Amar o Outro em Freud

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AMAR O OUTRO EM FREUD

Escrito por Ines Helena Madruga Nunes

Resumo: Neste trabalho a ser apresentado pretendemos fazer uma análise breve a partir
do texto escolhido, O Mal-Estar na Civilização, escrito por Sigmund Freud em 1929,
obra constituída por textos que marcam uma nova concepção de pensamento centrado
na reflexão sobre as relações do homem enquanto indivíduo, pressupondo que, tanto o
desenvolvimento individual quanto social, articula o dualismo instintivo numa tentativa
de manter o desenvolvimento do individuo e da civilização sob pressão através do
controle das energias instintivas. Freud busca tecer sua teoria entre a força de
autopreservação e autodestruição, remetendo-a para o dualismo instintivo entre amor e
agressão. Para explicar a vida mental do individuo, Freud recorre à psicologia
nietzschiana e fundamenta sua psicanálise.
Palavras-chave: instinto, amor, neurose, agressão.

1. Introdução
Para compreender e avaliar a natureza do homem, Freud parte do comportamento
mental e suas perturbações ocasionadas pelo impulso instintivo que pode, segundo ele,
originar o caráter de sintoma normal ou patológico. Para explicar a vida mental e as
causas do mal-estar do indivíduo, Freud analisa a evolução da cultura, religião e dos
fenômenos sociais. Por agora, tencionamos estudar sobre o conceito moral do amar o
próximo como a si mesmo, para desvelar qual a relação entre amar a si mesmo e amar o
outro na mesma intensidade, considerando que o amor é instintivo e remonta à origem
da vida, um processo de evolução que molda a personalidade individual.

2. Da Psicologia à Psicanálise
Na psicologia nietzschiana, o valor moral imposto pela cultura, afasta o individuo
sempre mais de si mesmo. A falta de reflexão sobre a influência cultural faz o homem
agir como rebanho. Freud, equilibrando-se a partir da psicologia nietzschiana, trata de
fundamentar sua psicanálise firmando, com outras palavras, o que Nietzsche já havia
dito. Freud, escondendo debaixo do orgulho psicanalista questões psicológicas centrais
pensadas por Nietzsche, compila as noções da origem do instinto da vida e avança sua
análise sobre os instintos primitivos e sua força compulsiva associados ao intenso desejo
da realização ligado ao organismo humano de modo amoral. Anotemos este caráter
inumerável dos instintos em Nietzsche, pelo menos na origem: há instintos por toda
parte, como havia, para Heráclito, deuses por toda parte, pelo menos em toda parte onde
sucede algo de certa importância. Também não é por acaso que esta evocação inicial da
idéia de instinto esteja ligada a algo misto. Toda a atividade considerada unitária revela-
se um mar de instintos mantidos unificados. Nietzsche descobre uma diversidade
heterogênea dos instintos, cada qual pressionando de modo egoísta para realizar-
se.
Por isso, os instintos, afirma Freud, são amorais e intensamente egoístas, porque não
estão subordinados às regras morais da sociedade, mas radicalizados à função
fisiológica, pulsando para potencializar e preservar a vida. A causa do penoso dilema
neurótico do homem civilizado é o desvio do instinto do seu fim original. O mal-estar,
uma espécie de sublimação mistificada, na qual os instintos se adaptam aos fins não
instintivos imposto pela realidade, assim, a força cega do instinto faz da cultura sua
possibilidade de realização, causando um estado alterado de consciência, a neurose. A
teoria da neurose pensada por Freud afirma que, desde sua origem, há certa perturbação
mental, o que relativiza a antinomia saúde-doença, mas por um caminha diferente do de
Nietzsche. Em Nietzsche, na verdade, os conceitos não deixam de ter uma função
valorizadora.

3. Amor, Estado de Prazer Individual


Para Freud, a emoção é o efeito instintivo primitivo e as relações de recordação do
início da vida vinculadas ao desenvolvimento sexual. Como um sentimento de impulso,
passa por vários estágios psicológicos, iniciando na sexualidade infantil à sexualidade
adulta, equivale dizer que, os sentimentos instintivos vinculados à consciência refletem
como sinais fisiológicos. O impulso instintivo e a experiência do mundo externo, dois
fatores que exercem influência imediata à totalidade psicofísica do individuo, e, desde
sua origem, se ajusta ao estado psicológico e orgânico da natureza humana.

A mente do individuo, segundo a teoria freudiana divide-se em Id, Ego e Superego,


onde os vários impulsos instintivos movem-se interligados para satisfazer necessidades
orgânicas. O Id é o motor do Ego e do foco pulsional, mas é contido na relação com as
regras. Por isso, volta-se contra o Ego e limita o Superego. Por ex., o Id é a
representação dos instintos biológicos e se ocupa em satisfazer as pulsões de
preservação; o Ego é autônomo e age como extensão interna do homem:

Uma reflexão mais apurada nos diz que o sentimento do ego do adulto não pode ter sido
o mesmo desde o inicio. Deve ter passado por um processo de desenvolvimento, que, se
não pode ser demonstrado [...] uma criança recém-nascida ainda não distingue o seu ego
do mundo externo como fonte das sensações que fluem sobre ela. Aprende
gradativamente a fazê-lo, reagindo a diversos estímulos [...] certas fontes de excitação,
que posteriormente identificara como sendo os seus próprios órgãos corporais, poderem
provê-la de sensações [...] entre as quais se destaca a mais desejada de todas: o seio da
mãe (FREUD, 1978, p. 133).

Essa espécie de entidade metal inconsciente (FREUD, 1978, p.133), faz distinção entre
consciência e organismo, mantendo em si o Id em um só estado, embora não patológico.
Quando o instinto de amor aumenta, a fronteira entre o Ego e o Id desaparece e o
instinto do Superego passa a agir como regulador dos desejos de prazer, deixando
transparecer no indivíduo, visíveis perturbações psicológicas divididas entre
sexualidade orientada pela sensação de prazer e o problema da repressão moral externa.

O amor é um estado de prazer individual e superior ao prazer dos órgãos genitais.


Nietzsche distingue o amor como realização do ser e procriação como preservação da
espécie. Para ele, o instinto sexual nega a igualdade geral e busca seu devir, a procriação
não, ela é essencialmente orgânica e quer perpetuar-se. O paradoxo consiste em que, a
pulsão sexual é composta de várias pulsões parciais, sua unificação fornece intensa
hesitação caracterizada por uma atividade sexual atribuída a uma zona erógena. A
mentira moral faz do prazer um dever, assim, o instinto de sobrevivência orgânica
ultrapassa a natureza instintiva, transforma o prazer do amor como realização plena do
ser em desejo de perpetuação da espécie. Quando o instinto sexual sofre pressão
racional, adquire uma nova valoração. Para superar o paradoxo, Freud distingue a
pulsão sexual (amor) da pulsão genital (ato da procriação).

4. Entre o Amor e a Agressão


Embora parecesse remontar bem antes do cristianismo, amar o próximo é uma
expressão no mínimo paradoxal e estranha em seu próprio conteúdo. Segundo a
concepção freudiana sobre a perplexidade do amar o outro, fica evidente que o amor
para o individuo, é algo valioso e não deve ser lançado fora sem reflexão (FREUD,
1978, p.165). A máxima impõe amar o outro como um dever. O deve amar o outro, soa
como uma regra moral, é como estar na obrigação de restituir ao outro algo que não lhe
pertence, é como estar em dívida com o outro, é amar o outro por obrigação. A máxima
deixa claro que, amar o outro implica até mesmo sacrificar-se por ele.

Para amarmos o outro, segundo Freud, no mínimo, o outro deve merecer nosso amor.
Esse mínimo merecer deve anteceder o deve amar o outro. Examinando de perto o
conceito do dever, evidencia-se uma não reciprocidade entre intenção e ação. Amar o
dessemelhante é não refletir a diferença entre intenção e ação. Amor é um estado
mental, uma energia vital instintiva que não se lança fora simplesmente porque a regra
impõe: deve amar o outro. Tanto Nietzsche, quanto Freud pensa tal regra como uma
ação vazia de valor moral. Uma ação desvinculada da intenção. Porque o amor é
egoísta, individual. É a realização do ser.

Para Freud, a pulsão instintiva orienta o individuo para o amor, uma maneira de
realização natural do ser ao encontrar compatibilidade no outro. A partir da expressão:
amar o outro, inferimos ver no outro o reflexo do nosso amor e merecê-lo, por ser ele
igual ou melhor do que nosso amor, um modo de amar mais perfeito que o nosso, nosso
ideal, nosso próprio eu! Como amar o outro, se este não tem nada a ver com o nosso eu?
Não havendo compatibilidade ao nosso valor, e por serem estranhos, seus valores não
nos atraem, neste sentido, fica claro o paradoxo do amar ao outro:

Na verdade, se aquele impotente mandamento dissesse: ‘Ama a teu próximo como este
te ama’, eu não lhe faria objeções. E há um segundo mandamento que me parece mais
incompreensível ainda e que desperta em mim uma oposição mais forte ainda. Trata-se
do mandamento ‘Ama os teus inimigos’ (FREUD, 1978, p.165)

É difícil amarmos o outro, quando este é tão antagônico e incompatível ao nosso amor.
É injusto colocar um estranho valor de amor não sinalizando a harmonia espiritual entre
ambos. Negar a vida é não termos liberdade de retermos em nós mesmo o valor
supremo, o amor! Compartilharmos com alguém que não demonstra a mínima
consideração é frustrar a possibilidade de realização da própria vida. Amar é um
compartilhar mútuo, um mesmo nível de sentimento, um ato recíproco, jamais pode ser
unilateral. Amarmos o outro como um ser da natureza e não mais do que isto, é a forma
mais autêntica do amor ao próximo.
O elemento de agressividade do instinto do homem, lobo do homem, é um bom começo
para discutirmos a questão do amor ao próximo. Partindo da questão do outro ser um
individuo agressivo, o amor ao próximo, obviamente, ficará em desvantagem, caso o
outro, não estiver predisposto ao nosso amor. Conforme Freud, a natureza humana é
inclinada mais para a agressão. O fator principal e perturbador nas relações com o outro
é exatamente a agressão. Há uma hostilidade, uma ação conflitante e contraditória
primitiva na existência humana, ligado à consciência e a constituição orgânica. O ideal
de amor ao próximo, em outras palavras, justifica o fato de o homem amar a si mesmo e
assim não causar dano ao outro. Aquele que vive em estado consciente de amor, não
causa dano à natureza, vive em harmonia consigo mesmo e com o todo. Assim, o termo
correto de amor ao próximo é: ama a teu próximo como este te ama (FREUD, 1978,
p.166), porque no instinto de amor, há de certo modo, um instinto de morte. Os
fenômenos da vida podem ser explicados, pelo movimento de forças opostas desses dois
instintos. Porém, como a atividade do instinto de morte, age como um meio de
destruição que, em parte se mantém latente, e em outra, se manifesta no sentido de
agressividade. Assim, o instinto de morte, é compelido para o serviço do amor. Ao
invés de destruir o eu consciente, destrói parte do organismo. Se tal agressividade
mantivesse contida a autodestruição ganharia força. Os dois tipos de instintos estão
mutuamente mesclados em oposição.

Neste sentido, o instinto da sensualidade, mantém em si uma tendência para o amor e


autodestruição. A libido, Freud fez dela, enquanto força variável, no campo da
excitação sexual, relacionando com tudo que se pode entender como amor e denota as
manifestações do amor a fim de distingui-las da energia do instinto da morte. A morte,
por se ocultar no instinto de amor é mais difícil apreende-la, sua inclinação para a
agressão, constitui uma disposição instintiva original que atravanca a civilização. O
instinto de agressão é o representante da morte, e, ao mesmo tempo, o mais próximo do
amor e com este divide o domínio da existência. Significando que as evoluções da
civilização já não são mais obscuras, pois a luta dos opostos: amor e morte, definem o
curso e o fundamento da vida: a luta da espécie humana pela vida (FREUD, 1978,
p.176).

5. Conclusão
O medo de perder o amor traz consigo a insegurança de sentir-se só, desprotegido,
exposto ao perigo do mais forte. Fica estabelecido que, mal é tudo aquilo que, com a
perda do amor ameaça à vida. Quando o homem fracassa e não consegue superar limites
e frustrações, esgota a consciência e esta o aflige, pois se sente ameaçada. Os
infortúnios do mundo exterior, os sofrimentos, são formas de potencializar a vida.
Sempre que o homem os castra, o círculo de evolução da vida é interrompido,
impedindo que o fluxo da existência perpetue seu curso natural.

O artifício criado pelo homem de amar o próximo é um mecanismo que inibe a


realização da própria vida. Construir a vida a partir de artimanhas que manipulam a
própria natureza da existência é construir um método de conhecimento que orienta o
homem sempre mais ao vazio obscuro e ilimitado do nada, vazio e nada, que antecede o
princípio da geração do mundo. Retornando ao niilismo, o homem retorna a grande
confusão e desordem do caos.
O instinto primitivo humano, alterado pela civilização, causa o mal-estar, que em outras
palavras, é estar mal em si mesmo por não conhecer sua intrínseca natureza. Nos tempos
remotos, o homem primitivo seguia seu curso natural em relação com sua existência.
Posterior, a civilização age como reflexo de uma continua severidade externa que coíbe
as ações do instinto, daí surge o mal-estar, as neuroses e o desamor, porque organismo e
consciência estão ligados entre si. O dever moral, suprimindo o instinto, altera a
consciência, e, a consciência por sua vez compromete o organismo. No passado, o
homem primitivo, ligado ao seu instinto natural atribuía os infortúnios ao seu fetiche
por não cumprir seu dever, mas jamais culpava a si mesmo, assim reprimia seu fetiche,
mas nunca punia a si mesmo, porque o homem primitivo não tinha a neurose que tem o
homem civilizado.

Fonte: Amar o Outro em Freud - Psicanálise - Abordagens - Psicologado Artigos


http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/amar-o-outro-em-freud?
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