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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

Doutrina da proteção integral da criança e do


adolescente
Prof. Filipe Medon

false

Descrição

As principais características, a evolução histórica e a disciplina da


doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes.

Propósito

A compreensão dos principais pontos da doutrina da proteção integral


da criança e do adolescente é essencial aos profissionais do Direito,
tanto para uma atuação a nível judicial cível – como tratam o direito
protetivo e o direito de família em questões que envolvam, por exemplo,
poder familiar ou pensão alimentícia – quanto a nível judicial
socioeducativo, na garantia dos direitos e da defesa de jovens em
conflito com a lei.

Preparação

Antes de iniciar este conteúdo, tenha em mãos a Constituição Federal, o


Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (a Lei n. 8.069/1990).

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Objetivos
Módulo 1

Transformações históricas e
fundamento constitucional
Analisar as principais transformações históricas e o fundamento
constitucional da disciplina dos direitos das crianças e dos
adolescentes.

Módulo 2

Princípios orientadores
Identificar os princípios orientadores da doutrina da proteção integral
como o princípio da prioridade absoluta; do superior interesse; e da
municipalização.

Módulo 3

Direitos fundamentais
Reconhecer os direitos e as garantias fundamentais das crianças e
dos adolescentes.

Introdução
Tradicionalmente, compreendia-se no passado que as crianças e os
adolescentes estavam submetidos ao poder absoluto dos pais. Daí
falarmos, até mesmo, numa lógica de pátrio poder, o que revelava o
patriarcalismo que imperava na sociedade e, por consequência, no
Direito.
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No entanto, a Constituição da República de 1988 e os diversos


Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário inverteram essa
lógica, de modo que atualmente falamos na proteção integral da
criança e do adolescente, que deixam de ser vistos meramente
como sujeitos incapazes e passam a ser encarados
verdadeiramente como seres humanos em desenvolvimento. E tal
desenvolvimento não pode prescindir da participação ativa da
família, da sociedade e também do Estado.

É assim que vamos, em primeiro lugar, esmiuçar as transformações


históricas e o fundamento constitucional da doutrina da proteção
integral da criança e do adolescente para, em seguida, aprofundar
em alguns de seus princípios orientadores. Por fim, vamos analisar
os principais direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes, tendo a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente) como guia norteador.

Os assuntos serão analisados isoladamente em módulos próprios,


mas fica aqui desde já uma questão importante que deve ser objeto
de reflexão por todos nós: será que, no caso concreto, o direito dos
genitores pode preponderar sobre o melhor interesse de seus filhos
crianças e adolescentes? Ou a proteção integral é um limite
absoluto e intransponível em qualquer hipótese?

1 - Transformações históricas e fundamento


constitucional

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Ao final deste módulo, você será capaz de analisar as principais
transformações históricas e o fundamento constitucional da
disciplina dos direitos das crianças e dos adolescentes.

As transformações
históricas no direito das
crianças e dos adolescentes
O direito das crianças e dos
adolescentes
Iniciamos nosso estudo buscando, em primeiro lugar, situar o objeto da
nossa análise: o direito das crianças e dos adolescentes. Para isso,
precisamos considerar que, mais do que nunca, na complexidade dos
inúmeros arranjos familiares que despontam na atualidade, revela-se “de
fato urgente a afirmação da família (não como instituição previamente
imposta por laços sanguíneos, mas) como comunidade instrumental ao
pleno desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, destinada
à efetiva promoção da dignidade de cada um deles.” (TEPEDINO, 2021,
p. 2).

E deve caber aos atores do Direito (advocacia, magistratura e doutrina) o


inquietante “desafio de compreender e traduzir, para o cotidiano das
famílias, a doutrina do cuidado e da proteção integral.” (TEPEDINO, 2021,
p. 2). Como ressalta Gustavo Tepedino:

Eis os valores subjacentes à hermenêutica


exigida pelo art. 6º do ECA, para o qual
paternidade e maternidade devem voltar-se à
“condição peculiar da criança e do
adolescente como pessoas em
desenvolvimento”. Em contexto de tamanhas
dificuldades econômicas, sanitárias e
educacionais, o processo de adoção mostra-
se indispensável ao desenvolvimento social
brasileiro, importando em projeto de vida cujo
êxito depende do reconhecimento genuíno da
família, adotiva ou biológica, como núcleo

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socioafetivo democrático e solidário,


consentâneo com a legalidade
constitucional.

(TEPEDINO, 2021, p. 2)

Dito diversamente: não se tutela mais a família por si só, enquanto


instituição. A família deve cumprir uma função primordial de permitir o
livre desenvolvimento de seus integrantes, ali incluídos as crianças e os
adolescentes, tidos não mais como sujeito meramente incapazes, mas
como pessoas humanas em desenvolvimento e que, por essa razão,
devem ter asseguradas a tutela equivalente a essa condição. (CRUZ,
2021, p. 2-3)

Como esclarece Elisa Cruz, “[a] representação jurídica da criança no


Brasil data de 1988 com a utilização da palavra para definir um grupo de
pessoas a quem seria destinada proteção integral.” (CRUZ, 2021, p. 2).
Entretanto, foi somente com a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente) que se passou a ter uma
definição legal de criança e adolescente. Segundo o artigo 2º da referida
lei, considera-se criança, para os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos
de idade.

Atenção!
É importante ressaltarmos que a nossa lei “não adotou o conceito
unificado de criança da Convenção sobre Direitos da Criança e que

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abrange todas as pessoas de até dezoito anos de idade” (CRUZ, 2021, p.


3). Essa diferença explica por que, não raro, alguns doutrinadores se
referem aos adolescentes também como crianças, o que, à luz da
Convenção da ONU de 1989, não se mostra completamente equivocado.

Analisando as transformações históricas referentes aos direitos das


crianças e dos adolescentes, podemos verificar que nem sempre as
crianças foram tidas como pessoas. O reconhecimento desse status
jurídico é relativamente recente se analisarmos retrospectivamente.

Aproximadamente até o final dos anos 1800, apenas os sujeitos


detentores de dignidade, no conceito dignitas latino, poderiam exercer
situações jurídicas. Mas, apesar de a modernidade começar a garantir a
abstração da noção de indivíduo para promover uma equivalência à
noção de pessoa, isso estava ainda muito atrelado ao desenvolvimento
de relações patrimoniais, o que acabava perpetuando a exclusão das
crianças, porque não detinham capacidade de agir nem autonomia
negocial.

No entanto, ao longo do século XX, uma série de Tratados Internacionais


foram celebrados, o que culminou com o reconhecimento, ainda que
lento, de direitos humanos às crianças e aos adolescentes. Elisa Cruz
apresenta um sucinto panorama dessa evolução no plano internacional:

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Em meados do século XX é
publicada a Declaração sobre
Direitos da Criança de 1959,
incorporada ao ordenamento
jurídico brasileiro na década de
1960, em que pela primeira vez se
reconheceu a especificada da
criança e a necessidade de proteção
e cuidados especiais. A partir da
Declaração progressivamente se
avança na consolidação da criança
como pessoa, culminando na
aprovação da Convenção sobre
Direitos da Criança em 1989 pelas
Organizações das Nações Unidas,
em 1988 pela incorporação da
doutrina da proteção integral na
Constituição da República de 1988 e
em 1990 pela edição do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

(CRUZ, 2021, p. 4)

Apesar dessa evolução no plano internacional e nas leis especiais


internas, a nossa codificação civil permanecia alheia a essa realidade.
Sintomático disso é que o Código Civil de 1916 sequer faz referência ao
termo criança, que só foi incluído no Código Civil de 2002 no ano de
2009, por meio de alterações promovidas pela Lei n. 12.010.

Fundamento constitucional
Fundamento constitucional do
direito das crianças e dos
adolescentes
É precisamente nesse contexto que se começa a falar numa noção de
proteção integral, que foi incorporada pela Constituição da República de

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1988, artigo 227, que, em seu caput, apresenta a seguinte redação: “É


dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A doutrina da proteção integral pode ser vista como “a expressão do


reconhecimento da criança como pessoa e sua titularidade de situações
jurídicas” (CRUZ, 2021, p. 28-29). Os direitos inerentes a todas as
crianças e adolescentes passam a ter “características específicas
devido à peculiar condição de pessoas em desenvolvimento em que se
encontrem” (PEREIRA, 1996, p. 23-24). O artigo 3º do Estatuto da
Criança e do Adolescente espelha essa noção:

A criança e o adolescente gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados


nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e
adolescentes, sem discriminação de
nascimento, situação familiar, idade, sexo,
raça, etnia ou cor, religião ou crença,
deficiência, condição pessoal de

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desenvolvimento e aprendizagem, condição


econômica, ambiente social, região e local de
moradia ou outra condição que diferencie as
pessoas, as famílias ou a comunidade em
que vivem.

(ECA, 1990, Art. 3º)

Como nos esclarece David Cury Júnior:

Na realidade, a cláusula da proteção integral


constitui nota distintiva dos direitos da
personalidade da criança e do adolescente
em face de igual direito das pessoas com
personalidade plena. Tal princípio obriga a
ação dos pais, das entidades sociais e dos
órgãos estatais, na efetivação dos direitos
essenciais referidos no artigo 4º, da Lei n.
8.069/1990, indispensáveis para o pleno
desenvolvimento da personalidade de
meninos e jovens, e também na preservação
de ameaça ou violação aos seus direitos
fundamentais, sem prejuízo da reparação dos
danos que porventura venham a sofrer, nos
termos do artigo 98, incisos I e II, da Lei n.
8.069/1990.

(CURY JÚNIOR, 2006, p. 85)

Princípio da proteção
integral

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Sobre o princípio da
proteção integral
Neste vídeo, o professor discorre sobre o princípio da proteção integral,
trazendo seus fundamentos e exemplificando situações de sua
aplicação.

Conceituação do princípio da
proteção integral
O grande traço distintivo da proteção integral em relação a outros
direitos é justamente “o deslocamento da criança da margem do
sistema para o centro, reconhecendo-a efetivamente como pessoa, o
que é realizado pelo princípio do melhor interesse” (CRUZ, 2021, p. 30),
também conhecido como doutrina do best interest, na expressão
utilizada em língua inglesa.

E no que consiste esse princípio?

Na lição de Heloisa Helena Gomes Barboza, esse princípio foi ratificado


e alçado a um patamar de natureza constitucional, mediante a doutrina
da proteção integral, que possui maior abrangência (BARBOZA, 2000, p.
206). A ideia é que ele “permanece como um padrão, considerando,
sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses de
seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto”
(PEREIRA, 2000, p. 218).

Trata-se, pois, de um giro conceitual que passa a encarar os menores


não mais como incapazes, mas como sujeitos de direito igualmente
merecedores de tutela, que deve ser ainda mais intensa haja vista a
vulnerabilidade que lhes é ínsita por ainda estarem em formação. Além
disso, por ser o melhor interesse veiculado sob a estrutura de princípio,
ele:

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tem elevado grau de abstração, e


sua aplicação depende da situação
concreta em análise, mas direciona
para a adoção de soluções que
privilegiem o interesse da criança
enquanto pessoa, ao mesmo tempo
em que busca superar uma
tendência patriarcal que considere o
ponto de vista do direito ou
interesse de adultos envolvidos.

(CRUZ, 2021, p. 30)

Dito em outras palavras, o melhor interesse busca romper o


patriarcalismo que imperava a tal ponto, que se falava no Código Civil de
1916 numa ideia de pátrio poder.

O instituto, completamente anacrônico nos dias atuais, “refletia a


orientação hierarquizada e patriarcal que enxergava no pai o chefe da
família, submetendo os filhos ao seu comando e arbítrio.

O pátrio poder fincava raízes no patria potestas dos romanos, “dura


criação de direito despótico, que se assemelhava a autêntico direito de
propriedade sobre os filhos” (SCHREIBER, 2018, p. 863). Como ressalta
Pontes de Miranda (2012, p. 175), “[o]s romanos davam ao pater
familias, por exemplo, o direito de matar o filho”.

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Especificamente sobre o pátrio poder, este passou por uma


transformação: primeiro se tornou um poder familiar, nomenclatura
acolhida pela legislação, e atualmente é concebido como uma
autoridade parental, que espelha um poder-dever por parte dos genitores
em relação aos filhos.

Ele deixou, assim, de ser tutelado como um valor em si mesmo, devendo


seu exercício, de igual hierarquia entre homens e mulheres, ser
compatibilizado com outros princípios do ordenamento, sobretudo o
melhor interesse da criança e do adolescente. Daí se depreende que o
poder dos pais não pode tudo. Ele encontra limites impostos pelo
ordenamento. Há quem defenda, até mesmo, que seria mais adequado
se falar em “responsabilidades parentais”, uma vez que essa expressão
enfatizaria “o conjunto de atribuições conferidas pelo ordenamento aos
pais para desenvolverem e cuidarem de seus filhos” (CRUZ, 2021, p. 65).

Na lição de Ana Carolina Brochado:

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A autoridade parental, neste


aspecto, foge da perspectiva de
poder e de dever, para exercer sua
sublime função de instrumento
facilitador da construção da
autonomia responsável dos filhos.
Nisso consiste o ato de educá-los,
decorrente dos Princípios da
Paternidade/Maternidade
Responsável, e da Doutrina da
Proteção Integral, ambos com sede
constitucional, ao alicerce de serem
pessoas em fase de
desenvolvimento, o que lhes garante
prioridade absoluta.

(BROCHADO, 2005, p. 10)

Concluído este módulo introdutório, passamos ao estudo dos mais


importantes princípios orientadores em matéria de direitos das crianças
e dos adolescentes.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.


Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Estudamos neste módulo transformações históricas da disciplina


de proteção das crianças e dos adolescentes. A esse respeito, a
doutrina que vigora atualmente no país é chamada de:

A Doutrina da Situação Irregular.

B Doutrina do Direito Civil Constitucional.

C Doutrina dos Menores Infratores.

D Doutrina do Cuidado e da Proteção Integral.

E Doutrina da Soberania do Estado.

Parabéns! A alternativa D está correta.


Com a evolução do Direito, nacional e internacional, a criança
passou a ser vista como pessoa, abandonando-se a antiga e
ultrapassada doutrina da situação irregular e adotando a vigente

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doutrina de proteção integral, que garante os direitos das crianças e


dos adolescentes.

Questão 2

É correto afirmar que a doutrina da proteção integral:

A desloca os pais para o centro da discussão.

B considera crianças e adolescentes como incapazes.

incentiva o trabalho infantil caso não seja possível


C
escolarização.

reestrutura a ideia de poder familiar para abarcar o


D
homem e a mulher em pé de igualdade.

não garante uma proteção constitucional do direito


E
da criança e do adolescente.

Parabéns! A alternativa D está correta.


Houve uma busca na reestruturação da igualdade entre homens e
mulheres em diversos pontos da sociedade, dentre os quais o
Direito de Família, nomeadamente na ruptura da ideia na qual o pai
o chefe da família, submetendo os filhos ao seu comando e arbítrio.

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2 - Princípios orientadores
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar os princípios
orientadores da doutrina da proteção integral como o princípio da
prioridade absoluta; do superior interesse; e da municipalização.

Prioridade absoluta

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Princípios fundamentais
Neste vídeo, o professor discorre sobre os princípios orientadores do
direito das crianças e adolescentes.

Os princípios que regem o direito


das crianças e dos adolescentes
Como destaca Andréa Rodrigues Amin, no campo do chamado direito
infantojuvenil brasileiro, há tanto princípios quanto regras que

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concretizam a doutrina da proteção integral, que é, em verdade, um


espelho do princípio da dignidade da pessoa humana aplicado para a
peculiar situação em que se encontram crianças e adolescentes.

Nessa direção, seriam três os princípios gerais que atuam como


orientadores de todo o Estatuto da Criança e do Adolescente (AMIN,
2018, p. 70):

1. Princípio da prioridade absoluta;


2. Princípio do superior interesse, também designado de melhor
interesse; e
3. Princípio da municipalização.

Andréa Amin ainda destaca que há outros princípios específicos a


certas áreas de atuação ou que dizem respeito a institutos próprios.

Exemplo
Princípios relativos “às medidas específicas de proteção, estabelecidos
no parágrafo único do art. 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
com redação introduzida pela Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009,
bem como princípios regentes da execução das medidas
socioeducativas, estabelecidos no art. 35 da Lei n. 12.594, de 18 de
janeiro de 2012” (AMIN, 2018, pp. 71-72).

Princípio da prioridade absoluta


Começamos pelo chamado princípio da prioridade absoluta, que
encontra assento constitucional. Ele está estampado no artigo 227,
caput: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”.

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Recomendação
Além deste dispositivo, devemos fazer a leitura de duas normas
constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente, a saber: o artigo 4º
e o inciso II do parágrafo único do artigo 100.

Com redação bastante assemelhada à Constituição, o artigo 4º dispõe


que:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária.”.

Em seu parágrafo único, a norma esmiúça que a garantia de prioridade


compreende, em rol meramente exemplificativo:

Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer


circunstâncias, ou seja, se há um acidente de carro e os
socorristas precisam prestar atendimento às vítimas, as crianças
devem receber atenção prioritária;
Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
Preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas; e
Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

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Importante destacarmos que, como adverte Gustavo Cives Seabra,


“embora a lei tenha mencionado ‘em qualquer circunstância’, deve-se
interpretar o dispositivo como a primazia nos casos em que várias
pessoas estejam na mesma situação fática” (SEABRA, 2020, p. 49).

Reflexão
Se no exemplo do acidente de carro verifica-se que a criança foi
protegida pela cadeirinha de segurança e há um adulto com perfurações
e hemorragia, este deve ser atendido com prioridade.

Como ressalta Andréa Amin, tal princípio “[e]stabelece primazia em


favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse.
Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o
interesse infantojuvenil deve preponderar” (AMIN, 2018, p. 72).

Questão problemática reside em saber o que fazer diante de conflito


entre prioridades. Isto é: se, por exemplo, houver recursos escassos e
for preciso optar entre construir uma creche ou um lar para idosos, qual
solução deveria preponderar? Há aqui divergência na doutrina, conforme
podemos conferir a seguir (SEABRA, 2020, p. 50):

Prioridade de Analisar cada


crianças situação
Alguns advertem que a Outros defendem que a
proteção das crianças situação deve ser
deveria ser prevalente close analisada em concreto,
por gozar de status não havendo qualquer
constitucional. hierarquia
abstratamente
considerada.

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Por seu turno, o artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que


se insere no capítulo das Medidas Específicas de Proteção, dispõe em
seu caput que: “Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as
necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.”.

Esmiuçando isso, o parágrafo único traz que também são princípios que
regem a aplicação das medidas, conforme o inciso II: “proteção integral
e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma
contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos
direitos de que crianças e adolescentes são titulares.”.

Atenção!
Como podemos notar, trata-se de uma regra que se destina a guiar a
interpretação e a aplicação das normas constantes do Estatuto, que
deve ter como grande norte a proteção integral e prioritária dos direitos
dessas pessoas humanas em desenvolvimento.

A interpretação jurisprudencial do princípio da prioridade absoluta

Os Tribunais brasileiros também têm buscado assegurar o princípio da


prioridade absoluta. Vejamos, nessa direção, a ementa deste acórdão da
1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acabou por assegurar o
direito fundamental à saúde:

DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA


PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA
NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS
DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO
PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO.
INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS
CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E
PROCEDÊNCIA. [...] 2. O direito constitucional
à absoluta prioridade na efetivação do direito
à saúde da criança e do adolescente é
consagrado em norma constitucional
reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da
Criança e do Adolescente. 3. [...] 4. Releva

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notar que uma Constituição Federal é fruto da


vontade política nacional, erigida mediante
consulta das expectativas e das
possibilidades do que se vai consagrar, por
isso que cogentes e eficazes suas
promessas, sob pena de restarem vãs e frias
enquanto letras mortas no papel. Ressoa
inconcebível que direitos consagrados em
normas menores como Circulares, Portarias,
Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham
eficácia imediata e os direitos consagrados
constitucionalmente, inspirados nos mais
altos valores éticos e morais da nação, sejam
relegados a segundo plano. Prometendo o
Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo,
porquanto a vontade política e constitucional,
para utilizarmos a expressão de Konrad
Hessem, foi no sentido da erradicação da
miséria que assola o país. O direito à saúde
da criança e do adolescente é consagrado
em regra de normatividade mais do que
suficiente, porquanto se define pelo dever,
indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
[...] 6. A determinação judicial desse dever
pelo Estado não encerra suposta ingerência
do judiciário na esfera da administração.
Deveras, não há discricionariedade do
administrador frente aos direitos
consagrados, quiçá constitucionalmente.
Nesse campo a atividade é vinculada sem
admissão de qualquer exegese que vise
afastar a garantia pétrea. 7. Um país cujo
preâmbulo constitucional promete a
disseminação das desigualdades e a
proteção à dignidade humana, alçadas ao
mesmo patamar da defesa da Federação da
República, não pode relegar o direito à saúde
das crianças a um plano diverso daquele que
o coloca como uma das mais belas e justas
garantias constitucionais. 8. Afastada a tese
descabida da discricionariedade, a única
dúvida que se poderia suscitar resvalaria na
natureza da norma ora sob enfoque, se
programática ou definidora de direitos. Muito
embora a matéria seja, somente nesse
particular, constitucional, porém sem

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

importância revela-se essa categorização,


tendo em vista a explicitude do ECA,
inequívoca se revela a normatividade
suficiente à promessa constitucional, a
ensejar a acionabilidade do direito
consagrado no preceito educacional. [...] 12.
O direito do menor à absoluta Prioridade na
garantia de sua saúde, insta o Estado a
desincumbir-se do mesmo através da sua rede
própria. Deveras, colocar um menor na fila de
espera e atender a outros é o mesmo que
tentar legalizar a mais violenta afronta ao
princípio da isonomia, pilar não só da
sociedade democrática anunciada pela Carta
Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de
defesa da dignidade humana. 13. Recurso
especial provido para, reconhecida a
legitimidade do Ministério Público, prosseguir
no processo até o julgamento do mérito.

(STJ, REsp 577.836/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21-10-


2004) (grifamos)

Superior interesse
Princípio do superior interesse
O segundo princípio de que nos ocupamos é mais popularmente
conhecido como melhor interesse da criança e do adolescente e
encontra ampla previsão em instrumentos normativos internacionais.

Exemplo
Vejamos a Declaração de Direitos das Crianças de 1959, cujo princípio 2
afirma que “a criança gozará de proteção social e ser-lhe-ão
proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios,
a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e
dignidade. Na instituição das leis, visando este objetivo, levar-se-ão em
conta, sobretudo, os melhores interesses da criança.”.
O artigo 3.1 da Convenção dos Direitos das Crianças segue na mesma
direção ao dispor que: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a

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efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social,


tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem
considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.

Em nosso ordenamento, também podemos encontrar uma projeção


desse princípio em um dos incisos do parágrafo único do artigo 100 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos: “Art. 100. Na aplicação
das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas,
preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários. Parágrafo único.

São também princípios que regem a aplicação das medidas: (...) IV -


interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve
atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do
adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros
interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes
no caso concreto.”

O grande problema em torno da aplicação de tal princípio é que ele se


trata, em verdade, de um conceito jurídico indeterminado. Nessa
direção, como esclarece Gustavo Cives Seabra, “[a]pesar desse princípio
servir de norte também ao legislador e ao administrador, consideramos
difícil estabelecer genericamente o que seria o melhor interesse de
determinada criança ou adolescente. Acreditamos que sua aplicação se
coaduna com uma avaliação individual, o que se mostra inviável para a
lei” (SEABRA, 2020, p. 52).

Seabra traz um exemplo bastante elucidativo a partir do artigo 19 do


Estatuto da Criança e do Adolescente:

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Cuida do princípio da prevalência da


família natural e excepcionalidade
da família substituta. Todavia, em
caso de maus tratos praticados
pelos pais a um recém-nascido, será
que o melhor interesse é buscar de
forma incessante membros da
família ampliada (art. 25, PU do
ECA) que podem residir longe da
criança e possuam pouco contato
com o infante ou a colocação para
adoção lhe é mais conveniente? A
resposta só o caso concreto
definirá! A lei não consegue fazer
essa previsão e acertar sempre o
que é melhor para a criança e o
adolescente.

(SEABRA, 2020, p. 52)

Nada obstante a ausência de concretude desse princípio, o Comentário


Geral 14/2013 do Comitê da ONU sobre os Direitos das Crianças
esclarece que o interesse superior da criança seria, em verdade, um
conceito triplo:

Um direito substantivo expand_more

Enquanto um direito substantivo, “o interesse superior da criança


deve receber uma consideração primordial na ponderação diante
de distintos interesses para tomar uma decisão. Sempre que for
decidida uma questão que afete uma criança, esse direito deverá
ser colocado em prática.” (PAIVA, 2018, p. 172).

Um princípio jurídico interpretativo fundamental expand_more

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Por outro lado, enquanto um princípio jurídico interpretativo


fundamental, ele se revelaria na ideia de que “se uma disposição
jurídica admite mais de uma interpretação, deve ser eleita a
interpretação que satisfaça de maneira mais efetiva o interesse
superior da criança. Os direitos consagrados na Convenção e
seus Protocolos facultativos estabelecem o marco
interpretativo.” (PAIVA, 2018, p. 172).

Uma norma de procedimento expand_more

Finalmente, na sua acepção de norma de procedimento: ”sempre


que se tenha que tomar uma decisão que afete uma criança em
concreto, um grupo de crianças em concreto ou as crianças em
geral, o processo de adoção de decisões deve incluir uma
estimativa das possíveis repercussões (positivas ou negativas)
da decisão na criança ou nas crianças interessadas. A análise e
a determinação do interesse superior da criança requerem
garantias processuais. Além disso, a justificação das decisões
deve deixar claro que foi levado em conta explicitamente esse
direito. Nesse sentido, os Estados Partes devem explicar como
foi respeitado esse direito na decisão, isto é, que chegou-se à
conclusão que o interesse superior da criança estava sendo
atendido, em quais critérios a decisão foi baseada e como foram
ponderados os interesses da criança frente a outras
considerações.” (PAIVA, 2018, p. 172).

Uma ressalva importante precisa ser feita: “não se está diante de um


salvo-conduto para, com fundamento no best interest, ignorar a lei. O
julgador não está autorizado, por exemplo, a afastar princípios como o
do contraditório ou do devido processo legal, justificando seu agir no
interesse superior do menor (AMIN, 2018, p. 83).

Municipalização
Princípio da municipalização

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O derradeiro princípio geral relativo ao direito infantojuvenil que vamos


analisar é o chamado princípio da municipalização.

A ideia aqui é que o ente federativo mais próximo das crianças e dos
adolescentes deveria tomar maiores atitudes para concretizar e dar
efetividade ao complexo de direitos que compõem a proteção integral.

Isso porque acaba se tornando mais fácil e simples, na prática,


“fiscalizar a implementação e cumprimento das metas determinadas
nos programas se o Poder Público estiver próximo, até porque reúne
melhores condições de cuidar das adaptações necessárias à realidade
local” (AMIN, 2018, p. 84).

Como esclarece Andréa Amin a esse respeito:

A municipalização, seja na
formulação de políticas locais, por
meio do CMDCA, seja solucionando
seus conflitos mais simples e
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resguardando diretamente os
direitos fundamentais
infantojuvenis, por sua própria
gente, escolhida para integrar o
Conselho Tutelar, seja por fim, pela
rede de atendimento formada pelo
Poder Público, agências sociais e
ONGS, busca alcançar eficiência e
eficácia na prática da doutrina da
proteção integral.

(AMIN, 2018, p. 85)

Nada obstante, é preciso destacar que o fato de se desejar que os


municípios adotem essa postura mais ativa não exclui a necessidade de
que os demais entes da federação também se envolvam nessa
promoção e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes:
muito pelo contrário!

Não há dúvidas, nessa direção, de “que Estado e União são solidários ao


município na tutela e resguardo dos direitos infantojuvenis” (AMIN,
2018, p. 86).

É precisamente o que determina o inciso III do parágrafo único do artigo


100 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 100. Na aplicação
das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas,

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preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos


familiares e comunitários. Parágrafo único. São também princípios que
regem a aplicação das medidas: (...) III - responsabilidade primária e
solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados
a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal,
salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de
responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo,
sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da
execução de programas por entidades não governamentais.”.

Com isso, elencados e analisados os princípios mais relevantes,


passamos no módulo seguinte a nos debruçarmos sobre o estudo dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

Falta pouco para atingir seus objetivos.


Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Estampado no caput do artigo 227 da Constituição Federal está o


princípio:

A da prioridade absoluta.

B da municipalização.

C do superior interesse.

D da situação irregular.

E da família.

Parabéns! A alternativa A está correta.


O princípio a que faz referência o artigo 227 da Constituição Federal
é o princípio da prioridade absoluta.

Questão 2

Segundo o princípio da municipalização, o ente federativo mais


próximo da criança e do adolescente e que deve concretizar seus
direitos é (são):

A a União.

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente
B os estados.

C o Distrito Federal.

D os municípios.

E os territórios.

Parabéns! A alternativa D está correta.


Os municípios são os entes federativos mais próximos da criança e
do adolescente.

3 - Direitos fundamentais
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os direitos e as
garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes.

Direito à Vida e à Saúde


Direitos fundamentais
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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

Neste módulo, vamos adentrar na análise dos principais direitos


fundamentais relativos às crianças e aos adolescentes.

Recomendação
Vamos seguir, como linha de condução geral, a estrutura da Lei n. 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que traz,
em seu título II, o tema: “Dos Direitos Fundamentais”. Tal título é
subdividido em capítulos, que tratam respectivamente: (i) Do Direito à
Vida e à Saúde; (ii) Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade; (iii)
Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária; (iv) Do Direito à
Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer; (v) Do Direito à
Profissionalização e à Proteção no Trabalho.

Antes, precisamos fazer uma importante ressalva: apesar de tais


direitos estarem descritos no Estatuto da Criança e do Adolescente,
trata-se de um rol meramente exemplificativo, já que, enquanto pessoas
que o são, as crianças e os adolescentes são destinatários dos direitos
fundamentais presentes em outros diplomas, ressalvando-se,
logicamente, aqueles incompatíveis com a idade como, por exemplo, o
direito ao voto, que não pode ser exercido pelas crianças e é facultativo
para os adolescentes a partir dos 16 anos de idade.

video_library
Direitos fundamentais
Neste vídeo, o especialista discorre sobre os direitos fundamentais das
crianças e adolescentes, mostrando situações de aplicação prática.

Do Direito à Vida e à Saúde


Dispõe o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente que: “A
criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.”.

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

Como podemos imaginar, não era preciso que o legislador


infraconstitucional previsse isso, já que a própria Constituição já traz,
por exemplo, a garantia do direito à vida tanto no caput do artigo 5º
quanto no caput do artigo 227, que é específico em relação às crianças
e aos adolescentes.

No entanto, houve previsão expressa no ECA e algumas normas foram


adicionadas em seguida para buscar a efetivação desses direitos
fundamentais. A ideia geral é que desde antes do nascimento, enquanto
nascituros, as pessoas já recebem algum tipo de proteção por parte do
Estado.

Exemplo
O Estado assegura o nascimento em condições dignas e saudáveis.

Isso inclui, naturalmente, normas destinadas às gestantes, como o


artigo 8º do ECA: “É assegurado a todas as mulheres o acesso aos
programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento
reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à
gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e
pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde.”.

Ainda nesse artigo, podemos destacar alguns de seus parágrafos que


trazem direitos muito importantes: “§3º: Os serviços de saúde onde o
parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-
nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção
primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à
amamentação.”.

Saiba mais
Destaca-se a preocupação com o aleitamento materno na primeira
infância. Além disso, atento aos possíveis efeitos danosos do estado
puerperal, previu o §4º que incumbe ao poder público proporcionar
assistência psicológica à gestante e à mãe, nos períodos pré e pós-
natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do
estado puerperal. Ainda nessa linha, o §5º trata da possibilidade de que

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

as genitoras entreguem seus filhos para adoção e, ainda assim,


recebam o auxílio por parte do Estado.

Finalmente, podemos destacar a garantia reservada pelo artigo às


mulheres que se encontrem em situação de privação de liberdade. É o
que dispõe o §10: “Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à
mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia
em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas
sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o
acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino
competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.”.

Em relação à saúde, o artigo 11 do ECA afirma que é assegurado acesso


integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do
adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o
princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde. O parágrafo primeiro esmiúça que a
criança e o adolescente com deficiência serão atendidos, sem
discriminação ou segregação, em suas necessidades gerais de saúde e
específicas de habilitação e reabilitação.

Saiba mais
Norma importante também consta do §3º, ao instituir que os
profissionais que atuam no cuidado diário ou frequente de crianças na
primeira infância receberão formação específica e permanente para a
detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico, bem como
para o acompanhamento que se fizer necessário.

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Por derradeiro, devemos ressaltar o artigo 13, que cuida da proteção à


integridade físico-psíquica da criança em relação a maus-tratos, que
devem ser prontamente reprimidos: “Os casos de suspeita ou
confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de
maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem
prejuízo de outras providências legais.”.

Direito à Liberdade, ao
Respeito e à Dignidade
Em relação ao direito à liberdade, são válidas as mesmas considerações
feitas no item anterior:

A Constituição já assegura a liberdade e a dignidade,


então o que o Estatuto da Criança e do Adolescente faz
é tentar disciplinar a garantia desses direitos de modo
mais peculiar e atento à realidade das crianças e dos
adolescentes.

É nessa direção que caminha o artigo 15 do ECA, que assim dispõe: “A


criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na
Constituição e nas leis.”

Especificamente em relação ao direito à liberdade, o artigo 16 enumera


em seus incisos os aspectos que ele compreende. São eles,
respectivamente:

navigate_next I
ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
comunitários, ressalvadas as restrições legais;

navigate_next II

i iã ã
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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente
opinião e expressão;

navigate_next III
crença e culto religioso;

navigate_next IV
brincar, praticar esportes e divertir-se;

navigate_next V
participar da vida familiar e comunitária, sem
discriminação;

navigate_next VI
participar da vida política, na forma da lei;

navigate_next VII
buscar refúgio, auxílio e orientação.

Como todo direito, a liberdade das crianças e dos adolescentes também


pode comportar restrições, como se dá no caso de medidas de privação
de liberdade (artigo 106 do ECA) e de imposição de internação (artigo
121).

Importante, ainda, a ressalva de Gustavo Cives Seabra de que:

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os direitos compreendidos no artigo


16 não são suprimidos quando a
criança ou adolescente estiver
cumprindo medida socioeducativa
de meio fechado (internação ou
semiliberdade) ou quando estiver
em medida protetiva de acolhimento
institucional. Assim, ressalvadas as
limitações inerentes à aplicação da
medida, é certo que as unidades
socioeducativas e de acolhimento
devem possuir espaço para a
prática de esportes, cultos religiosos
e não deve ser vedada a reunião das
crianças e adolescentes para
postular melhorias, já que isso é
uma forma de participar da vida
política (nem que seja restrito ao
âmbito da unidade).

(SEABRA, 2020, p. 73)

No que tange ao direito ao respeito, afirma o artigo 17 que esse direito


“consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e
objetos pessoais.”.

Como concretização desse direito mais amplo, tem-se a norma do


artigo 18: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”. Esta última norma
se relaciona diretamente com os artigos 18-A e 18-B, que foram
introduzidos pela Lei n. 13.010/2014, conhecida popularmente como
“Lei da Palmada” e que gerou muita controvérsia e debates na
sociedade quando da sua promulgação.

Assim dispõe o artigo 18-A:

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A criança e o adolescente têm o


direito de ser educados e cuidados
sem o uso de castigo físico ou de
tratamento cruel ou degradante,
como formas de correção,
disciplina, educação ou qualquer
outro pretexto, pelos pais, pelos
integrantes da família ampliada,
pelos responsáveis, pelos agentes
públicos executores de medidas
socioeducativas ou por qualquer
pessoa encarregada de cuidar deles,
tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta
Lei, considera-se: I - castigo físico:
ação de natureza disciplinar ou
punitiva aplicada com o uso da
força física sobre a criança ou o
adolescente que resulte em: a)
sofrimento físico; ou b) lesão; II -
tratamento cruel ou degradante:
conduta ou forma cruel de
tratamento em relação à criança ou
ao adolescente que: a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou c)
ridicularize.

(LEI 13.010, 2014, Art. 18-A)

Direito à Convivência
Familiar e Comunitária
O capítulo relativo ao direito à convivência familiar e comunitária é,
inegavelmente, um dos mais importantes e centrais de todo o Estatuto.

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Entre os artigos 19 e 24, há uma série de normas gerais sobre o tema.

Merece o nosso destaque o artigo 19, que enuncia em seu caput que: “É
direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral.”.

Tal norma traz dois princípios basilares:

family_restroom
Princípio da prevalência da família
natural
refresh
Princípio da excepcionalidade da
colocação em família substituta
A ideia geral aqui é que, tanto quanto possível, deve-se buscar manter a
criança e o adolescente no convívio com sua família natural, de modo
que só se deveria buscar uma colocação em família substituta em
casos excepcionais. Entende o legislador que não importa tanto, por
exemplo, a pobreza dos genitores: é preferível que aquela pessoa
humana em desenvolvimento fique no seu ambiente da família natural
(Artigo 25: “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos
pais ou qualquer deles e seus descendentes.”).

Nem mesmo a prisão dos pais parece ser um obstáculo, como destaca
o §4º desse mesmo artigo: “Será garantida a convivência da criança e
do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de
visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de
acolhimento institucional, pela entidade responsável,
independentemente de autorização judicial.”. Na mesma direção, o §5º:
“Será garantida a convivência integral da criança com a mãe
adolescente que estiver em acolhimento institucional.”.

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Essas noções são esmiuçadas pelo artigo 23 e seus parágrafos, que


assim dispõem: “A falta ou a carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder
familiar. §1º: Não existindo outro motivo que por si só autorize a
decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua
família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em
serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. §2º: A
condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do
poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso
sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo
poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente.”.

Reflexão
Acima de tudo, tenta-se manter o convívio dos filhos com a família
natural, por ser esse um princípio basilar que informa o Estatuto da
Criança e do Adolescente.

Direito à Educação, à
Cultura, ao Esporte e ao
Lazer
Cada vez mais, entende-se que o desenvolvimento da pessoa humana
se dá de forma muito mais proveitosa quando se recebe, desde a
infância, acesso a educação, cultura, esporte e lazer. Não basta apenas

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receber as lições escolares: é preciso também sorver cultura, praticar


esportes e ter momentos de lazer.

Nessa direção, tratando especificamente da educação, o artigo 53 do


ECA prevê que: “A criança e o adolescente têm direito à educação,
visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-
lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às


instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência,


garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que
frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do


processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas
educacionais.”.

Podemos destacar, por exemplo, o inciso IV, que assegura que os


estudantes possam se organizar no ambiente escolar, além do inciso V,
que traz a importância de que haja o acesso a escola pública próxima da
residência dos alunos, que devem estudar na mesma escola de seus
irmãos, até mesmo para facilitar o deslocamento por parte dos pais e a
rotina da família.

Atenção!
Importante notarmos que há deveres específicos não apenas para os
pais e para o Estado, mas também para instituições particulares. É
exemplo disso o artigo 53-A, que assim afirma: “É dever da instituição de
ensino, clubes e agremiações recreativas e de estabelecimentos

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congêneres assegurar medidas de conscientização, prevenção e


enfrentamento ao uso ou dependência de drogas ilícitas.”.

Em relação ao Estado, o artigo 54 impõe como seu dever assegurar à


criança e ao adolescente:

“I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele


não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino


médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de


deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco


anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação


artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do


adolescente trabalhador;

VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas


suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde.”.

Esse acesso à educação é tão sério que os parágrafos desse artigo


trazem previsões expressas:

“§1º: O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público


subjetivo; §2º: O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder
público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade
competente; §3º: Compete ao poder público recensear os educandos no
ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsável, pela frequência à escola.”.

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O direito à educação e o ensino


domiciliar
Em relação aos pais, o artigo 55 impõe a obrigação de que eles
matriculem seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino, o que abre
margem para a discussão relativa ao chamado homeschooling, isto é, o
ensino domiciliar.

Importante relembrarmos que o Supremo Tribunal Federal, por meio de


seu Plenário, acabou negando provimento ao Recurso Extraordinário
(RE) n. 888815, com repercussão geral reconhecida, no qual se discutia
a possibilidade dessa modalidade de ensino, o que tem gerado
iniciativas por parte do Legislativo, uma vez que o fundamento principal
para a improcedência do recurso foi por ausência de norma legal que
regulamente a sua prática.

Assim ementou a Corte o referido acórdão:

CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO.
DIREITO FUNDAMENTAL
RELACIONADO À DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA E À EFETIVIDADE

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

DA CIDADANIA. DEVER SOLIDÁRIO


DO ESTADO E DA FAMÍLIA NA
PRESTAÇÃO DO ENSINO
FUNDAMENTAL. NECESSIDADE DE
LEI FORMAL, EDITADA PELO
CONGRESSO NACIONAL, PARA
REGULAMENTAR O ENSINO
DOMICILIAR. RECURSO
DESPROVIDO.

1. A educação é um direito
fundamental relacionado à
dignidade da pessoa humana e à
própria cidadania, pois exerce dupla
função: de um lado, qualifica a
comunidade como um todo,
tornando-a esclarecida, politizada,
desenvolvida (CIDADANIA); de outro,
dignifica o indivíduo, verdadeiro
titular desse direito subjetivo
fundamental (DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA). No caso da
educação básica obrigatória (CF, art.
208, 1), os titulares desse direito
indisponível à educação são as
crianças e adolescentes em idade
escolar.

2. É dever da família, sociedade e


Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, a educação. A
Constituição Federal consagrou o
dever de solidariedade entre a
família e o Estado como núcleo
principal à formação educacional
das crianças, jovens e adolescentes
com a dupla finalidade de defesa
integral dos direitos das crianças e
dos adolescentes e sua formação

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

em cidadania, para que o Brasil


possa vencer o grande desafio de
uma educação melhor para as
novas gerações, imprescindível para
os países que se querem ver
desenvolvidos.

3. A Constituição Federal não veda


de forma absoluta o ensino
domiciliar, mas proíbe qualquer de
suas espécies que não respeite o
dever de solidariedade entre a
família e o Estado como núcleo
principal à formação educacional
das crianças, jovens e adolescentes.
São inconstitucionais, portanto, as
espécies de unschooling radical
(desescolarização radical),
unschooling moderado
(desescolarização moderada) e
homeschooling puro, em qualquer
de suas variações.

4. O ensino domiciliar não é um


direito público subjetivo do aluno ou
de sua família, porém não é vedada
constitucionalmente sua criação por
meio de lei federal, editada pelo
Congresso Nacional, na modalidade
“utilitarista” ou “por conveniência
circunstancial”, desde que se
cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17
anos, e se respeite o dever solidário
Família/Estado, o núcleo básico de
matérias acadêmicas, a supervisão,
avaliação e fiscalização pelo Poder
Público; bem como as demais
previsões impostas diretamente
pelo texto constitucional, inclusive
no tocante às finalidades e objetivos

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

do ensino; em especial, evitar a


evasão escolar e garantir a
socialização do indivíduo, por meio
de ampla convivência familiar e
comunitária (CF, art. 227).

5. Recurso extraordinário
desprovido, com a fixação da
seguinte tese (TEMA 822): “Não
existe direito público subjetivo do
aluno ou de sua família ao ensino
domiciliar, inexistente na legislação
brasileira”

(RE 888815, Relator: Min. ROBERTO BARROSO,


Relator p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Tribunal Pleno, julgado em 12/09/2018)

Direito à Profissionalização
e à Proteção no Trabalho

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Finalmente, no que diz respeito ao direito à profissionalização e à


proteção no trabalho, é preciso tomar muito cuidado porque há um
diálogo constante tanto com a Constituição da República quanto com
as leis trabalhistas, como a CLT. E, não raro, acabam acontecendo
alterações legislativas nesses outros diplomas que nem sempre são
acompanhadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o que acaba
gerando incompatibilidades que precisam ser resolvidas pelos
intérpretes.

Nessa direção, o próprio artigo 61 do ECA faz a ressalva de que: “A


proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação
especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.”.

O artigo 60, por sua vez, dispõe que: “É proibido qualquer trabalho a
menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.”.
Nada obstante, aqui, mais do que nunca, é preciso realizar a análise
comparativa. Tal dispositivo estava em consonância com a redação
originária do artigo 7º, XXXIII da CRFB.

Ocorre que, como explica Gustavo Cives Seabra:

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a EC 20/1998 alterou a redação do


dispositivo constitucional para
prever ‘a proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a
menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis
anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir de quatorze anos’. Portanto,
quem ainda não completou quatorze
anos não pode trabalhar nem
mesmo na condição de aprendiz, de
forma que entendemos pela
revogação do artigo 60 do ECA. Na
mesma linha, perde sentido o artigo
64 do Estatuto que diz ser
assegurada bolsa aprendizagem ao
adolescente até quatorze anos. Ora,
se quem tem menos de 14 anos não
pode trabalhar, por óbvio não
receberá bolsa aprendizagem.

(SEABRA, 2020, p. 131)

Importante ainda mencionarmos o artigo 69, que consagra: “O


adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho,
observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional
adequada ao mercado de trabalho.”.

Merece destaque, especialmente, o inciso I, pois, ainda


que se permita que os adolescentes exerçam alguns
tipos de trabalho, eles devem ser compatíveis com a
condição de pessoas humanas em desenvolvimento,
de modo que nem tudo é permitido.

Por fim, é preciso considerar que, como alerta Gustavo Cives Seabra
(2020, p. 133), “todos os direitos trabalhistas devem ser assegurados

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àqueles que não completaram a idade para o trabalho, mas mesmo


assim tiveram seus direitos violados. Pensar de forma diferente levaria a
uma dupla violação: 1- violação da proteção ao trabalho; 2- concessão
de menos direitos que aqueles atribuídos aos adultos.”.

Foi precisamente nesse sentido que decidiu o Supremo Tribunal Federal


no Recurso Extraordinário n. 600.616, em que se discutia a concessão
de salário maternidade a uma adolescente que ainda não havia
alcançado a idade para o trabalho. O julgado foi assim ementado pela
Corte:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM


RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO.
TRABALHADORA RURAL. MENOR
DE 16 ANOS DE IDADE.
CONCESSÃO DE SALÁRIO-
MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA
PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR
DIREITOS. PRECEDENTES.

Nos termos da jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal, o art. 7º,
XXXIII, da Constituição “não pode
ser interpretado em prejuízo da
criança ou adolescente que exerce
atividade laboral, haja vista que a
regra constitucional foi criada para a
proteção e defesa dos
trabalhadores, não podendo ser
utilizada para privá-los dos seus
direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias
Toffoli). Agravo regimental a que se
nega provimento.

(RE 600616 AgR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO,


Primeira Turma, julgado em 26/08/2014)

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Falta pouco para atingir seus objetivos.


Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Marque a opção que corresponde a um direito fundamental da


criança e do adolescente:

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A Direito à escolarização privada.

B Apenas alguns direitos trabalhistas.

C Direito de trabalhar a partir dos dez anos.

Direito à educação gratuita apenas no ensino


D
fundamental.

E Direito à profissionalização.

Parabéns! A alternativa E está correta.


O direito à profissionalização é um direito fundamental da criança e
do adolescente, protegido pelo ECA, pela CF e CLT.

Questão 2

Sobre o direito à educação da criança e do adolescente, é garantido:

a igualdade de condições para o acesso e


A
permanência na escola.

B o direito de ser respeitado por seus educadores.

o direito de contestar critérios avaliativos, podendo


C
recorrer às instâncias escolares superiores.

o direito de organização e participação em


D
entidades estudantis.

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E o direito à desescolarização moderada.

Parabéns! A alternativa E está correta.


O STF negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) n. 888815
ao afirmar que a Constituição não proíbe o ensino domiciliar,
entretanto o ensino inteiramente realizado em domicílio da criança
e do adolescente é inconstitucional, visto que não respeita o dever
de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à
formação educacional das crianças, jovens e adolescentes.

Considerações finais
Como vimos, a Doutrina da Proteção Integral vigora no cenário
normativo atual e substituiu a antiquada Doutrina da Situação Irregular.

O artigo 227 da Constituição Federal estipula o importante princípio da


prioridade absoluta na proteção da criança e do adolescente, que pode,
contudo, sofrer limitações no caso concreto. Assim, a disciplina
constitucional dos direitos da criança e do adolescente deve estar
sempre acompanhada do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei
especial que concretiza os princípios da Carta Magna.

O ECA resguarda diversos direitos da criança e do adolescente,


envolvendo o direito à vida, à saúde, à liberdade religiosa, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização e a tantos outros, todos
condizentes com o objetivo principal de reconhecimento da criança e do
adolescente como sujeitos de direito merecedores de tutela.

headset
Podcast
Neste podcast, o professor trará aos ouvintes o conceito e o
fundamento da doutrina da proteção integral, assim como falará
brevemente dos princípios que orientam o direito das crianças e
adolescentes.

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19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

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Para um melhor aprofundamento na temática da proteção da criança e
do adolescente, veja: ZAPATER, Maira Cardoso. Direito da Criança e do
Adolescente. 1ª Edição. Saraiva, 2019.

Referências
AMIN, Andréa Rodrigues. Princípios orientadores do direito da criança e
do adolescente. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade
(coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos
e práticos, 11. ed., versão digital. São Paulo: Saraivajur, 2018.

BARBOZA, Heloisa Helena Gomes. O princípio do melhor interesse da


criança e do adolescente. A família na travessia do milênio. Anais do II
Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2000. Consultado em 08 dez.
2021.

CRUZ, Elisa Costa. Guarda Parental: releitura a partir do cuidado. Rio de


Janeiro: Editora Processo, 2021.

CURY JÚNIOR, David. A proteção jurídica da imagem da criança e do


adolescente. Tese de Doutorado em Direito. Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2006, p. 85. Consultado em 08 dez. 2021.

PAIVA, Caio. Direito da Criança e do Adolescente: Jurisprudência


resumida e separada por as sunto do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça, da Corte Interamericana de Direitos
Humanos e do Comitê da ONU sobre Direitos da Criança. Belo
Horizonte: Editora CEI, 2018.

https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03184/index.html# 52/53
19/09/2023, 19:50 Doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma


proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do melhor interesse da criança: da


teoria à prática. A família na travessia do milênio. Anais do II Congresso
Brasileiro de Direito de Família, 2000. Consultado em 08 dez. 2021.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado.


Parte Especial, Tomo IX. Direito de família: direito parental: direito
protectivo. Atualizado por Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São


Paulo: Saraiva Educação, 2018.

SEABRA, Gustavo Cives. Manual de Direito da Criança e do Adolescente.


Belo Horizonte: CEI, 2020.

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A disciplina jurídica da autoridade


parental. 2005. Consultado em 28 maio 2018.

TEPEDINO, Gustavo. Adoção e proteção integral na família: qual família?


- Editorial. In: Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo
Horizonte, v. 27, p. 11-12, jan./mar. 2021.

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