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Objecto do Processo Penal

CASO I

Antó nio foi acusado por um crime de furto simples (art. 194º do Código Penal).

Realizada a audiência de julgamento suscitam-se as seguintes questõ es:

1. Poderá Antó nio ser condenado, com base nos mesmos factos, por um crime de
burla (art. 210º). Em que termos?

 Trata-se de alteração da qualificação jurídica, porque se diz “com base nos mesmos
factos”. O objecto do processo não foi alterado, manteve-se o mesmo.

 Art. 332.º CPP – alteração dos factos na acusação ou requerimento da ACP

 Art. 396.º - Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na


pronúncia

 Artigo 396.º n.º 3 - manda aplicar o seu nº 1 aos casos em que o tribunal altera a
qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

 O tribunal pode alterar a qualificação desde que comunique a alteração ao arguido e


lhe dê tempo para preparar a sua defesa.

 Cumpridas essas exigências, o tribunal pode condenar o António pela prática de um


crime de burla.

2. Todas as testemunhas afirmam que o objecto é altamente perigoso. Pode o tribunal


dar como provado este facto e, em consequência, condenar Antó nio por furto
qualificado (art. 196.º, n.º 2, al. b))? Em qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

 Alteração dos factos ou da qualificação jurídica? Os factos são diferentes. O objecto é


altamente perigoso e este facto não constava da acusação do Ministério Público.
Verifica-se uma alteração dos factos.
 Esta alteração é substancial ou não substancial? Trata-se de uma alteração
substancial. Art. 396º-A. Agravamento do limite máximo da pena.
 Os factos novos não podem ser conhecidos pelo tribunal a não ser que o arguido e os
outros sujeitos processuais estejam de acordo quanto a isso (artigo 396-A n.º2).
 O tribunal não pode conhecer dos novos factos, mas deve comunicá-los ao Ministério
Público, valendo a comunicação como denuncia para que ele proceda pelos novos
factos, se eles, por si, constituírem outra infração(autonomizáveis).
 Se não houver acordo do arguido e outros sujeitos processuais o que poderá fazer
o juiz na sentença final? O tribunal apenas poderá condenar por furto simples se os
factos forem dados como provados. Não pode colocar a perigosidade da coisa na
sentença. Se o fizer, a sentença será nula, nos termos do artigo 409.º b) º CPP (será
nula a sentença que condenar por factos não descritos na acusação ou nas acusações,
fora dos casos previstos nos artigos 396.º e 396.º-A )

3. Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado estava no interior da


residência do ofendido, onde o Antó nio se introduziu para o retirar. Pode o tribunal
dar como provado este facto e, em consequência, condenar Antó nio por furto
qualificado (art. 196.º, n.º 1, al. l))? Em qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

Alteração de factos ou da qualificação jurídica? Alteração de factos. Substancial, porque tem


por efeito o aumento do limite máximo da pena. O processo, se não houver acordo, continuará
pelo furto simples. Trata-se do que se chama sacrifício parcial da verdade material.

4. Algumas testemunhas, vizinhos de Antó nio, afirmam que este, para além do furto
do objecto que lhe foi imputado na acusaçã o, duas horas depois, quando estava a
chegar a casa e depois de ter ido almoçar com uns amigos, se apropriou de um
telemóvel de Duarte, que estava no interior da sua viatura. Pode o tribunal dar como
provado este facto e, em consequência, condenar Antó nio por furto qualificado
(art.196.º, n.º 1, al. l)), para além do furto simples? Em qualquer caso, o que deve
fazer o juiz?

 Verifica-se uma alteração do objecto do processo, porque é um crime completamente


diferente. O processo não pode prosseguir, nem havendo acordo. Trata-se de novos
factos que correspondem a um novo objecto.
 Porque é que a lei não permite? Princípio do acusatório. Competência por conexão
subjectiva. Assim, o juiz podia determinar a apensação.
CASO II

Á lvaro, no Bar do Hotel Baía Verde, sito no Tarrafal, agrediu Berta, sua namorada, com um
violento soco.

Cinco meses depois, Berta resolveu apresentar queixa. O Ministério Pú blico deu
imediatamente início à instruçã o e tendo concluído que estavam reunidos elementos
suficientes para tal, deduziu acusaçã o pelo crime de ofensa à integridade física simples
(artigo128.º CP).

Berta ao tomar conhecimento da decisã o, requereu a constituiçã o como assistente e, no


mesmo momento, a realizaçã o da ACP, fundamentando tal procedimento com o facto de
ter entretanto descoberto que a verdadeira motivaçã o que levou Á lvaro a agredi-la residiu
no facto de este descobrir que ela estava grá vida. Nesse sentido, no requerimento da ACP,
solicitou ao tribunal que pronunciasse Á lvaro pelo crime p.p no artigo 130 e 123 c) do
CP.

O Juiz depois de ouvidas algumas testemunhas e do arguido, convenceu-se da veracidade


dos factos e pronunciou Á lvaro pelo crime de ofensa à integridade física agravada. Na
audiência de julgamento veio a saber-se ainda que Á lvaro agredira Berta nã o só por
descobrir que esta estava grá vida, mas também por ser previsível que o filho viesse a
nascer com características físicas pró ximas dos guineenses (Berta era guineense e Á lvaro,
português) e que afinal Á lvaro era racista e , com tal, nem sequer fazia parte dos seus
planos casar com Berta. Assim sendo, o Juiz de julgamento condenou Alvá ro por ofensa à
integridade física agravada, nos termos do artigo 130.º, tendo em conta, desta feita, as
circunstâ ncias agravantes consagradas nas alíneas c) e e) do artigo 123.º do CP.

1. É vá lido o despacho de pronú ncia?

 Sim.

 Apesar de haver factos novos no despacho de pronuncia que alteram


substancialmente os factos da acusação do MP(que Berta estava grávida e esta
era do conhecimento do Alváro, a verdade é que esses factos novos
constavam do requerimento da ACP. O conteúdo do despacho de pronúncia
não altera substancialmente os factos constantes do objecto do processo que
é delimitado, em sede de ACP,pela acusação do MP e pelo requerimento para
abertura da instrução.

 324.º b).

 O Objecto é definido na Acusação e no Requerimento Abertura de ACP.

 332 n.º 1- Facto delimitados em sede de ACP pelo requerimento.

2. Como deveria proceder o juiz de julgamento? É vá lida a sentença condenató ria?

 Na audiência de julgamento resultou provado que a motivação da ofensa à


integridade física por Álvaro de deveu a ódio racial.
 O arguido já tinha sido acusado por ofensa à integridade física agravada. Essa
nova circunstância não aumenta os limites máximos da pena.

 Trata-se de um facto novo, que altera a valoração social do crime. Mas como
não agrava o limite máximo da pena e nem constitui a imputação de um crime
diverso ao arguido, deve-se concluir que se trata de uma alteração não
substancial, pelo que se deve aplicar o regime determinado no artigo 396.º.

 O tribunal deve comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe o tempo


necessário para preparar a sua defesa.

CASO III

Considere a seguinte hipótese:

Uma patrulha da PN, enquanto circulava na localidade de Palmarejo, foi informada,


via rá dio, de que acabava de ser cometido um crime de furto em Achada Santo Antó nio, no
valor de 400 mil escudos, perpetrado por um suspeito, do sexo masculino, com uma
camisola cor de azul, cabo-verdiano, com idade aproximada de 30 anos e que, apó s
subtrair aquele valor a uma senhora, Júlia, fugira numa viatura “Toyota”, cor preta, em
direcçã o a Cidade Velha.
De imediato, os agentes da PN dirigiram-se para a rotunda de Palmarejo e
montaram uma operaçã o Stop. Vendo passar um veículo “Toyota”, de cor preta, conduzido
por um homem, com uma camisola de cor de azul, mandaram-no parar, acabando por
detê-lo.
Os agentes pediram a identificaçã o do condutor, que, nervoso, se identificou como
sendo António. Instado a apresentar o seu bilhete de identidade, António abriu o porta-
luvas do carro e os agentes aperceberam-se de que havia vá rias notas na carteira e no
porta-luvas da viatura.
Os agentes de imediato procederam à apreensã o da carteira de António e das
notas dentro do porta-luvas, e apó s conferência do seu conteú do, viram que estas
perfaziam o valor de 100 mil escudos.
Convencidos de terem apanhado o autor do crime de furto, inquiriram-no sobre a
proveniência do dinheiro, ao que António respondeu que o dinheiro era seu.
Os agentes deduziram que tinham apanhado o autor do furto cometido em ASA e
levaram-no imediatamente ao MP.

1. Supondo que o processo seguia para a forma comum e que o MP acusava António
pelo crime de furo qualificado, p. e p. pelo artigo 196. e) do CP, podia Júlia,
requerer a abertura da Audiência Contraditó ria Preliminar para acrescentar o
facto de António ter introduzido na sua habitaçã o para retirar a quantia furtada,
imputando-lhe assim a circunstâ ncia prevista na alínea l) do n.º 1 do mesmo
artigo?
 Nos termos determinados no artigo 324.º do CPP, deduzida acusaçã o pelo MP,
o assistente pode requerer ACP relativamente a factos pelos quais o MP não
tiver deduzido acusação e que consubstanciam crime diverso ou
agravação dos limites máximos da pena – Alteraçã o Substancial dos Factos.
 Por sua vez, determina o n.º 2 do artigo 320.º, que, deduzida acusaçã o pelo MP,
o assistente pode deduzir acusaçã o particular pelos factos acusados pelo MP,
por parte deles ou por outros, desde que não tenham como efeito a
imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites
máximos da pena- Alteraçã o nã o substancial dos factos. (a designada
acusaçã o subordinada)
 No caso concreto , é necessá rio averiguar se o assistente pretende acrescentar
um facto novo que constituiu uma alteraçã o substancial dos factos, caso em
que podia requerer a realizaçã o da ACP(artigo 324.º do CPP), ou uma alteraçã o
nã o substancial, caso em que nã o podia requerer ACP, mas antes deduzir
acusaçã o subordinada(n.º 2 do artigo 320.º).
 O assistente pretende adicionar um facto novo – que o arguido introduziu na
sua habitaçã o para retirara a quantia furtada. O novo facto constitui uma
alteraçã o de factos.
 A alteraçã o será substancial se o facto novo agravar a pena má xima
abstratamente aplicá vel, o que nã o é o caso porque o arguido já era acusado de
furto qualificado, ou constituir uma imputaçã o de crime diverso, que também
nã o é o caso.
 Deve-se concluir que estamos perante uma alteraçã o nã o substancial, pelo que
o requerimento de ACP deveria ser rejeitado por inadmissibilidade da ACP. O
assistente deve deduzir uma acusaçã o subordinada.

2. Admitindo que António tinha sido pronunciado pelo crime furto qualificado, p.p.
no artigo 196.º, n.º 1, e) do Código Penal e que no final da audiência de
julgamento o Tribunal nã o deu como provado a subtraçã o, podia absolvê-lo do
crime de furto e condená -lo pelo crime de abuso de confiança (p. e p. no artigo
203 n.º 1 do CP)?

 O tribunal nã o devia condenar o arguido pelo crime de furto porque nã o se fez


prova da “subtraçã o” (elemento do tipo). Nem pelo crime de abuso de
confiança pois exige a verificaçã o da “entrega”.
 O arguido deveria ser absolvido do crime de furto.
 Só que o tribunal pretendeu a alteraçã o da qualificaçã o jurídica. Mas nã o está
em causa uma simples alteraçã o da qualificaçã o jurídica.
 Para a imputaçã o de um crime de abuso de confiança era necessá rio provar
que o dinheiro foi entregue ao arguido. Tal nã o resulta apenas da nã o prova
dos factos descritos na pronú ncia (integrantes do crime de furto).
 A coisa (o dinheiro) ter sido entregue ao arguido é um facto novo.
 Seria assim uma alteraçã o de factos.
 Nã o implica a agravaçã o da pena má xima (a pena má xima até é mais reduzida).
Constituiu a imputaçã o de um crime diverso. Subtrair ou receber sã o histó rias
distintas.
 Sendo uma alteraçã o substancial, esta seria autonomizá vel, pois a “nova
histó ria” (receber a coisa e apropriar-se ilegitimamente da mesma), é uma
histó ria alternativa à histó ria inicial, que podia por si só ser objecto de um
processo autó nomo.
 A soluçã o final passava, pois, pela absolviçã o do arguido do crime de furto e
pela comunicaçã o ao MP para, noutro processo, proceder pelos novos factos.

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