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CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME “JULGAMENTO DE NUREMBERG”

Resenha apresentada ao Componente


Curricular Fundamentos Epistemológicos do
Direito.

Bagé, 07 de abril de 2021


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CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME “JULGAMENTO DE NUREMBERG”

Reflexão crítica sobre o filme:

A doutrina da situação irregular foi consubstanciada com conceitos do século


XIX. A edição do Código de Menores em 1927, que abordou sobre formas de
assistência e proteção para a infância e a posterior readaptação do texto legal,
instituindo um novo Código de Menores em 1979 foram marcos temporais para a
construção da teoria da situação irregular, que foi expressamente prevista no
segundo documento jurídico. A doutrina da situação irregular trouxe visões
ultrapassadas em relação as reais necessidades para a infância, abordando
conceitos relacionados a menoridade, que eram estigmatizantes e pejorativos, pois
impediam a concepção de necessários direitos fundamentais para o
desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. A doutrina da situação
irregular se preocupava com o “menor” em situação irregular, que era aquele que se
encontrava em situação de dificuldades e passava a ser objeto da tutela do Estado.
A visão em relação a infância levava por consideração o que a pessoa “não tinha e
não era”, sendo uma prática que não era universal, era autoritária e estava em
desacordo com as bases que instituíram os direitos humanos e fundamentais, sendo
práticas discriminatórias e que legitimavam a exclusão social e reproduziam as
ideias de “concepção negativa, redutora, embasada no adultocentrismo”
(CUSTÓDIO, 2008, p. 23-25).
Na doutrina da situação irregular o interesse jurídico em relação as crianças
e adolescentes surgia a partir da prática de atos de caráter de infracional ou pelas
condições de exclusão social. A situação de pobreza de crianças e adolescentes
eram vistas como condições de irregularidade, pois havia o risco que era uma
condição para a atuação e responsabilização do Estado. Os magistrados agiam no
sentido de administrar práticas assistencialistas e de responsabilização de crianças
e adolescentes por seus atos. A visão em relação a pobreza distorcia a questões
econômicas, pois se trabalhava com a ideia de situação irregular do “menor” e não
de incapacidade do Estado em reduzir as condições de desigualdade social, pois a
crianças ou o adolescente pobre podem trazer riscos para o desenvolvimento da
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sociedade e necessitam de controle individual por parte do Estado. Ou seja, as


práticas de exclusão social eram legitimadas por lei e práticas estatais (CUSTÓDIO,
2008, p. 25-26).
A teoria da proteção integral começou a surgir com a participação dos
movimentos sociais no processo de democratização do Brasil na década de 1980,
onde a participação popular foi protagonista no processo de modificação de
autoritarismo do Estado e na defesa dos direitos inerentes à infância de forma
interdisciplinar, o que ocorreu de acordo com as convenções internacionais da
Organização das Nações Unidas e com a Organização Internacional do Trabalho.
Em contrapartida, a doutrina da situação irregular perde adeptos e a teoria da
proteção integral inicia o seu processo de construção democrática em consonância
com os ideais democráticos, com os direitos humanos, com a concretização de
direitos inerentes a condição de cidadania e com a constitucionalização de direitos
fundamentais nas suas diversas categorias, superando-se os conceitos inerentes ao
“menorismo”, que foram enfrentados ferrenhamente buscando a extinção da doutrina
da situação irregular (CUSTÓDIO, 2008, p. 26-27).
Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil do ano de 1988
surgia com ideais democráticas e com a consolidação da teoria da proteção integral
de raiz popular e consubstanciada na participação de movimentos sociais
interdisciplinares em defesa da garantia da proteção integral a cidadãos em situação
peculiar de pessoa em desenvolvimento, condição própria da infância. Então, o
ordenamento jurídico constitucional passou a ter teoria própria protetiva de crianças
e adolescentes, emanando princípios a todo ordenamento jurídico infraconstitucional
e a toda a construção política dos entes federados brasileiros, e assegurando
direitos fundamentais próprios à condição de sujeito de direitos (CUSTÓDIO, 2008,
p. 27-28).
No entanto, mesmo com a proteção jurídica constitucional em relação a
proteção dos direitos da criança e do adolescente, de acordo com a teoria da
proteção integral, ainda existem muitos resquícios da visão da doutrina da situação
irregular que ainda não foram superados. A consolidação de crianças e
adolescentes como sujeito de direitos vem sendo um processo difícil e demorado, e
deve ter bases fortes em todos os aspectos, desde a linguagem, pois a superação
de concepções relacionadas a menoridade, que tratava a infância como objeto, são
fundamentais para a garantia da proteção integral no ramo de direito da criança e do
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adolescente. Portanto, a expressão menor, que traz estigmas e prejuízos, é uma


expressão que deve ser superada com urgência, não podendo ser aceita no
ambiente acadêmico e jurídico, pois remonta a uma lógica de submissão que deve
ser superada (CUSTÓDIO, 2008, p. 28-30).
A superação da concepção doutrinária em relação a proteção integral é uma
proposta que foi destaca, sendo demonstrado que há razões suficientes para
defender que já existe uma teoria da proteção integral, que se encontra embasada
por princípios, direitos fundamentais e regras. Não que a doutrina da proteção
integral não tenha tido o seu papel fundamental, que até mesmo consolidou a ideia
de teorização. Mas que os subsídios de uma teoria da proteção integral trazem uma
maior base para a concretização de direitos e políticas públicas, em um sistema de
direitos da crianças e adolescentes, que estão construídos pelo olhar da infância,
embasada na cidadania, na interdisciplinaridade, na emancipação do sujeito e na
dignidade da pessoa humana, tendo sido consolidada de forma democrática
(CUSTÓDIO, 2008, p. 30-31).
A teoria da proteção integral trouxe ideias estratégicas inovadoras para a
construção do direito da criança e do adolescente. A busca pela visão interdisciplinar
da infância e as estratégias de execução de políticas públicas de forma articulada,
em rede e descentralizada foram de suma importância para a estruturação do
sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, e com espaço para
construções democráticas com participação popular. A teoria da proteção integral
possuí um aparato consistente e que vem sendo fortificado, o que dificulta a atuação
das ideias retrógradas e superadas cientificamente. A proteção jurídica da teoria da
proteção integral está fundamentada pela Convenção sobre Direitos da Crianças da
Organização das Nações Unidas, pela Constituição da República Federativa do
Brasil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e nas demais convenções
internacionais de proteção à direitos humanos (CUSTÓDIO, 2008, p. 31-32).
A base principiológica da teoria da proteção integral foi desenvolvida de
acordo com diversas visões. Pode-se afirmar que os princípios que estruturam a
teoria são vários: “universalização”; “garantismo”; “interesse superior da criança”;
“prioridade absoluta”; “ênfase das políticas sociais básicas’; “humanização no
atendimento”; “desjuridicionalização”; “descentralização político-administrativa”;
“participação popular”; “tríplice responsabilidade compartilhada”; “proteção integral”;
dentre outros (CUSTÓDIO, 2008, p. 32).
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No artigo 3º, I, da Convenção sobre Direitos da Criança da Organização das


Nações Unidas está previsto o princípio do interesse superior da criança, que traz a
necessidade de observação das decisões de acordo com as necessidades da
infância, e não submisso ao interesse adulto. O conflito de interesses é próprio da
sociedade capitalista, onde ocorre a busca pela concretização do consumo com
base no individualismo, tal visão impõe a superioridade de quem detém do capital na
escolha, o que não pode ocorrer com base na visão do interesse superior da criança
para a tomada de decisões jurídicas e políticas de acordo com o que é melhor para
a infância (CUSTÓDIO, 2008, p. 33-34).
A prioridade absoluta, prevista no artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil e no 4º, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, encontra-se estritamente relacionada com a ideia do interesse superior
da criança, pois prevê a prioridade em assegurar direitos as crianças e
adolescentes, o que engloba a primazia em relação a socorro e proteção, o
atendimento com precedência em serviços de natureza pública, a formulação e
execução de políticas públicas de natureza social com preferência e o privilégio em
relação a destinação de recursos públicos para a efetivação de direitos relacionados
a infância. Assim, o princípio da prioridade absoluta demonstra as diretrizes
estratégicas para as ações públicas no contexto de tomada de decisões por parte
dos entes federados (CUSTÓDIO, 2008, p. 34-35).
O princípio da ênfase nas políticas sociais básicas, por sua vez, busca a
promoção do “[...] reordenamento institucional, provendo um conjunto de serviços de
efetivo atendimento às necessidades de crianças, adolescentes e suas próprias
famílias por meio de políticas de promoção e defesa de direito” (CUSTÓDIO, 2008,
p. 35). O princípio possui natureza emancipatória e necessita possibilitar o
atendimento universalizado por meio de uma rede estruturada nos municípios. Desta
forma, observa-se que o princípio da descentralização política e administrativa deve
ser observado para proporcionar o atendimento no local onde ocorrem as relações
sociais da pessoa humana, ou seja, no âmbito municipal. A descentralização deverá
ocorrer em consonância com a participação popular para a tomada de decisões
relacionadas a infância. O princípio da participação popular prevê a necessidade da
observância de ações articuladas entre o Estado e a sociedade civil na construção
de políticas públicas, observando-se as diretrizes propostas pelos Conselhos de
Direitos da Criança e do Adolescente, órgão que deve existir em todos os níveis
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federados. A participação popular está de acordo com as necessidades de


emancipação e empoderamento cidadão nos ambientes sociais (CUSTÓDIO, 2008,
p. 35-36).
O princípio da desjuridicionalização demonstra um novo papel aos juízes, ou
seja, superou-se a concepção da situação irregular, modificando o papel dos juízes,
que deverão ser protagonistas na efetivação de direitos fundamentais quando não
houver efetivação por parte das políticas públicas, passando atividades que eram de
sua atribuição para os órgãos que desenvolvem as ações políticas. Na mesma ótica,
a superação da visão menorista propõe o princípio da despolicialização, que irá
permitir se assegurar a condição de sujeito de direitos em substituição as práticas de
caráter repressivo e controlador praticadas pelos entes policiais no decorrer da
história da infância no Brasil (CUSTÓDIO, 2008, p. 37).
Já os conceitos garantistas, de observação da dignidade da pessoa humana
e de direitos humanos, foram tratados com uma visão principiológica no direito da
criança e do adolescente, trazendo condições basilares para a estruturação da teoria
da proteção integral na sua maior amplitude, o que gera a humanização da infância
como uma categoria de sujeito de direitos em condições peculiares de pessoa em
desenvolvimento, que surge a partir de um novo olhar (CUSTÓDIO, 2008, p. 37).
A abordagem da teoria da proteção integral por uma visão crítica e
interdisciplinar se faz fundamental para o desenvolvimento de um novo paradigma
no direito da criança e do adolescente, que embasa toda uma nova concepção
emancipatória da infância. Para tal concretização, se faz fundamental a observância
da tríplice responsabilidade compartilhada para a efetivação teórica embasada no
protagonismo responsável por parte da sociedade, do Estado e da família, em um
rompimento cultural a antigas concepções arreigadas em práticas culturais
conservadores que devem ser superadas (CUSTÓDIO, 2008, p. 38).

BIBLIOGRAFIA

CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da proteção integral: pressupostos para a


compreensão do direito da criança e do adolescente. Revista do Direito: Revista do
programa de pós-graduação do mestrado e doutorado, Santa Cruz do Sul, n. 29, p.
22-43, jan-jun. 2008.

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