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Contextualização histórico-literária.

"Os Maias", escrito por Eça de Queirós, é considerada uma das obras mais importantes da
literatura portuguesa e uma das principais referências do realismo em Portugal. Publicado em
1888, o romance retrata a sociedade portuguesa do século XIX, oferecendo uma crítica mordaz
aos vícios e às contradições desse período.

Nesse momento, Portugal vivenciava um processo de modernização e influências do progresso


técnico e científico da Europa. A burguesia emergente buscava consolidar o seu poder e imitar
os padrões europeus, especialmente os franceses. Havia um forte contraste entre a elite que
buscava adotar modos de vida cosmopolitas e o povo, que ainda enfrentava condições de vida
difíceis.

Eça de Queirós, como um dos principais expoentes do realismo em Portugal, procurou retratar
a sociedade do seu tempo de forma crítica e realista. As suas personagens são representativas
dos diferentes estratos sociais e revelam a decadência moral, a hipocrisia e a futilidade da
aristocracia/burguesia portuguesa.

"Os Maias" conta a história da família Maia, que pertence à alta aristocracia portuguesa. O
enredo gira em torno de Carlos da Maia, um jovem médico idealista e romântico, e da sua
paixão proibida por Maria Eduarda, uma cortesã. A obra aborda temas como o incesto, o
adultério, o conflito entre a tradição e a modernidade, a influência da hereditariedade e o peso
do destino.

Ao longo do romance, Eça de Queirós também critica o ambiente político e social da época,
retratando a corrupção e a decadência das instituições ao nível da crónica de costumes. A obra
apresenta personagens complexas e bem delineadas, além de uma profunda análise
psicológica e social.

Com "Os Maias", Eça de Queirós expõe as contradições e os vícios da sociedade portuguesa,
satirizando a superficialidade e a decadência de uma elite que tenta encaixar-se nos padrões
europeus sem realmente compreender a sua essência. A obra é um retrato crítico da época e
uma reflexão sobre os valores e a condição humana.

Capítulo XV

É neste capítulo que Maria Eduarda conta toda a sua história de vida, de forma detalhada, a
Carlos. No decorrer desta conversa, Maria revela que nascera em Viena, nada sabia de seu pai
e tinha tido uma irmã, que morrera em criança. Ingressou num convento em Tours, onde foi
educada, e aos dezasseis anos de idade fora para Paris, com a sua mãe, onde esta levava uma
vida boémia. Maria revelou ainda ter conhecido um irlandês, Mac Gren, que lhe prometera
casamento assim que atingisse a maioridade. Esta seria uma forma de escapar “ao meio
depravado e brutal” em que vivia. Teve com ele uma filha, Rose, e desejava legitimar a união,
processo que o irlandês adiava. Após a morte de Mac Gren, e vivendo em dificuldades,
conheceu Castro Gomes, que a ajudou mas que ela não amava. Carlos sentia-se traído mas
perante o sofrimento de Maria Eduarda, rende-se à sua paixão, e, repentinamente, pediu-a em
casamento.
Dias depois, Carlos relata tudo o que se passara a Ega, que lhe diz que seria melhor esperar a
morte de Afonso para casar, pois este já se encontrava velho e debilitado e não aguentaria
tamanho desgosto.

Maria e Carlos começam a organizar jantares nos Olivais, e todos os seus amigos se
familiarizam com ela.

Numa determinada manhã, Carlos , através de Ega , toma conhecimento de um artigo de “A


corneta do diabo”, que o difama, denunciando o passado de Maria Eduarda e a sua relação
com ela.

Indignado, Carlos tudo faz para descobrir o editor do artigo, que descobriu tratar-se de Palma
Cavalão. Ega, com o intuíto de ajudar o amigo, dirige-se ao redator, jornalista corrupto,
facilmente agitado, comovido pelo dinheiro, que lhe confessa que a notícia havia sido
encomendada por Dâmaso Salcede e Eusebiozinho. Palma entrega-lhes as provas e a pedido de
Carlos, os seus Padrinhos, Cruges e Ega, partem para casa de Dâmaso com o propósito de o
desafiar para um duelo. Amedrontado pelo desafio opta por redigir uma carta na qual afirmava
ser um bêbedo incorrigível e onde se dizia embriagado, quando redigiu o artigo publicado.

Com isto, Ega aproveita para se vingar de Dâmaso, já que este se envolvera com a “sua” Raquel
Cohen, publicando a sua confissão no jornal “ A tarde” e Dâmaso, envergonhado, parte para
Itália.

Capitulo XVI

O capitulo XVI inicia-se com o jantar de Ega, Maria Eduarda E Carlos na Rua de S. Francisco. Ega
insiste para Carlos o acompanhar ao sarau literário e musical que terá lugar no Teatro da
Trindade, que tinha como objetivo angariar fundos para as vitimas das cheias do Ribatejo.

Mesmo oferecendo resistência, Carlos acaba por ir, pois era “um dever de honra” assistir à
atuação de Cruges. Ao chegar ao teatro ainda ouvem a intervenção de Rufino, um “deputado
de Monção”, que discursa sobre a caridade e o progresso , aproveitando para gesticular de
forma exagerada e desnecessária para o camarote real que se encontrava vazio. Na plateia está
presente um conjunto de espectadores representativo da “sociedade elegante”/alta sociedade
de Lisboa que representam a “elite” nacional.

Alencar apresenta João da Ega a Guimarães, tIo de Dâmaso, que vivia em Paris. Sabendo que
tinha sido Ega a intimar o sobrinho a escrever uma carta em que assumia que toda a família era
uma chusma de bêbedos , Guimarães pede-lhe explicações. Este isenta-se das culpas lembrado
que fora Dâmaso quem redigira a missiva. Guimarães reconhece a “imbecilidade” do seu
sobrinho e os dois conciliam-se.

O grande maestro Cruges sobe , então, ao palco e, com arte, interpreta a “Sonata Patética”, de
Beethoven, que acabou por ser um fiasco completo, devido à ignorância e insensibilidade
artística e comportamento da plateia. ,

Depois da intervenção de outros oradores (Prata e Alencar), Ega e Cruges encontram-se


novamente com Guimarães à saída do teatro. Já no largo do Pelourinho, Sr. Guimarães confia a
Ega um cofre da mãe de Carlos para que este seja entregue ao Carlos da Maia ou à irmã,. O sr.
Guimarães refere, para espanto de Ega, o nome de Maria de Eduarda e que , não há muitos
dias os vira aos três na mesma carruagem no Cais do Sodré, deixando Ega horrorizado e sem
saber o que fazer perante o drama do incesto. Após hesitar decide pedir ajuda a Vilaça para
contar tudo a Carlos.

É assim que, neste episódio, nos é dado a conhecer a relação incestuosa entre Carlos da Maia e
Maria Eduarda.

Concluindo, associado ao “Sarau da Trindade”, surge a tragédia. Eça quis, com isto, provocar
um grande impacto, contrastando o clima de festa com a desgraça.

Com este capítulo é criticada a ausência de espírito crítico, a falta de cultura e superficialidade
dos temas de conversa. Critica-se também a monarquia e a sociedade da época, uma vez que a
família real não compareceu no espetáculo do Sarau.

Análise dos episódios dos jornais “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”, enquanto crítica de
costumes

Nas redações dos jornais Corneta do Diabo e A Tarde representa-se o estado do jornalismo de
má qualidade do nosso pais (capítulo XV).

Na redação da Corneta do Diabo, João da Ega encontra-se com o jornalista Palma Cavalão com
o propósito de saber quem enviara o artigo difamatório sobre Carlos e Maria Eduarda. O lugar
é imundo: «Na toalha de mesa, salpicada de gordura e vinho, alguns pratos rodeavam um
galheteiro que tinha moscas no azeite».( página 545)

Imundos são também o jornalismo que ai se faz e o carácter de Palma, que difama figuras
públicas no seu periódico e que aceita dinheiro para revelar os autores dos seus textos. De
facto, palma cavalão acaba por denunciar o Dâmaso, fornecendo as provas depois de ter sido
subornado com cem mil reis

Imoralidade é o que voltamos a encontrar na redação do jornal “ A tarde”, lugar a que Ega
acorre para publicar a carta em que Dâmaso aviltava o seu nome e o da sua família.

Neste lugar, a falta de ética reside no facto de este periódico estar ao serviço de uma fação
política. De facto , quando Ega chega à redação do jornal, depara-se com uma reunião em que
participam o Jornalista Neves, deputado político, e membros de um partido político.

Ega pede ao Neves que lhe publique a carta em que ele declara estar bêbedo e Neves não
aceita por ser seu amigo político e por uma questão de honra. Quando lê a carta e se apercebe
que não é o “seu” Dâmaso mas o Dâmaso Salcede que este desconhece, esquece-se dos seus
“critérios” jornalísticos e acaba por aceitar publicar a notícia na primeira página do Jornal “A
Tarde” em vez das notícias políticas também a troco de dinheiro. Desta forma, Ega e Carlos,
sentem-se vingados da aldrabice e ousadia de Dâmaso.
Com estes episódios “D’A Corneta do diabo” e do jornal “A Tarde”, o narrador aproveita para
criticar os critérios partidários que fundamentam o jornalismo político, o sensacionalismo
como critério jornalístico e o compadrio político como critério de verdade informativa.

Teatro da Trindade

O Teatro da Trindade é o cenário de um sarau cultural que, de novo, reúne figuras da burguesia
e da fidalguia lisboetas. Ao palco vão subir oradores e artistas neste evento social que procura
reunir fundos para auxiliar as vítimas das inundações do Ribatejo.

Quando Carlos e Ega chegam ao teatro, Rufino já se encontra a discursar sobre a caridade e o
progresso numa retórica exagerada e em frases de gosto duvidoso. Segue-se-lhe a atuação
musical de Cruges ao piano, um músico de talento e génio. Se o Rufino conseguira emocionar
grande parte dos presentes, apesar de a maioria não entender a misturada de assuntos
apresentados na sua oratória tipicamente romântica e arrebatada, e de um leque ter
escorregado da galeria, arrancando em baixo um berro a uma senhora gorda e dando origem a
um sussurro, o mesmo não acontece com o pobre do Cruges que não é bem sucedido a
encantar a dita plateia. Esta o génio musical a tocar, enervado, martelando sabiamente o
teclado enquanto as senhoras bocejam por de trás dos leques. É nesta altura que a marquesa
de Soutal responde a uma das Pedrosas que a música que estava a ser tocada era a sonata “
pateta” em vez de “patética”. Foi um fiasco total, por toda a bancada era um rastilho de risos
sufocados. E Cruges suando estonteado por aquela desatenção rumorosa atabalhoava as notas.
Por último, é o ultrarromântico Alencar que vai à boca de cena proferir o poema “Democracia”,
também ele repleto de excessos de linguagem e de uma retórica gasta.

Neste suposto ambiente musical e literário, denuncia-se a falta de cultura e falta de gosto das
classes favorecidas.

Critica-se assim:

-o apreço e a admiração pelas palavras ocas e inqualificáveis de Rufino

-A falta de sensibilidade estética para apreciar o verdadeiro talento

-A lágrima fácil ( capítulo XVI, p.610) no poema de Alencar

Conclusão

“Os Maias” é uma obra literária interessante, pois retrata a vida quotidiana da família Maia e o
seu ambiente social, nomeadamente, o ambiente social lisboeta que, afinal, representa a
cultura do país. Esta obra mantêm, atualmente, uma enorme força crítica, pois continua a
desafiar a consciência do leitor. As críticas contidas nesta obra, segundo Eça, tinham a intenção
de corrigir a hipocrisia daquela sociedade viciosamente burguesa.

Concluindo, este romance Queirosiano pode e deve ser considerado como uma obra
intemporal uma vez que a crítica aqui presente pode ser atualizada aos dias de hoje.Basta
pensar, por exemplo, na corrupção política, no aproveitamento de determinadas
personalidades para ascender na vida através de alianças e casamentos ou na cultura que a
alta sociedade espelha. Quase que diríamos que “Lisboa é a capital e o resto é paisagem”.

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