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1 – O que te levou a escrever?

Curiosamente foi o inverso. Você pode pensar: começou a escrever porque se


deu conta que escrevia bem. Português e produção de textos eram lacunas no meu
âmbito de habilidades. Eu poderia fazer todas as atividades escolares sozinho, mas
quando chegava na parte de produção de texto, não conseguia pensar em uma só frase,
nesse ponto, nunca tivera contato com a leitura de um livro, quando decidi fazer a
manutenção das minhas falhas comecei a ler e as ideias já conseguiam tomar vida na
escrita, porque existe um sistema a ser observado. Ao ver a formação de um time de
futebol, tem-se a ideia de como dispor os jogadores em campo, assim funciona com as
ideias, uma leva à outra.

2 – Quando você escreve?


Eu tenho algumas fases nesse aspecto, quando comecei, é como se pudesse
escrever a qualquer hora, sobre qualquer coisa e de qualquer jeito. A partir do
momento que você aumenta a bagagem de leitura e maturidade, já não é mais tão
simples produzir. Ainda é possível sentar e escrever sobre tudo e qualquer coisa, mas
não de qualquer jeito. O bloqueio criativo é um processo de autoavaliação. Eu quero
criar, mas não quer criar de qualquer jeito. Hoje eu escrevo quando alguma coisa me
empurra à ideia.

3 – Por que escrever?


Mesmo antes de me tornar leitor e posteriormente escritor, sempre tive uma
sensibilidade acentuada. Fui uma criança que gostava de deitar na grama e ficar
observando as estrelas. Nesse sentido, eu vejo a escrita como um corpo que eu posso
guardar a alma e todo esse sentimento que me atravessa com uma proporção
exorbitante, o texto é o único lugar que você pode guardar o seu infinito singular.

4 – Quando você escreve, pensa no leitor?


Ao meu ver, não é possível escrever sem pensar no leitor. É como se fosse mais
uma dicotomia de Saussure. Se eu escrever pensando que escrevo para um cachorro, o
conteúdo escolhido fica abstrato, vou imitar um cachorro ou vou fingir que o cachorro
pode entender a linguagem que eu uso com qualquer leitor? Se ele vai entender essa
linguagem, desfigura a ideia de cachorro e passa a ser um leitor comum, ou seja, é da
estrutura do discurso um locutor que fala a um receptor. O escritor quando volta ao
texto, deixa de ser apenas o escritor e passa a ser o seu leitor também. Bem como a
existência do texto, como eu vou lhe falar sobre um texto que não li? Se eu pegar
alguém que leu em meu lugar, terei um caminho abreviado do texto, mas esse
caminho, a ligação com o texto ainda existe. Se ninguém leu o texto, como saberemos
dele? É como se não existisse. O maior aparato criativo do escritor é o leitor, ainda que
esse leitor seja ele mesmo.

5 – As imagens e situações que você escreve, nascem de onde?


Particularmente, coisas bobas me aparecem atraente para compor alguma coisa,
pense no seguinte: um lápis caiu no chão e quebrou. Bem simples, mas um escritor
com um olhar poético pode observar como um sentimento que chamou o lápis
magneticamente e o partiu com a violência desse chamado, isto é, essa coisa boba de
um lápis caindo pode me remeter a uma história de amor.
6 – Sobre a prosa, o que é mais importante na verossimilhança?
A coesão, tudo é importante que se relacione com a verossimilhança em virtude
do valor que qualifica as unidades do produto textual que o autor busca. Isso há de
permitir de um sapo voe num âmbito inventado para que isso seja possível, a tomar a
prosa poética, por exemplo, mas ao traçar linhas mais lógicas da realidade, o valor da
imaginação deve corresponder a esse novo âmbito proposto, há, portanto, um limite da
invenção, a imaginação irá se pautar no palpável, no crível.
7 – Técnica ou imaginação, o que é mais importante?
A técnica é um produto que funciona como um guia evolutivo, tomemos um
soneto por exemplo: se eu me ater a escrever sonetos, vou aprender seu
comportamento estrutural e vou adquirir uma nova habilidade de escrita. Assim,
sucessivamente, com outros modelos textuais. A universidade te ensina a fazer, por
meio da técnica, resenhas, resumos, fichamentos, artigos. Agora, ela não é o único
recurso que o escritor dispõe, eu mesmo, gosto do verso livre, não só porque é mais
prático para traduzir o pensamento, como também atrai o leitor mais facilmente. Um
soneto clássico dificilmente teria um retorno das pessoas que me acompanham no
Instagram, já pelo verso livre é mais fácil. Mas o importante mesmo entre as duas é
que uma considere a outra e o conteúdo da ideia pensada. Um haikai pode gerar a ideia
de um romance, serão técnicas diferentes de uma mesma ideia, mas qual é o resultado
que eu quero?
8 – A universidade te ajudou a ser melhor escritor?
Sim, e eu escolhi o curso de português por acreditar nessa ajuda. A palavra é o
instrumento do escritor, então quanto mais eu sei dela, mais posso criar a partir desse
conhecimento, seja pelo viés técnico ou livre, o conhecimento sempre injetará
pertinência no resultado.
9 – Quais são as suas referências?
Tenho uma tríade principal: Vinicius de Moraes
Ferreira Gullar, Paulo Leminski:
Como já mencionei antes de gostar de observar as estrelas, descobrir esse texto
do Leminski já agiu em mim automaticamente como uma referência. Tenho
referências estrangeiras também, como o Shakespeare que me inspirou a escrever uma
peça, mas me concentro mesmo nos autores brasileiros em virtude da língua utilizada,
é mais fácil aprender a fazer poesia observando quem utiliza o mesmo código que eu.

10 – As tuas criações têm interferência da sua vivência?


Com certeza. O exercício da escrita e leitura nos incute um olhar poético, mas a
nossa vivência atua como um cenário de coisas dispostas, seja no cotidiano, seja do
próprio coração. Acredito que as coisas que mais gosto produzidas por mim, foram
aquelas que dialogavam diretamente com os meus sentimentos, há uma ideia que está
mais próxima de encontrar um leitor com uma experiência parecida.
11 – Ler os clássicos... Continue
Eles carregam tanto valor de pertinência que caminham por séculos, como o
Shakespeare, Machado de Assis, por exemplo. O que isso quer dizer? Há tanto que se
coletar em suas estruturas, imagens e discussões, que um clássico é seguramente uma
fonte rica de recursos. Como o italiano Italo Calvino nos sugere, por que ler os
clássicos? “Porque é melhor do que não ler”, e “um clássico é um livro que nunca
terminou o que tinha para dizer”, isto é, há sempre muito o que aprender. Se eu tenho
vontade de escrever poesia, preciso saber como as pessoas que são referência em
escrever poesia fazem, o que vale para outros gêneros também. A leitura de livros que
possuem referência no quesito sempre ter o que dizer, potencializa qualidades no seu
leitor, seja com a leitura somente, ou com a produção textual também, na fala.
Portanto, a leitura dos clássicos é um norte seguro de uma viagem que vai lhe devolver
o tempo de leitura dedicado.
12 – Como escrever poesia?
Depois de ler bastante o gênero para produzir uma bagagem de imaginação
tanto em relação ao conteúdo quanto à forma, daí em diante gosto de pensar que o
impulso inicial seja brincar, seja com o som, com o significado, com a imagem.
Fernando Sabino tem em seu epitáfio: “Nasci homem, morri menino”. Eu gosto de
retomar o meu eu menino para a produção de determinadas imagens poéticas, como a
questão de um pedaço de madeira virar uma espada e a tampa de panela o escudo.
Acerca da estrutura que escolho - o verso livre – por ser, para mim, a maneira mais
rápida de se fotografar um pensamento ligeiro. Existe um livro chamado Cartas um
jovem poeta de um autor austríaco chamado Rainer Maria Rilke, nessas trocas de
cartas ele fornece dicas primorosas acerque de por que escrever e como. E sobre
imagem poético, essa do Maria Quintana é genial: Aos que aí estão atravancando o
meu caminho \ eles passarão \ eu passarinho.

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