável no drama de falta de confiança, muitas vezes
acabando sacrificado.
Levinson (1970) afirma que, nos dias de hoje, em muitas
famílias, o pet é o único interesse, assunto ou vivência comum entre os
membros, podendo servir para diagnosticar os relacionamentos na família,
indicando suas tensões e conflitos. Dá como exemplo casos nos quais a
mãe transfere seu domínio e ligação excessiva da criança para um pet,
deixando-a então seguir seu processo de crescimento. O autor vai ainda
mais longe, apontando que os veterinários possuem a responsabilidade e
o privilégio de detectar problemas mentais iniciais graves ou que podem se
agravar, através do pet trazido à consulta. Este profissional é muitas vezes
o primeiro que entra em contato com o comportamento disfuncional do
dono. No decorrer dos séculos, uma revolução silenciosa tem ocorrido no
relacionamento entre o homem e seus animais domésticos, fazendo com
que a função do veterinário também necessite transformar-se. Este
profissional não pode mais limitar-se somente a salvaguardar a saúde
física do pet da família. Agora, ele deve envolver-se na saúde mental da
família cujo pet ele trata. O homem possui necessidades neuróticas e
saudáveis. Com o passar do tempo, os pets foram usados com ambos
propósitos, e uma alta carga emocional é característica da relação. O
veterinário é a testemunha da dinâmica complexa da interação de
personalidades entre os pets e suas famílias humanas. Ele pode ser
extremamente útil, não somente aos pets, mas aos seus donos,
especialmente se o significado psicológico de algumas destas situações
ficar claro. (Levinson, 1974). Este ponto de vista é compartilhado por
Bustad (1979), que considera o veterinário como um psiquiatra amador, e
que o paciente veterinário pode fornecer o primeiro indício de um lar
problemático. Reforça ainda sua tese observando que quando um cliente
38

traz seu pet para um tratamento de um transtorno comportamental,


geralmente os dois precisam de terapia.
O papel homeostático dos pets não se restringe somente aos
sistemas familiares. Por exemplo, nos Pigmeus, conforme citado em
capítulo anterior, esta mesma função é exercida a nível social mais amplo,
pois toda a agressividade que os membros da tribo não podem expressar
entre si, é descarregada nos cães. Podemos dizer que isto ocorre também
em muitas comunidades civilizadas. Outro exemplo de função social
homeostática ocorre na tribo Baatombu, no norte de Benin (Schottman,
1993). Os cães, desde pequenos, recebem nomes de provérbios. Seu
dono pode , então, simplesmente chamando seu cão pelo nome, enviar
uma mensagem a algum vizinho em particular ou a alguém que esteja
passando naquele momento. Esta forma de expressão evita confrontos e
acusações abertas, pois é duplamente indireta: é supostamente
endereçada ao cão e feita através de um provérbio, cujo autor é a princípio
desconhecido. È uma estratégia que permite expressar descontentamento
ou opiniões, em lugares ou momentos onde o silêncio é aconselhado.
Para a pessoa que mora na cidade, entrando no jogo do
mundo corporativo, tendo um papel e sendo parte da máquina anônima,
seu cão ou gato podem ser o único vínculo que possui algo de autêntico;
voltar para a casa de encontro a seu pet pode lhe proporcionar não
somente um senso de identidade mas um senso de pertencimento. É
muito comum, nas grandes cidades, pessoas solitárias ou não, possuirem
em um pequeno apartamento três ou quatro cães ou gatos. Quem volta
para casa, quando encontra este notável grupo social, literalmente tem
outro mundo, outra realidade na qual pode sentir que tem um papel mais
significativo e integral a representar (Fox,1974). Portanto, em nosso
sistema moderno de vida urbana, os pets também possuem uma função
homeostática, pois ao ser a única, ou uma das únicas fontes de significado
para muitas pessoas, permite que seja mantido um sistema produtor de
relações alienantes.
Para enriquecer a análise do papel dos pets no sistema
familiar e nas relações interpessoais, bem como seu uso como instrumento
terapêutico, serão apresentadas a seguir três situações clínicas
ilustrativas. A primeira me foi relatada por um colega, a segunda se refere
a uma família que foi atendida por mim, e a terceira foi retirada de um
artigo usado como referência.

Fora combinada uma sessão com toda a


família de um paciente que vinha sendo atendido em regime
de internação. O encontro deu-se na própria clínica.
Compareceram o pai, a mãe, os dois irmãos e, para surpresa
do terapeuta, o cachorrinho. Dispuseram-se todos sentados
em círculo na sala. Espontaneamente, o cãozinho foi
39

pulando de colo em colo, recebendo seus agrados. Quando chegou a


vez da mãe, ele passou reto, tendo sido ela a única pessoa em cujo o
colo não pulou. O terapeuta não deixou passar em branco
este fato. Ao buscar junto à família os possíveis motivos,
revelou-se a excessiva complementariedade, praticamente
uma dissociação, entre os papéis de expressão afetiva e de
autoridade exercidos pelos pais. O pai era o depositário do
primeiro, e a mãe, do segundo. Ela era temida por todos,
inclusive e , principalmente , pelo cãozinho, que expressou
isto de forma clara, e acabou sendo usado como metáfora
para ser trabalhado este aspecto familiar tão vital quanto
disfuncional, nesta situação. Devido à dificuldade da mãe em
expressar afeto, muito provavelmente havia uma distância
relacional excessiva entre ela e os filhos, e uma ligação
excessiva entre o pai e os filhos, configurando os seguintes
triângulos, com o lado do desenho em linha dupla indicando
maior proximidade:

filhos cão

pai mãe pai e filhos

Maria, 48 anos, me procurou em função de sua


situação conjugal com Décio, 50 anos. Seria a última
tentativa que ela faria antes de separar-se, pois a vida sexual
e afetiva do casal era insatisfatória, e ele estava resistente a
fazer terapia novamente; já haviam tentado, sem sucesso há
alguns anos. Décio era distante e irritado com a esposa e as
filhas Carolina, 21 anos e Tânia, 9 anos, mas não com Pipa,
a cachorrinha Poodle da família, com a qual tinha uma
relação afetiva intensa, literalmente deitando e rolando no
chão. Era muito próximo também de sua própria mãe, apesar
de sério, com a qual almoçava quase todos os dias, com o
pretexto de ser a casa dela perto de seu trabalho. Carolina, a
filha mais velha, como seu pai, vivia abraçada na
cachorrinha, sendo fria e arrogante com os outros membros
da família. Participou somente das duas primeiras sessões
alegando que o problema era do casal; retornou alguns
40

meses depois. Tânia, a mais nova, uma garota muito esperta e


carinhosa, apresentava–se triste; expressava a raiva, mágoa e medo
que sentia em relação ao pai e à irmã com crises de fúria,
trancando-se no quarto e quebrando vários objetos, e com
episódios psicossomáticos de diarréia, com desidratação e
internação hospitalar. A mãe Maria era bastante exagerada
em suas expressões emocionais, principalmente em suas
queixas e cobranças, as quais eram freqüentes.
Em um caso como este, existem inúmeros
aspectos a serem entendidos e trabalhados, como realmente
o foram. O que é mais importante ressaltar, de acordo com o
foco deste estudo, é a função que Pipa, a cachorrinha,
exerce neste sistema familiar. Ela é uma espécie de
depositária afetiva da família, um meio através do qual as
pessoas podem exercer seu afeto, que não está fluindo
livremente em relação aos outros. É uma forma de não
morrerem afetivamente, de comunicarem uns aos outros: -
Veja como sou carinhoso, mas não consigo ser assim
contigo. Isto ficou evidente em uma foto, na qual Carolina
aparecia com o rosto colado em Pipa, e também pelo seu
tom de voz suave e afetuoso, que contrastava com sua
aparente frieza. Pipa funcionava como mantenedora
homeostática, propiciando às pessoas permanecerem
distantes, sem trabalharem seus conflitos, mas, em sua
condição de amálgama afetivo, impede também que se
afastem demais, o que colocaria em risco a manutenção da
família. À medida que os conflitos familiares foram sendo
trabalhados, uma quantidade considerável de afeto foi sendo
deslocado da relação com a cachorrinha para as relações
entre as pessoas. Décio ficou menos distante e mais alegre
em casa, Carolina abandonou sua postura arrogante e
sempre insatisfeita, Tânia não teve mais crises de fúria e
episódios psicossomáticos,e Maria, obviamente, passou a
queixar-se menos. Não me surpreenderá se a cachorrinha
ficar deprimida. Poderíamos ver nesta família as seguintes
triangulações:

Maria, Carolina,
Tânia Tânia Carolina

Maria Dècio Pipa Maria, Décio,


Tânia
41

Marie e Susan, duas irmãs solteiras de


aproximadamente sessenta anos, moravam sozinhas em um
apartamento de dois quartos, desde a morte de seus pais, há
vinte anos ( Mackler, 1982 ). Tinham um irmão casado, com
o qual mantinham fraquíssimos vínculos. Na verdade, não
estavam sozinhas, pois co-habitavam com vários cachorros e
gatos. As duas dividiam as lidas da casa e Susan, a mais
isolada devido a uma doença psiquiátrica crônica ( o artigo
não define, mas pelos sintomas parece algum transtorno
esquizofreniforme ), assumia mais os cuidados com os
animais. Marie cuidava mais das compras e questões que
envolvessem o meio externo. As irmãs sobreviviam de uma
aposentadoria. Estavam sempre em atraso com as tarifas
públicas e vendedores. Usavam velas para iluminação, pois
havia sido cortada a energia elétrica. O apartamento tinha
cheiro de urina e havia pilhas de trapos e roupas espalhados.
Um terapeuta foi chamado em um dos episódios de
reagudização do quadro de Susan, que apresentava abuso
verbal e ataxia. Incluiu-se na equipe então, um psiquiatra
para medicá-la e um clínico para cuidar de Marie, que era
diabética. Foi traçado um plano terapêutico, que incluia
sessões semanais com as irmãs, cuidados clínicos e
psiquiátricos e relocação em um condomínio público em
algumas semanas, sem os animais, que ficariam com os
vizinhos. Quando chegou o dia da mudança, elas não
cumpriram com uma parte das combinações: levaram Jenie,
uma vira-latas de nove anos, a cachorra preferida e uma das
gatas, a matriarca. Diziam preferir morar na rua do que ficar
sem Jenie. Susan começou a apresentar melhoras em seu
funcionamento social, inclusive aplicando as injeções de
insulina na irmã. Porém, logo iniciaram conflitos com os
vizinhos, os quais entraram com ação de despejo, pois Jenie
não suportava ficar sozinha; chorava , latia, andava pelos
corredores, e pulava nos outros moradores toda vez que as
irmãs saiam ( ansiedade de separação? ). Estas,
mantiveram-se firmes no intuito de manter-se junto a sua
cadela. Passaram a cancelar os compromissos terapêuticos,
e saiam somente para passear com Jenie e fazer compras.
Frente à nova situação crítica, decidiu-se
consultar um psicólogo vinculado a uma clínica de animais,
sendo então incluído na equipe um veterinário para medicar
Jenie com ansiolíticos. Foram reiniciadas sessões de terapia
semanais, agora com a cachorra, para serem trabalhados os
42

conflitos entre as irmãs. Basicamente, Marie possuia um estado de


ressentimento em relação aos cuidados dos pais e por ter abdicado de
sua vida pessoal para cuidar da irmã, a qual se protegia com
agressividade, mais isolamento e dependência, fechando
assim um círculo vicioso. Faziam-se exercícios
comportamentais, nos quais as irmãs aumentavam
gradualmente o tempo fora de casa sem Jenie. Um
acompanhante terapêutico passou a ficar algumas horas
com elas para ajudar o processo.
Após alguns meses de acompanhamento,
Jenie, que não necessitou mais medicações, tolerava longos
períodos de separação. As irmãs desenvolveram inúmeras
habilidades sociais. Logo porém, os conflitos entre Marie e
Susan afloraram novamente, e não foi possível trabalhá-los
satisfatoriamente, pois elas não o quiseram. Apesar disto, as
conquistas principais foram mantidas, sendo afastada a
ameaça de despejo. O autor coloca que neste tipo de família,
os animais desempenham duas funções importantes:
provêem responsabilidades aos donos e mantêm a frágil
ligação destes com a sociedade. Segue ainda ressaltando
que o comportamento do cão mantinha a família unida e
evitava uma potencial crise de mudança, mantendo-as
socialmente isoladas. Podemos dizer com outras palavras
que o pet funciona como um mantenedor homeostático do
sistema, como no caso anterior, onde mantinha vivo,
porém encarcerado, o afeto entre os membros da família.
Neste caso, também são mantidos vivos os vínculos sociais
da família, pois era através dos cachorros e gatos que as
irmãs se relacionavam com o mundo, e seu bichos talvez
fossem o único motivo para elas acordarem, comerem,
fazerem compras, enfim, viverem. Mas, ao mesmo tempo
em que mantinha estes vínculos, as isolava socialmente,
fazendo suas vidas girarem em torno das mesmas questões
e produzindo relações litigiosas com os vizinhos. As
seguintes configurações triangulares podem ser formadas
neste sistema:

Marie Marie e Susan Marie

Susan Jenie Sociedade Susan


43

Seja então o depositário afetivo, o meio pelo qual as


pessoas mantém seu vínculo ou compartilham interesses comuns, seja
como válvula de escape da raiva, como objeto de projeção e deslocamento
de sentimentos de abandono e necessidade de proteção ou quaisquer
impulsos ou conflitos produzidos nas relações humanas, os pets
desempenham um papel vital para o ser humano. Há doze mil anos, muito
antes de existir o que hoje chamamos de família ou sociedade, os cães já
faziam parte dos agrupamentos humanos. Portanto, a estrutura das
famílias e sociedades se desenvolveu com a presença deles. Isto nos leva
a reconhecer seu papel relevante, tanto nos grupos disfuncionais quanto
funcionais. Talvez a diferença esteja na intensidade e (ou) qualidade do
vínculo, que faz (em) com seja caracterizada uma relação de dependência
ou enriquecimento mútuos, respectivamente. Os animais de estimação
possuem portanto, na cultura humana, uma função sistêmica clara e
imprescindível; a de auxiliar na manutenção e propiciar o funcionamento
dos sistemas familiares e sociais.
44

Benefícios ao Bem-estar
e Saúde Humanos
Nos dois capítulos anteriores, foi apresentada a utilização
dos animais de estimação como uma porta de entrada para o
entendimento da problemática familiar e individual, isto é, o diagnóstico
através da análise das relações ser humano/pet. Foi ainda abordada a
função dos animais como co-terapeutas, seja como facilitador de vínculo,
ou como dinamizador terapêutico, servindo como objeto, principalmente de
nossas projeções, e visto também como um membro do sistema familiar
com função homeostática. O presente capítulo fará um apanhado geral -
pois a quantidade de material é imensa, e este não é o enfoque principal
do trabalho - de outras duas formas de abordagem de nossa relação com
os animais, no que tange aos benefícios obtidos pelo ser humano.
Abordaremos então as conseqüências do relacionamento espontâneo com
os animais de estimação para a saúde humana, bem como sua utilização
planejada em situações especiais, com objetivo terapêutico.
Serpell (1990) conduziu um estudo prospectivo, no qual
comparou um grupo de 26 adultos com outro de 71 adultos que adquiriram
um cão ou um gato. Encontrou, no segundo grupo, através de
questionários e escalas padronizadas, aumento significativo da segurança
pessoal, auto-estima, dos escores de saúde mental, de saúde física e do
número de caminhadas. Grande parte dos indivíduos relatou aumento das
interações sociais, principalmente com membros da família e impacto
positivo em suas vidas. Não houve relação direta do aumento de exercício
físico com o status de saúde, mostrando o efeito por si da interação com o
pet. Os índices dos donos de cães foram mais altos e duradouros,
comparados aos donos de gatos. O autor especula sobre os possíveis
mecanismos dos efeitos positivos da convivência com um pet. Um deles
seria simplesmente por ser uma novidade na vida das pessoas. Também
pode haver um efeito placebo, pois é um assunto bastante divulgado pela
mídia. Terceiro, os pets são muito companheiros, fornecendo suporte
social e uma rica interação afetiva. E ainda, funcionam como catalisadores
sociais, promovendo aumento das interações e rede social de seus donos.
Em outro trabalho, o autor (1995) cita pesquisas que demonstram que em
pessoas separadas recentemente, possuir um animal de estimação e,
principalmente ter um forte vínculo com o mesmo, está associado
significativamente a um menor índice de depressão. Refere ainda que
mulheres viúvas sem um pet apresentam um índice maior de deterioração
45

da saúde quando comparadas às que possuem pet, e que em homens


viúvos também sem um pet, ocorrem mais sintomas psicogênicos e
abuso de drogas. Straede e Gates (1993) encontraram escores
significativamente menores em escalas psicológicas em donos de gatos,
na Austrália, comparados a pessoas sem nenhum pet, indicando um
menor nível de distúrbios psiquiátricos.
Em um resumo dos principais temas de um simpósio
internacional sobre o vínculo ser humano/pet, Messent (1982) ressaltou
alguns achados importantes. Em mulheres casadas, a qualidade da
interação com seu animal de companhia está associada de forma
significativa a um maior nível de satisfação na vida, maior status de saúde,
melhor qualidade de relacionamento conjugal e mais participação social. E
ainda, 18% dos adultos é seriamente afetados pela morte de seu pet,
sendo o luto muito parecido com o da perda de um parente. Algumas
diferenças são o fato de ser menos prolongado, de haver menos suporte
familiar e de não existir um ritual específico para esta perda, sendo que o
veterinário é praticamente o único profissional com o qual se conversa
sobre o fato. Brasic (1998) ressalta outro dado importante, qual seja, o de
que baixo afeto aos cães está associado a baixo afeto por seres humanos.
Em estudo qualitativo com 105 homeless de São Francisco, Kidd e Kidd
(1994) concluiram que mais da metade possuia ao menos um pet, os quais
eram mantidos com muita dificuldade devido às circunstâncias; e que a
intensidade do vínculo com os animais era muito grande, pois os mesmos
eram muito importantes para sua saúde física e mental.
Em um grande trabalho de revisão, Hart (1990) divide os
benefícios dos pets em relação às crianças e idosos. Relata que desde os
seis meses de idade, os bebês respondem mais intensamente aos pets
que aos brinquedos, rindo, abraçando-os, seguindo-os e verbalizando.
Crianças maiores consideram seus pets e os da vizinhança como amigos
especiais, tendo conversas íntimas com eles, e sendo extremamente
atentas a suas características próprias e detalhes. Os pets fornecem a
oportunidade de criar, alimentar, cuidar, desenvolver comportamento
altruísta e ajudam no desenvolvimento tátil e cinestésico, e na formação da
tolerância e controle do self, através de uma relação especular. Enfim,
promovem a afirmação social da criança, funcionando como objeto
transicional. Adolescentes que possuem pets são mais efetivos em
interpretar expressões faciais de adultos em fotografias. Odendaal (1981),
fazendo uma revisão da obra de Levinson, assinala diversos benefícios
que as crianças obtém com os pets, os quais proporcionam uma
preparação para a paternidade, estimulam a responsabilidade, promovem
estímulo sensorial e cinestésico, e despertam a consciência da
sexualidade, da doença e da morte. Observa também que, atualmente, as
crianças vivem muito mais estressores do que antigamente, e que os pets
podem então suprir necessidades que os pais, profissionais de saúde e
46

educação não conseguem. Novamente Messent (1982), em seu


resumo sobre o simpósio internacional, afirma que as crianças sofrem
muito pela perda de seus animais, muito em função dos pais não darem a
devida importância ao fato. Relata ainda que 60% dos sonhos infantis na
faixa dos quatro anos de idade inclui um animal em alguma parte. Na
idade de quinze anos, o índice cai para 9%. Em ordem decrescente, os
animais que mais aparecem nos sonhos são os cães, cavalos, pássaros e
gatos. Salienta também que crianças delinqüentes tendem a se vincular
mais aos pets que crianças normais, sugerindo que estes teriam um papel
de substituto das relações humanas.
Em relação aos idosos, igualmente há uma série de
benefícios (Hart, 1990). A simples presença de um pássaro, comparado à
presença de uma planta ou com nenhum animal ou objeto, aumenta as
atitudes interativas com a equipe de saúde e familiares, e
conseqüentemente os níveis de saúde física e mental. Os índices de
depressão e mortalidade, em idosos separados ou viúvos, é menor nos
que possuem pets, quando comparados aos que não possuem. E quanto
maior o vínculo com pet, menor o índice. Outro trabalho mostrou, ao serem
analisadas as fitas gravadas durante caminhadas, que o grupo que
possuia pets se expressava, de forma significativa, mais no tempo
presente, e que a maior parte das conversas era sobre seus cães, mesmo
na ausência destes. A presença de cães, com pessoas severamente
doentes, aumenta os contatos sociais amigáveis com os transeuntes. O
autor conclui que os pets podem promover a interação social, fornecem
companhia, segurança, suporte afetivo e auto-suficiência, melhorando o
estado psicológico e imunológico dos idosos. Kehoe (1991) relata sua
experiência no tratamento de homossexuais idosos (as), ressaltando os
benefícios que um pet pode trazer a eles ou elas, pois sofrem mais solidão
que os heterossexuais, devido ao fato de serem geralmente mais
desvinculados(as) de sua família e de terem maior dificuldade em obter um
parceiro (a).
Há alguns séculos, o homem começou a dar-se conta do
potencial terapêutico dos animais de companhia, pois já tinha milênios de
convivência com eles, sentindo em seu quotidiano os benefícios deste
relacionamento. Beck (1985) escreve que existem relatos datados do
século dezoito, onde usavam-se animais domésticos em escolas de
crianças perturbadas e que grupos de cuidados domésticos para pessoas
doentes, usavam animais como mascotes. O primeiro relato documentado
data de 1792, do York Retreat, um hospital psiquiátrico moderno para a
época, na Inglaterra, onde havia coelhos e aves no pátio, cuidados pelos
próprios pacientes. Florence Nightingale, a fundadora da enfermagem
moderna, já em 1860 observou: “um pequeno pet é geralmente uma
excelente companhia para os doentes, especialmente para os casos
crônicos”. Em 1867, em Bethel, na Alemanha, havia uma casa de
47

epilépticos, cujos moradores cuidavam de pássaros, cavalos, cães e


gatos. Em 1940, nos EUA, começou a funcionar o Hospital de
Recuperação Para Feridos do Exército, situado em uma fazenda, onde os
pacientes interagiam com animais silvestres (Jennifer, 1997; Wilson &
Netting, 1983). Atualmente, existem em vários países do mundo,
programas sistematizados em andamento ou experimentais, com intuito de
melhorar as condições bio-psico-sociais de pessoas nas mais diversas
situações patológicas, como doenças neurológicas ou psiquiátricas,
abandono, senilidade, com privação da liberdade, sejam crianças, adultos
ou idosos, institucionalizados ou não. Ainda não existe uma
regulamentação ou uma mínima padronização deste trabalho, e tampouco
dos profissionais envolvidos, sendo geralmente realizado por uma equipe
multidisciplinar, formada por médicos, psicólogos, enfermeiras,
veterinários, assistentes sociais, pedagogos, voluntários, etc. Uma
conseqüência óbvia deste fato é a quantidade imensa de termos usados
para definir este tipo de atividade terapêutica, ainda utilizados quase
sempre em língua inglesa, sendo os mais comuns Pet-Assisted-Therapy,
Pet-Facilitated-Therapy, Pet-Therapy e Companion-Animal-Assisted-
Therapy. Recentemente, foi proposto o termo "Etologia Antropozoológica"
(Cozza et al, 1994), para a ciência básica ou disciplina que se
encarregasse de formar os profissionais desta área. Veremos a seguir
então alguns trabalhos e revisão da literatura com este tema central.
Uma grande parte dos artigos publicados são extensas
revisões, relatando uma série de pesquisas nas quais os pets mostraram-
se benéficos no tratamento de crianças com paralisia cerebral, transtornos
de espasticidade, autistas, transtornos comportamentais, de idosos, de
doentes mentais, de prisioneiros, etc. O setting pode ser tanto institucional
quanto domiciliar, e os animais utilizados são cães, gatos, coelhos,
golfinhos, cavalos, etc (Brickel, 1980; Messent, 1982; Beck, 1985;
Friedmann,1990; Hart, 1990; Serpell, 1990; Cozza, 1994; Bonofiglio, 1995;
Jennifer, 1997; Brasic, 1998).
Levinson (1968;1970) observa que para crianças em
ambiente institucional, sejam moradoras ou não, os pets podem ser
importantes como confidentes, companhia, estímulo tátil e visual,
distração, gratificação do ego e objeto de cuidados. Eles seriam
especialmente importantes para os que permanecem muito tempo
institucionalizados, aos quais, além de proporcionarem as vantagens
acima, diminuem o medo da morte. Em crianças severamente perturbadas,
como autistas, por exemplo, o contato com os pets diminui a necessidade
de movimentos da cabeça, balançar o corpo, masturbação e chupar o
dedo. Propõe a existência de centros comunitários de saúde mental com
equipe multidisciplinar e cães treinados especificamente como co-
terapeutas. Davis (1985) relata que crianças gagas perdem o medo de
rejeição e de não serem entendidas com o contato com cães, e que
48

adolescentes violentos diminuem sua agressividade em contato com


coelhos.
Em relação aos programas com idosos, os pets atenuam seu
isolamento e os fazem sentirem-se importantes, pois são fonte e objeto de
afeto ( Brickel, 1980). O autor relata um caso de um idoso que não falava
há 26 anos, e que quando viu o cão na beira de sua cama com o
voluntário do programa exclamou: - “Você trouxe aquele cão!” Após este
fato começou a falar, tirar fotos e desenhar cães. Ryder (1985), ao analisar
programas de visitas com pets a pessoas severamente doentes ou
demenciadas, assinala que os voluntários permanecem mais tempo no
programa, devido ao estímulo gerado pelos melhores resultados. Assinala
ainda que a equipe de enfermagem trabalha com mais facilidade com
idosos institucionalizados após visitas dos pets, pois os pacientes falam
sobre assuntos mais variados, deslocando seu foco de preocupação em
relação à alimentação, condições de tempo e dores no corpo. Messent
(1982), em sua revisão, ressalta um estudo descrito pelo Dr. Robert
Andrysco, da Ohio State University, no qual foram escolhidos 23 idosos
residentes em um lar geriátrico, para interagirem com pets, sendo após
comparados a um grupo com o mesmo número sem esta interação. A
avaliação foi feita com fitas de vídeo, exames psicológicos, vistorias e
questionários realizados pela equipe. No grupo com pets, houve melhora
da socialização, comunicação verbal, envolvimento em atividades e
comunicação com a equipe. Em nenhum dos grupos houve melhora do
sono, exercícios e controle intestinal. Portanto, os resultados não foram
atribuídos a outras diferenças.
Um estudo sobre a introdução de gatos em um abrigo
geriátrico (Brickel, 1979) demonstrou aumento do senso de realidade e
responsabilidade, melhora da afetividade, do relacionamento entre os
internos e entre estes e a equipe, a qual teve sua carga de estresse
diminuida. Os gatos eram muito usados para fazer contato com os
pacientes isolados, além de serem fonte de distração, prazer, objeto de
cuidados, tornando o ambiente caseiro e mais tranqüilo. Haggard (1985)
corrobora a opinião de seus colegas ao relatar um programa com pets em
casa de reabilitação de idosos, salientando como resultados uma melhor
condição dos pacientes, da equipe e dos familiares. Em um estudo com 64
pacientes institucionalizados com Doença de Alzheimer (Fritz et al, 1995),
foi demonstrada diminuição de episódios de agressão verbal e ansiedade
no grupo que interagia com pets em relação ao grupo controle, bem como
diminuição da ocorrência de transtornos de humor nos pacientes mais
vinculados aos pets, quando comparados aos menos vinculados. Não
houve diferença em relação ao declínio cognitivo. Mugford e M’comisky
(1974) realizaram um estudo com 48 idosos, em setting domiciliar,
monitorizados durante três anos por assistentes sociais. Metade do grupo
recebeu uma begonia (planta) e a outra metade um budgerigar (ave), para
49

cuidar e manter em seu quarto. O grupo que mantinha as aves


demonstrou receber mais visitas, fazer mais amigos e estar mais
envolvido com a comunidade.
Os pacientes psiquiátricos também se beneficiam com o
contato com animais. É o que demonstra o estudo realizado por Corson et
al (1975) com 50 pacientes regressivos, isolados e ego-centrados,
morando em instituição, que não haviam respondido a outras formas de
terapia. Os cães foram retirados de abrigos públicos e especialmente
preparados para este fim. Cada interno escolhia seu próprio cachorro o
qual cuidava, separando-se dele somente na hora de dormir e de comer,
por questões higiênicas. A equipe respondeu um questionário para avaliar
a interação dos pacientes com seus cães e foram feitas entrevistas
gravadas em vídeo. Todos apresentaram alguma melhora em geral, nos
seguintes aspectos: interação entre os pacientes, interação com a equipe,
senso de responsabilidade, auto cuidados, menor tempo entre a pergunta
e a resposta nas entrevistas (menos ainda quando a pergunta referia-se ao
cão). Cinco pacientes apresentaram melhora significativa. Os autores
atribuem estes resultados ao fato dos pacientes sentirem-se necessários,
conectando-se com a realidade, além de terem a oportunidade de amar e
serem amados. Cassidy et al (1995) produziram resultados semelhantes
em uma unidade de cuidados psiquiátricos contínuos.
Katcher (1985), ao fazer uma revisão semelhante aos outros
artigos, propõe explicações para os benefícios produzidos pela presença
dos animais de estimação. Assim como o vôo de aves e agitação da
vegetação são sinais de perigo para os ruminantes – podem denunciar a
presença de um predador – o homem também possui sinais, que denotam
perigo ou segurança, aprendidos em sua evolução filogenética. Pelo
princípio da antítese de Darwin, quanto maior o contraste entre sinais,
maior o seu valor. Assim sendo, o som ou a visão de animais amistosos,
nos dariam sensação de proteção. Refere ainda que a velocidade e
volume baixo e a freqüência alta de nossa voz, ao falarmos com os pets,
estimulam fisiológicamente os mecanismos de relaxamento. A diminuição
da tensão arterial produzida na presença de cães, está associada ao
relaxamento dos músculos faciais e à expressão.
Friedmann (1990) cita uma série de pesquisas que mostram
que tanto a simples presença quanto a interação com um pet, provocam
diminuição significativa em marcadores fisiológicos ( tensão arterial e
freqüência cardíaca ), e marcadores psicológicos (ansiedade ). Estes
testes são realizados nas mais variadas situações, como em repouso,
lendo em voz alta, no dentista, com o próprio cão, com um cão
desconhecido. Os resultados com os pets são similares aos efeitos do bio-
feedback e meditação transcedental. Em um destes trabalhos, no qual ela
é um dos autores (Friedmann et al, 1983), foram encontrados os mesmos
resultados em crianças, os quais foram atribuídos à modificação da
50

percepção do ambiente, causada pela presença de um cão. Brasic


(1998) também cita várias estudos com modelo e resultados
semelhantes, salientando que a presença de um cão conhecido é mais
eficaz em diminuir marcadores fisiológicos do que a de um desconhecido.
Refere ainda que o contato humano não ameaçador, pode produzir os
mesmos resultados, pois a simples palpação do pulso de pacientes em
unidades de cuidados coronarianos, diminiui a ocorrência de arritmias
ventriculares. Friedmann questiona se estas pequenas mudanças
repetidas várias vezes ao dia teriam efeitos benéficos a longo prazo na
saúde cardiovascular. Ao mesmo tempo, cita uma pesquisa própria (
Friedman et al, 1980 ), que comprovou ser a companhia de um pet o
maior preditor de sobrevida em um ano, de pacientes vinculados a
unidades de cuidados coronarianos, independente da severidade inicial
da doença, do nível sócio-econômico, status marital, acesso a suporte
social e de ser o pet um cão ou não. Ressalta o pioneirismo de Jenkis
(1976), que foi o primeiro a relacionar fatores sociais e psicológicos, como
a companhia de um pet, à saúde cardiovascular. Atribui estes resultados a
três mecanismos: diminuição da solidão e depressão, diminuição da
ansiedade e estímulo a exercícios físicos. Friedmann e Thomas (1995),
realizaram um estudo controlado randomizado, na tentativa de reproduzir
estes resultados. Do grupo de 112 pacientes que possuia algum pet,
houve apenas uma morte um ano após um infarto agudo do miocárdio. Do
grupo de 282 pacientes que não possuiam, houve 19 mortes, diferença
esta que foi estatisticamente significativa, e independente da severidade
da doença, nível sócio-econômico e suporte social, tendo sido esta última
variável também considerada preditora de sobrevida em um ano.
Outra forma através da qual os pets nos trariam benefícios,
seria o fato de sua companhia nos proporcionar, como já dito por outros
autores, uma ponte com o mundo real, uma verdadeira terapia de contato
com a realidade, pois são objetos de cuidados, além de estimularem e
enriquecerem nosso tato, olfato, visão e audição (Heaman, 1982).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Soares (1985) refere que, em
relação às crianças, os pets são objeto de fantasia e companheiros
imaginários, sendo agentes através do qual elas desenvolvem senso de
identidade, responsabilidade, independência, podendo ser a origem do
amor e lealdade incondicionais e um estímulo ao aprendizado cognitivo.
Apesar da grande maioria dos trabalhos demonstrarem
vantagens psicológicas na interação com os pets, observa Soares (1985),
devemos ter ainda cautela com estes resultados, devido à extrema
complexidade da relação homem/pet, devido ao número insuficiente de
trabalhos e das inúmeras variáveis difíceis de serem controladas, como
países, culturas, famílias e níveis sócio-econômicos diferentes.
Beck e Katcher (1984) afirmam que a maioria das
publicações desta área são estudos de caso ou resultados de programas
51

de Pet-Facilitated-Therapy em instituições ou a domicílio - são


realizados sem metodologia formal de pesquisa e sem grupos controle.
Portanto, apenas detectam fenômenos clínicos e geram hipóteses, não
podendo ser considerados testes de eficácia terapêutica. Há poucos
estudos que testam hipóteses, demonstrando relação causal e a validade
do tratamento, através de metodologia experimental com cuidadosos
grupos controle ou estudos epidemiológicos; sendo que a maioria destes
são estudos sobre o efeito direto dos pets em marcadores fisiológicos.
Como conseqüência, referem, não há evidências que os pets possuem
maior valor que a presença de crianças, adultos interessados, jogos
eletrônicos, filmes, viagens, etc. Além disto, não foram demonstrados
resultados a longo prazo, mas, mesmo que os efeitos sejam passageiros,
os programas se justificam, pois o prazer da maioria dos pacientes é
inquestionável.
Beck (1985) conclui que ainda não existe uma distinção clara
entre pet- therapy e a mera presença de um pet. Muitos estudos são mal
planejados e mal controlados e muitos resultados podem dever-se ao
efeito placebo. Apesar de não haver nenhuma evidência de malefício, há o
perigo da saúde de um idoso ser negligenciada , por superestimarmos a
presença de um pet, ou de encorajarmos pessoas que não querem ter um
pet, a terem.
Em suma, temos uma grande quantidade de evidências e
algumas comprovações. É necessário então que haja uma maior
quantidade de pesquisas com metodologia apropriada para que ocorra
uma aceitação científica mais ampla no que tange ao valor terapêutico dos
animais de estimação.
52

O Melhor Amigo do Cão?


Dentro do espectro da função homeostática dos animais de
estimação, podem estar contidos todos os benefícios que obtemos nas
mais variadas formas de contato com os mesmos. Tudo o que o ser
humano não consegue obter de outros seres humanos, provavelmente
pela forma como está organizada nossa sociedade. Tudo o que falta,
principalmente para os que, nos mais diversos níveis, estão excluídos.
Desde os portadores de doenças mentais ou neurológicas, passando pelos
idosos, crianças maltratadas e solitários, e chegando aos moradores de
rua e prisioneiros. Sem contarmos com a elaborada função de co-
terapeuta. que não deixa de ser a ocupação de um espaço onde nós
homens, não somos suficientes; isto acontece também nos casos em que
pessoas saudáveis, física e emocionalmente, se enriquecem no convívio
com os pets. É uma missão e tanto para um simples descendente do lobo,
que talvez não a tivesse aceitado se soubesse de antemão todas as
cláusulas do contrato. Neste momento cabem duas perguntas. De que
forma e em que intensidade os animais domésticos são afetados pelo
relacionamento com o ser humano? Terão eles se beneficiado tanto
quanto nós?
Não é somente a tensão arterial do homem que diminui na
presença de um cão, pois a tensão arterial dos cães também diminui
quando acariciados pelo dono (Messent,1982). Isto nos faz pensar que os
animais podem ter a mesma sensibilidade e necessidade de afeto e
proteção do que os humanos. Muitas pessoas pensam assim. Outros,
porém, dizem que atribuir aos cães emoções e necessidades humanas é
ser anti-científico e antropomorfizante. As pesquisas têm mostrado, no
entanto, que o cérebro em desenvolvimento do cão, seu modelo de
socialização e outros períodos críticos e sensíveis durante o
desenvolvimento, são muito similares, e as vezes idênticos, ao mesmo
fenômeno reconhecido na criança, apesar deles se desenvolverem em
base temporal diferente. O cão tem basicamente as mesmas estruturas
límbicas ou emocionais capazes de gerar específicos afetos ou
sentimentos refletidos em diversas reações emocionais e também em
modificações nas atividades simpática e parassimpática, que estão
associados a transtornos emocionais e psicossomáticos. Adicionando a
este substrato neural comum do cão e do bebê humano a importante
variável do apego que é conseqüência da socialização, como entre o cão e
seu dono e entre o filho e os pais, não deveríamos então ficar surpresos
que tanto o cão como o bebê, sob determinadas condições podem
desenvolver transtornos comportamentais e psicossomáticos análogos ou
53

homólogos. Estes podem abranger desde epilepsia psicogênica até


condições asmáticas, comer compulsivo, problemas de coordenação,
hipermotilidade intestinal com gastroenterite hemorrágica, possivelmente
colite ulcerativa; sem mencionar rivalidade entre irmãos, ciúme excessivo,
agressividade, depressão e anorexia nervosa (Fox, 1974).
Os pets em geral, mas principalmente os gatos, são muito
sensíveis a estressores ambientais, expressando–se muitas vezes através
de distúrbios comportamentais ou sintomas psicossomáticos. Gagnon
(2000) descreve a denominada patologia inflamatória do sistema urinário,
muito comum nos felinos domésticos. Pode-se dizer que é uma síndrome,
apresentando-se com sintomas de infecção do trato urinário, com urina
estéril, geralmente acompanhada de sintomas depressivos e(ou) de
ansiedade. É uma cistite intersticial aguda que pode cronificar-se. O
tratamento consiste no uso de anti-inflamatórios, ansiolíticos ( buspirona
ou diazepan) e detecção e manejo dos fatores ambientais. A autora
exemplifica o tema com três casos clínicos, cujos estressores eram
respectivamente os períodos de separação da dona devido a viagens, a
separação de seu filhote macho preferido três semanas após a gata ter
dado cria e a derrubada dos pinheiros onde o gato descansava todas as
tardes. Outros exemplos da sensibilidade felina ao estresse são o aumento
de casos da síndrome urológica logo após o terremoto de 1971 na
Califórnia, o aumento de casos nos equinócios da primavera e outono, o
fato da ansiedade provocar hiperglicemia nos gatos, e o fato de seu PH
urinário aumentar em até duas unidades após uma viagem de carro de
duas horas.
Muitas pessoas não se deram conta que ter um cão
representa uma grande responsabilidade. Ele não somente necessita
atenção e afeto, mas necessita disciplina quando jovem para tornar-se
socialmente bem ajustado, e um bem integrado membro da família. É o
relacionamento muito próximo e simbiótico entre o cão e o dono que pode
ser a causa de vários transtornos emocionais e psicossomáticos. Por
exemplo, o cão que é educado de forma muito indulgente e é tratado
literalmente como substituto de uma criança pode desenvolver uma
variedade de anormalidades comportamentais quando o relacionamento
com seu dono é ameaçado -–como pelo nascimento de uma criança, pela
introdução de outro pet na casa, seja um cão ou um gato, ou pela chegada
de visitas. A separação do dono, devido a doença ou viagem pode
desencadear patologias similares. O cão sem limites em sua educação
pode também ficar indisciplinado e quando atingir a plena maturidade
sexual se comportará como um mal ajustado “cão delinqüente” (FOX,
1974).
O homem não parece ser o melhor amigo do cão, porque o
fez de acordo com sua própria imagem. Ele projetou sua necessidade de
liberdade, força viril e coragem em seu cão, e neste encontrou suporte
54

para outras necessidades, companhia, status, afeto e até um substituto


de crianças (Fox, 1974).. Isto sem levarmos em conta os maus tratos e
abandono dos quais milhares de cães ou gatos são vítimas no mundo
inteiro, além de serem apreciados como comida ainda em alguns lugares.
Mas os pets possuem necessidades próprias. Somente quando o homem
aprender a vê-lo como ele é, e também a si mesmo, poderá libertar seu
pet de uma relação desigual. Portanto, a segunda pergunta parece estar
respondida.
55

Conclusão

Katcher (2001) resgata o conceito de biofilia, criado por E.O.


Wilson, que diz que o cérebro humano está estruturado para prestar
atenção de forma seletiva a determinadas espécies, beneficiando-se com
seu convívio em relação à saúde, cognição e bem-estar. Propõe que a
capacidade de entender os animais e se aproximar deles sem provocar
fuga, foi essencial nos processos de domesticação, e que algumas
pessoas estão geneticamente determinadas a compreender melhor que
outras os animais. O fato é, que não podemos falar em civilização humana
sem os animais de estimação, pois eles fazem parte de nosso quotidiano
desde a pré-história. Isto quer dizer que antes mesmo de saber ler e
escrever, o homem já acariciava um cão. Para Levinson (1970), a
domesticação dos animais teve razões de higiene mental e não somente
econômicas. Podemos constatar, pelos achados arqueológicos que, desde
o início, o relacionamento com os cães já tinha uma forte conotação
afetiva. Eles presenciaram toda evolução tecnológica, expressas
principalmente na forma de manipularmos o meio ambiente em função de
nossos interesses. Estão presentes desde os desenhos nas cavernas,
feitos com pigmentos naturais, carvão ou sangue, com o objetivo de
viabilizar magicamente a caça, até a manipulação do DNA, nos dias atuais,
que cumpre aos mais variados objetivos.
No jornal La Nación, de Buenos Aires, do dia 18 de fevereiro
de 2000, há uma matéria sobre a clonagem de animais de estimação. Já
existem quatro empresas norte americanas, oferecendo pela Internet, o
congelamento do DNA dos animais. Sendo que em uma delas já existe um
projeto em andamento de clonagem de uma cadela collie chamada Missy,
conferindo o nome de Missyplicity ao projeto. Ainda na matéria, o professor
de veterinária da Universidade de Parma, Giovanni Ballarini observa:
“repetir o passado equivale a retroceder. Na verdade, quando se adota um
pet há que pensar em fazer as coisas melhor que antes. Talvez a
clonagem dê segurança, mas é uma atitude passiva”. Retroceder, manter
as coisas iguais. Estamos falando novamente em homeostase, portanto,
em função homeostática dos pets, pois neste contexto, clonar não seria
uma tentativa de repetir as mesmas soluções para os mesmos conflitos?
Podemos assim compreender como um pet pode ser o
substituto de uma criança para um casal ou pessoas solteiras, viúvas ou
divorciadas; bem como substituir o afeto de um adulto em situações de
demanda muito grande de um vínculo pré-verbal. Eles são muito parecidos
a nós, tanto em seu potencial saudável quanto neurótico. Sua imagem já
está associada de forma praticamente definitiva aos benefícios e bem-
56

estar obtidos em sua companhia. Em um estudo sobre a formação da


impressão dos conceitos que elaboramos sobre as coisas em geral,
Lockwood (1985), após fazer uma introdução teórica sobre o tema,
descreve uma pesquisa própria para exemplificar o componente emocional
de nossa impressão sobre os cães. Utilizando o TAT (Thematic
Apperception Test) modificado, ele avaliou a percepção de 68 estudantes
de psicologia sobre pessoas fotografadas em ambientes variados. Para
cada foto havia outra quase idêntica, sendo a única diferença a presença
ou ausência de um pet. Houve uma tendência muito grande dos
estudantes a avaliarem as pessoas acompanhadas de um pet como mais
saudáveis, felizes, confortáveis, generosas, inteligentes e relaxadas, em
relação às fotos idênticas sem o pet. Os resultados foram independentes
das experiências prévias das pessoas envolvidas com animais.
Ao que parece, a mídia sabe explorar mais a imagem
associada aos animais do que os profissionais de saúde exploram seus
reais atributos. Em filmes, livros ou propagandas, o relacionamento com
animais passa uma mensagem, resulta na associação a uma imagem, que
pode ser de herói ou vilão, de quem ama ou quem não ama, quem é
sensível ou insensível, quem tem tal ou qual característica, dependendo do
animal em questão e de como o personagem se relaciona com o mesmo.
Beck (1985) cita uma pesquisa, na qual um colega seu enviou um
questionário para todos os terapeutas de sua instituição, sobre o uso de
pets na terapia. Houve quatrocentas respostas. Um terço já havia utilizado
pets no tratamento de pacientes, sendo que 57% já havia recomendado a
pacientes a aquisição de um pet. Mais de 50% sentia que as crianças são
as maiores candidatas a este fim. Nenhum deles havia publicado nada
sobre o assunto. Levinson, citado por Brickel (1980), realizou um
questionário semelhante e enviou a 435 colegas da Associação de
Psicologia de Nova York, sendo que 319 responderam. Os resultados
foram que 39% possuia familiaridade com o uso de pets na terapia, 16%
usou uma ou algumas vezes e 51% recomenda aos pacientes pets como
companhia. Os casos nos quais os pets são mais freqüentemente usados
são isolamento social e emocional, esquizofrenias e dessensibilização de
fobias. Mesmo porém com estas respostas, sabemos que, na prática, as
técnicas que incluem pets são pouco utilizadas. E muitas pessoas que
fazem uso delas, não publicam seu trabalho, seja para o meio leigo ou
científico. Acredito que seja devido ao medo de se expor a um meio
profissional que, por um lado é cauteloso - pois zela pela sua imagem e
pela saúde das pessoas – e por outro, é um tanto preconceituoso, com
dificuldade em aceitar o novo, principalmente aquilo que ameaça romper
barreiras culturais. Como vimos, as barreiras que nos separam dos
animais têm raízes antigas e penetração ampla na sociedade,
ultrapassando as fronteiras do meio científico.
57

A compreensão da complexidade que existe na relação


do ser humano com os pets em termos de seu significado e cuidados
do dia a dia, seria facilitada pela aplicação de um “ web model “ (Brasic,
1998). Desta forma poderíamos levar em conta a inserção e relação com
os múltiplos sistemas sociais. Muitos estudos não abrangem ou
consideram a sobreposição de sistemas que existem na vida real da posse
de um animal de estimação. Baseando-se nas informações de
experimentos controlados e de casos clínicos, estamos começando a
compreender mais completamente como a domesticação e a socialização
influenciou o comportamento do companheiro mais próximo ao homem.
Tal consciência, eu espero, não somente melhorará futuras relações entre
o pet e seu dono, mas também o relacionamento entre os homens em
geral (Fox, 1974).
. Para finalizar, apresento uma amostra da sabedoria do
chefe Sealth da tribo de índios Duwamish, do Estado de Washington, em
um trecho de uma carta, endereçada ao Presidente dos EUA em 1855,
transcrita por Rynearson (1978):

“ O que é o homem sem as bestas? Se todas


as bestas se forem, o homem morrerá de uma
grande solidão do espírito, pois o que quer que
aconteça com as bestas também acontece com
os homens. Todas as coisas estão conectadas.
O que quer que ocorra com a terra ocorre com
os filhos da terra ”.
58

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