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MANUAL

ABLS
ADVANCED BARIATRIC LIFE SUPPORT
CURSO DE EMERGÊNCIAS BARIÁTRICAS
MANUAL
ABLS
ADVANCED BARIATRIC LIFE SUPPORT
CURSO DE EMERGÊNCIAS BARIÁTRICAS

FÁBIO ALMEIDA
EDUARDO LEMOS DE SOUZA BASTOS
JOÃO CAETANO DALLEGRAVE MARCHESINI
FÁBIO VIEGAS
Manual ABLS
ISBN: 978-65-992512-2-1
Publicado em 2022 pela DLR Serviços Médicos e Editoriais LTDA.
Direção editorial: Milton Artur Ruiz
Produção editorial e diagramação: Renata Ruiz
Secretaria e revisão: Camila Souza

DLR
Phone: +55 17 3304-7091
WhatsApp +55 17 991748716
E-mail: dlrserv@yahoo.com.br
EDITORES

FÁBIO ALMEIDA
Graduação em medicina pela Universidade Federal de Sergipe. Mestre em Tecnologia
Minimamente Invasiva e Simulação em Saúde - Unichristus – CE. Membro Titular da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), da Sociedade Brasi-
leira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL) e do Colégio Brasileiro
de Cirurgiões (CBC). Habilitação em Cirurgia Robótica pela Intuitive Surgical - Atlanta
(USA). Coordenador do SIGO - Serviço Integrado de Gastrocirurgia e Obesidade - Ara-
caju - SE – Brasil.

EDUARDO LEMOS DE SOUZA BASTOS


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e
do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Doutor em Cirurgia pela Univer-
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Professor
Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Marília, Marília/SP.

JOÃO CAETANO DALLEGRAVE MARCHESINI


Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná. Ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (gestão 2017-2018). Membro do Conselho
Executivo da International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders
(IFSO 2019-2023). Membro Internacional da American Society of Metabolic and Baria-
tric Surgery (ASMBS). Diretor Médico da Clínica Caetano Marchesini.

FÁBIO VIEGAS
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM),
da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL) e do
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cirur-
gia Bariátrica e Metabólica (Biênio 2021-2022). Membro da Câmara Técnica em Cirurgia
Bariátrica do Conselho Federal de Medicina. Médico Coordenador do Instituto Fábio
Viegas – Rio de Janeiro – RJ.
COLABORADORES

ALEXANDER CHARLES MORRELL


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Fellow da IFSO e ASMBS. Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). Coordenador da Residência em Cirurgia Geral da Rede D’Or São Luiz - SP.
Coordenador do Instituto Morrell – Centro Avançado de Tratamento e Cirurgia.

ALEXANDRE AMADO ELIAS


Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença/RJ. Residência Médica
em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo e Pós-Graduação em Cirurgia da
Obesidade pelo Hospital da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência.
Mestrado em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Doutorado em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro Ti-
tular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), da Sociedade Brasileira de Videocirurgia
(SOBRACIL) e da Sociedade Brasileira da Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Membro da International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders
(IFSO), da American Society for Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) e da Ameri-
can Robotic Society. Título de Especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo pelo Co-
légio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Ex-presidente do Capítulo-SP da SBCBM
(gestão 2013-2014). Membro da Diretoria Nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Bariátrica e Metabólica (gestões 2015-2022). Proctor do Programa de Cirurgia Bariátrica
Robótica na Rede D’Or do Hospital São Luiz Itaim, São Paulo/SP. Diretor médico do Ins-
tituto Garrido, São Paulo/SP.

ALMINO CARDOSO RAMOS


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Doutor em Cirurgia pela Universidade Fede-
ral de Pernambuco (UFPE). Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica
e Metabólica (SBCBM) (biênio 2013-2014). Ex-presidente da International Federation
for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders - IFSO (biênio 2018-2019). Fellow do
American College of Surgeons (ACS). Membro Internacional da American Society of Me-
tabolic and Bariatric Surgery (ASMBS). Diretor Geral da Gastro Obeso Center - Instituto
de Optimização Metabólica, São Paulo/SP.

ÁLVARO ALBANO DE OLIVEIRA NETO


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM),
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Di-
gestiva (SOBED). Especialista em Cirurgia Geral pelo CBC. Diretor Técnico Científico
da SBCBM (gestão 2023-24). Membro da Comissão de Cirurgia Bariátrica da Associação
Brasileira para Estudos da Obesidade – ABESO (gestão 2023-24). Coordenador do Curso
de Imersão em Cirurgia Laparoscópica e Endoscópica de Goiânia/GO.

ANDRÉ LUIZ GIOIA MORRELL


Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP). Residências Médicas em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo no Hos-
pital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Fellowship em Cirurgia Robótica
Oncológica HepatoPancreatoBiliar, Atrium Health Carolina’s Medical Center, Charlotte,
USA. Coordenador da Residência de Cirurgia Geral Rede D’Or São Luiz, São Paulo/SP.
Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robó-
tica – capítulo SP (gestão 2022-2023). Intuitive Surgical Proctor.

ANNA CAROLINA BATISTA DANTAS


Médica Cirurgiã da Unidade de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Disciplina de Cirurgia
do Aparelho Digestivo, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP). Membro Titular do CBC, CBCD e SBCBM. Fellow do American
College of Surgeons (ACS). Certificação em Área de Atuação em Cirurgia Bariátrica pela
Associação Médica Brasileira (AMB).

BRUNO MOREIRA OTTANI


Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBCD) e da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Fellow do American College of Surgeons
(ACS). Mestrando em Healthcare Management na University of North Carolina at Cha-
pel-Hill, USA. Gastromed - Instituto de Gastroenterologia Clínica e Cirúrgica de Brasília.

BRUNO SEARA SERRANO


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Residência
Médica em Cirurgia Geral e Videolaparoscopia. Membro Titular da SBCBM. Certificado
de Área de Atuação em Cirurgia Bariátrica pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Coordenador do Serviço de Cirurgia Bariátrica do Hospital Estadual Carlos Chagas – RJ.
Médico Cirurgião da Clínica Multidisciplinar Dr. Maurício Emmanuel, Rio de Janeiro/RJ.

CÁCIO RICARDO WIETZYCOSKI


Mestre em Ciências Cirúrgicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Membro Titular da SBCBM, CBCD e IFSO. Fellow Internacional da ASMBS. Certificado
em Área de Atuação em Cirurgia Bariátrica pela AMB. Cirurgião Bariátrico de Excelên-
cia pelo Surgical Review Corporation – SRC. Certificação IQ-III em Cirurgia Bariátrica
e Metabólica pela SBCBM. Diretor do Programa Bariátrico de Excelência do Hospital
Unimed Vale do Cai e do CEMTrOM.
CAROLINA DOS SANTOS RIBEIRO
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Residência
Médica em Cirurgia Geral e Videolaparoscopia. Membro Titular da SBCBM. Certificado
de Área de Atuação em Cirurgia Bariátrica pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Fellowship Member do American College os Surgeons (ACS). Cirurgiã do Serviço de Ci-
rurgia Bariátrica do Hospital Federal do Andaraí - RJ. Médica Cirurgiã da Clínica Multi-
disciplinar Dr. Maurício Emmanuel, Rio de Janeiro/RJ. Professora Auxiliar de Clinica Ci-
rúrgica na Faculdade de Medicina Estacio de Sá – IDOMED - Campus Vista Carioca- RJ.

EDUARDO DEMES DA CRUZ


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Ex-Presidente da Cooperativa dos Cirurgiões do Ceará. MBA em gestão hospitalar pela
Fundação Getúlio Vargas. Clínica Obesitrate, Unimed Fortaleza e Coocirurge.

EDUARDO LEMOS DE SOUZA BASTOS


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e
do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Doutor em Cirurgia pela Univer-
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Professor
Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Marília, Marília/SP.

ELIAS JIRJOSS ILIAS


Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Profes-
sor Titular do Núcleo de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Santo Amaro – UNISA.
Membro Titular da SBCBM, CBC E CBCD.

FELIPE MARTIN BIANCO ROSSI


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM),
do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD) e da International Federation for the
Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO). Vice-Presidente Regional do Capí-
tulo-SP da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica - SOBRA-
CIL (gestão 2018-2022). Membro da Diretoria do Capítulo-SP da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Bariátrica e Metabólica - SBCBM (biênio 2021-2022). Membro da Diretoria
Nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (biênio 2023-2024).
Coordenador do Centro de Cirurgia Bariátrica e Metabólica da Prefeitura Municipal de
São Caetano do Sul – SP. Professor da Discilplina de Cirurgia Geral da Universidade de
São Caetano do Sul (USCS). Coordenador Cirúrgico do Centro de Diabetes e Obesidade
da Mulher do Grupo Santa Joana (SP) e Cirurgião do Grupo RR Médicos Cirurgiões Ltda.
FELIPE PEÇANHA VENTO
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Presidente do capítulo do Ceará da SBCBM (gestão 2019-2020). MBA em gestão hospita-
lar pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Diretor técnico da clínica Obesitrate; Cirurgião
Geral e Bariátrico da Unimed Fortaleza e Hospital Geral Waldemar Alcântara.

FLÁVIO FONTES PIROZZI


Médico Endocrinologista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM). Mestre em Biociências/Genética pelo IBILCE/UNESP - São José do Rio Preto/
SP. Doutor em Ciências da Saúde pela FAMERP - São José do Rio Preto/SP. Membro da
Diretoria da Sociedade Brasileira de Diabetes – SP. Professor na Faculdade de Medicina
da UNILAGO – São José do Rio Preto/SP.

FLÁVIO KREIMER
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Mestre e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Profes-
sor Adjunto do Departamento de Cirurgia da UFPE.

GUILHERME DA SILVA MAZZINI


Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pós-
doutorado em Cirurgia Bariátrica e Metabólica pela Virginia Commonwealth University
- VCU, USA. Professor of Surgery, Division of Gastrointestinal and Bariatric Surgery, De-
partment of Surgery, Virginia Commonwealth University - VCU, Richmond, VA, USA.

GUSTAVO RODRIGUES ALVES CASTRO


Mestrado em Clínica Cirúrgica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista
em Cirurgia Geral pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Especialista em Cirurgia
do Aparelho Digestivo pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Certificado
de Área de atuação em Cirurgia Bariátrica pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Professor Assistente Cirurgia Geral, Faculdades Pequeno Príncipe, Curitiba/PR.

GUSTAVO SANTOS DE SOUSA


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialização em
Cirurgia Geral (Hospital Universitário Walter Cantídio – UFC) e Cirurgia do Aparelho
Digestivo (Hospital N. Sra. das Graças, Curitiba - PR). Mestre em Tecnologia Minima-
mente Invasiva e Simulação Realística na área de saúde (UniChristus – Fortaleza/CE).
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Professor da Disciplina de Bases da Técnica
Cirúrgica do curso de medicina da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
HAMILTON BELO DE FRANÇA COSTA
Mestre em cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Clí-
nica Cirúrgica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e da UNIFACISA
Centro Universitário. Membro do CBC, CBCD, SOBRACIL e SBCBM.

HEITOR PORTELLA PÓVOAS FILHO


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica - SBCBM.
Membro Titular e Especialista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB.
Coordenador Médico da Unidade de Terapia Intensiva, Hospital de Ilhéus/BA. Sócio-Di-
retor da Clínica BAROS - Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Salvador/BA.

JOÃO CAETANO MARCHESINI


Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná. Ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (gestão 2017-2018). Membro do Conselho
Executivo da International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders
(IFSO 2019-2023). Membro Internacional da American Society of Metabolic and Baria-
tric Surgery (ASMBS). Diretor Médico da Clínica Caetano Marchesini.

JOÃO VANILSON SARAIVA RIBEIRO


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Clínica Obesitrate. Hospital César Cals, Fortaleza/CE.

JOSÉ ALFREDO SADOWSKI


Especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Di-
gestiva (CBCD). Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Meta-
bólica (SBCBM), da International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic
Disorders (IFSO) e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Presidente do
Capítulo do Paraná da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (gestão
2023-24). Cirurgião Bariátrico da GastroCuritiba, Curitiba/PR.

JULIANO BLANCO CANAVARROS


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Diretor Societário da SBCBM (gestão 2021-2022). Vice-presidente da SBCBM (gestão
2023-2024). Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Mestre em Di-
reito Administrativo pela Universidade Estadual de São Paulo, Franca/SP.

LUCAS MANSANO SARQUIS


Graduação em Medicina pela Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, Curitiba,
Paraná. Cirurgião Geral e Cirurgião Vascular pelo Hospital do Trabalhador, Universidade
Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná.
LUCIANA TEIXEIRA DE SIQUEIRA
Mestrado e Doutorado em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da UFPE.

LUIZ FERNANDO CÓRDOVA


Mestre do Capítulo do Distrito Federal d Colégio Brasileiro de Cirurgiões - CBC (gestão
2022-2023). Diretor médico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
(gestão 2021-2022). Ex-presidente do Capítulo-DF da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Cirurgião Bariátrico acreditado pela World Medical
Accreditation (WMA) e SBCBM nivel de excelencia IQII. Especialização em Cirurgia
Geral e do Aparelho Digestivo. Membro Titular da IFSO, SBCBM e CBC.

LUIZ GONZAGA DE MOURA JUNIOR


Professor da Universidade Estadual do Ceará e do Centro Universitário Unichritus. Pre-
ceptor de Cirurgia do Hospital Geral César Cals e do Instituto Dr. José Frota. Coorde-
nador do Centro de Simulação Realística - UniChristus. Diretor Técnico do Núcleo do
Obeso do Ceará. Membro da Academia Cearense de Médicos Escritores.

LUIZ GUSTAVO DE QUADROS


Mestrado e Doutorado em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Kaiser Hospital Dia, São José do Rio Preto/SP. Hospital Beneficência Portuguesa de São
José do Rio Preto/SP. Hospital Estadual Mario Covas, Santo André/SP.

LUIZ VICENTE BERTI


Professor Convidado do Departamento de Cirurgia Área V da Santa Casa de São Paulo.

MARCELO FALCÃO
Graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado e Dou-
torado em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro Titular
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva
(CBCD), da Sociedade Brasileira de Videocirurgia (SOBRACIL), da Sociedade Brasilei-
ra de Endoscopia Digestiva (SOBED) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e
Metabólica (SBCBM). Membro da International Federation for the Surgery of Obesity
and Metabolic Disorders (IFSO) e da American Society for Gastrointestinal Endoscopy
(ASGE). Professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – EBMSP,
Salvador/BA. Diretor Médico do Instituto Falcão de Endoscopia e Cirurgia - IFEC, Sal-
vador/BA.
MARCELO PROTÁSIO
Residência Médica em Cirurgia Geral / Cirurgia do Aparelho Digestivo (Instituto de As-
sistência Médica ao Servidor Público do Estado - IAMSPE SP). Mestre em Ciências da
Saúde (IAMSPE SP). Observership em Cirurgia Digestiva e Bariátrica (Cleveland Clinic
Florida - EUA). Membro Efetivo do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD).
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Professor de Clínica Cirúrgica do Curso de Medicina da Universidade Tiradentes (UNIT).

MARCOS LEÃO VILAS-BÔAS


Graduação em Medicina e Residência em Cirurgia Geral pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Ex-Presidente (2019-2020), Membro Titular e Presidente do Conselho
Consultivo e Fiscal da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), da Sociedade Bra-
sileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL) e da Sociedade Bra-
sileira de Diabetes (SBD). Fellow da Salzburg Obesity Academy (Áustria), da Sociedade
Argentina de Cirurgia da Obesidade (SACO) e da International Federation for the Sur-
gery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO). Ex-professor de Cirurgia Abdominal
da Faculdade de Medicina da UFBA. Coordenador do Curso de Imersão em Cirurgia
Bariátrica Segura do Hospital Santo Amaro. Sócio-Diretor da Clínica BAROS - Cirurgia
Bariátrica e Metabólica, Salvador/BA.

MAURICIO EMMANUEL GONÇALVES VIEIRA


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro
Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), da Sociedade Brasileira de Videoci-
rurgia (SOBRACIL) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. Fellow
do American College of Surgeons (ACS). Membro da International Federation for the
Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO). Título de Especialista em Cirurgia
Videolaparoscópica pelo CBC e SOBRACIL. Certificado de Área de atuação em Cirur-
gia Bariátrica pela Associação Médica Brasileira (AMB). Título Especialista em Cirurgia
Robótica. Ex-presidente do Capítulo-RJ da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e
Metabólica (SBCBM). Ex-secretário da Diretoria Nacional da SBCBM. Coordenador da
Clínica Nova Meta – Metabologia e Diabetes, Rio de Janeiro/RJ. Diretor da Clínica Mul-
tidisciplinar Dr. Maurício Emmanuel, Rio de Janeiro/RJ.

OSVALDO ANTÔNIO PRADO CASTRO


Professor Doutor do Departamento de Cirurgia da Santa Casa de São Paulo/SP.

PAULO KASSAB
Professor Livre Docente pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo/SP.
RAUL ANDRADE MENDONÇA FILHO
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM),
do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD) e da Sociedade Brasileira de Endos-
copia Digestiva (SOBED). Certificação Internacional em Cirurgia Robótica pela Intuitive
Surgical - Atlanta, EUA. Fundador e Preceptor da Residência Médica em Cirurgia Geral
do Hospital de Urgências de Sergipe (HUSE). Coordenador do Centro Integrado de Tra-
tamento da Obesidade (CINTO) - Aracaju/SE.

ROBERTA GOUVEIA MENEGOTTO


Graduação em Medicina pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – RS). Residência
Médica em Cirurgia Geral na Pontifícia Universidade Católica (PUC – RS). Residência
Médica em Cirurgia do Aparelho Digestivo na Pontifícia Universidade Católica (PUC
– RS). Título de Especialista pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Médica Cirurgiã da
Clínica Multidisciplinar Dr. Maurício Emmanuel, Rio de Janeiro/RJ.

ROBERTO LUIZ KAISER JÚNIOR


Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Doutor e Professor da Pós-graduação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/
SP (FAMERP). Ex-Research Fellow da Cleveland Clinic Florida (USA). Ex-Clinical Fel-
low da Universidade Louis Pasteur (França).

ROLAND LAVIGNE DO NASCIMENTO


Especialista em Ultrassonografia Geral e Doppler pelo Colégio Brasileiro de Radiologia
(CBR). Membro Titular e Especialista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira
(AMIB). Médico da Unidade de Terapia Intensiva, Hospital de Ilhéus, Ilhéus/BA.

STEFANO FURLAN DI BIASE


Graduação em medicina pela Escola de Medicina Souza Marques. Residência Médica em
Cirurgia Geral no Hospital Geral de Ipanema, Rio de Janeiro/RJ. Cirurgião da Clínica
Multidisciplinar Dr. Maurício Emmanuel, Rio de Janeiro/RJ.

VITOR LOPES GIBARA


Graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro Titular da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e da Sociedade Brasi-
leira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL). Membro Associado do
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Médico Cirurgião do Instituto Falcão de Endos-
copia e Cirurgia - IFEC, Salvador/BA.
WILSON RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Mestrado e Doutorado em Cirurgia pela FCMS-
CSP. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SB-
CBM), do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), do Colégio Brasiliero de Cirurgia Di-
gestiva (CBCD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica
(SOBRACIL).

WILSON SALGADO JÚNIOR


Professor Associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo. Coordenador do Setor de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da Fa-
culdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP).
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e
do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Membro Regular da International
Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders – IFSO.
ÍNDICE

Prefácio 1
ABLS-01 O projeto ABLS-Brasil 3
ABLS-02 Segurança em cirurgia bariátrica - morbimortalidade perioperatória 5
ABLS-03 Anatomia básica das principais cirurgias bariátricas 13
ABLS-04 Dispositivos artificiais em cirurgia bariátrica 27
ABLS-05 Trauma abdominal no paciente bariátrico 37
ABLS-06 Diagnóstico precoce e conduta imediata em emergências bariátricas 55
ABLS-07 Dor abdominal em pacientes pós-bariátrica 63
ABLS-08 Radiologia em paciente bariátrico 73
ABLS-09 Ultrassonografia à beira do leito em urgência bariátrica 87
ABLS-10 Hemorragia digestiva em cirurgia bariátrica 101
ABLS-11 Endoscopia bariátrica de urgência e emergência 109
ABLS-12 Técnicas operatórias 117
ABLS-13 Abordagem cirúrgica do abdome agudo após cirurgia bariátrica 133
ABLS-14 Fístula após bypass e sleeve 161
ABLS-15 Obstrução intestinal pós-bariátrica 167
ABLS-16 Manejo intraoperatório do paciente com isquemia intestinal 181
ABLS-17 Outras causas de abdome agudo não relacionadas à cirurgia bariátrica 189
ABLS-18 Alterações nutricionais após cirurgia bariátrica 199
ABLS-19 Síncope e hipoglicemia 211
ABLS-20 Rabdomiólise e cirurgia bariátrica 219
ABLS-21 Tromboembolismo venoso 225
ABLS-22 Diarreia em pacientes bariátricos 237
ABLS-23 Condutas rápidas na sepse abdominal em obesos 249
ABLS-24 Hérnias internas em gestantes com cirurgia bariátrica 259
Pósfacio 267
1 ABLS Brasil

PREFÁCIO

Você nunca fará o diagnóstico de uma doença que você não conhece.

Essa foi a frase que usei repetidamente durante minhas quase quatro décadas de ma-
gistério em cirurgia do aparelho digestivo na Universidade Federal do Paraná e em quase
sessenta anos de vida profissional.
Realmente, é quase impossível identificar uma complicação aguda ou crônica em
pacientes submetidos à cirurgia bariátrica se o cirurgião geral, ou o socorrista, desconhece
os possíveis problemas que podem acompanhar um paciente bariátrico em sua jornada
cirúrgica.
Felizmente, cirurgiões virtuosos, com habilidades psicomotoras invejáveis, que são
verdadeiros artistas em sala de cirurgia, mas que exercem sua especialidade com pouco
conhecimento clínico são incomuns hoje em dia. Contudo, eles existem.
De maneira geral, cirurgiões bariátricos atualizam-se em congressos e cursos, acom-
panham a literatura médica corrente, muitas vezes sob as asas da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Bariátrica e Metabólica - nossa SBCBM.
Graças a todas essas fontes de informação, atualmente, é infrequente ver um cirurgião
bariátrico não perceber uma situação aguda ou crônica que invalide ou ponha em risco o
paciente bariátrico.
O primeiro socorro prestado a pacientes complicados na área de atuação em cirurgia
bariátrica, mais especificamente em serviços de pronto atendimento, tem ocorrido com não
desprezível frequência por colegas que desconhecem a cirurgia bariátrica e suas possíveis
complicações.
Não raro, dores abdominais recebem diagnóstico errôneo, assim como, um exame
de imagem pode ser equivocadamente interpretado. Em vários casos, o paciente chega
nas mãos dos especialistas em condições precárias, de alto risco. Contudo, isso poderia
ser evitado se fosse dada a oportunidade do conhecimento da área aos colegas socorristas
em geral.
Se olharmos para o passado próximo, nos últimos 30 anos, situações como hérnias
internas de “Petersen”, fístulas de “Ângulo de His”, hemoperitônio por sangramento de
2 ABLS Brasil

portais laparoscópicos e várias outras situações de urgência, eram pouco conhecidas nas
salas de emergência dos hospitais.
Com o decorrer dos anos, terminologias como essas passaram a fazer parte do coti-
diano de pronto-socorristas, de especialistas em imagem, de cirurgiões não especialistas
em cirurgia bariátrica e, até mesmo, dos bancos escolares universitários. Esse progresso
deu-se em função das repetidas discussões e ensinamentos em eventos da especialidade,
assim como das diversas publicações a esse respeito.
“Posters” em salas de emergência patrocinados pela SBCBM foram de grande ajuda aos
colegas e, principalmente, aos pacientes, os quais são a razão maior de todos esses esforços.
Respondendo a uma necessidade premente, a SBCBM organizou cursos denominados
Advanced Bariatric Life Support, ou ABLS, que, segundo seu próprio web site, define seus
propósitos da seguinte forma:
“O curso tem como objetivo orientar a correta avaliação, conduta e tratamento de
pacientes obesos mórbidos que foram submetidos previamente à cirurgia bariátrica e che-
gam aos hospitais para atendimento emergencial, decorrentes da cirurgia ou não. Entre
os temas que são abordados no curso estão a obesidade no Brasil, a anatomia da cirurgia
bariátrica, visão geral dos procedimentos bariátricos, avaliação do paciente, abordagem
das complicações e outros”.
Graças aos esforços de brilhantes colegas, os quais são seus editores e autores, pode-
mos agora ver nascer o manual do curso ABLS. Esta obra, rica em informações, deverá ser
livro de cabeceira de plantonistas em hospitais, a companhia inseparável de nossos novos
cirurgiões em obesidade e síndrome metabólica, assim como, livro de consulta e atualização
dos velhos guerreiros do mundo bariátrico.
Parabéns a esses estimados colegas e, principalmente, à nossa Sociedade Brasileira
de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

PROF. DR. JOÃO BATISTA MARCHESINI


Membro Fundador e Emérito da SBCBM
Mestre e Doutor em Clinica Cirúrgica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Professor Emérito da (UFPR)
3 ABLS Brasil

CAPÍTULO 01

O PROJETO ABLS-BRASIL
ADVANCED BARIATRIC LIFE SUPPORT

A cirurgia bariátrica e metabólica está consolidada como um tratamento seguro e


eficaz para a obesidade grave. O número total de cirurgias bariátricas realizadas no Brasil
tem crescido nos últimos anos e, consequentemente, a chance de um médico emergencista
deparar-se com um paciente bariátrico também tem aumentado. Tais casos podem ser o
resultado de complicações diretas do procedimento cirúrgico, precoces ou tardias, ou de
outras situações clínicas que demandem atendimento de urgência/emergência, nas quais
o histórico de cirurgia bariátrica pode requerer algum cuidado especial.
O princípio do ABLS Brasil é auxiliar médicos emergencistas no atendimento de
urgência/emergência ao paciente bariátrico por meio de um conjunto organizado de
informações especializadas. Esse programa visa melhorar a capacidade dos médicos
emergencistas, clínicos ou cirurgiões, na abordagem de pacientes submetidos à cirurgia
bariátrica, os quais encontram-se em situação de potencial risco, decorrente (ou não) do
ato cirúrgico, independentemente do momento de realização da cirurgia.
Desse modo, o ABLS Brasil tem por objetivo primeiro, a capacitação de profissionais
que atuem no atendimento de urgência/emergência bariátrica. Uma abordagem rápida,
correta e dinâmica é fundamental para determinar os procedimentos diagnósticos e te-
rapêuticos mais adequados, com a eficiência e eficácia que um atendimento emergencial
requer.
O ABLS pretende ser uma fonte de informação segura e eficiente para auxiliar todos
os colegas que trabalham na urgência/emergência, seja no julgamento diagnóstico ou na
conduta terapêutica dos pacientes bariátricos, lastreado em um modelo de informação
simples e objetiva, focado no médico clínico e no cirurgião não especialista. Apesar disso,
não basta que haja um conjunto de informações organizadas de maneira adequada, é preciso
que as informações alcancem seu objetivo principal, através do fácil acesso, da linguagem
simplificada e da eficiência necessários ao atendimento emergencial.
A SBCBM disponibilizará cursos de capacitação presencial e online, para que o con-
junto de informações científicas e práticas do ABLS seja convertido em um atendimento
qualificado ao paciente bariátrico. Assim, a SBCBM pretende certificar os hospitais cujo
4 ABLS Brasil

setor de atendimento de urgência/emergência estiverem adequadamente organizados e


com pessoal treinado no atendimento ao paciente bariátrico, sejam eles hospitais públicos
ou privados. A certificação de “Emergência Bariátrica” será emitida pela SBCBM e a infor-
mação de referenciamento especializado será disponibilizada para pacientes bariátricos e
associados da SBCBM através de seus canais de informação.
Embora uma estrutura física adequada seja igualmente importante, o ABLS manterá o
foco no treinamento médico. É preciso que médicos emergencistas tenham conhecimento
e treinamento para abordar as peculiaridades do paciente bariátrico na urgência/emergên-
cia. Afinal, não é necessário ser cirurgião bariátrico para oferecer um bom atendimento
inicial. Muitas vezes, a injustificável espera por um cirurgião bariátrico pode desencadear
desfechos desfavoráveis em pacientes que tenham sido previamente operados.
O curso ABLS terá um formato simples e objetivo, com aulas teóricas preparadas pelos
autores dos textos que constam neste manual. A disseminação deste conhecimento será
amparada e impulsionada pelos cirurgiões bariátricos e pelos capítulos da SBCBM com
acesso à plataforma digital desenvolvida especificamente para essa finalidade.
A disponibilização integral deste e-book e de uma plataforma de consulta aberta na
web (Plataforma ABLS Brasil), fará com que os colegas emergencistas tenham fácil acesso
à informação rápida e segura, ainda que estejam distantes de textos detalhados ou de uma
formação aprofundada em cirurgia bariátrica.
A SBCBM mantém um grupo de coordenadores para a implementação do programa e
de suas atualizações, com revisão periódica de textos e formatação de aulas. O ABLS Brasil
é um projeto dinâmico a ser atualizado constantemente, a partir da inserção de novos temas
e da revisão dos atuais, sempre com foco na melhoria da assistência prestada ao paciente
obeso operado e com necessidade de atendimento de urgência.

FÁBIO ALMEIDA / EDUARDO BASTOS


Coordenadores ABLS-Brasil - SBCBM
5 ABLS Brasil

CAPÍTULO 02

SEGURANÇA EM CIRURGIA BARIÁTRICA


MORBIMORTALIDADE PERIOPERATÓRIA

ANNA CAROLINA BATISTA DANTAS

Introdução
Operar um paciente com obesidade é um desafio para o cirurgião, não somente pelas
comorbidades associadas à obesidade, mas também devido às características anatômicas
e fisiológicas do obeso, as quais oferecem dificuldade técnica intra-operatória e pós-ope-
ratório passível de complicações bastante peculiares.
Com os avanços da cirurgia minimamente invasiva e o desenvolvimento de centros
de referência em cirurgia bariátrica, eventos adversos intra-operatórios e complicações
pós-operatórias têm sido cada vez mais raros, mas ainda apresentam grande variabilidade
a depender da técnica escolhida, do IMC e da experiência do cirurgião [1].

Complicações intra-operatórias
O manejo intra-operatório de pacientes com obesidade pode ser difícil mesmo nas
mãos de cirurgiões e anestesistas experientes, fato que pode aumentar o risco de compli-
cações e de eventos adversos. Algumas peculiaridades vivenciadas na prática são:
▶ Posicionamento: devido ao peso e ao diâmetro do abdome e dos membros, o
paciente deve ser bem posicionado na mesa cirúrgica, de formaa evitar lesões
nervosas, deslocamentos na mesa durante a cirurgia e rabdomiólise;
▶ Manejo da via aérea: aumento da circunferência cervical, extensão limitada da
coluna cervical e abertura restrita da boca, são alguns fatores que tornam a larin-
goscopia em obesos mórbidos seis vezes mais difícil do que na população geral [2];
▶ Farmacocinética das drogas: alguns anestésicos lipofílicos, como fentanil, mida-
zolam e sevoflurano, podem acumular-se nos adipócitos e proporcionar recir-
6 ABLS Brasil

culação plasmática com risco de rebaixamento de nível de consciência durante


a recuperação anestésica;
▶ Dinâmica respiratória: além do fato de obesidade em si causar a diminuição do
volume corrente pulmonar, o pneumoperitôneo sob altas pressões pode aumentar
a pressão intra-torácica podendo causar diminuição da capacidade funcional,
pneumotórax, enfisema e embolia gasosa;
▶ Conformação corporal: o excesso de tecido gorduroso torna a parede abdomi-
nal mais espessa, e isso gera dificuldade para a passagem dos trocáteres e para a
manipulação das pinças laparoscópicas. Além disso, a gordura visceral dificulta
a visibilidade e a manipulação das alças intestinais, o que pode aumentar o risco
de sangramento e lesões inadvertidas.
A incidência de complicações intra-operatórias geralmente varia entre 1% e 5%, a
depender da dificuldade técnica e da via de acesso. Eventos adversos durante a cirurgia
aumentam a incidência de conversão para cirurgia aberta, bem como de complicações
graves no pós-operatório.
Algumas complicações mais comuns são:
▶ Lesões durante o acesso à cavidade abdominal: o pneumoperitônio pode ser feito
de maneira fechada ou aberta, mas em pacientes com obesidade, é muito comum
a confecção de pneumoperitônio fechado com punção de agulha de Veress no
hipocôndrio esquerdo (ponto de Palmer). Mesmo assim, há risco de lesão visceral,
seja com agulha de Veress, trocater ou lise de bridas [3];
▶ Lesão em órgãos sólidos: a incidência de lesão esplênica é de cerca de 0,2%, sendo
mais comum no sleeve devido à tração e à dissecção do fundo gástrico. A lesão
hepática ocorre em até 0,4% dos casos, devido à proximidade da dissecção do
estômago, manobras de afastamento do órgão ou à tração dos trocarteres e das
pinças [4];
▶ Falha na reconstrução intestinal: é uma complicação rara, mas que implica em
reoperação. A rotação incorreta de alças intestinais pode acontecer durante ci-
rurgias com desvio intestinal, como: bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) e
duodenal switch. Isso pode formar um “O de Roux” e levar a um quadro carac-
terizado principalmente pelo vômito de conteúdo biliar [5];
▶ Conversão para cirurgia aberta: com incidência de 0,8%, a conversão é mais co-
mum após alguma complicação grave intra-operatória, tal como um sangramento
expressivo ou em pacientes com cirurgia prévia.
7 ABLS Brasil

As complicações intra-operatórias são mais comuns em pacientes superobesos (IMC


> 50 kg/m2), do sexo masculino, idosos e com síndrome metabólica. Algumas precauções
para a diminuição dos risco de complicações são: preparo pré-operatório multidisciplinar
com perda de peso, controle de comorbidades, avaliação anestésica cuidadosa, uso de
pinças e instrumentais adequados, posicionamento adequado dos trocarteres, plano de
disseção adequado e seguro em caso de aderências / bridas e anastomoses sem tensão [6]

Complicações pós-operatórias precoces


As complicações cirúrgicas podem ser precoces (até 30 dias após a cirurgia) ou tardias.
Complicações precoces intra-hospitalares, isto é, na mesma internação da cirurgia, ocorrem
em até 10% dos casos, variando conforme experiência do cirurgião e complexidade do caso.
As mais comuns são: fístula, sangramento, eventos cardiovasculares e tromboembolismo
venoso [7].
A fístula digestiva talvez seja a complicação mais temida pelos cirurgiões e pelos
pacientes, com incidência de 0,8 a 6% [8]. Em geral, aparece logo nos primeiros dias após
a cirurgia, mas na GV, a fístula da linha de grampeamento pode ser mais tardia [9]. Logo, a
maioria dos casos manifesta-se clinicamente após a alta hospitalar e, ainda, após a retirada
do dreno abdominal, quando esse é colocado. O quadro clínico pode variar de sintomas
inespecíficos, como febre baixa e desconforto abdominal, até sepse franca. O diagnóstico
pode ser confirmado através de exames de imagem - tomografia de abdome ou seriogra-
fia esôfago-gastrica. O tratamento inclui jejum, antibioticoterapia e procedimentos para
drenagem da cavidade. A abordagem cirúrgica de urgência depende da gravidade clínica
e da disponibilidade do serviço. Mais recentemente, o tratamento definitivo das fístulas
em cirurgia bariátrica tem sido feito por via endoscópica.
O sangramento pós-operatório pode ter tanto origem intra-luminal quanto in-
tra-cavitário e ocorrer em até 4% dos pacientes [10]. O sangramento das anastomoses pode
manifestar-se através de taquicardia, de melena e, menos comumente, de hematêmese.
O sangramento intra-abdominal, por sua vez, tem origem, de maneira geral, na linha de
grampeamento e pode apresentar-se através de sintomas inespecíficos como desconforto
e distensão abdominal. Geralmente, o sangramento precoce tem evolução auto-limitada
e o tratamento cirúrgico é reservado para casos mais graves, que apresentam repercussão
hemodinâmica.
O tromboembolismo venoso (TEV) é incomum (aproximadamente 0,4% dos ca-
sos), mas pode apresentar-se de várias formas: embolia pulmonar (EP), trombose venosa
profunda (TVP) ou trombose venosa porto-mesenterica (TVPM) [11]. A despeito de medidas
8 ABLS Brasil

preventivas como deambulação precoce, compressão pneumática e profilaxia farmacológica


com anticoagulantes, ainda não há um consenso acerca do melhor esquema de profilaxia
para TEV intra e pós-hospitalar [12]. Geralmente, a profilaxia farmacológica estendida (de
21 a 28 dias) é indicada para pacientes com maior risco, como super-obesidade (IMC > 50
kg/m2), antecedente de TEV, coagulopatia prévia ou atual, baixo status funcional e tempo
cirúrgico maior que 3 horas [13].
A mortalidade precoce em cirurgia bariátrica tem sido cada vez menor, com taxas
inferiores a 1% [14]. Cerca de 30%-50% dos óbitos resultam de EP aguda e maciça. Outras
causas de mortalidade são: infarto agudo do miocárdio, insuficiência respiratória e sepse.

Considerações finais
Pacientes bariátricos apresentam dificuldades técnicas e riscos específicos. Conhecer
esses riscos pode contribuir para a diminuição de complicações intra- e pós-operatórias por
meio da adoção de medidas de prevenção bem direcionadas. Complicações mais comuns
como fístula, sangramento, TEV e eventos cardiovasculares devem ser conhecidas pelos
profissionais que atendem pacientes portadores de obesidade, de forma a rapidamente
reconhecer e adequar intervenções terapêuticas.
9 ABLS Brasil

DICAS
▶ Pacientes bariátricos têm dificuldades técnicas peculiares asso-
ciadas ao peso;
▶ Preparo pré-operatório, instrumental adequado e técnica cuidado-
sa contribuem para a prevenção de complicações intra-operatórias;
▶ Complicações pós-operatórias hospitalares são infrequentes; a
maioria delas apresenta-se após a alta médica;
▶ A mortalidade operatória é baixa, mais comumente associada à
embolia pulmonar.
10 ABLS Brasil

Referências
1. Greenstein AJ, Wahed AS, Adeniji A, Courcoulas AP, Dakin G, Flum DR, et al. Preva-
lence of adverse intraoperative events during obesity surgery and their sequelae. J Am Coll Surg.
2012;215(2):271-7.e3. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2012.03.008.

2. Schumann R. Anaesthesia for bariatric surgery. Best Pract Res Clin Anaesthesiol.
2011;25(1):83-93. doi: 10.1016/j.bpa.2010.12.006.

3. Madan AK, Taddeucci RJ, Harper JL, Tichansky DS. Initial trocar placement and abdo-
minal insufflation in laparoscopic bariatric surgery. J Surg Res. 2008;148(2):210-3. doi: 10.1016/j.
jss.2007.08.029.

4. Flum DR, Belle SH, King WC, Wahed AS, Berk P, Chapman W, et at. Longitudinal Asses-
sment of Bariatric Surgery (LABS) Consortium. Perioperative safety in the longitudinal assessment
of bariatric surgery. N Engl J Med. 2009;361(5):445-54. doi: 10.1056/NEJMoa0901836.

5. Mitchell MT, Gasparaitis AE, Alverdy JC. Imaging findings in Roux-en-O and other
misconstructions: rare but serious complications of Roux-en-Y gastric bypass surgery. AJR Am J
Roentgenol. 2008;190(2):367-73. doi: 10.2214/AJR.07.2859.

6. Owers CE, Abbas Y, Ackroyd R, Barron N, Khan M. Perioperative optimization of patients


undergoing bariatric surgery. J Obes. 2012;2012:781546. doi: 10.1155/2012/781546.

7. Stenberg E, Szabo E, Agren G, Näslund E, Boman L, Bylund A, et al. Scandinavian Obesity


Surgery Registry Study Group. Early complications after laparoscopic gastric bypass surgery: results
from the Scandinavian Obesity Surgery Registry. Ann Surg. 2014;260(6):1040-7. doi: 10.1097/
SLA.0000000000000431.

8. Durak E, Inabnet WB, Schrope B, Davis D, Daud A, Milone L, et al. Incidence and mana-
gement of enteric leaks after gastric bypass for morbid obesity during a 10-year period. Surg Obes
Relat Dis. 2008;4(3):389-93. doi: 10.1016/j.soard.2007.11.011. Erratum in: Surg Obes Relat Dis.
2008;4(5):689.

9. Aurora AR, Khaitan L, Saber AA. Sleeve gastrectomy and the risk of leak: a systematic
analysis of 4,888 patients. Surg Endosc. 2012;26(6):1509-15. doi: 10.1007/s00464-011-2085-3.

10. Dick A, Byrne TK, Baker M, Budak A, Morgan K. Gastrointestinal bleeding after gastric
bypass surgery: nuisance or catastrophe? Surg Obes Relat Dis. 2010;6(6):643-7. doi: 10.1016/j.
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11. Jamal MH, Corcelles R, Shimizu H, Kroh M, Safdie FM, Rosenthal R, et al. Thromboem-
bolic events in bariatric surgery: a large multi-institutional referral center experience. Surg Endosc.
2015;29(2):376-80. doi: 10.1007/s00464-014-3678-4.
11 ABLS Brasil

12. Winegar DA, Sherif B, Pate V, DeMaria EJ. Venous thromboembolism after bariatric surgery
performed by Bariatric Surgery Center of Excellence Participants: analysis of the Bariatric Outcomes
Longitudinal Database. Surg Obes Relat Dis. 2011;7(2):181-8. doi: 10.1016/j.soard.2010.12.008.

13. American Society for Metabolic and Bariatric Surgery Clinical Issues Committee. ASMBS
updated position statement on prophylactic measures to reduce the risk of venous thromboembolism
in bariatric surgery patients. Surg Obes Relat Dis. 2013;9(4):493-7. doi: 10.1016/j.soard.2013.03.006.

14. Morino M, Toppino M, Forestieri P, Angrisani L, Allaix ME, Scopinaro N. Mortality after
bariatric surgery: analysis of 13,871 morbidly obese patients from a national registry. Ann Surg.
2007;246(6):1002-7; discussion 1007-9. doi: 10.1097/SLA.0b013e31815c404e.
13 ABLS Brasil

CAPÍTULO 03

ANATOMIA BÁSICA DAS PRINCIPAIS


CIRURGIAS BARIÁTRICAS
GUSTAVO SANTOS DE SOUSA

Introdução
Cirurgias bariátricas têm sido realizadas com cada vez mais frequência, uma vez que
a obesidade tem apresentado incidência crescente e alarmante nas sociedades modernas.
Essas operações têm mostrado resultados bastante satisfatórios com aceitáveis índices de
morbi-mortalidade.
No entanto, pacientes obesos mórbidos são diferentes: podem, eventualmente, apre-
sentar peritonite difusa, quando os sinais e os sintomas semiológicos clássicos somente
estarão evidentes tardiamente. Muitas vezes, esse processo ocasiona retardo no diagnóstico
e atraso em medidas terapêuticas essenciais e urgentes [1]. Esse atraso pode gerar riscos
adicionais e aumentar a gravidade de complicações que, de outro modo, poderiam ser
sanadas sem maiores óbices [2].
Para evitar tais situações, urge que os médicos plantonistas que fazem a abordagem
inicial às referidas complicações no atendimento de emergência, conheçam essas parti-
cularidades. Ao detalhar a anatomia e a técnica básica das operações bariátricas, o intuito
deste capítulo é trazer subsídio quanto ao seu entendimento e, por conseguinte, de suas
complicações. Aqui, a importância nunca é demasiada, visto que uma considerável fração
dos urgentistas não são cirurgiões e, portanto, a priori, não dispõem destas informações.

Anatomia básica do andar superior do trato digestório


A visão do cirurgião ao iniciar uma laparoscopia no andar superior do abdome inclui
o lobo esquerdo do fígado, o estômago ligado ao omento menor (até o fígado) e ao omento
maior, o baço e o cólon transverso, ligado abaixo ao seu mesentério, chamado mesocólon
transverso. Ao expor-se o mesocólon, pode-se ver o início do jejuno (Figura 1).
14 ABLS Brasil

Fig 1. Desenho esquemático da anatomia do andar superior do abdome.

Fig 2. Desenho esquemático das 4 porções do duodeno.


15 ABLS Brasil

Aqui, é importante destacar que, o duodeno - à exceção da sua primeira porção e de


parte da segunda - não é prontamente visualizado. Como melhor apresentado na figura 2,
sua maior parte é retroperitoneal e fica sob outros órgãos mais superficiais (cólon trans-
verso e seu mesentério).
Como o lobo esquerdo do fígado encontra-se repousado sobre o estômago, espe-
cialmente em sua porção mais proximal, o cirurgião emprega algum instrumento para
afastá-lo, como ilustrado por uma pinça nas figuras. Esse afastamento per se pode gerar
laceração e sangramento hepáticos, principalmente porque fígados com esteatose são
frequentemente mais friáveis.
A junção esofagogástrica não é prontamente visualizada. Isso porque o ligamento
frenoesofágico e um coxim adiposo a oculta, formando, assim um contínuo com o omento
menor. O espaço formado entre o fundo gástrico, o diafragma e o baço deve ser entendido
como o local mais frequente para o acúmulo de secreções, como nos casos de abscessos,
sangramentos ou fístulas - são as chamadas coleções subfrênicas.

Anatomia básica de uma gastrectomia vertical (sleeve)


Com pequenas variações técnicas entre diferentes cirurgiões, a gastrectomia vertical
(sleeve) é uma ressecção gástrica longitudinal, baseada na retirada do lado da grande

Fig 3. Desenho esquemático de uma gastrectomia vertical (sleeve).


16 ABLS Brasil

curvatura, desde um ponto próximo ao piloro até a região do ângulo de His (Figura 3). O
remanescente gástrico (manga gástrica) fica ao lado da pequena curvatura, junto ao omento
menor mantendo continuidade com o esôfago e o duodeno [3].
A operação não tem anastomoses gástricas, nem intestinais e nem desvios do trân-
sito, por não perder comunicação com o duodeno, fato que explica porque complicações
nutricionais nessas operações são menos frequentes [4].
A estenose do tubo gástrico (Figura 4), que caracteriza-se por estreitamento em
qualquer ponto do remanescente gástrico, pode causar disfagia e intolerância a sólidos,
pastosos e, por vezes, até a líquidos. É uma complicação mecânica que pode resultar da
gastrectomia vertical. Pode também ser o desfecho de uma secção muito próxima à pe-
quena curvatura, de sobressuturas que diminuem a luz gástrica ou ainda de torção ou de
angulação do eixo da manga gástrica.
A deiscência da linha de grampeamento (fístula) é outra complicação que torna-se
melhor compreendida ao conhecer a anatomia. A ocorrência dessa complicação pode estar
associada à estenose luminal, usualmente observada na incisura angular, o que leva a maior
pressão intra-luminal na porção proximal do estômago (Figura 5).

Fig 4. Desenho esquemático demonstrando segmento de estreitamento luminal


(estenose) em gastrectomia vertical.
17 ABLS Brasil

Fig 5. Desenho esquemático demosntrando o local mais frequente de deiscência de


linha de grampeamento (fístula) após sleeve e sua possível associação com estreita-
mento luminal na altura da incisura angular.

Fig 6. Desenho esquemático demonstrando a construção do pouch gástrico no


bypass gástrico.
18 ABLS Brasil

Anatomia de uma gastroplastia com Y-de-Roux (bypass gás-


trico)
Inicialmente, a operação do bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) é uma gastroplas-
tia, na qual o cirurgião separa o estômago em 2 câmaras, sendo uma pequena (chamada coto
gástrico — pouch, em inglês —, em continuidade com o esôfago, com aproximadamente
50 ml de volume), separada do restante do estômago (Figura 6). Não há ressecção gástrica.
No passo seguinte (Figura 7), o cirurgião secciona o jejuno. Na sequência, realiza-se uma
anastomose entre a porção distal do jejuno seccionado e o coto gástrico (Figuras 8 e 9).
Por fim, realiza-se uma anastomose entre a parte proximal do jejuno seccionado (chamada
de alça biliopancreática, por trazer a secreção proveniente do duodeno) e a alça jejunal
que foi levada ao coto gástrico (chamada de alça alimentar) (Figura 10). A alça comum
fica entre essa anastomose e o íleo distal. Observe que a alça comum, a biliopancreática e
a alimentar formam um “Y”, o chamado “Y-de-Roux” [5].
As complicações do bypass gástrico são variadas, algumas são melhor compreendi-
das ao conhecer-se, mais profundamente, sua anatomia. A chamada hérnia interna é um
exemplo disso. Contudo, é necessário corrigir uma simplificação feita com frequência: de
forma a facilitar o entendimento das ilustrações, costuma-se representar as alças jejunais
como sendo somente os segmentos intestinais, sem seu mesentério. Na verdade, todo
segmento de alça jejunal e ileal traz consigo seu mesentério, o qual contém artérias, veias,
nervos e linfáticos. Se observarmos a região do Y-de-Roux em detalhes e representarmos
o mesentério das alças, observaremos que forma-se uma “brecha”, uma passagem (Figura
11) a qual permite a entrada de um segmento qualquer de jejuno ou de íleo. Em princípio,
essas alças têm livre entrada e saída, mas eventualmente podem ficar presas (“encarcera-
das”); logo, duas consequências nefastas podem se desenvolver: um quadro de obstrução
intestinal (por angulação ou constrição de um segmento) e isquemia (até necrose) do
segmento herniado (Figura 12), a qual pode culminar em perfuração, peritonite, sepse e
óbito [6]. Há ainda uma outra brecha que também pode dar origem às hérnias internas; ela
forma-se entre o mesentério da alça alimentar e o mesocólon transverso.
Convém lembrar que, embora não seja mais rotineiro, alguns cirurgiões bariátricos
tinham como hábito a colocação de um um anel (geralmente siliconado) em torno do coto
gástrico, logo acima da anastomose. A intenção era que tal anel desempenhasse o papel
de um piloro e diminuísse a rapidez da passagem do alimento do coto gástrico para a alça
alimentar. Esse detalhe é importante para a compreensão de complicações em que o anel
pode erodir a totalidade da parede gástrica e causar hemorragia digestiva, úlceras, dor e
oclusão à passagem de alimentos. No entanto, a taxa de tal ocorrência é baixa (cerca de
1% na maior parte dos relatos).
19 ABLS Brasil

Fig 7. Desenho esquemático demonstrando a secção jejunal para


reconstrução do trânsito alimentar no bypass gástrico.

Fig 8. Desenho esquemático demonstrando a construção da anas-


tomose gastrojejunal do bypass gástrico.
20 ABLS Brasil

Fig 9. Desenho esquemático demonstrando a anastomose gastrojeju-


nal finalizada do bypass gástrico.

Fig 10. Desenho esquemático demonstrando a entero-entero-a-


nastomose, finalizando a reconstrução em “Y-de-Roux” do bypass
gástrico.
21 ABLS Brasil

Fig 11. Desenho esquemático demonstrando a passagem do segmento de intestino


delgado pelo espaço de Petersen após um bypass gástrico.

Fig 12. Desenho esquemático demonstrando hérnia interna aguda encarcerada no


espaço de Petersen, com isquemia.
22 ABLS Brasil

O bypass gástrico merece ainda consideração acerca do fato de o estômago ficar


dividido em 2. Uma das partes dele, o coto, continua conectada ao esôfago e permanece
acessível a endoscopias, enquanto a outra porção gástrica mantém-se ligada ao duodeno.
Assim, hemorragias do coto gástrico podem manifestar-se com hematêmese, enquanto
sangramentos do restante do órgão causarão melena. Seguindo o mesmo raciocínio, uma
obstrução intestinal alta que envolva o coto gástrico causa vômito, já o envolvimento da
alça biliar do Y-de-Roux, pode causar imensa distensão da porção exclusa do estômago
(até sua perfuração), mas, geralmente, sem vômito [7].

Anatomia básica de uma banda gástrica ajustável


Hoje, essa operação é cada vez menos empregada como técnica bariátrica; entretanto,
pacientes em pós-operatório tardio ainda podem apresentar-se em salas de emergência com
complicações. Em função da elevada incidência dessas complicações, além da frequente
necessidade de reoperações e da baixa eficácia na perda ponderal, essa operação tornou-se
preterida em relação às outras técnicas.
Nessa operação, coloca-se uma banda (como uma cinta) em torno da porção alta
(proximal) do estômago, de forma a criar uma pequena (50 ml) câmara gástrica (pouch)
em contiguidade com o esôfago, separada do restante do estômago (Figura 13). A banda
é siliconada, uma faixa inflável em sua circunferência interna pode ser ajustada através da
injeção ou da retirada de líquido de seu interior para permitir a calibração da passagem
do bolo alimentar. Para este ajuste, o cirurgião punciona um portal - usualmente colocado
no espaço subcutâneo do hipocôndrio esquerdo - que se comunica com a banda por meio
de um tubo conector.
Complicações frequentes da banda (descritas em outro capítulo) são a obstrução à
passagem do alimento e o seu deslizamento posterior (na qual uma porção alta do estômago
hernia através dela) (Figura 14). A banda pode, ainda, erodir a parede gástrica, perfurando-a
em quadro similar ao da erosão do anel de silicone do bypass gástrico.

Outras técnicas bariátricas


Em nosso país, outras operações bariátricas que não as mencionadas anteriormente
são pouco realizadas. Entre elas, destacam-se a cirurgia de Scopinaro e o duodenal switch,
referidas em conjunto como derivações biliopancreáticas. Suas complicações são relati-
vamente similares às do bypass gástrico, uma vez que têm em comum a gastroplastia e o
Y-de-Roux8. No entanto, no caso da Cirurgia de Scopinaro, a parte gástrica da operação
23 ABLS Brasil

Fig 13. Desenho esquemático demonstrando o posicionamento da banda gástrica


ajustável na porção superior (proximal) do estômago.

Fig 14. Desenho esquemático demonstrando o deslizamento (deslocamento da


posição normal) da banda gástrica ajustável.
24 ABLS Brasil

é uma gastrectomia distal (“antrectomia”) e, no caso do duodenal switch, a parte gástrica


da operação é uma gastrectomia vertical (sleeve).

Considerações finais
O médico que oferece o primeiro atendimento de uma emergência bariátrica pós-
-operatória deve sempre procurar saber qual foi a técnica operatória em questão, uma
vez que, tal informação permite inferir o diagonóstico com maior grau de precisão. Há
complicações que ocorrem com uma técnica, mas não com outra. A hérnia interna não
acontece no sleeve, por exemplo, mas pode ocorrer no bypass gástrico ou nas derivações
biliopancreáticas.
Alguns pacientes não sabem especificar a técnica de sua operação, mas por meio de
algumas perguntas simples, tal informação pode ser inferida. Perguntar, por exemplo, se
o paciente recebeu a recomendação pós-operatória de tomar polivitamínicos diariamente
para o resto de sua vida Em caso afirmativo, isto muito provavelmente significa que o pa-
ciente foi submetido a uma cirurgia com derivação intestinal, tais como o bypass gástrico
e a derivação biliopancreática. Palpação da região do hipocôndrio esquerdo pode também
revelar a presença de um portal subcutâneo que, no caso, indicaria a operação de banda
gástrica. Felizmente, muitos pacientes recebem de sua equipe bariátrica um relatório ou
uma carteira de paciente operado que contém essas informações. A SBCBM atualmente
recomenda e estimula o uso do aplicativo Barilife® que traz informações a respeito da téc-
nica, hospital, data e cirurgião que executou a cirurgia. Fazer essa averiguação é sempre
importante.
O conhecimento dos detalhes técnicos das operações bariátricas e de sua “anatomia”
é, portanto, imprescindível para a melhor compreensão das possíveis complicações, suas
particularidades e suas manifestações clínicas.
25 ABLS Brasil

DICAS
▶ Conhecer os detalhes técnicos das operações bariátricas e suas
alterações anatômicas é fundamental para uma rápida e eficaz investigação
de eventuais complicações;
▶ No atendimento de uma emergência bariátrica, procurar saber,
logo de início, a qual técnica cirúrgica o paciente foi submetido, uma vez que
essa informação direciona e facilita todo o raciocínio clínico a posteriori;
▶ O tempo decorrido entre os primeiros sintomas de uma compli-
cação bariátrica e a instituição das devidas medidas terapêuticas é fator
prognóstico determinante para o sucesso terapêutico;
▶ O paciente bariátrico tem dificuldades técnicas peculiares asso-
ciadas ao peso;
▶ Procure se informar se o paciente possui o registro no aplicativo
Barilife® da SBCBM.
26 ABLS Brasil

Referências
1. Campanile FC, Boru CE, Rizzello M, Puzziello A, Copaescu C, Cavallaro G, Silecchia G.
Acute complications after laparoscopic bariatric procedures: update for the general surgeon. Lan-
genbecks Arch Surg. 2013;398(5):669-86. doi: 10.1007/s00423-013-1077-2.

2. Hussain A, El-Hasani S. Bariatric emergencies: current evidence and strategies of mana-


gement. World J Emerg Surg. 2013;8(1):58. doi: 10.1186/1749-7922-8-58.

3. Clinical Issues Committee of American Society for Metabolic and Bariatric Surgery.
Sleeve gastrectomy as a bariatric procedure. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):573-6. doi: 10.1016/j.
soard.2007.06.009.

4. Hayes K, Eid G. Laparoscopic Sleeve Gastrectomy: Surgical Technique and Perioperative


Care. Surg Clin North Am. 2016;96(4):763-71. doi: 10.1016/j.suc.2016.03.015.

5. Berbiglia L, Zografakis JG, Dan AG. Laparoscopic Roux-en-Y Gastric Bypass: Surgi-
cal Technique and Perioperative Care. Surg Clin North Am. 2016;96(4):773-94. doi: 10.1016/j.
suc.2016.03.003.

6. Kassir R, Debs T, Blanc P, Gugenheim J, Ben Amor I, Boutet C, Tiffet O. Complications


of bariatric surgery: Presentation and emergency management. Int J Surg. 2016;27:77-81. doi:
10.1016/j.ijsu.2016.01.067.

7. Rausa E, Bonavina L, Asti E, Gaeta M, Ricci C. Rate of Death and Complications in Lapa-
roscopic and Open Roux-en-Y Gastric Bypass. A Meta-analysis and Meta-regression Analysis on
69,494 Patients. Obes Surg. 2016;26(8):1956-63. doi: 10.1007/s11695-016-2231-z.

8. Biron S, Biertho L, Lebel S et al. Biliopancreatic Diversion with Duodenal Switch: Surgical
Technique and Perioperative Care. Surg Clin North Am. 2016;96(4):815-26.

Todas as figuras relacionadas a este capítulo são de autoria do próprio autor.


27 ABLS Brasil

CAPÍTULO 04

DISPOSITIVOS ARTIFICIAIS EM CIRURGIA


BARIÁTRICA
MARCELO FALCÃO
VITOR LOPES GIBARA
ÁLVARO ALBANO DE OLIVEIRA NETO

Introdução
A obesidade tem se tornado um problema de saúde pública, no Brasil. Segundo dados
da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2020), 1 em cada 4 brasileiros adultos são portadores
de obesidade (25,6%) e mais da metade da população das capitais do país (60,3%) sofre
com excesso de peso. Dados sobre obesidade e excesso de peso em crianças e adolescentes
também são preocupantes [1].
A cirurgia bariátrica tem sido apresentada como uma opção segura e de alta eficácia,
sobretudo nos graus mais avançados da doença. Diversas técnicas cirúrgicas têm sido
empregadas com essa finalidade , das quais algumas fazem uso de dispositivos artificiais
que não são isentos de complicações, assim como outras técnicas bariátricas.
Esse capítulo tem como objetivo apresentar os dispositivos artificiais mais comu-
mente empregados no tratamento cirúrgico da obesidade, relacionando-os com eventuais
complicações que possam levar o paciente a buscar atendimento em serviços de urgência.

Anel de contenção
A colocação de um anel de contenção em torno do pouch gástrico de pacientes subme-
tidos ao bypass gástrico (bypass gástrico em Y-de-Roux - BGYR) (Figura 1) foi idealizada
na década 1980 para, acima de tudo, impedir a dilatação tardia desse pouch [2,3]. Além
disso, ela parece propiciar o esvaziamento mais lento do pouch gástrico em consequência
do estreitamento luminal provocado pelo anel, fato que pode aumentar mais rapidamente
a sensação de saciedade e ajudar a perda de peso e a diminuir a ocorrência da síndrome
de dumping. No entanto, diante da dificuldade de ingestão de alimentos sólidos, alguns
28 ABLS Brasil

pacientes optam pelo consumo de alimentos de baixa consistência (líquidos/pastosos) e


com alto teor calórico, o que acaba comprometendo o resultado final da cirurgia.
Ao longo do tempo, complicações ligadas ao uso do anel de silicone ao redor do
pouch gástrico foram observadas. O deslocamento do anel parece ser a complicação mais
frequente, fato que, geralmente, leva a quadros obstrutivos caracterizados por vômitos
alimentares. Além do desse deslizamento, também pode ocorrer erosão da parede gástrica
e migração do anel para dentro do lúmen, provocando, assim, quadros de dor epigástrica
e náuseas. A presença de anel estreito, de anel aberto e da inadequação deles, foram outras
complicações observadas em menor percentual [4]. A remoção cirúrgica ou endoscópica é
o tratamento mais usual diante dessas complicações.
Muito embora a colocação de um anel de silicone possa estar associada à maior
perda de peso mantida em longo prazo, as complicações decorrentes dela fazem com que
tal opção seja raramente utilizada hoje em dia. Atualmente, a tendência mundial é de não
se aplicar o anel de silicone em torno do pouch gástrico no bypass gástrico em Y-de-Roux.

Fig 1. Desenho esquemático mostrando um bypass


gástrico com anel de contenção em torno do pouch
gástrico.
29 ABLS Brasil

A informação de que um paciente foi submetido ao bypass gástrico com colocação


de anel de contenção é relevante para a investigação do quadro clínico em atendimentos
de urgência. A maior parte dos pacientes sabe se foi submetida ao bypass gástrico com ou
sem anel e pode fornecer tal informação. Caso o paciente não possa fazer essa afirmação
com precisão, a possível presença do anel deve ser investigada por meio de exames de
imagem (radiografia, tomografia ou endoscopia). De maneira geral, o anel de contenção
aparece como uma imagem circular (um “anel”) radiopaca no quadrante superior esquerdo
do abdome.
Os sintomas relacionados às complicações do anel são variáveis e vão de quadros clí-
nicos caracterizados por leve desconforto epigástrico à situações de vômitos incoercíveis,
desidratação/desnustrição grave e hemorragia digestiva.
Por fim, a presença de um dispositivo sintético (corpo estranho) como o anel de
silicone pode estar associada às fístulas crônicas internas, como as gastro-gástricas e gas-
tro-entéricas – as quais são geralmente ligadas à migração do anel.
O tratamento, na maior parte das vezes, consiste na retirada do dispositivo artificial.
A abordagem mais segura e frequente é a cirúrgica, preferencialmente a laparoscópica, na
qual o cirurgião deve localizar o dispositivo artificial, dissecá-lo da parede gástrica (“soltá-
-lo”), seccionar o dispositivo e retirá-lo. É altamente recomendável que seja feito o teste de
vazamento com solução com azul de metileno. A correção cirúrgica imediata deve suceder
qualquer escape. A retirada por via endoscópica, por sua vez, pode ser aplicável quando
parte do anel estiver no lúmen do pouch gástrico, mas isso requer um endoscopista com
bastante experiência nesse procedimento.

Banda gástrica ajustável


Introduzida no Brasil nos anos de 1990, a banda gástrica ajustável (BGA) é hoje uma
técnica praticamente em desuso. De maneira geral, esse procedimento consiste na coloca-
ção, geralmente por via laparoscópica, de um dispositivo (prótese) de material plástico que,
ao ser fechado, forma um “anel” ao redor da parede externa do estômago, bem próximo à
junção esofagogástrica. A BGA contém um balão inflável em sua porção interna que per-
manece conectada à um portal de ajuste, geralmente implantado no subcutâneo da região
sub-xifoidiana ou no flanco esquerdo do abdome (Figura 2).
Complicações mecânicas e infecciosas podem ocorrer após a BGA, bem como o
deslizamento da órtese do seu local de origem, podendo acontecer precocemente ou em
longo prazo.
30 ABLS Brasil

Fig 2. Desenho esquemático mostrando uma banda


gástrica ajustável, devidamente posicionada na porção
superior (proximal) do estômago.

O emergencista deve sempre considerar o deslizamento e a migração como principais


complicações durante a avaliação de um paciente portador de BGA. Haverá diferenças nas
apresentações dos quadros clinicos, da etiopatogenia da migração e do deslizamento da
banda gástrica. O médico responsável por atender um paciente portador de BGA também
precisa avaliar o local do portal de acesso da banda gástrica na parede abdominal, de forma
a investigar inflamações ou sítios de infecção. Assim como no anel de conteção em torno
do pouch gástrico do bypass gástrico, a presença e o posicionamento da banda gástrica
pode (e deve) ser investigada através de exames de imagem, como: radiografia (simples e
contratada), tomografia ou endoscopia digestiva alta.
No caso da ocorrência de episódios agudos de dor e vômitos incoercíveis quando
há suspeita de que esse quadro tenha relaçãocom a banda gástrica, deve-se realizar uma
punção semelhante ao “Portocath”. Dessa forma, será possível esvaziar toda a banda no
intuito de atenuar os sintomas decorrentes da constrição do lúmen gástrico. Esse simples
procedimento pode, em muitos casos, aliviar o quadro de urgência.
31 ABLS Brasil

Balão intragástrico
O balão intragástrico (BIG) é uma técnica endoscópica indicada, sobretudo, para o
manejo do sobrepeso e da obesidade grau 1 (IMC 30-35 kg/m2). Por vezes, também pode
ser usado como “ponte” para a perda de peso pré-operatória em pacientes com super-
-obesidade (IMC > 50 kg/m2). O Brasil é um dos países mais experientes no tratamento
de obesidade com BIG [5].
O BIG consiste na colocação de um balão de silicone no estômago por meio de endos-
copia digestiva. Uma vez posicionado no estômago, esse balão é preenchido com líquido
de coloração azul, em volume que varia de 400 a 700 ml (Figura 3). Opta-se pela adição
do azul de metileno uma vez que o corante serve como “marcador” em casos (raros) de
rompimento do balão. Nessa situação, o azul de metileno é absorvido pelo tubo digestório
e eliminado na urina (urina azulada ou esverdeada). Também há a possibilidade, conforme
informado pelo fabricante do dispositivo, de que este balão seja preenchido com ar; porém,

Fig 3. Desenhos esquemáticos mostrando os procedimentos de colocação e


retirada do balão intragástrico. A: realização da endoscopia digestiva alta;
B: preenchimento do balão intragástrico; C: balão posicionado dentro do
estômago; D: esvaziamento do balão intragástrico, por meio de endoscopia
digestiva alta; E: retirada do balão de dentro do estômago.
32 ABLS Brasil

esse tipo de balão é menos utilizado. Nesse caso, não haverá urina azulada ou esverdeada
em casos de rompimento.
Nos casos de suspeita de rompimento do balão (urina esverdeada e/ou relato da perda
de sensação do balão dentro do estômago pelos pacientes), os pacientes são orientados a
procurar, imediatamente, o serviço hospitalar de referência. Isso porque o balão rompido
deve ser retirado o mais breve possível, antes que migre para o intestino delgado, onde
sua retirada por endoscopia não será mais factível. Caso o balão já tenha migrado para o
intestino delgado, a retirada cirúrgica deve ser recomendada.
Outra complicação associada ao balão é a presença de vômitos incoercíveis, princi-
palmente nos primeiros dias após a colocação do balão (período de adaptação). Muitas
vezes, é necessária uma breve internação para hidratação venosa e para a administração
de medicamentos antieméticos. A indicação de retirada do balão em função dos vômitos
(explante precoce do dispositivo) é bastante incomum.
Por fim, a presença de dor abdominal intensa e de difícil controle, juntamente com
úlceras pépticas e ocorrência de hemorragia digestiva alta, podem ser motivo para explante
precoce do dispositivo intragástrico.
A retirada endoscópica tem como princípio a introdução de uma agulha para as-
piração do conteúdo e para sua retirada com pinça de tração. Esse não costuma ser um
procedimento complexo.

S o n da nas o - g ás t ri c a : c u i da d o s pa r a pas s ag e m e
posicionamento
Atualmente, independentemente da técnica utilizada, há uma tendência mundial
de não utilização da sonda nasogástrica (SNG) no pós-operatório imediato de cirurgia
bariátrica. Como regra geral, pacientes submetidos à cirurgia bariátrica não permanecem
com SNG durante a internação hospitalar pós-operatória.
No entanto, alguns pacientes podem retornar ao pronto-socorro / pronto-atendimento
após a alta hospitalar apresentando quadro clínico em que a colocação de uma SNG pode
ser benéfica, a depender do critério adotado pelo médico emergencista.
Em caso de pacientes mais recentemente submetidos ao bypass gástrico (até 60 dias
de pós-operatório), a passagem “às cegas” (sem orientação endoscópica) da SNG deve ser
evitada. Sempre que possível, a passagem deve ser guiada por endoscopia digestiva alta.
Em casos nos quais o auxílio da endoscopia não estiver disponível, sondas de menor calibre
devem ser utilizadas, sem jamais forçar a progressão caso haja resistência. Isso deve ser
33 ABLS Brasil

feito a fim de evitar-se perfurações do coto gástrico, na sua linha de grampo, rompimento
da anastomose e perfuração da parede da alça de delgado imediatamente após a anasto-
mose. A colocação da SNG deve ser auxialiada por uma endoscopia digestiva alta, diante
de qualquer dificuldade na passagem.
No período mais tardio de pós-operatório (> 60 dias), o implante da sonda tem
menor risco de provocar lesões/complicações e pode ser feito como de hábito (às cegas).
Da mesma forma, sempre que houver uma resistência na progressão, o ideal é adotar a
passagem assistida por endoscopia digestiva alta. Para pacientes com bypass gástrico com
anel de contenção, a progressão pode ser mais difícil, pois pode haver estreitamento no
coto gástrico próximo à região do anel. Nesses casos, a endoscopia pode ser mais frequen-
temente necessária.
A passagem de sondas nasogástricas em pacientes submetidos ao sleeve talvez impli-
que em menor risco de complicações em comparação com o bypass gástrico, sobretudo
devido à ausência da anastomose gastrojejunal. No entanto, os cuidados acima descritos
devem ser tomados, sobretudo, no período pós-operatório mais recente.

Considerações finais
Dispositivos artificiais têm sido utilizados, com bastante frequência, em procedi-
mentos bariátricos. Ao médico emergencista cabe conhecer quais são, como são aplicados
e quais as principais complicações relacionadas a eles, a fim de possibilitar diagnóstico
correto e conduta precoce.
34 ABLS Brasil

DICAS
▶ Atualmente, o anel de contenção em torno do pouch do bypass
gástrico não tem sido utilizado. Porém, ainda há muitos pacientes que
foram submetidos ao bypass com anel;
▶ Em casos de rompimento do balão intragástrico, a retirada en-
doscópica do dispositivo deve ser providenciada o mais breve possível;
▶ A passagem de sonda nasogástrica em pacientes em pós-ope-
ratório imediato de cirurgia bariátrica deve ser evitada, mas não é uma
contra-indicação absoluta.
35 ABLS Brasil

Referências
1. Ministério da Saúde do Brasil. Portal da Atenção Primária à Saúde. Pesquisa Nacional de
Saúde. Disponível em https://aps.saude.gov.br/ape/promocaosaude/. Acessado em fevereiro de 2022.

2. Fobi MAL, Lee H, Fleming A. The surgical technique of the banded Roux-en-Y gastric
bypass. J. Obes. Wgt. Reg. 1989; S(2): 99-102.

3. Fobi MAL, Lee H. Silastic ring vertical banded gastric bypass for treatment of obesity.
Two-years follow-up in 84 patients. J. Natl. Med. Assoc. 1994; 86(2): 125-8. PMID: 8169987.

4. Elias AA, Garrido-Junior AB, Berti LV, Oliveira MR, Bertin NTS, Malheiros CA, et al. De-
rivações gástricas em y- de- roux com anel de silicone para o tratamento da obesidade: estudo das
complicações relacionadas com o anel. ABCD Arq Bras Cir Dig 2011;24(4): 290-295. Doi: 10.1590/
S0102-67202011000400009.

5. Neto MG, Silva LB, Grecco E, de Quadros LG, Teixeira A, Souza T, et al. Brazilian Intragas-
tric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000
cases. Surg Obes Relat Dis. 2018;14(2):151-159. doi: 10.1016/j.soard.2017.09.528.

AGRADECIMENTO
Crédito da figura 3, relacionada ao texto desse capítulo: “© Dr Levent Efe, courtesy
of IFSO”. Figura disponibilizada para uso gratuito a todos os membros regulares da Inter-
national Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO).
37 ABLS Brasil

CAPÍTULO 05

TRAUMA ABDOMINAL EM PACIENTE


BARIÁTRICO
GUSTAVO RODRIGUES ALVES CASTRO
JOSÉ ALFREDO SADOWSKI
LUCAS MANSANO SARQUIS

Introdução
O trauma é uma das principais causas de morte no mundo. Anualmente, 5,8 milhões
de pessoas morrem em decorrência de algum tipo de trauma, principalmente em acidentes
de trânsito, quedas e agressões. As vítimas mais recorrentes dessas mortes são jovens do
sexo masculino em idade economicamente ativa [1].
A obesidade é uma doença que tem atingido a sociedade de forma avassaladora nos
dias atuais. Aproximadamente um terço da população mundial está acima do peso [2]. No
Brasil, conforme dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônica
por Inquérito Telefônico (VIGITEL), 18,9% da população está acometida pela obesidade[3].
O paciente obeso, por apresentar maior quantidade de gordura visceral e de subcutâ-
neo, provavelmente possui alguma “proteção” contra traumas, além de apresentar menor
incidência de lesões do trato gastrintestinal e necessidade de abordagem cirúrgica[4]. Entre-
tanto, pacientes obesos que sofreram politraumas apresentam pior evolução e recuperação
pós-operatória quando submetidos aos tratamentos cirúrgicos [5]. A dificuldade técnica das
abordagens cirúrgicas é outro fator negativo para pacientes bariátricos vítimas de trauma [6].
O tratamento cirúrgico aplicado à obesidade é atualmente aquele responsável pelos
melhores resultados no que diz respeito à perda de peso sustentada, controle de comorbi-
dades e aumento da qualidade de vida [7]. O Brasil é o segundo país em número de pacientes
operados, fica apenas atrás dos Estados Unidos. Desde 2001, a cirurgia bariátrica faz parte
do rol de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), em 2017, mais de 100 mil pessoas
foram submetidas a alguma modalidade de cirurgia bariátrica [8].
38 ABLS Brasil

Sendo assim, o objetivo do presente capítulo é discutir as principais apresentações


clínicas do trauma abdominal em pacientes bariátricos, com foco nas orientações clínicas
e técnicas para a abordagem desse grupo de pacientes.

Trauma abdominal contuso


O trauma abdominal contuso caracteriza-se pela não penetração da cavidade abdominal
pelo agente agressor. Lesões de órgãos ocorrem por mecanismos de desaceleração, contragolpe
ou transmissão direta da energia pela parede abdominal. Esse tipo de trauma é a principal
causa de atendimento por trauma abdominal, tendo em sua maioria relação com acidentes
automobilísticos (aproximadamente 75%), agressões físicas (15%) e quedas. A prevalência de
lesões em vísceras abdominais em trauma contuso é de 13%; o baço é o órgão mais acometido
(40-55% das lesões), seguido pelo fígado (35-45%) e pelo intestino delgado (5-10%) [9,10].
Paciente obesos apresentam algumas particularidades quanto ao trauma contuso do
abdome. Existe menor incidência de lesões de órgãos abdominais e menor necessidade de
abordagem cirúrgica em pacientes com IMC ≥ 40 kg/m2, ao compararmos com pacientes
com IMC ≤ 18,5 kg/m2; tal fato tem sido descrito como “paradoxo da obesidade” [4]. Acre-
dita-se que maiores quantidades de gordura subcutânea podem simular o efeito de um
“airbag” e absorver parte da energia cinética. A gordura visceral e o omento mais espesso,
por sua vez, protegeriam os órgãos intra-abdominais [11].
Porém, em casos de pacientes com trauma abdominal contuso grave submetidos
ao tratamento cirúrgico, a obesidade é considerada fator de risco independente para
complicações, para maior tempo de permanência hospitalar e para taxas mais elevadas
de mortalidade. Tais pacientes apresentam com maior frequência falência múltiplas de
órgãos, insuficiência renal, insuficiência respiratória aguda e infarto do miocárdio [12-14].
De acordo com dados encontrados na literatura médica, o paciente submetido à
cirurgia bariátrica poderá apresentar situações clínicas diversas. Irá comportar-se como
obeso no pós-operatório recente, apresentando riscos e benefícios que a obesidade parece
demonstrar no trauma contuso ou apresentar-se como um paciente com IMC normal ou
sobrepeso, com as vantagens e desvantagens dessa situação.

Avaliação e conduta no trauma abdominal contuso


A avaliação do paciente bariátrico, obeso ou não, vítima de múltiplos traumas, pode ser desafiadora
em função das condições clínicas associadas a ele e também das limitações estruturais dos centros de trauma.
39 ABLS Brasil

Essas vítimas podem apresentar maior prevalência de doenças associadas à obesida-


de, assim como quadros de desnutrição calórico-proteica e de deficiência de vitaminas e
minerais relacionados ao pós-operatório da cirurgia bariátrica. Somam-se ainda a elas, as
limitações físicas e estruturais presentes na maior parte dos hospitais que atendem doen-
tes bariátricos. Tal fato, acarreta dificuldade de transporte, de acomodação, de realização
de exames complementares e até de comprometimento do tratamento cirúrgico aplicado
a esses pacientes[9]. Cirurgiões de trauma deverão obter informações acerca do tipo de
procedimento bariátrico realizado e sobre o tempo do pós-operatório, afim de pontuar
alterações anatômicas, fisiológicas e nutricionais.
A avaliação inicial em pacientes bariátricos, assim como em todos pacientes vítimas
de trauma abdominal contuso, é baseada no ABCDE do trauma. A solicitação de exames
complementares depende da condição hemodinâmica, dos sinais de peritonite e da resposta
inicial à reposição volêmica dos pacientes [10].
Em situações de instabilidade hemodinâmica, é prioritário identificar se lesões ab-
dominais ou pélvicas são a causa do choque, de forma a proceder-se com o tratamento
adequado. Isso pode ser feito através do lavado peritoneal diagnóstico (LPD) ou de ultrasso-
nografia focada para o trauma (FAST – Focused Assessment with Sonography for Trauma).
O LPD é um método de exame invasivo que tem como vantagens a rapidez de execu-
ção, a boa sensibilidade para sangramentos e a possibilidade de identificação de lesões de
vísceras ocas. Suas principais desvantagens são os riscos associados a procedimentos inva-
sivos, baixa sensibilidade global e impossibilidade de identificação de lesões diafragmáticas
ou órgãos retroperitoneais. A obesidade e a presença de cirurgias prévias, principalmente
cirurgias abertas, são consideradas contra indicações para a realização desse procedimento,
uma vez que tais características aumentam a dificuldade da sua execução.
O FAST é um exame ecográfico não invasivo de rápida execução, que pode ser repetido
durante a avaliação de pacientes politraumatizados; porém, é dependente de treinamento de
operadores. O exame não avalia de maneira adequada possíveis lesões de vísceras ocas, de
retroperitônio e de diafragma; além de ser limitado em casos de pacientes com obesidade.
Pacientes obesos podem apresentar aumento significativo do tecido subcutâneo, fato que
atenua as ondas sonográficas e limita a avaliação de estruturas mais profundas no abdome.
O FAST avalia 4 regiões: espaço hepatorrenal, espaço esplenorrenal, pelve e pericárdio; seu
objetivo principal é identificar o líquido livre na cavidade peritoneal.
Em situações de trauma abdominal contuso, de estabilidade hemodinâmica e de
ausência de indicações imediatas para laparotomia exploradora (LE), o melhor exame
complementar é a tomografia computadorizada (TC) de abdome total com contraste
endovenoso, a qual possibilita a avaliação e a classificação de lesões de órgãos sólidos,
40 ABLS Brasil

além de poder fornecer sinais indiretos de lesões de vísceras ocas. Infelizmente, diversos
hospitais com foco em atendimento ao trauma não possuem aparelhos de tomografia que
tenham suporte para cargas de peso maiores, o que limita a aplicação mais generalizada
desse procedimento.
A figura 1 demonstra o fluxograma do manejo de pacientes vítimas de trauma con-
tuso abdominal. A abordagem dependerá, sobretudo, da estabilidade clínica do paciente.
Pacientes instáveis e com trauma isolado poderão se beneficiar da realização do FAST
antes mesmo da indicação de LE. Entretanto, caso o exame físico seja incisivo, pacientes
instáveis com trauma isolado de abdome poderão ser levados diretamente para LE. Pacien-
tes politraumatizados e hemodinamicamente instáveis terão indicação de LE, se houver a
presença de líquido livre, observado através do FAST ou de LPD. Caso o FAST ou o LPD
sejam negativos, deve-se buscar outras fontes de sangramento: tórax, pelve, ossos longos
etc. Diante da dificuldade de exclusão de focos de sangramento abdominais, pacientes ba-
riátricos com manutenção do quadro de instabilidade hemodinâmica e sem outros focos
de sangramento devem ser submetidos à LE.

Fig 1. Fluxograma do manejo no trauma abdominal contuso (fechado).


41 ABLS Brasil

Pacientes hemodinamicamente estáveis e que apresentem alteração no exame físico


abdominal devem ser submetidos à TC de abdômen total. Caso esse exame não apresente
alterações, indica-se a observação clínica seriada. Pacientes hemodinamicamente estáveis-
submetidos à TC e que apresentem lesões de órgãos sólidos (fígado, baço, rim e pâncreas),
poderão ser submetidos ao tratamento conservador (não operatório).
Deve-se enfatizar que a TC apresenta restrições quanto ao peso máximo do paciente.
Esse fator é um importante limitador para a indicação do exame em caso de pacientes bariá-
tricos. Portanto, para os que não conseguem realizar a TC de abdome total, a transferência
para um centro de trauma capacitado deve ser avaliada. A transferência para realização
de exames complementares só deve ser considerada para pacientes bariátricos hemodina-
micamente estáveis e não deverá atrasar o tratamento de outras lesões traumáticas graves.
O tratamento conservador, ou não operatório, começou a ganhar notoriedade e
reconhecimento entre os cirurgiões do trauma após a obtenção de bons resultados por
cirurgiões pediátricos durante o tratamento conservador de lesões esplênicas de modo
conservador em crianças politraumatizadas [15]. Para realizar o tratamento não operatório
é importante identificar e classificar essas lesões com apoio de exames de imagem. Tais
lesões são classificadas de acordo com orientações da AAST (American Association for
the Surgery of Trauma) [16]. Os graus de classificação das principais lesões de órgãos sólidos
são apresentados nas tabelas 1, 2 e 3, apresentadas ao final deste capítulo.
O tratamento não operatório pode ser aplicado com maior taxa de sucesso em casos
de lesões grau I a IV na classificação AAST, contanto que preencham alguns critérios:
estabilidade clínica-laboratorial; ausência de lesões concomitantes com indicação para tra-
tamento cirúrgico; presença de leito de terapia intensiva para monitoramento de paciente;
equipe de cirurgia de trauma disponível para realizar tratamento cirúrgico, se necessário [14].
A condução do tratamento conservador de lesões de órgãos sólidos em pacientes ba-
riátricos apresenta as mesmas indicações, porém com algumas particularidades. Pacientes
submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) ou a cirurgias disabsortivas, apre-
sentam maior tendência à anemia por deficiência de ferro; eles podem apresentar menores
reservas fisiológicas em situações de sangramentos agudos. Portanto, podem apresentar
maior necessidade de transfusões de hemocomponentes e indicação mais precoce para
tratamento cirúrgico.
Caso seja necessário realizar esplenectomia de emergência no trauma abdominal
de pacientes pós bypass gástrico, a manipulação cirúrgica prévia pode gerar dificuldades
adicionais. Porém, não há necessidade de ressecção conjunta do estômago excluso, exceto
em situações de comprometido vascular ou de lesão dele.
42 ABLS Brasil

Trauma abdominal penetrante


O trauma abdominal penetrante ocorre quando o agente agressor penetra a cavidade
abdominal e causa lesão direta e indireta de estruturas. Ferimentos por arma branca e por
projéteis de arma de fogo de baixa energia provocam lesões diretas por laceração e rotura,
enquanto projéteis de arma de fogo de alta energia podem transferir maior energia cinética
e causar lesões de trajeto por mecanismo de cavitação temporária. Nos casos de ferimentos
por arma branca, os órgãos mais frequentemente acometidos são: fígado (40% dos casos),
intestino delgado (30%), diafragma (20%) e cólon (15%). Já em casos de ferimentos por
projéteis de arma de fogo, os principais órgãos envolvidos são: intestino delgado (50%) e
cólon (40%) [10].
Pacientes obesos vítimas de ferimentos penetrantes por arma branca possuem menores
taxas de penetração da cavidade abdominal se comparados com indivíduos não obesos[15].
Lesões por arma branca têm trajeto linear, fato que possibilita inferir quais estruturas foram
lesadas a partir do orifício de entrada.
Ferimentos penetrantes por arma de fogo, por sua vez, não têm o mesmo comporta-
mento de armas brancas: além da perfuração, há a lesão térmica. Após penetrar a cavidade,
há a alteração do trajeto devido à densidade dos tecidos; portanto, não é possível deduzir
as lesões causadas pelo projétil [5].

Avaliação e conduta no trauma abdominal penetrante


Todos os pacientes vítimas de trauma devem ser abordados, inicialmente, através da
sequência do ABCDE orientada pelo ATLS [10]. Após a abordagem inicial, deve-se refletir
a respeito do mecanismo do trauma. A depender do estado hemodinâmico, os pacientes
são separados em dois grupos: estáveis ou instáveis. Vale a pena ressaltar a importância de
o cirurgião de trauma obter detalhes sobre a cirurgia bariátrica realizada e sobre o acom-
panhamento pós-operatório do paciente.
A abordagem cirúrgica imediata é indicada para pacientes com ferimentos abdominais
penetrantes e hemodinamicamente instáveis. Por outro lado, existe um fluxograma a ser
seguido em casos de pacientes hemodinamicamente estáveis.
O FAST continua sendo uma importante ferramenta aplicada ao trauma penetrante
do abdome; porém, a tomografia computadorizada é o padrão ouro para pacientes hemo-
dinamicamente estáveis. O objetivo desse exame é estudar o trajeto do projétil e ajudar no
planejamento cirúrgico.
43 ABLS Brasil

Existe, ainda, a possibilidade de realização da exploração digital para avaliar a penetração


da cavidade peritoneal em caso de ferimentos por arma branca penetrantes em abdome ante-
rior. Essa abordagem, no entanto, pode ter baixa acurácia em pacientes bariátricos que ainda
apresentem obesidade significativa. Mesmo que haja penetração da aponeurose anterior, existe
a possibilidade de conduta expectante com exames laboratoriais e com exame físico seriado.
Em caso de trauma abdominal penetrante, deve-se considerar a laparotomia explora-
dora (LE), a depender das seguintes situações: instabilidade hemodinâmica (hipotensão),
indicativo de penetração da cavidade peritoneal (em ferimentos por projétil de arma de
fogo), evisceração, hemorragia digestiva alta ou baixa, hemorragia do trato urinário e
pneumoperitônio [7].
É essencial que o cirurgião de trauma consiga identificar as estruturas envolvidas em
pacientes bariátricos, já que sua anatomia foi alterada após o procedimento.
Deve-se identificar as alças comum, biliopancreática e alimentar para pacientes subme-
tidos ao bypass gástrico (Figura 2) ou aos procedimentos disabsortivos, com reconstrução
do trânsito alimentar em Y-de-Roux, tais como: cirurgia de Scopinaro (Figura 3) e duodenal
switch (Figura 4). Para tanto, é preciso localizar a válvula ileocecal e percorrer as alças de

Fig 2. Desenho esquemático de um bypass gástrico em


Y-de-Roux (bypass gástrico).
44 ABLS Brasil

Fig 3. Desenho esquemático de uma derivação bilio-pancreá-


tica clássica (Cirurgia de Scopinaro).

Fig 4. Desenho esquemático de uma derivação bilio-


pancreática, tipo duodenal switch.
45 ABLS Brasil

forma a confirmar a anatomia cirúrgica. Além disso, é importante mensurar a extensão


de cada componente intestinal do Y-de-Roux antes de proceder-se com o tratamento de
eventuais lesões traumáticas do intestino delgado.
Apesar de estarem em processo de regulamentação pelo Conselho Federal de Medici-
na (CFM), as cirurgias de anastomose única, como bypass gástrico com anastomose única
(OAGB) ou duodenal switch com anastomose única (SADI-S), estão presentes na prática
clínica; diante desses casos, é importante determinar o tamanho da alça comum e o ponto
exato da anastomose. Isso também pode ser realizado ao localizar-se a válvula ileocecal e
ao percorrer-se as alças de delgado até identificar o ponto das anastomose gastrojejunal
(OAGB) ou duodenoileal (SADI-S). Esse processo é utilizado para determinar com segu-
rança a mudança anatômica promovida pelo procedimento cirúrgico.
O tratamento das lesões de delgado em pacientes bariátricos irá depender, princi-
palmente, do local do segmento acometido: alça alimentar, alça biliopancreática ou alça
comum, da extensão da lesão e da quantidade de segmentos viáveis remanescentes. Em
pacientes com acometimento extenso ou múltiplo da alça alimentar, deve-se avaliar a ne-
cessidade de reposicionar o local do Y-de-Roux, de modo a reconstruir a alça alimentar e,
assim, manter a funcionalidade da cirurgia bariátrica, sempre que possível. Porém, o mais
importante é garantir a função absortiva do intestino.Uma ressecção segmentar com anas-
tomose primária é o tratamento de eleição quando a alça biliopancreática está envolvida
(segmento excluso). É preciso avaliar a extensão da ressecção necessária desse segmento,
procurando manter um comprimento mínimo da alça entre 200 e 300 cm em lesões da alça
comum para reduzir o risco de síndrome do intestino curto e má absorção. O comprimento
mínimo da alça comum também guarda relação com o comprimento da alça alimentar.
Um comprimento total entre 350 e 400 cm (somados os comprimentos da alça alimen-
tar e da alça comum) pode ser considerado seguro para evitar transtornos nutricionais.
Portanto, pode-se reposicionar a anastomose do Y-de-Roux (êntero-êntero-anastomose)
para alongar o comprimento da alça comum e melhorar a função absortiva. Lesões da alça
comum em pacientes submetidos a derivações biliopancreáticas, tipo duodenal switch
ou Scopinaro, ou em pacientes com cirurgia de anastomose única (OAGB ou SADI-S)
devem ser avaliadas com muito cuidado, pois qualquer ressecção poderá desencadear
quadros de má absorção intestinal. Nesses casos, é quase sempre necessário reposicionar
o Y de Roux ou o local da anastomose única para alongar a alça comum e para atingir os
valores mínimos de comprimentos intestinais recomendados. Não existe padronização das
técnicas de BGYR, das técnicas disabsortivas nem tampouco das técnicas de anastomose
única; portanto, é importante identificar e medir os segmentos de delgado antes de iniciar
o tratamento definitivo das lesões identificadas.
46 ABLS Brasil

A sutura primária parece ser a abordagem mais adequada para lesões únicas de
delgado que envolvam menos de 50% da circunferência do órgão, independentemente da
localização da lesão.
Lesões penetrantes envolvendo o estômago são mais raras e o tratamento cirúrgico
também depende da localização e da extensão do acometimento. Lesões do pouch gástrico
em pacientes submetidos ao BGYR ou OAGB podem necessitar de ressecção segmentar
com confecção de nova anastomose gastrojejunal até ressecção total do pouch, a depender
do tamanho e da localização da lesão. Lesões que envolvam o estômago excluso, por sua
vez, podem ser resolvidas, na maior parte dos casos, com o fechamento primário da lesão.
Em casos de gastrectomia vertical (sleeve) (Figura 5), é importante avaliar a viabili-
dade do remanescente gástrico para decidir entre fechamento primário ou gastrectomia
segmentar. Em pacientes submetidos à banda gástrica ajustável (BGA) (Figura 6), o maior
risco está nas lesões gástricas proximais à banda ajustável, já que esse segmento pode ser
considerado uma câmara de maior pressão. Portanto, o fechamento primário e as ressecções
de lesões gástricas proximais à banda possuem maior risco de deiscência e de fístula. Nesse
caso, deve-se considerar a retirada do dispositivo, qual seja: a BGA.

Fig 5. Desenho esquemático de uma gastrectomia vertical (sleeve).


47 ABLS Brasil

Nos casos de derivações biliopancreáticas, pacientes submetidos ao duodenal switch


ou a SADI-S possuem gastrectomia vertical com anastomose duodenoileal; pacientes
submetidos à cirurgia de Scopinaro possuem gastrectomia horizontal e anastomose gas-
troenteral. Portanto, em casos de lesão gástrica, deve-se avaliar a extensão do comprome-
timento e a viabilidade da anastomose para programar-se a ressecção e a reconstrução do
trânsito intestinal.
A figura 7 demonstra, por meio de fluxograma, a conduta a ser seguida em caso de
trauma abdominal penetrante. Assim como no trauma contuso, a estabilidade clínica di-
ferencia a rota a ser traçada, sendo que pacientes hemodinamicamente instáveis deverão
ser submetidos à LE. Pacientes estáveis serão divididos de acordo com o ferimento em
questão: ferimentos por arma branca (FAB) ou por arma de fogo (FAF). Pacientes estáveis
vítimas de FAF ou FAB em flanco/dorso deverão ser submetidos à TC de abdome total
para planejamento cirúrgico de acordo com a penetração ou não da cavidade e de órgãos
atingidos. Podem, ainda, ser submetidos à LE, a laparoscopia ou, então, a observação
clínica-laboratorial. Pacientes estáveis e vítimas de FAB em abdome anterior poderão ser
submetidos à exploração cirúrgica em sala de emergência, para avaliar a penetração da

Fig 6. Desenho esquemático mostrando uma banda gástrica ajustável


devidamente posicionada na porção superior (proximal) do estômago.
48 ABLS Brasil

Fig 7. Fluxograma do manejo no trauma abdominal penetrante.

cavidade abdominal. A observação clínica seriada pode ser realizada, mesmo que a cavi-
dade tenha sido perfurada.

Cirurgia para controle de danos


A cirurgia de controle de danos (CCD) foi um avanço na cirurgia do trauma para
pacientes politraumatizados e com traumas abdominais graves. Trata-se de um procedi-
mento cirúrgico abreviado que tem como objetivos principais a hemostasia e o controle
de contaminações/infecções. Com isso, busca-se evitar coagulopatia, hipotermia e acidose
metabólica. A cirurgia de controle de danos é dividida em três etapas: cirurgia inicial breve,
reanimação em UTI e reabordagem planejada [17].
A obesidade carrega consigo fatores de risco independentes: hipertensão arterial,
diabetes, doenças cerebrovasculares e síndrome metabólica [11]. As principais complica-
ções da CCD em pacientes obesos são infecções sistêmicas (pneumonias e trato urinário),
insuficiência renal aguda, falha do fechamento abdominal primário, maior tempo em
ventilação mecânica e aumento da mortalidade [13]. Portanto, a seleção para CCD em pa-
49 ABLS Brasil

cientes bariátricos deve ser mais criteriosa e sua reoperação programada deve ser o mais
precoce possível.
Apesar das complicações descritas acima, a indicação de CCD é viável para pacientes
com obesidade, visto que a reanimação em UTI proporciona maior estabilidade clínica ao
paciente, para que ele seja submetido ao tratamento definitivo das lesões [18,19].

Considerações finais
A abordagem de pacientes obesos, ou de pós-bariátrica, vítima de trauma abdominal
é um desafio para médicos emergencistas e para cirurgiões gerais. É necessário conhecer
minimamente as técnicas de cirurgia bariátrica, bem como as alterações endócrino-meta-
bólicas observadas em pacientes obesos para atendê-los, adequada e integralmente.
50 ABLS Brasil

DICAS
▶ A avaliação inicial do trauma abdominal em pacientes pós-ba-
riátrica deverá seguir a mesma padronização adotada pelo ABCDE,
conforme orientação do ATLS;
▶ O cirurgião geral deverá obter do paciente ou de familiares
informações sobre o procedimento bariátrico realizado e sobre o acom-
panhamento durante o pós-operatório;
▶ A utilização de exames complementares pode ser limitada em
pacientes bariátricos em função de restrições de acurácia dos exames e
a restrições referentes ao peso;
▶ Nos casos de pacientes bariátricos com trauma abdominal con-
tuso, a transferência para centros de trauma mais capacitados deverá ser
condicionada à estabilidade hemodinâmica do paciente e aos tipos de
lesões associadas ao trauma abdominal;
▶ Em casos de trauma abdominal com indicação de abordagem
cirúrgica é importante identificar e medir cada segmento intestinal du-
rante a inspeção da cavidade abdominal;
▶ Nos casos bypass gástrico, para melhor identificação das alças
alimentar, biliopancreática e comum, deve-se localizar inicialmente a
válvula ileocecal e, a partir dela, percorrer o intestino delgado de maneira
retrógrada;
▶ Antes do tratamento definitivo de lesões de delgado, deve-se
avaliar a localização da lesão, sua extensão e quantidade de intestino
viável remanescente;
▶ Antes do tratamento definitivo das lesões gástricas, deve-se
avaliar a localização da lesão, sua extensão e viabilidade da anastomose
gastroenteral (quando existente);
▶ A indicação de CCD em pacientes bariátricos deve ser mais
criteriosa e as reabordagens cirúrgicas devem acontecer o mais preco-
cemente possível.
51 ABLS Brasil

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53 ABLS Brasil

Tabela 1. Classificação do trauma hepático, segundo a American Association for the


Surgery of Trauma (AAST).
Grau Tipo da lesão Descrição
I Hematoma Subcapsular, não expansivo; < 10% de superfície

Laceração Avulsão capsular < 1cm de profundidade

II Hematoma Subcapsular; 10-50% superfície; intraparenquimatoso


< 10cm
Laceração Avulsão capsular 1-3cm de profundidade, e com < 10cm

III Hematoma Subcapsular, > 50% superfície; Hematoma roto com san-
gramento ativo; Intraparenquimatoso > 10cm

Laceração > 3cm de profundidade no parênquima

IV Hematoma Intraparenquimatoso roto com sangramento ativo

Laceração Rotura parenquimatosa de 25-75% de um lobo ou 1-3


segmentos
V Laceração Rotura parenquimatosa > 75% de um lobo ou > 3 seg-
mentos

VI Vascular Lesão venosa justa hepática

Vascular Avulsão hepática


54 ABLS Brasil

Tabela 2. Classificação do trauma esplênico, segundo a American Association for the


Surgery of Trauma (AAST).
Grau Tipo da lesão Descrição
I Hematoma Subcapsular < 10% de superfície

Laceração < 1 cm de profundidade

II Hematoma Subcapsular 10-50% de superfície; parenquimatoso < 5cm

Laceração 1-3 cm de profundidade, que não compromete vasos


trabeculares
III Hematoma Subcapsular > 50% de superfície; ou parenquimatoso >
5cm

Laceração > 3 cm de profundidade ou envolvendo vasos trabecu-


lares
IV Hematoma Ruptura de hematoma parenquimatoso com sangramento
ativo
Laceração Comprometimento de vasos segmentares ou hilares,
produzindo > 25% de desvascularização;
V Laceração Baço pulverizado

Vascular Lesão do hilo esplênico

           


    
Grau Descrição
I Laceração pequena ou hematoma contido
II Laceração cortical sem extravasamento urinário
III Lesão parenquimatosa com extensão maior que 1cm através do córtex renal
IV Laceração estendendo-se através da junção corticomedular
V Fragmentação renal ou lesão do pedículo renal
55 ABLS Brasil

CAPÍTULO 06

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE


E DA CONDUTA IMEDIATA EM EMERGÊNCIAS
BARIÁTRICAS
GUSTAVO SANTOS DE SOUSA
LUIZ GONZAGA DE MOURA JUNIOR

Introdução
Plantonistas de emergências hospitalares vão se deparar, cada vez mais, com pacien-
tes bariátricos com complicações pós-operatórias ou com suspeita delas. Assim como em
qualquer serviço dessa natureza, o médico deverá procurar o diagnóstico e instituir as pri-
meiras medidas terapêuticas cabíveis. O que se buscará no presente capítulo é demonstrar
que em tais casos, mais que em outras emergências e urgências habituais, esta tarefa deve
ser muito mais célere, sob pena de o paciente ter agravamento dramático de seu quadro
clínico com consequências ominosas para seu prognóstico.
Fundamental aqui é que médicos plantonistas em emergências, por não serem, em
sua maioria, especialistas nessa área, passem a conhecer as particularidades desses pacientes
e suas operações, a fim de diagnosticar e tratar as possíveis complicações, o mais rápido
possível. Isso deve ser feito para evitar o agravamento desnecessário do prognóstico. O
detalhamento dessas peculiaridades é o objetivo deste capítulo.

Peculiaridades de pacientes obesos


Pacientes bariátricos são diferentes dos demais em diferentes aspectos. A anamnese e
o exame clínico deles podem ser bastante distintos dos encontrado na população não obesa.
É comumente descrito que pacientes bariátricos apresentam maior tendência a um
estado exacerbado de respostas inflamatórias sistêmicas e uma menor reserva funcional;
logo, principalmente pacientes com mais idade ou com IMC acima de 50 kg/m2, estão sob
maior risco de descompensação de funções respiratórias, cardíacas e renais entre outras.
56 ABLS Brasil

Essa situação torna-se mais crítica conforme prolonga-se o tempo para diagnosticá-las e
tratá-las [1].
Não menos preocupante é o fato de pacientes obesos mórbidos demorarem mais tempo
para manifestar a semiologia clássica de quadros de peritonite aguda, tais como dor sob
descompressão brusca, reação peritoneal com defesa involuntária, abdome em tábua etc.
Esses sinais, em obesos, são, geralmente, mais tardios; amiúde, quando presentes, denotam
quadro grave e prognóstico mais reservado. Assim, emergencistas não podem esperar a
ocorrência deles para só então tomarem as medidas urgentes necessárias [2].

Abordagem inicial – anamnese e exame físico


Apesar do grande auxílio prestado pelos modernos métodos de exames de imagem, a
anamnese e o exame clínico ainda são essenciais, uma vez que frequentemente permitem
distinguir casos de maior severidade e sugerir o diagnóstico mais provável, mesmo que
ainda seja necessária subsequente confirmação por meio de métodos complementares.
O médico que prestar o primeiro atendimento a esses pacientes deverá questionar,
além do usual, a técnica operatória utilizada (uma vez que diferentes técnicas podem ter
complicações diversas) e o tempo de pós-operatório do paciente (pode haver grande di-
ferença na incidência de complicações a depender do tempo decorrido da operação) [3].
Inicialmente, classificar o tipo de apresentação em síndromes facilita a busca do diag-
nóstico. No pós-operatório de cirurgia bariátrica, as mais frequentes são: dor abdominal,
obstrução intestinal, hemorragia digestiva, sepse, síncope, dispneia e desnutrição.

Sinais e sintomas de alerta


Alguns achados semiológicos, sempre que presentes, denotam maior gravidade,
assim como exigem, de modo correspondente, medidas mais drásticas e rápidas [4]. Tais
achados devem ser claros e peremptórios na mente do médico que prestar o atendimen-
to. Especificamente, ao se deparar com um paciente com sinais de sepse ou choque, não
se pode despender tempo ou permitir maiores delongas na realização de exames menos
importantes. Eventualmente, o julgamento poderá indicar uma operação exploradora de
forma mais célere.
Em casos não bariátricos, médicos em serviço de emergência estão habituados a sus-
peitar de peritonite quando deparam-se com sinais de irritação peritoneal. Contudo, como
exposto anteriormente, achados como dor sob descompressão brusca e abdome em tábua
57 ABLS Brasil

são muito tardios em pacientes bariátricos. Quando presentes, devem servir de gatilho
para a ativação imediata da equipe cirúrgica, para que sejam tomadas medidas enérgicas
de ressuscitação hemodinâmica e para a adoção de antibioticoterapia.
Adicionalmente, alguns sinais, embora bastante inespecíficos, são bastante úteis como
guia para indicar uma complicação potencialmente grave; os principais entre eles são:
taquicardia e taquipneia. A seguir, um breve resumo.

Taquicardia
É um achado que pode ter relação com diversas situações, das mais dramáticas,
passando pelas complicações de conduta conservadora, aos transtornos de ansiedade e
conversivos ou outros de menor gravidade. No entanto, no caso de pacientes bariátricos
em pós-operatório, a frequência cardíaca acima de 100 bpm deve deixar o médico da emer-
gência alerta para complicações mais severas. Isso dá-se pois, em casos potencialmente
mais graves, esse achado é quase onipresente. Dor abdominal sem maiores comemorativos
associada à taquicardia pode ser a única apresentação inicial de uma fístula gástrica ou
de hérnia interna, por exemplo. O emergencista deve estar atento e buscar ativamente as
complicações mais sérias na sua presença [5]. Cabe ainda ressaltar que outras complicações
maiores, mas não necessariamente cirúrgicas, podem igualmente causar taquicardia, tais
como: desidratação e embolia pulmonar.

Taquipneia
Geralmente, apresenta-se conjuntamente com a taquicardia e pode sinalizar, com
elevada frequência, complicações graves e de conduta operatória como hemorragia aguda
intra-abdominal, fístula gástrica e hérnia interna. No entanto, assim como a taquicardia,
a taquipneia também pode surgir por complicações de conduta primordialmente clínicas,
como atelectasias pulmonares, pneumonias, embolia pulmonar e anemia pós-operatória.
Essencialmente, na sala de emergência, quando tal sintoma é apresentado, juntamente com
dor abdominal e taquicardia, deve-se investigar os diagnósticos mais graves, mesmo se não
houver claros sinais de peritonite. Pacientes em pós-operatório tardio com hérnia interna
serão, de antemão, provavelmente os principais beneficiados por esse alerta.
Desidratação simples pode causar taquicardia compensatória, mas não taquipneia.
Assim, sua presença ou ausência também pode ser útil nesse tirocínio.
58 ABLS Brasil

Dor abdominal e irradiada


Complicações bariátricas que causam dor abdominal podem ser ameaçadoras, tais
como abscessos intra-abdominais, hemoperitôneo e fístulas [5], mas também de menor
gravidade como síndrome do intestino irritável ou cólica biliar. Dores usuais causadas por
complicações graves são observadas no epigástrio e/ou hipocôndrio esquerdo; chama a
atenção sua irradiação frequente para o dorso, o ombro esquerdo e a região cervical. Mais
relevante aqui é que o emergencista não descarte os diagnósticos de maior severidade
quando não aparecerem sinais de peritonite ou mesmo quando exames de imagem como
tomografia não mostrarem anormalidades. Isso é especialmente importante para hérnias
internas, como será abordado em capítulo ulterior.

Oligúria
A oligúria pode surgir como sintoma de desidratação simples que é relativamente
comum durante o pós-operatório precoce, quando o paciente vai para casa e não ingere
líquidos adequadamente. Nesses casos, outros achados como hipotensão postural e aste-
nia são, geralmente, observados. Contudo, quando a oligúria vem acompanhada de dor
abdominal e de outros sintomas como taquipneia, febre ou prostração pode representar
complicação dramática. Tal quadro deve, portanto, levar o médico de emergência a suspeitar
de estado de choque e/ou de sepse.

Febre
A Febre nos primeiros 3 dias do pós-operatório é geralmente causada por atelectasia
pulmonar, por infecção urinária alta ou baixa (quando usada sonda vesical) ou por flebite
superficial dos membros. Contudo, após esse primeiro momento, esse quadro pode sinalizar
complicações como pneumonia, fístula gástrica e abscesso ou hematoma intra-abdominais.
Aqui, o mais relevante é que a ausência de tais sintomas não afasta complicações graves
uma vez que podem surgir apenas como sintomas tardios. O médico de emergência deve
ter essa informação em mente.

Sinais tardios de gravidade


Sinais clínicos que indicam tardiamente uma situação grave são principalmente os
clássicos de peritonite, de choque e de sepse. Pacientes com uma ou mais dessas apresen-
59 ABLS Brasil

tações demandam cuidado imediato, frequentemente com indicação de cirurgia explora-


tória, além de apoio de unidade de terapia intensiva. Recomenda-se chamar prontamente a
equipe cirúrgica responsável pelo paciente ou, caso a equipe não esteja acessível (pacientes
operados em outras cidades, por exemplo), deve-se acionar ao menos um cirurgião com
mais experiência em cirurgia bariátrica. Nessas situações graves, o médico deve até mesmo
pesar o risco / benefício de retardar a conduta ao solicitar exames. Assim, se uma tomografia
computadorizada não puder ser rapidamente realizada em seu atendimento, por vezes é
preferível levar o paciente para o centro cirúrgico sem demora.

Alto índice de suspeição


Por todo o exposto acima, infere-se que pacientes bariátricos, mesmo quando pa-
recem apresentar quadro clínico menos alarmante, podem, verdadeiramente, ter uma
complicação grave. E como essa população, em especial tem baixa tolerância em relação às
alterações funcionais e agressões infecciosas, ela também tende a evoluir para deterioração
clínica mais rapidamente que o esperado para outros pacientes. Assim, não é exagero dizer
que uma das recomendações cruciais para médicos emergencistas, no que diz respeito às
cirurgias bariátricas é que, além de conhecer bem suas complicações, tenha sempre em
sua conduta um elevado índice de suspeição de suas ocorrências [7]. Tempo perdido no
diagnóstico desses pacientes ou na instituição das primeiras medidas pode ter repercussões
nefastas no prognóstico.

Baixo limiar para indicar laparotomia / laparoscopia


A cirurgia exploratória também faz parte do arsenal diagnóstico e terapêutico de
complicações bariátricas. O médico plantonista em emergências deve buscar acertar além
da indicação, o seu momento correto. Pacientes sépticos, em especial, são os que definiti-
vamente mais se beneficiarão de uma abordagem cirúrgica imediata. Não se deseja even-
tualmente operar um paciente sem diagnóstico, mas, por outro lado, não se pode deixar
um paciente sofrer deterioração clínica ou atingir um quadro alarmante com repercussões
negativas para o desfecho. Assim, o dilema é saber indicar uma laparoscopia (ou laparo-
tomia) no momento ideal e ter em mente, devido a tudo o que já foi exposto em relação
às peculiaridades desses pacientes, um baixo limiar para a conduta operatória [8]. Como
nos velhos adágios cirúrgicos: uma laparoscopia branca representará menor prejuízo ao
paciente do que uma peritonite com retardo no tratamento.
60 ABLS Brasil

Considerações finais
É importante que médicos dando o primeiro atendimento em emergências bariátricas
pós-operatórias procurem sempre saber qual foi a técnica operatória em questão, uma vez
que, de posse dessa informação, é possível inferir o diagnóstico com maior grau de precisão.
Há complicações que ocorrem com uma técnica, mas não com outra; por exemplo, hérnia
interna não acontece em gastrectomia vertical (sleeve), mas pode ocorrer com bypass
gástrico ou com derivações biliopancreáticas.
Alguns pacientes não sabem especificar a técnica de sua operação, mas é possível in-
ferir essa informação através de algumas perguntas. Felizmente, muitos pacientes recebem
de sua equipe bariátrica um relatório descritivo ou possuem a “carteirinha do paciente
bariátrico” (também disponível pelo App Barilife®). É importante sempre fazer essa averi-
guação na busca pelo tipo de procedimento ao qual o paciente foi submetido.
O conhecimento dos detalhes técnicos das operações bariátricas e principalmente das
particularidades desses pacientes, pode ajudar a chegar a um diagnóstico de modo mais
preciso. É forçoso ressaltar a importância do diagnóstico precoce e da rápida instituição das
medidas terapêuticas iniciais em casos de emergências bariátricas pós-operatórias. Esses
pacientes não só apresentam poucas reservas funcionais como também não costumam
apresentar sinais semiológicos clássicos de peritonite, salvo em situações de maior gravi-
dade, quando, possivelmente, a intervenção médica já não produz os melhores resultados
e o prognóstico torne-se sombrio. Somente mantendo-se um alto nível de suspeição clínica
para as situações de maior risco (especialmente para hérnias internas) é que se pode alcançar
resultados satisfatórios através de diagnóstico ágil e da pronta instituição do tratamento.
61 ABLS Brasil

DICAS
▶ Pacientes bariátricos têm peculiaridades que podem dificultar ou
retardar o diagnóstico de complicações pós-operatórias graves;
▶ O retardo no diagnóstico e na instituição das primeiras medidas
emergenciais nesses pacientes pode levar a um desfecho desfavorável;
▶ Taquicardia e taquipneia, embora inespecíficas, são achados
onipresentes e precoces em quadros clínicos de maior gravidade;
▶ O médico no pronto-atendimento deve ter um elevado índice de
suspeição no que diz respeito às complicações graves e ao baixo limiar
para indicar tratamento cirúrgico de urgência.
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63 ABLS Brasil

CAPÍTULO 07

DOR ABDOMINAL EM PACIENTES


PÓS-BARIÁTRICA
ALEXANDER CHARLES MORRELL
ANDRÉ LUIZ GIOIA MORRELL

Introdução
Complicações cirúrgicas dividem-se entre precoces e tardias para que sejam melhor
compreendidas; precoces são aquelas que ocorrem até o trigésimo dia do pós-operatório; as
tardias, por sua vez, acontecem após o trigésimo dia do pós-operatório. Aproximadamente
20% dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica retornam ao hospital com queixas em
até 90 dias de pós-operatório [1].
Dentre as queixas de admissão em pronto-socorro, encontram-se: dor abdominal
como sintoma mais prevalente, seguido por náuseas e vômitos. Dessa forma, a dor ab-
dominal pós-operatória é frequente e pode abranger de eventos simples até quadros de
diagnósticos difíceis e potencialmente fatais [2-4].

Dor abdominal precoce


Os quadros de dor abdominal precoce em pacientes após cirurgia bariátrica são
aqueles que ocorrem até o trigésimo dia de pós-operatório. Durante esse período, são
mais comuns as afecções seguintes: obstrução intestinal precoce, deiscência de anastomose
(fístulas), trombose portomesentérica e hérnia no local de punção laparoscópica.

Obstrução intestinal
Apesar de acontecer com maior frequência como complicação tardia, a obstrução
intestinal também pode ocorrer nos dias iniciais do pós-operatório. Em alguns casos, pa-
cientes apresentam quadros obstrutivos logo nos primeiros dias; em média, no 5º dia do
pós-operatório. Seus sintomas mais frequentes são náuseas e vômitos (54%), seguido por
64 ABLS Brasil

dor abdominal (45%). Existem diversas causas para obstrução precoce, as mais comuns
são: torção da anastomose jejunojejunal, coágulo intraluminal próximo à anastomose
jejunojejunal, hematomas e aderências ou bridas prévias. A tomografia computadorizada
com contraste oral e endovenoso é o principal exame para definir-se o quadro de abdome
agudo obstrutivo; porém, a definição da etiologia e do tratamento é geralmente realizado
por meio de abordagem cirúrgica do abdome.
Obstruções precoces podem ter relação com problemas técnicos, principalmente na
confecção de anastomoses, diferente das apresentadas tardiamente, que em sua maioria
são secundárias às aderências intra-abdominais ou às hérnias internas.

Deiscência de anastomose - fístula digestiva


Estima-se a ocorrência de fístulas entre 0,6% e 1% das cirurgias bariátricas mais rea-
lizadas (bypass gástrico e gastrectomia vertical) [5], sendo que a maior parte delas ocorre
de forma precoce, por volta da primeira semana de pós-operatório. A fístula é uma das
complicações mais temidas por cirurgiões bariátricos, pois somada ao tromboembolismo
pulmonar, compreende as principais causas de mortalidade relacionada ao procedimento.
Pacientes com idade avançada, do sexo masculino e com múltiplas comorbidades têm maior
risco para ocorrência de fístula [6]. No entanto, os principais riscos são relacionados à parte
técnica. Cirurgias abertas (via laparotomia) e procedimentos revisionais apresentam-se
como importante fator de risco para essa complicação [7].
A apresentação clínica é bastante variável. Nos quadros iniciais e brandos pode ocorrer
apenas aumento de temperatura corporal, taquicardia ou desconforto respiratório. As for-
mas mais graves, por sua vez, evoluem para dor abdominal intensa e para rápida progressão
para sepse. O uso de exames de imagem contrastados do trato gastrointestinal superior
possuem baixa acurácia para a detecção do local da fístula; a tomografia computadorizada
pode ajudar em cerca de 50% dos casos [8].
Deiscências podem ocorrer na anastomose gastrojejunal, na bolsa gástrica (pouch),
geralmente próximo ao ângulo de His, na anastomose jejuno-jejunal e no estômago excluso,
em casos de bypass gástrico. Quando há gastrectomia vertical (sleeve), a deiscência,
geralmente ocorre próxima à junção esofagogástrica.
O tratamento das fístulas pode ser feito tanto de forma conservadora quanto cirúrgi-
ca, dependendo principalmente da estabilidade hemodinâmica e da presença de sinais de
sepse. Em caso de conduta não cirúrgica, o tratamento é baseado em drenagem endoscó-
pica ou percutânea, no uso de antibióticos de amplo espectro e na introdução precoce de
dieta enteral. Caso haja instabilidade hemodinâmica ou deterioração clínica no paciente
65 ABLS Brasil

durante o tratamento conservador, a abordagem cirúrgica precoce é indicada, com lavagem


exaustiva da cavidade abdominal seguida de drenagem ampla. A tentativa de fechamento
(sutura) do orifício fistuloso é bastante controversa e, regra geral, não deve ser tentada.

Trombose portomesentérica
Trombose portomesentérica é o termo utilizado para definir a obstrução parcial ou
total da veia porta e/ou das veias mesentéricas. Ela é incomum, porém potencialmente
letal e descrita com mais frequência após procedimentos laparoscópicos, além de ser mais
frequente após um sleeve e ter incidência estimada em até 1%. Apesar de muito pouco
frequente, a trombose portomesentérica também pode estar presente em casos de bypass
gástrico [9].
Embora possa haver quadro de dor abdominal associada a náuseas e vômitos, não
raramente a trombose portomesentérica pode ser completamente assintomática. Frequen-
temente, tal quadro ocorre em pacientes com coagulopatia ou com histórico de outros
eventos tromboembólicos. O diagnóstico pode ser feito por tomografia computadorizada
com contraste oral ou endovenoso, para identificar trombose venosa em região portome-
sentérica, de extensão variável. O tratamento é realizado com anticoagulação; porém, a
presença de irritação peritoneal ou a suspeita de isquemia e necrose intestinal demandam
abordagem cirúrgica imediata.

Hérnia no local de punção dos trocartes


Hérnias nos locais de punção dos trocartes são complicações possíveis em qualquer
procedimento laparoscópico; por isso, recomenda-se o fechamento de rotina desses defeitos
da aponeurose em punções iguais ou maiores que 10mm. O fechamento aponeurótico em
pacientes obesos é consideravelmente mais difícil e por vezes ignorado por cirurgiões .
Clinicamente, essas hérnias podem manifestar-se de forma precoce; metade delas
ocorrerá até o primeiro mês do pós-operatório. Frequentemente, apresentam-se como
dor abdominal branda no local, podendo ocorrer estrangulamento e complicações como
gangrena e necrose intestinal .
Embora existam relatos sobre a simples redução da hérnia sob anestesia, a abordagem
laparoscópica para avaliação do conteúdo herniário e sua viabilidade seguida da correção
do defeito aponeurótico apresentam-se como opções mais segura de tratamento.
66 ABLS Brasil

Dor abdominal tardia


Configuram-se como dor abdominal tardias aquelas que ocorrem após o trigésimo
dia do pós-operatório. Suas causas são diversas e, dentre elas, destacam-se: distensão do
estômago remanescente após BGYR, estenose de anastomose, úlcera marginal, obstruções
intestinais e hérnias internas.

Distensão do estômago remanescente


A distensão do estômago remanescente (excluso) é uma situação muito pouco frequen-
te como causa de dor abdominal importante no pós-operatório de cirurgia bariátrica, mas
deve ser sempre suspeitada, pois a falta de diagnóstico precoce pode levar à complicações
sérias. Por óbvio, só pode ocorrer após procedimentos com exclusão gástrica, como o
BGYR. De acordo com essa técnica, grande parte do estômago torna-se excluso do trânsito
alimentar. Assim, quadros de íleo paralítico pós-operatório ou de obstruções mecânicas
no segmento intestinal excluso (alça biliopancreática) podem causar distensão progressiva
do estômago excluso, evoluir para a ruptura do órgão e culminar em extravasamento de
secreção gástrica e em peritonite.
Em alguns casos, a distensão do estômago remanescente pode manifestar-se como
desconforto no abdome superior, associado à distensão abdominal discreta. No entanto, a
presença de dor súbita, principalmente em quadrante superior esquerdo, pode sugerir per-
furação de víscera. A radiografia simples de abdome irá demonstrar distensão importante
no estômago e, em alguns casos, pneumoperitônio. Porém, o exame tomográfico consegue
avaliar melhor a distensão do estômago excluso, assim como sinais de complicação.
O tratamento consiste na realização de gastrostomia percutânea e na correção da
causa de obstrução, mas em casos de perfuração ou de falha da descompressão percutânea,
a abordagem cirúrgica precoce é a melhor opção.

Estenose de anastomose
A estenose da anastomose gastrojejunal do bypass gástrico ocorre entre 3% e 27% dos
casos; sua fisiopatologia ainda não é bem definida [10]. Acredita-se que a técnica de confecção
(grampeadores / sutura manual) e fatores intrínsecos ao paciente (tabagismo, diabetes e
comorbidades) podem aumentar o risco para essa complicação. Além disso, outros aspec-
tos técnicos como tensão na anastomose, estabilidade hemodinâmica, hematomas locais e
desenvolvimento de fístulas podem influenciar sua ocorrência.
67 ABLS Brasil

A estenose pode ocorrer precocemente (antes de 8 semanas da cirurgia) quanto mais


tardiamente (após 8 semanas da cirurgia). A estenose precoce, em geral, está associada a
falha técnica ou a sangramento na região da anastomose. Deve ser suspeitada principal-
mente em pacientes que se queixam de desconforto abdominal, de disfagia, de náuseas e de
vômitos pós-pradiais, podendo inclusive apresentar sintomas de refluxo gastro-esofágico.
O diagnostico é mais comumente feito mais por endoscopia digestiva alta, sendo defi-
nida como resistência ou inabilidade de passagem do endoscópio pela região anastomótica,
fato que sugere diâmetro menor que 10mm. As alternativas de tratamento para estenose
são, basicamente, duas: dilatação endoscópica ou reabordagem cirúrgica.
A dilatação endoscópica é um procedimento seguro que, em geral, necessita de uma ou
duas sessões. A perfuração é a complicação de maior gravidade da dilatação endoscópica;
no entanto, sua incidência é pequena. Caso haja falha no tratamento endoscópico, uma
nova abordagem cirúrgica, convencional ou por via laparoscópica, é a opção.

Úlcera marginal
A úlcera marginal, ou úlcera de boca anastomótica, é uma complicação preocupante
no pós-operatório do bypass gástrico; sua incidência varia de 0,6% a 16%. A presença de
diabetes, histórico de úlcera péptica prévia, tabagismo, uso de AAS e de anti-inflamatórios
não-esteroidais (AINES), são alguns fatores de risco para essa complicação. Ocorre fre-
quentemente próxima à anastomose gastrojejunal e sua fisiopatologia não é bem definida;
contudo, acredita-se em lesão da mucosa jejunal resultante de secreção ácida e de isquemia
local. Outras causas que podem estar associadas à úlcera são: infecção pelo Helicobacter
pylori e presença de corpos estranhos no local, como fios inabsorvíveis ou materiais de
sutura mecânica.
O quadro clinico mais frequente é dor abdominal, náuseas e vômitos e, mais raramente,
sangramento digestivo. Apesar de a maior parte dos pacientes apresentar as queixas pre-
viamente descritas aqui, há uma parcela considerável deles que permanece assintomática.
O diagnóstico definitivo é firmado por endoscopia digestiva.
O tratamento da úlcera marginal pode ser realizado de forma clínica por meio de
supressão ácida (inibidores de bombas de prótons) associada ao uso de sucralfato, com
taxa de resolução próxima a 95%. Além da terapia medicamentosa, a suspensão de uso de
AINES e o encorajamento à cessação do tabagismo são recomendados. Sua erradicação
também é recomendada para pacientes com infecção por Helicobacter pylori.
68 ABLS Brasil

Em casos de perfuração, hemorragia recorrente, presença de fístulas associadas, dor


persistente ou falha da terapia medicamentosa, o tratamento cirúrgico torna-se indicado.
Se diagnosticada a perfuração da úlcera agudamente, o tratamento cirúrgico preferencial
é a ressecção de toda a anastomose e a confecção de uma nova gastrojejuno anastomose.

Hérnia interna
Hérnias internas podem ocorrer em pacientes submetidos às cirurgias bariátricas,
em especial nos casos de bypass gástrico. A incidência dos casos varia entre 1% e 6% na
literatura e trata-se da principal causa de obstrução intestinal no pós-operatório de bypass
gástrico [11]. Esses defeitos são identificados na região da anastomose jejunojejunal e no espa-
ço entre o mesocolon transverso e o mesentério da alça alimentar. Pode ocorrer um defeito
no local da abertura do mesocólon transverso em casos de transposição da alça alimentar
por via transmesocólica. O fechamento ou não dos defeitos mesentéricos ainda é tema de
discussão entre cirurgiões bariátricos. No entanto, estudos indicam que o fechamento dos
defeitos com sutura inabsorvível parece mostrar menor incidência de hérnia interna [12].
A apresentação clinica de dor abdominal aguda é observada em até 75% dos casos.
Contudo, uma parte dos pacientes pode apresentar dor abdominal de curso intermitente,
crônica, associada ou não a quadros sub-oclusivos. A tomografia computadorizada pode
servir de auxílio diagnóstico; no entanto, estima-se que em até 45% dos casos esse exame
não mostrará alterações significativas. A presença do “redemoinho mesenterial” é o achado
mais relevante, pois é forte preditor de hérnia interna. Em casos de suspeita clínica impor-
tante, mesmo sem achados de imagem consistentes, a exploração cirúrgica da cavidade
abdominal, seja por laparoscopia ou por laparotomia, é de extrema valia, podendo ser
diagnóstica e terapêutica.
O tratamento desses casos é majoritariamente cirúrgico e dependerá dos achados
intra-operatórios. Na ausência de alteração da perfusão das alças envolvidas, a redução do
conteúdo herniado e o fechamento do defeito mesentérico podem ser suficientes para a
resolução do problema. No entanto, caso a viabilidade das alças envolvidas seja duvidosa, a
ressecção do segmento comprometido, seguida de anastomose intestinal deve ser realizada.

Outras causas
Outras situações menos frequentes também podem causar dor abdominal precoce
ou tardia no pós-operatório da cirurgia bariátrica. Embora de ocorrência bem menos
frequente, tais sintomas devem estar presentes no diagnóstico diferencial desses pacientes.
69 ABLS Brasil

A intussuscepção intestinal é descrita em até 0,4% dos casos, sendo frequentemente


referida como dor em região de abdome superior, podendo ser acompanhada de náuseas
e vômitos [13]. O exame de tomografia computadorizada auxilia no seu diagnóstico. No
entanto, na maior parte dos casos, a confirmação é feita por via cirúrgica. A redução da alça
deve ser feita e, a depender de sua viabilidade, deve ser ressecada e seguida de anastomose.
Afecções não cirúrgicas também podem ser responsáveis por quadros de dor ab-
dominal, como a síndrome de dumping, quadros de gastroenterites, quadros urinários e
ginecológicos – os quais devem ser cuidadosamente avaliados para que sejam diferenciados
das etiologias de caráter cirúrgico.

Considerações finais
Na era das cirurgias minimamente invasivas (videolaparoscópicas), não é comum
haver dor abdominal intensa no pós-operatório recente que cause grande incômodo ao
paciente, em casos de cirurgia bariátrica. Sendo assim, pacientes bariátricos com dor
abdominal que atendimento em serviços de emergência devem ser cuidadosamente exa-
minados (exames clínicos e complementares) para possíveis complicações relacionadas
ao procedimento. Do mesmo modo, a dor abdominal pode, por vezes, ser o único sinal
de alerta para complicações tardias que podem, em alguns casos, demandar tratamento
de urgência / emergência.
70 ABLS Brasil

DICAS
▶ A dor abdominal é um sintoma bastante frequente em casos de
complicações pós-bariátrica;
▶ O exame físico abdominal de pacientes obesos recém-operados, e
que, portanto, ainda estão obesos, pode ser enganoso. Valorize sempre o
sintoma de dor abdominal do paciente, especialmente se estiver associado
à febre e taquicardia;
▶ Na dúvida, exames complementares devem ser realizados;
▶ Sempre que um paciente bariátrico procurar um pronto-atendi-
mento/ pronto-socorro com quadro de dor abdominal, o médico emer-
gencista deve ter alto grau de suspeição para a ocorrência de complicações.
71 ABLS Brasil

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73 ABLS Brasil

CAPÍTULO 08

RADIOLOGIA NO PACIENTE BARIÁTRICO


FELIPE PEÇANHA VENTO
JOÃO VANILSON SARAIVA RIBEIRO
EDUARDO DEMES DA CRUZ

Introdução
Com base em um cuidadoso histórico clínico (anamnese e exame físico), exames
de imagem podem ter grande valia na condução de pacientes bariátricos atendidos em
unidades de urgência e emergência. Exames de imagem mais modernos e com maior in-
corporação tecnológica, como ultrassonografias, tomografias com contraste oral e venoso
e radiografias digitais, podem fornecer informações mais precisas e detalhadas acerca da
suspeita clínica. No entanto, por vezes, e sobretudo no serviço público (SUS), a radiografia
simples é um único exame de imagem disponível no setor de urgência.
Alterações anatômicas do tubo digestório provocadas por diversos procedimentos
bariátricos podem trazer algumas peculiaridades à avaliação de imagens de radiografias
simples do abdome. Portanto, é importante que o médico emergencista conheça o desenho
técnico dos procedimentos bariátricos mais comumente realizados no país. Esse conheci-
mento será fundamental para a correta interpretação dos achados normais e anormais. Isso
permitirá a diferenciação entre alterações radiológicas decorrentes do procedimento bariá-
trico em si (achados normais) e aquelas relacionadas às complicações (achados anormais).
Portanto, o objetivo deste capítulo é auxiliar emergencistas na interpretação de alguns
achados, através de radiografias simples de abdome realizadas em a pacientes submetidos
à cirurgia bariátrica.

Rotina radiológica de abdome agudo


A conhecida rotina radiológica de abdome agudo é um conjunto de incidências
radiológicas que auxiliam na elucidação diagnóstica do abdome agudo. Essa rotina não
muda se o paciente tiver sido previamente submetido à cirurgia bariátrica.
74 ABLS Brasil

Classicamente, esse procedimento consiste em 4 incidências (radiografias) [1]: radio-


grafia de tórax em PA (póstero-anterior) (Figura 1), radiografia de abdome em posição
ortostática (Figura 2), radiografia de abdome em decúbito dorsal (Figura 3) e radiografia
de abdome em decúbito lateral com raios horizontais (Figura 4). Embora a radiografia de
abdome em decúbito lateral com raios horizontais seja menos utilizada na rotina, ela tem
grande valia, sobretudo quando o paciente tem dificuldade em permanecer em ortostase.

Fig 1. Radiografia de tórax em PA

Fig 2. Radiografia de abdome em posição ortostática (em pé)


75 ABLS Brasil

Fig 3. Radiografia de abdome em decúbito dorsal

Fig 4. Radiografia de abdome em decúbito lateral com raios horizontais


76 ABLS Brasil

Imagem radiológica no abdome agudo obstrutivo


Obstruções podem ocorrer nos segmentos inclusos no trânsito alimentar, no segmento
excluso, ou em ambos em pacientes submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR).
O achado radiológico mais característico em casos de obstruções no segmento excluso
ao trânsito alimentar (alça biliopancreática) é uma grande dilatação gástrica do estômago
remanescente, excluso. Além disso, pode ser observada dilatação das alças jejunais que
compõem o segmento excluso e que, geralmente, estão posicionadas mais à esquerda do
abdome (Figura 5).

Fig 5. Radiografia abdominal mostrando dilatação do estômago excluso e das alças


intestinais (alça biliopancreática – exclusa), em paciente pós bypass gástrico.
77 ABLS Brasil

Além do estômago, todo o segmento da alça biliopancreática pode estar dilatado, a


depender do comprimento desta alça e da altura da obstrução. Importante observar que,
nesses casos, apesar do quadro de abdome agudo obstrutivo, pode não haver vômito, uma
vez que não há obstrução no trajeto alimentar. A ausência de vômito, assim, não descarta
o diagnóstico de obstrução na alça biliopancreática. Retardo no diagnóstico e na conduta
dessa complicação pode levar ao rompimento do estômago remanescente, com consequente
peritonite grave [2].
Quando a obstrução ocorre em nível de êntero-êntero-anastomose, tanto o segmento
excluso (alça biliopancreática e estômago remanescente) quanto o segmento incluso no
trânsito alimentar (alça alimentar e pouch gástrico) podem estar dilatados. A depender do
comprimento dessas alças, pode não haver sinais radiográficos característicos de obstrução.
Obstruções mais baixas do intestino delgado, por sua vez, que envolvam o canal comum,
os clássicos sinais de níveis hidroaéreos, o empilhamento de moedas e o edema de alças de
delgado são mais comumente encontrados, similarmente às obstruções de intestino delgado
em pacientes não bariátricos [3]. Nos quadros obstrutivos baixos, envolvendo o intestino
grosso, os achados são similares àqueles de um indivíduo não bariátrico.
Uma causa comum e bastante peculiar de obstrução intestinal são hérnias internas em
bypass gástrico [4], as quais podem ocorrer nos espaços mesentéricos criados pela técnica
cirúrgica, principalmente quando não forem fechados na cirurgia primária. O segmento
mais comumente envolvido na hérnia do espaço de Petersen é a alça biliopancreática (seg-
mento excluso). Já em casos de hérnia do espaço mesentérico próximo à êntero-êntero-a-
nastomose, pode haver herniação tanto da alça biliopancreática quanto do canal comum, e,
menos comumente, da própria alça alimentar (Figuras 6a, 6b e 6c). O diagnóstico definitivo
da causa do quadro obstrutivo só pode ser feito, na maior parte das vezes, por exploração
cirúrgica da cavidade abdominal, preferencialmente por via laparoscópica.
Nos pacientes submetidos à gastrectomia vertical (sleeve), os sinais radiológicos pouco
diferem daqueles comumente encontrados em indivíduos não operados em quadros obs-
trutivos intestinais, e os sinais radiológicos pouco diferem daqueles que são comumente
encontrados. No entanto, caracteristicamente, não há sinais radiológicos de dilatação
gástrica, mesmo em obstruções mais proximais (altas).

Imagem radiológica no abdome agudo inflamatório


Essa modalidade de abdome agudo não apresenta grandes particularidades radio-
gráficas em pacientes bariátricos. Os sinais radiológicos mais frequentemente encontrados
são os mesmos daqueles achados em pacientes não bariátricos, tais como apagamento do
78 ABLS Brasil

Fig 6a. Desenho esquemático mostrando os espaços mesenté-


ricos criados pelo bypass gástrico, onde podem ocorrer hérnias
internas. Seta verde: espaço de Petersen. Seta vermelha: espaço
intermesentérico.

Fig 6b. Desenho esquemático mostrando a passagem de seg-


mento de intestino delgado (alça biliopancreática – da direita
para a esquerda) pelo espaço mesentérico (Petersen) do bypass
gástrico, ocasionando hérnia interna.
79 ABLS Brasil

Fig 6c. Desenho esquemático mostrando a passagem do


segmento de intestino delgado (alça alimentar – da esquerda
para a direita) pelo espaço mesentérico do bypass gástrico,
ocasionando hérnia interna.

músculo psoas, alça sentinela e aglomerado de conteúdo fecal e/ou fecalito nas apendicites.
Assim como em pacientes não bariátricos, a ultrassonografia e a tomografia computado-
rizada de abdome são os melhores exames complementares de imagem do abdome agudo
inflamatório.

Imagem radiológica do abdome agudo perfurativo


Pneumoperitônio, mais facilmente identificado na radiografia de tórax, em pé, é o
achado radiológico característico das síndromes perfurativas gastrointestinais. Uma per-
furação nesses segmentos, em pacientes submetidos aos procedimentos bariátricos, com
exclusão de segmentos gastrointestinais do trânsito alimentar, como no bypass gástrico,
pode não produzir um pneumoperitônio rapidamente identificável na radiografia simples.
Isso ocorre porque segmentos exclusos (estômago e alça biliopancreática) geralmente não
abrigam uma quantidade de ar que, na vigência de perfuração, possa produzir o sinal
radiológico.
80 ABLS Brasil

Fístulas digestivas
Fístulas digestivas, tanto das anastomoses quanto das linhas de grampeamento, são
complicações muito temidas por pacientes e por cirurgiões. Para minimizar as elevadas
taxas de morbidade, e até de mortalidade, elas devem ser diagnosticadas e tratadas pre-
cocemente.
O tempo de aparecimento das fístulas se dá, na maioria das vezes, entre o terceiro e
o décimo dia de pós-operatório [2]. Dor abdominal associada a uma síndrome de resposta
inflamatória sistêmica é o sinal clínico precoce mais característico. Taquicardia mantida
mesmo após a analgesia é um sinal de alerta muito importante [2]. Leucograma alterado e
PCR aumentado são possíveis evidências laboratoriais. Exames de imagem podem ajudar
na confirmação do diagnóstico. Porém, frente às situações clínicas evidentes, o cirurgião
pode utilizar-se da laparoscopia como método diagnóstico e terapêutico.
Em casos de suspeição de fístula digestiva após a cirurgia bariátrica, a tomografia ab-
dominal total com contraste oral e venoso talvez seja o exame com acurácia adequada para
o auxílio diagnóstico [5]. Entretanto, o peso corporal do paciente pode ser uma limitação
para a realização da tomografia no pós-operatório imediato de cirurgia bariátrica - em
geral, as mesas de tomógrafos não suportam indivíduos com mais de 150 kg.
Um sinal muito sugestivo de fístula digestiva pós-bariátrica frente a uma forte sus-
peição clínica, pode ser um discreto derrame pleural à esquerda, com apagamento do seio
costofrênico identificado em uma radiografia simples de abdome e tórax na urgência.
Esse derrame pleural decorre de processo inflamatório por contiguidade, consequente do
acúmulo de conteúdo fistuloso no espaço subfrênico esquerdo.
Realizar uma radiografia contrastada (contraste não baritado) com o intuito de
caracterizar o local do escape do contraste e, portanto, de identificar o local da fístula
(deiscência), tanto no sleeve (Figura 7) quanto no bypass gástrico (Figura 8) é uma opção
de complementação diagnóstica, quando disponível.

Avaliação radiológica de dispositivos artificiais - anel de


contenção e banda gástrica ajustável (BGA)
O anel de contenção do “pouch” gástrico foi muito utilizado em cirurgias do tipo
BGYR ao modo Fobi-Capela - técnica bastante difundida no Brasil nos anos 1990-2000,
principalmente em cirurgias abertas (laparotômicas). Trata-se de um dispositivo confec-
cionado com silicone, que tem por objetivo aumentar a restrição alimentar. É comum
haver a identificação desse anel de forma bastante clara e simples, à esquerda da coluna
81 ABLS Brasil

Fig 7. Radiografia contrastada mostrando escape de contraste na região


superior (proximal) do sleeve, caracterizando deiscência da linha de
grampeamento (fístula).

Fig 8. Radiografia contrastada mostrando escape de contraste na


região superior (proximal) do pouch gástrico pós bypass gástrico,
caracterizando deiscência da linha de grampeamento (fístula).
82 ABLS Brasil

vertebral, quase em topografia do hipocôndrio esquerdo em radiografias simples de ab-


dome (Figura 9).
Às vezes, a radiografia contrastada pode auxiliar ainda mais na localização do anel
de contenção (Figura 10).
O mesmo também pode ocorrer com outro dispositivo que foi muito utilizado entre
os anos de 1999 e 2008: a BGA. Uma boa radiografia simples (com ou sem contraste) do
abdome pode identificar de forma clara não só a presença desse dispositivo, mas, também,
seu correto posicionamento. A figura 11 mostra uma BGA posicionada na porção proximal
do estômago.
É sempre importante tentarmos observar se o anel ou a banda gástrica estão na loca-
lização correta, pois podem deslizar e gerar algum tipo de estenose. Uma maneira prática
de observar sua localização seria traçar uma reta vertical na coluna vertebral e outra reta na
parte inferior do anel/ banda. As retas fariam uma intercessão, criando um ângulo. Se esse
ângulo for de até 60 graus, o posicionamento estará correto. Caso a angulação seja maior que
60 graus, maior será a probabilidade de deslizamento proximal ou distal do anel/banda [6].

Fig 9. Radiografia simples de abdome mostrando anel de contenção


posicionado em torno do pouch gástrico após um bypass.
83 ABLS Brasil

Fig 10. Radiografia contrastada de abdome mostrando


anel de contenção posicionado em torno do pouch
gástrico após um bypass.

Fig 11. Radiografia contrastada de abdome mostrando


uma banda gástrica adequadamente posicionada no
segmento superior do estômago.
84 ABLS Brasil

Considerações finais
Radiografias simples de tórax e abdome em pacientes bariátricos quando realizadas
com boa técnica e analisadas com o devido cuidado, podem ser uma importante ferramenta
de auxílio diagnóstico, sobretudo nos locais nos quais os exames de imagem mais elabo-
rados não estão disponíveis no setor de urgência. Médicos emergencistas devem conhecer
minimamente o desenho técnico dos principais procedimentos bariátricos, bem como a
apresentação clínica das complicações mais comuns, de forma a atingir a interpretação
dos achados.
Apesar do valor de uma radiografia simples de abdome e tórax nas urgências bariátri-
cas, o principal exame de imagem complementar talvez seja a tomografia abdominal total,
com contraste oral e venoso. Por ser esse o exame de eleição, e talvez o mais realizado,
informações científicas a respeito do uso da radiografia simples frente às mais diversas
complicações em cirurgia bariátrica ainda são escassas.
85 ABLS Brasil

Referências
1. Sabiston; Textbook of Surgery; 18 edição, Cap abd agudo, cap 45: 1180 – 1197.

2. Acquafresca PA, Palermo M, Rogula T, Duza GE, Serra E. Complicações cirúrgicas pre-
coces após bypass gástrico: revisão da literature. Arq Bras Cir Dig. 2015;28(1):74-80. doi: 10.1590/
S0102-67202015000100019.

3. Shah S, Shah V, Ahmed AR, Blunt DM. Imaging in bariatric surgery: service set-up, post-
-operative anatomy and complications. Br J Radiol. 2011;84(998):101-11. doi: 10.1259/bjr/18405029.

4. Carrera C, De Luca S, Andraca F, Muscillo L, Andrés S, Eyheremendy E. Hernia de Pe-


tersen. Complicación del bypass gástrico: hallazgos tomográficos. Rev Argent Radiol. 76(3):241-4.

5. Haddad D, David A, Abdel-Dayem H, Socci N, Ahmed L, Gilet A. Abdominal imaging


post bariatric surgery: predictors, usage and utility. Surg Obes Relat Dis. 2017;13(8):1327-1336.
doi: 10.1016/j.soard.2017.04.

6. Hallazgos radiológicos de la banda gástrica y sus complicaciones. Tipo: Presentación


Electrónica Educativa Autores: Ronny Rodelo Haad, Jose Antonio Aguilar Gutierrez, Juan Manuel
Pazos Guarin.

AGRADECIMENTOS
1. Prof. Dr. Eduardo Lemos de Souza Bastos, membro titular da SBCBM-SP, pela
cessão de uso da figura 5.
2. Dr. Dirceu Barbosa dos Santos, membro titular da SBCBM-SP, pela cessão de uso
das figuras 7 e 8.
3. Dr. Thiago Sivieri, membro titular da SBCBM-SP, pela cessão de uso das figuras
9 e 10.
87 ABLS Brasil

CAPÍTULO 09

ULTRASSONOGRAFIA À BEIRA DO LEITO EM


URGÊNCIA BARIÁTRICA
HEITOR PORTELLA PÓVOAS FILHO
ROLAND LAVIGNE DO NASCIMENTO
MARCOS LEÃO VILAS-BÔAS

Introdução
De acordo com o modelo da ultrassonografia (US) consultiva tradicional, o médico
de plantão em unidade de emergência solicita o exame de imagem e aguarda sua realização
pelo radiologista. O tempo gasto para a realização do exame pode retardar a aplicação de
medidas iniciais em casos mais graves. Ao usar a ultrassonografia à beira do leito (USBL),
o médico emergencista pode adquirir e interpretar as imagens no local de atendimento,
assim como fazer uso de tais informações de imediato para abordar hipóteses diagnósticas
e orientar o tratamento mais adequado. Quando o próprio médico emergencista realiza o
exame, pois tem pleno conhecimento do caso clínico e do exame físico do paciente, tor-
na-se capaz de integrar rapidamente os resultados da USBL na formulação diagnóstica [1]
Sendo assim, a USBL vem tornando-se uma ferramenta diagnóstica e de auxílio tera-
pêutico essencial nas unidades de emergência/pronto-atendimento e de terapia intensiva.

Protocolos de Avaliação Ultrassonográfica


O conceito de USBL reúne alguns protocolos de avaliação ultrassonográfica, como o
FoCUS (Focused Cardiac Ultrasound), o BLUE (Bedside Lung Ultrasoun in Emergency),
o FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) e o ECUS (Extended Com-
pression Ultrasound). Esses protocolos visam padronizar a abordagem ultrassonográfica
do coração, do pulmão, do abdome e do sistema venoso, respectivamente, de forma sis-
tematizada e integrada, para diagnosticar quadros agudos em atendimento em setores de
urgência e emergência [2,3].
88 ABLS Brasil

Ultrassonografia Cardíaca
O termo FoCUS visa conceituar uma abordagem básica e simplificada do coração;
sua aplicação deve ser direcionada por sintomas demonstrados pelo paciente (usualmente
dispneia ou choque), fato que diferencia esse método da ecocardiografia tradicional [4]. Os
principais objetivos da US cardíaca são avaliar a presença de derrame pericárdico, mensu-
rar a função sistólica global, identificar dilatações significativas dos ventrículos esquerdo
e direito, estimar o volume intravascular, guiar eventual pericardiocentese ou confirmar
o posicionamento de um fio de marcapasso trans venoso. Os exames devem ser sempre
centrados na busca de uma resposta para possíveis alterações que envolvam a função ventri-
cular como causa de choque circulatório ou o aumento de água extravascular pulmonar [5].
As janelas para esternal, subcostal e apical são usadas para avaliar a função sistólica
do ventrículo esquerdo (VE). O objetivo é observar a excursão endocárdica e o espessa-
mento miocárdico, de modo a diferenciar os pacientes com função ventricular normal,
ou minimamente comprometida, daqueles com disfunção ventricular severa. Esses dados
facilitam a tomada de decisão clínica em casos de pacientes com dispneia ou dor torácica
com contratilidade sistólica diminuída, pois tais quadros aceleram a indicação e o início
das terapias farmacológicas e de outras intervenções [6]. Outros diagnósticos (massas in-
tracardíacas, trombo de VE, disfunção valvular, alterações segmentares de contratilidade,
endocardite, dissecção da aorta) podem parecer suspeitados através da US cardíaca, mas,
nesses casos, recomenda-se complementação da avaliação com ecocardiografia tradicio-
nal. A janela apical é a mais utilizada para fornecer uma visão rápida das quatro câmaras
cardíacas, das válvulas e da via de saída do VE (Figura 1).

Ultrassonografia Pulmonar
O protocolo BLUE da USBL foi desenvolvido para simplificar e reduzir o tempo de
diagnóstico de algumas afecções pulmonares agudas [6]. Com base nesse protocolo, são feitas
aquisições em três segmentos do tórax para identificar o edema pulmonar intersticial por
meio de artefatos chamados de “linhas B” (Figura 2). Essas imagens são produzidas pela
reverberação das ondas sonoras na pleura, provavelmente devido ao acúmulo de fluído
e, consequente, alargamento dos septos interlobulares. Os achados normais, por sua vez,
são conhecidos como padrão de “linhas A”, imagens lineares horizontais repetidas das
pleuras[7] (Figura 3).
As linhas B também podem ser utilizadas para o diagnóstico de pneumotórax, pois,
sendo originadas pela pleura visceral, sua simples presença demonstra que a pleura visceral
está “colada” na pleura parietal. Esse quadro exclui, assim, a possibilidade de pneumotórax
89 ABLS Brasil

Fig 1. FoCUS (Focused Cardiac Ultrasound). Posição do transdutor e janelas evidenciadas.

Fig 2. Ultrassonografia pulmonar – linhas B


90 ABLS Brasil

Fig 3. Ultrassonografia pulmonar – linhas A

naquele ponto examinado. Outra forma de afastar pneumotórax é observar a presença de


deslizamento pleural no ponto examinado, pois ele é um movimento sincronizado com a
respiração entre a pleura parietal e visceral, as quais podem estar diretamente apostas ou
separadas por uma fina camada de fluido intra-pleural.
O exame deve começar com a insonação das áreas de interesse (por exemplo: uma
área de dor) e progredir para o pulmão inteiro, conforme necessário, durante a avaliação
da consolidação pulmonar. A presença de uma síndrome intersticial alveolar unilateral ou
bilateral é necessária para que se mantenha o diagnóstico ultrassonográfico de pneumo-
nia. A síndrome intersticial alveolar é definida como o desaparecimento da linha pleural
associado à visualização de broncogramas aéreos ou aos líquidos dentro de uma imagem
de ecogenicidade tecidual. Essa imagem pode ter um aspecto pulmonar semelhante ao
do fígado, com ou sem derrame pleural, o que corresponde a uma pneumonia lobar. A
síndrome alveolar e a atelectasia podem ser diferenciadas com base no aspecto dinâmico
dos broncogramas, os quais são aumentados durante a inspiração em caso de pneumonia.
A sensibilidade diagnóstica da ultrassonografia pulmonar parece ser significativa-
mente maior se comparada à radiografia de tórax (95% vs. 60%), principalmente em casos
apresentando menos de 24 horas de evolução. Além disso, quando a tomografia compu-
tadorizada foi realizada devido à incerteza diagnóstica, o desempenho da US pulmonar
para o diagnóstico de pneumonia aguda foi de 100% [8].
91 ABLS Brasil

Esses resultados sugerem melhor desempenho da US pulmonar em comparação


à radiografia de tórax, especialmente para o diagnóstico precoce, e difícil da pneumonia
aguda.

Ultrassonografia do Sistema Venoso


O objetivo principal para inclusão do sistema venoso nos protocolos de USBL é diag-
nosticar ou afastar a presença de trombose venosa profunda (TVP) como causa de embolia
pulmonar, especialmente em pacientes em pós-operatório recente de cirurgia bariátrica.
O primeiro componente do protocolo de extremidade inferior envolve a identifica-
ção da veia femoral comum com o transdutor em orientação transversal. Deve-se usar o
transdutor linear de alta frequência (7 a 10 MHz) na maior parte dos pacientes; porém,
um transdutor de baixa frequência (3-5 MHz), de matriz curva, poderá ser necessário se o
paciente for muito obeso ou se houver edema considerável na região. Usando uma pressão
de suave a moderada aplicada em direção ao fêmur, deve-se observar a compressão da veia
femoral em contato das paredes do vaso. Em caso de identificação de material ecogênico
intraluminal ou de visualização de um trombo móvel dentro da veia, deve-se interromper
a compressão adicional para evitar o deslocamento do trombo, fato que pode provocar um
evento embólico. Se as compressões forem fáceis e completas, a sonda deve ser movida
alguns centímetros distalmente para a visualização da divisão da veia femoral comum em
veia femoral profunda e superficial. Repete-se, então, a manobra de compressão a cada 5 cm
distalmente ao longo da veia femoral superficial até o espaço poplíteo, ao comprimir-se a
veia poplítea para assegurar o contato entre parede e parede. Esse protocolo de compressão
sequencial da coxa até o joelho tem maior sensibilidade do que o exame em dois pontos
(femoral e poplítea) apenas. Além disso, caso a suspeita ou sintomas de TVP persistam, um
exame completo que avalia as características do fluxo com base no uso de Doppler colorido
e em análise espectral deve ser realizado dentro do intervalo do tempo de 5 a 7 dias [9].

Ultrassonografia Abdominal
A popularização da US de abdome em emergência médica seguiu a implementação
do protocolo FAST, o qual foi incorporado ao ATLS (Advanced Trauma Life Support)
em 2012 como substituto do lavado peritoneal diagnóstico em pacientes com instabili-
dade hemodinâmica vítimas de trauma contuso. Uma extensão do FAST, denominada
FAST-estendido ou e-FAST, foi desenvolvida para ampliar o protocolo. Ela ampliou a
avaliação da cavidade torácica, ou seja, incorporou o US pulmonar como descrito acima.
92 ABLS Brasil

O FAST é classicamente realizado com o paciente em posição supina; desta forma, possui
alta sensibilidade para detectar o líquido livre na cavidade abdominal, podendo localizar
volumes tão pequenos quanto 100 ml. Alterações na posição do paciente podem mudar
os achados esperados, pois a posição de Trendelenburg aumenta a sensibilidade do teste
para diagnosticar fluido livre abdominal.
Além das janelas do FAST, pode-se ampliar a visualização de órgãos frequentemente
envolvidos em complicações pós-operatórias, principalmente, em pacientes submetidos à
cirurgia bariátrica. Portanto, é altamente recomendável tentar adquirir imagens do fígado,
da vesícula biliar e do sistema canalicular, da veia porta, dos rins, do pâncreas, do apêndice
cecal e dos intestinos. Embora a obtenção de imagens com boa qualidade nem sempre é
possível, informações relevantes geralmente podem ser obtidas através dessa avaliação.

Abordagem Inicial da USBL pós-bariátrica


Durante a avaliação inicial de pacientes bariátricos admitidos na urgência/emergência,
é fundamental conhecer as complicações mais comumente associadas ao período pós-ope-
ratório. Complicações precoces tendem a ser mais relacionadas a quadros agudos, como
sepse, desidratação, sangramentos e quadros tromboembólicos. Complicações mais tardias,
em contra partida, podem ser igualmente graves, e relacionadas com quadros intestinais
obstrutivos, litíases e alterações nutricionais.
Uma vez colhida a história do paciente com foco em dados cirúrgicos (tempo de
cirurgia, técnica realizada, eventuais complicações ou dificuldades no pós-operatório, nome
do cirurgião e local onde foi realizado o procedimento, comorbidades prévias e medicações
em uso), o paciente deve ser colocado em mesa de exame ou em leito de observação para
que o exame físico e os dados vitais sejam avaliados.
A rotina de avaliação inicial com o USBL passa por uma série de aquisições do tórax,
do abdômen e dos grandes vasos, pois, juntas, fornecerão um panorama amplo de potenciais
causas clínicas para a admissão na emergência. A depender do quadro clínico de apresen-
tação (choque, insuficiência respiratória, dor abdominal), a sequência de aquisições ou a
ordem das janelas de insonação podem ser modificadas.

Insuficiência Respiratória, Taquicardia, Hipotensão e Ava-


liação do Status Volêmico
O paciente admitido com quadro de insuficiência respiratória pode estar cursan-
do diferentes tipos de complicações pós-operatórias, de quadros pulmonares primários
93 ABLS Brasil

Fig 4a e 4b. Avaliação ultrassonográfica da veia cava inferior. Variação do calibre (enchimento) durante a
inspiração e expiração.

(atelectasia, pneumonia), passando por etiologias vasculares (tromboembolismo, infarto


agudo do miocárdio) e até quadros abominais (peritonite, abcesso subfrênico, colecistite,
pancreatite, apendicite, sangramento intra-abdominal). Tal evolução causa alterações
pulmonares secundárias, como derrame pleural, atelectasia e síndrome do desconforto
respiratório agudo (SDRA). Sendo assim, é recomendável iniciar a ultrassonografia torá-
cica para avaliar, pelo menos, de 4 a 6 quadrantes em cada hemitórax. O objetivo é avaliar
a presença de linhas A normais ou de linhas B patológicas, além de sinais típicos de falta
de aeração do pulmão, os quais podem representar pneumotórax. A avaliação das bases
possibilita detectar a presença de derrames pleurais e de condensações alveolares mesmo
na posição supina.
Em casos de choque circulatório, a avaliação da veia cava pode ser o primeiro passo
para determinar a necessidade de expansão volêmica em pacientes críticos. A contração
descendente do diafragma cria uma pressão torácica negativa e uma pressão abdominal
positiva durante a respiração espontânea. Esse fenômeno cria um gradiente de pressão
positiva para o influxo de sangue do abdômen para o tórax, aumentando a pré-carga ven-
tricular direita. Assim sendo, o diâmetro da veia cava na janela sub-xifóide e sua variação
nas duas fases da respiração são avaliados a fim de estimar-se a pressão venosa central
(PVC) (Figuras 4a e 4b).
A tabela 1 mostra a relação entre o diâmetro da veia cava, sua colapsibilidade e a PVC
estimada em pacientes respirando espontaneamente.
Seguindo na mesma topografia, o objetivo é fazer aquisições do coração, ao direcio-
nar-se o transdutor setorial para o ombro esquerdo. Essa janela pode possibilitar a visão
94 ABLS Brasil

Tabela 1. Estimativa da pressão venosa central (PVC), de acordo com a mensuração


do diâmetro da veia cava inferior (VCI).
Diâmetro VCI Variação do colapso à Valor estimado da PVC Valor estimado da

(mm) respiração (%) (mmHg) PVC (cmH2O)


< 15 100 0-5 0-7
15-25 > 50 6-10 8-14
15-25 < 50 11-15 15-21
> 25 < 50 16-20 22-28
> 25 0 > 20 > 28

Tabela 2. Sequência sugerida para avaliação ultrassonográfica em atendimento


inicial.
1 Insonar primeiramente o pulmão para detectar se há derrame pleural, sinais de conden-
sação/atelectasia ou linhas B compatíveis com congestão

2 Em seguida, buscar imagens da veia cava inferior e do coração – macro circulação e he-
modinâmica -; sinais de sobrecarga; tamponamento; função ventricular (VE e VD)

3 FAST – exames de todos os quadrantes abdominais; avaliar líquido livre na cavidade


abdominal e grandes coleções; distensão importante e edema de alças

4 Ao final, pode-se fazer um exame mais amplo, buscando insonar a vesícula biliar, o pân-
creas, os rins, a bexiga, o apêndice cecal e a pelve

do saco pericárdico e dar uma ideia inicial da condição estrutural do coração, da sua
função ventricular e dos enchimentos das câmaras cardíacas. Essas informações devem
ser integradas a outras variáveis, como tempo de enchimento capilar, temperatura da pele,
estado de consciência e disponibilidade de lactato arterial no momento de decidir-se sobre
a necessidade de expansão volêmica ou do uso de drogas vasoativas. A tabela 2 sumariza
a sequência sugerida para utilização da USBL em paciente bariátrico admitido em pron-
to-atendimento.
95 ABLS Brasil

Dor abdominal
Esse é o sintoma mais comumente relatado por pacientes em pós-operatório de cirur-
gia bariátrica, pois pode refletir diferentes condições intra-abdominais. Protocolos já bem
estabelecidos para pacientes vítimas de trauma são usualmente utilizados, com as devidas
adaptações para o ganho de agilidade na propedêutica e no diagnóstico de complicações
abdominais pós-operatórias em obesos operados.
O e-FAST, acrescido de algumas aquisições, talvez seja o método mais fidedigno para
afastar possíveis diagnósticos diferenciais em pacientes que apresentam dor abdominal
ou torácica e que foram submetidos à cirurgia bariátrica. A figura 5 ilustra as janelas para
aquisições de imagens; a tabela 3 descreve o que é possível avaliar em cada uma delas.

Limitação do método
A principal limitação da ecografia em obesos é a atenuação provocada pelo tecido
adiposo, o que pode limitar a profundidade e dificultar a formação de imagens, mesmo com
transdutores de baixa frequência. Uma maneira de minimizar esse efeito adverso é escolher
transdutores com as menores frequências possíveis, aumentar a profundidade e ajustar a
escala de ganho, além de comprimir o transdutor contra a parede abdominal do paciente.

Considerações finais
A USBL desempenha papel importante no atendimento inicial de pacientes com
intercorrências relacionadas ao pós-operatório de cirurgia bariátrica. Médicos emergen-
cistas familiarizados com o método em unidades que disponham de aparelhos de ultras-
sonografia podem lançar mão dos protocolos descritos acima para agilizar o diagnóstico
de complicações mais comuns nesse grupo de pacientes. Isso reduzirá as janelas de tempo
entre diagnóstico e condutas iniciais em pacientes mais graves, municiando o cirurgião
com informações importantes para a tomada de decisão terapêutica.
96 ABLS Brasil

Fig 5. e-FAST: desenho esquemático das janelas para aquisições de imagens.


97 ABLS Brasil

Tabela 3. Objetivos das janelas de insonação na avaliação inicial do paciente


bariátrico.

Janela Órgãos visualizados Objetivo

Fígado, rim direito, espaço de Detecção de sangue, ascite e hematomas no espaço


1
Morrison e diafragma. hepato-renal (Morrison).

Base pulmonar direita e Visualização de derrames pleurais, pneumonias de


2
diafragma base pulmonar e empiemas.

Visualização do deslizamento pleural e afastamento


Ápice pulmonar direito/ do pneumotórax; pode ser observada presença de
3,6
esquerdo linhas B, de sinal de congestão ou de lesão pulmonar
aguda

Baço, rim esquerdo, espaço Visualização de sangue, de ascite e de hematomas no


4
espleno-renal e diafragma espaço espleno-renal.

Base pulmonar esquerda e Visualização de derrames pleurais, de pneumonias de


5
diafragma. base pulmonar e de empiemas.

Avaliação da integridade da bexiga. Visualização de


7 Pelve líquido livre no fundo de saco de Douglas, em mul-
heres e da escavação reto-vesical em homens.

Saco pericárdio e as quatro Visualização de derrame pericárdio com possível


8 câmaras do coração na janela tamponamento cardíaco e avaliação da integridade
subcostal das câmaras cardíacas.

Visualização da vesícula biliar para afastar colecistite


Transversal obliquo ao nível
9 aguda, litíase vesicular, colesterolose, além de visual-
do rebordo costal
ização da veia porta para avaliar trombose.

Visualização do pâncreas, verificando se há alter-


ação no padrão habitual em obesos (ecogênico) para
Transversal no nível do
10 hipoecogênico, o que pode representar pancreatite;
epigástrio
nesse corte ainda é possível visualizar distensão
gástrica e alças intestinais dilatadas.
98 ABLS Brasil

Visualização do rim direito, para afastar ectasias,


Longitudinal na Janela 1 do litíase, hidronefrose e dilatação ureteral; hidrone-
11
e-FAST frose é vista com imagem anecoica de paredes finas
contígua ao ureter.

Visualização do rim esquerdo, para afastar ectasias,


Longitudinal na Janela 4 do litíase, hidronefrose e dilatação ureteral; todas as
12
e-FAST litíases são caracterizadas por imagem ecogênica que
provoca sombra acústica.

Visualização do ceco, - o apêndice, quando inflama-


do, tem aumento de volume e ecogenicidade e pode
Transversal ao nível da fossa
13 ter fecalito no seu interior. Ele não é compressível ao
ilíaca direita
transdutor e pode mostrar dilatação de alças intesti-
nais adjacentes.

Visualização do colón descente e do sigmoide, para


Transversal ao nível da fossa diagnóstico de diverticulite, quando verifica-se uma
14
ilíaca esquerda bolsa com interior hipoecoico e sinais de reverber-
ação em seu interior.

Visualização da bexiga, das junções uretero-vesical


Janela longitudinal supra para visualização de litíase. Verificações de coleções
púbica, realizada durante no fundo de saco de Douglas em mulheres, para
15
a aquisição da janela 7 do afastar possível hidrosalpingite e cisto de corpo lúteo
e-FAST hemorrágico. Avaliação de coleções no recesso vesico
retal em homens.

Janela longitudinal epigástri- Visualização da aorta abdominal para afastar aneu-


16
ca rismas e dissecções intimais.
99 ABLS Brasil

DICAS
▶ A avaliação deve ser iniciada pelo pulmão, para buscar sinais
de congestão (linhas B) ou derrame pleural se houver dor torácica ou
dispneia, como queixa principal;
▶ Um derrame pleural isolado, à esquerda, pode ser reacional ao
processo inflamatório sub-diafragmático e estar associado a complica-
ções precoces (fístula) de cirurgia bariátrica;
▶ O diagnóstico de tromboembolismo pulmonar como causa de
insuficiência respiratória pode ser considerado se a US cardíaca mostrar
sobrecarga de VD e/ou cor pulmonale agudo, em casos mais severos.
O protocolo ECUS do sistema venoso pode corroborar o diagnóstico;
▶ Dentre as janelas utilizadas para avaliação do abdome, o espaço
de Morrison talvez seja a mais importante para pacientes em pós-ope-
ratório. A presença de líquido livre na cavidade abdominal, seja sangue,
secreção bilio-entérica ou líquido inflamatório, será normalmente
detectada nessa janela de insonação, se apresentar volume significativo;
▶ Por último, é sempre importante avaliar o status volêmico do
paciente no momento de sua chegada ao pronto-atendimento para
determinar e guiar a necessidade de expansão volêmica.
100 ABLS Brasil

Referências
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101 ABLS Brasil

CAPÍTULO 10

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA APÓS


CIRURGIA BARIÁTRICA
ROBERTO LUIZ KAISER JUNIOR
LUIZ GUSTAVO DE QUADROS

Introdução
Hemorragia digestiva é definida como um sangramento proveniente de qualquer
ponto do trato gastrointestinal (TGI). Pode ser classificada como hemorragia digestiva
alta (HDA), quando o sítio de sangramento ocorre à montante do ângulo de Treitz e como
hemorragia digestiva baixa (HDB), quando à jusante da mesma referência anatômica [1].
As causas mais comuns de HDA (úlcera péptica, gastrite erosiva e varizes de esôfa-
go) e de HDB (doença diverticular, angiodisplasia e tumores) também podem surgir em
pacientes depois da cirurgia bariátrica [1].
Após um procedimento bariátrico, os sítios/causas de hemorragia digestiva podem
ser divididos em precoces e tardios. Quanto aos precoces (até 14 dias de pós-operatório)
há a linha de grampo, a anastomose gastro-entérica, a anastomose êntero-entérica, a lesão
de vísceras, a lesão de vasos mesentéricos e a lesão de vasos curtos. Quanto às mais tardias
(> 14 dias de PO), há a intussuscepção intestinal, a úlcera péptica duodenal, a úlcera de
estômago excluso, a síndrome de Mallory-Weiss e a úlcera marginal. O sangramento pode,
ainda, ser dividido em: intraluminal ou extra luminal [27].
A incidência global de sangramento digestivo após uma cirurgia bariátrica é relati-
vamente baixa, entre 1,9 % e 4,4 %; porém, ele é a segunda maior causa de complicações
relacionada à cirurgia. Pode ser um pouco mais significativo em laparoscopia se compa-
rado à técnica convencional (1,6 % vs. 0,6 %, respectivamente), com taxa de mortalidade
menor que 1% [1,3].
Em casos de hemorragias manifestadas precocemente (em até 48 horas de pós-ope-
ratório), cerca de 40% dos casos de sangramento intraluminal são originados no estômago
excluso, 30% na anastomose gastroentérica e 30 % na anastomose enterro-entérica. Focos
de sangramentos extra luminais são menos frequentes e ocorrem em sítio de punções
102 ABLS Brasil

de trocartes, de lesões de vísceras e de vasos mesentéricos. Sangramentos intracavitários


(extra luminal) também podem ocorrer no sleeve, e sua fonte principal é a linha de gram-
peamento [5,6].
As causas mais frequentes de sangramento tardio são as úlceras marginais localizadas
ao redor da gastrojejunostomia do bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR). Úlceras de
estômago remanescente e do duodeno são causas mais raras, mas, ainda assim, podem
ser encontradas, principalmente em pacientes portadores de diabetes mellitus tipo-2 [7-11].

Quadro clínico e diagnóstico


Manifestações clínicas de sangramento digestivo em pacientes bariátricos são muito
semelhantes às de qualquer outro pós-operatório. Taquicardia, hipotensão, sudorese fria,
palidez cutânea, tontura, confusão mental e baixo debito urinário são sinais de hipovolemia
e devem ser procurados em todo paciente com hipótese diagnóstica de hemorragia diges-
tiva. Nesses casos, deve-se adotar medidas imediatas de ressuscitação e de estabilização
hemodinâmica [10].
Concomitante às medidas de estabilização hemodinâmica, deve-se realizar uma
anamnese detalhada, identificar o período de pós-operatório (recente ou tardio) e a técnica
cirúrgica utilizada. Além disso, é importante pesquisar possíveis causas não relacionadas
com a cirurgia em si, como o uso de anticoagulantes ou de anti-inflamatórios [5-10].
A presença de hematêmese e/ou de melena indicam sangramento intraluminal. Já o
sangramento extra luminal pode ser mais difícil de se avaliar. Se o paciente estiver em pós-
-operatório recente e o cirurgião bariátrico tiver feito a opção pela drenagem da cavidade
abdominal, um débito sanguinolento, ou o aumento do débito, podem ajudar no diagnóstico.
Taquicardia, dor abdominal e sinais de hipovolemia podem ser os únicos sinais em caso de
ausência do dreno. O toque retal deve ser sempre realizado para avaliar o tipo de sangramento,
para diferenciar a melena de enterorragia. A contagem de hemoglobina e de hematócrito
pode indicar ocorrência de sangramento e auxiliar no acompanhamento clínico.

Exame endoscópico
A endoscopia digestiva alta (EDA) é um exame essencial e deve ser realizado o quanto
antes, tanto em casos de pós-operatório precoce quanto tardio, pois, além de possibilitar
o diagnóstico, pode ser terapêutico em alguns casos [9].
103 ABLS Brasil

Em casos de gastrectomia vertical (sleeve), toda a cirurgia bariátrica pode ser investi-
gada por EDA, uma vez que o procedimento cirúrgico se resume a uma intervenção sobre
o estômago - não há segmentos exclusos ao trânsito intestinal. Já para pacientes submetidos
ao bypass gástrico, o pouch gástrico e a gastrojejunoanastomose são facilmente acessíveis
por EDA. Não obstante, a êntero-êntero-anastomose e os segmentos exclusos (estômago
e duodeno) são de difícil acesso e requerem centros de endoscopia avançada com endos-
copistas bastante treinados. Por vezes, é necessário o acesso cirúrgico (gastrostomia) para
permitir a investigação endoscópica do estômago remanescente e do duodeno. Na ausência
desses recursos mais avançados, uma abordagem cirúrgica não deve ser protelada em caso
de pacientes com sangramento agudo e de repercussão hemodinâmica [11-13].

Exames de imagem
Exames de imagem padrão-ouro para sangramento digestivo são os mesmos ado-
tados para etiologias não relacionadas à cirurgia bariátrica. Além de orientar o sítio de
sangramento, a angiografia pode possibilitar a embolização como tentativa de parar o
sangramento ativo, principalmente em pacientes instáveis e deve ser utilizada apenas em
caso de falha endoscópica.
Alguns aparelhos de tomografia computadorizada ou de ressonância magnética po-
dem simular uma gastroduodenoscopia virtual, sugerindo a localização da lesão, porém,
não permitem análise de mucosa luminal e servem para orientar a abordagem cirúrgica.
Também evidenciam distensão de alças e estômago bem como coleção líquida intracavitária.

Tratamento clínico
Medidas para estabilização hemodinâmica do paciente são sempre a primeira e prin-
cipal etapa a ser adotada. Condutas para ressuscitação e estabilização hemodinâmica em
pacientes bariátricos em nada diferem daquelas adotadas para pacientes não bariátricos.
A abordagem depende, sobretudo, da gravidade do quadro clínico, do tempo de
pós-operatório e do possível local de sangramento. Ela poderá ser controlada, de maneira
geral, por medidas clínicas, já que o sangramento é autolimitado na maioria dos pacientes.
Inibidores de bomba de prótons, sucralfato, reposição volêmica, interrupção de anticoa-
gulantes e anti-inflamatórios e monitorização serão suficientes grande parte das vezes. Em
alguns casos, uma hemotransfusão também pode ser necessária. Em casos de sangramento
intraluminal, a abordagem endoscópica pode ser resolutiva. Somente uma pequena parcela
dos pacientes irá necessitar de abordagem cirúrgica (laparoscópica ou laparotômica).
104 ABLS Brasil

Tratamento endoscópico
A abordagem endoscópica é o método de eleição para tratar grande parte das condi-
ções. A endoscopia pode ser realizada em qualquer tempo de pós-operatório, desde que por
mãos experientes. Pode ser realizada com insuflação de CO2 ou pela técnica “underwater”
para maior segurança em casos precoces [13].
Uso de endoclipes, injeções de epinefrina, eletrocoagulação ou ablação com plasma de
argônio são alguns dos métodos endoscópicos utilizados e mais disponíveis. Outra opção,
se disponível, é a sutura endoscópica ou “overstitch” - mecanismo de sutura endoscópica
com fio inabsorvível. O endoscopista deve estar familiarizado com a anatomia pós-ope-
ratória e deve ter o cuidado de não insuflar demasiadamente, evitando, assim, o aumento
de tensão nas linhas de grampeamento [13-15].
A SBCBM está desenvolvendo um programa de orientação sobre endoscopia em
cirurgia bariátrica denominado EBLS (Endoscopic Bariatric Life Support), com ênfase na
atuação do médico endoscopista frente às urgências bariátricas.

Tratamento cirúrgico
Nos casos em que as medidas clínicas e endoscópicas não são suficientes para controlar
as repercussões hemodinâmicas do sangramento, a abordagem cirúrgica deve ser consi-
derada. Essa opção terapêutica deve ser analisada, sobretudo, se o sangramento ocorrer
nas primeiras 48 horas de pós-operatório e for extra luminal (não acessível à endoscopia).
A via de acesso ao abdome depende da via de acesso da cirurgia bariátrica primária
e da expertise em laparoscopia da equipe cirúrgica de plantão. Se o paciente foi prima-
riamente operado por via aberta (laparotomia) e o cirurgião geral de plantão não possuir
treinamento avançado em laparoscopia, a abordagem cirúrgica deve ser feita por laparo-
tomia, sem retardo. Em casos de grave instabilidade hemodinâmica, a via laparotômica
pode ser mais rápida e segura. Lembre-se: a via laparoscópica foi utilizada em condições
eletivas. O sangramento digestivo grave é uma emergência médica. Situações diferentes
requerem abordagens diferentes.
O objetivo da abordagem cirúrgica é buscar o local do sangramento e promover
a hemostasia cirúrgica, como habitualmente é feito em pacientes não bariátricos. No
entanto, não raramente, o achado intraoperatório resume-se à presença de hematomas
intracavitários; não sendo possível identificar o local exato do sangramento. Nesses casos, a
retirada dos hematomas e a lavagem da cavidade podem ser as únicas medidas cirúrgicas. A
105 ABLS Brasil

drenagem “sentinela” da cavidade abdominal é uma manobra muito controversa; a decisão


de realizá-la depende da experiência pessoal do cirurgião geral de plantão.
Uma sobressutura manual da linha de grampeamento pode ser realizada em pacientes
com menos de 48 horas de pós-operatório e sem identificação do local de sangramento,
sobretudo naqueles submetidos ao sleeve.
Em casos de pacientes submetidos ao bypass gástrico, essa mesma sobressutura do
estômago excluso deve ser considerada. Em casos extremos, uma gastrectomia do estômago
remanescente pode ser considerada quando há sangramento importante [16-21]. Lembre-se:
em casos de cirurgias bariátricas com derivação, como o BGYR, parte do TGI (estômago
e duodeno) não será facilmente acessada pela endoscopia quando há sangramento persis-
tente ou ressangramento.

Considerações finais
Hemorragia digestiva após cirurgia bariátrica é uma complicação que, na maior
parte das vezes, é autolimitada, mas que requer muita atenção do cirurgião. Estabilização
hemodinâmica é o tratamento primordial e a decisão cirúrgica não pode ser retardada.
106 ABLS Brasil

DICAS
▶ A hemorragia digestiva pós cirurgia bariátrica deve ser abor-
dada precocemente, lembrando-se das particularidades de cada técnica
cirúrgica;
▶ Toda a cirurgia está acessível à endoscopia na gastrectomia
vertical (sleeve);
▶ No bypass gástrico, a endoscopia pode diagnosticar e tratar
sangramentos de origem do pouch gástrico, na anastomose gastrojejunal
e, na maior parte das vezes, na entero-entero-anastomose;
▶ A enteroscopia de balão é o exame recomendado para sangra-
mentos em estômago excluso;
▶ A abordagem cirúrgica deve ser individualizada em casos de
necessidade ou falta de recursos terapêuticos.
107 ABLS Brasil

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109 ABLS Brasil

CAPÍTULO 11

ENDOSCOPIA BARIÁTRICA DE URGÊNCIA


E EMERGÊNCIA
FLÁVIO KREIMER
LUCIANA TEIXEIRA DE SIQUEIRA

Introdução
Com a crescente frequência de procedimentos cirúrgicos para controle de obesidade
mórbida, espera-se, também, um aumento o número absoluto de complicações pós-opera-
tórias. Algo em torno de 20% a 30% dos pacientes apresentam sintomas gastrintestinais após
uma cirurgia bariátrica, os quais podem demandar atendimento de urgência e emergência.
No total, 70% desses pacientes apresentam alterações endoscópicas [1].
Desse modo, a participação do endoscopista no diagnóstico e no tratamento de
pacientes bariátricos que chegam às emergências vem aumentando. As principais anor-
malidades encontradas no exame endoscópico realizado em caráter de emergência são:
úlcera marginal (27%-52%), estenose de anastomose (4%-19%), fístula digestiva (1%-
6%), hemorragia digestiva (0,6%-4%), impactação alimentar e deslizamento de anel de
contenção (2%-14%) [1-3].
O objetivo do presente capítulo é discutir os aspectos endoscópicos e terapêuticos das
complicações bariátricas que necessitam de intervenção em urgência/emergência.

Complicações mais comuns no bypass gástrico e no sleeve

Complicações após a cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) ocorrem,


predominantemente, na anastomose gastrojejunal. Dentre elas, encontra-se o sangramento
que geralmente acontece no pós-operatório precoce (dentro das primeiras horas/dias pós-
cirúrgicas) [4,5]. A estenose da anastomose, por sua vez, pode demorar de algumas semanas
ou meses para tornar o paciente sintomático [6]. A estenose da linha de grampeamento
110 ABLS Brasil

proximal na gastrectomia vertical (sleeve) pode ocorrer em até 4% dos pacientes [7]; seus
sintomas são os mesmos apresentados por pacientes submetidos ao bypass gástrico, os
quais são caracterizados clinicamente por disfagia, inicialmente para alimentos sólidos,
com progressão para intolerância a líquidos [8].

A úlcera marginal, que geralmente se apresenta na face jejunal da anastomose gastro-


jejunal, é uma complicação mais tardia do bypass gástrico, manifestando-se após algumas
semanas de pós-operatório [9]. Até hoje, sua exata etiologia não foi totalmente esclarecida
de forma que eventos como isquemia pós-operatória, presença de corpo estranho (fios de
suturas e grampos), uso de anti-inflamatórios não esteroidais, gastrite por Helicobacter
pylori e tabagismo possam desempenhar algum papel em sua patogênese [10-14].
Pacientes portadores de úlcera marginal podem apresentar sintomas inespecíficos,
tais como náuseas, mal-estar, dor epigástrica e falta de apetite. Alguns pacientes evoluem
para hematêmese, mas tal quadro raramente progride para situações clínicas de maior
gravidade, como o choque hemorrágico. Inibidores da bomba de prótons geralmente são
suficientes como solução terapêutica [15].
Deiscências e fístulas são complicações graves, que geralmente ocasionam altas taxas
de morbidade, sobretudo após o sleeve [16]. No sleeve, a fístula na linha de grampeamento
ocorre com maior frequência próxima à junção esofagogástrica (ângulo de His). Em caso de
bypass gástrico, ela acontece na anastomose gastrojejunal como também no ângulo de His.

Fístula digestiva
Considerada uma das mais graves complicações após cirurgia bariátrica, a fístula di-
gestiva pode ocorrer nas linhas de grampeamento (mais comum) ou nas anastomoses. Os
principais fatores de risco envolvidos incluem: idade avançada, IMC > 50 kg/m2, múltiplas
comorbidades, cirurgia revisional e pertencer ao gênero masculino [17].
A abordagem geral não difere muito daquela das fístulas digestivas em pacientes não
bariátricos. Como em todos os casos de fístulas digestivas, a terapêutica deve ser imediata
e agressiva, incluindo estabilização hemodinâmica em UTI, antibioticoterapia, suporte
nutricional e drenagem percutânea ou cirúrgica de coleção abdominal.
Diante da suspeita de fístula digestiva após cirurgia bariátrica, a endoscopia digestiva
alta (EDA) pode ser realizada precocemente, desde que o paciente tenha condições clínicas
para ser submetido a ela. O ideal é que seja realizada em unidade de terapia intensiva ou
em centro cirúrgico [18].
111 ABLS Brasil

Quando realizada precocemente, a EDA pode auxiliar na identificação do local e da


dimensão do orifício interno da fístula e de informações que possam ajudar na definição
da melhor estratégia terapêutica. Além disso, pode contribuir com o tratamento, por meio
da remoção de corpo estranho (fios de sutura, anel migrado), da tração de dreno intra-ab-
dominal - que pode estar no interior do orifício fistuloso - da identificação e da limpeza
da cavidade perigástrica - quando há abscesso presente – e do diagnóstico de estenose da
anastomose gastrojejunal, podendo permitir a dilatação com balão e a identificação de
septo entre a cavidade perigástrica e a bolsa gástrica, com indicação de septotomia [19,20].
A estratégia terapêutica endoscópica mais recomendada depende do tempo de evo-
lução clínica da fístula, conforme demonstrado na tabela 1.
A prótese autoexpansível geralmente é indicada nas fístulas com diâmetro maior que
10 mm, pela presença de estenose distal recidivante - quando há cavidade perigástrica -,
pela presença de área contaminada drenada na pele e pela identificação de fístula maior
que 30% da circunferência da anastomose.
O VAC (“Vacuum Assisted Closure”) consiste em uma esponja de poliuretano de
poros abertos conectada a uma bomba de vácuo através de uma sonda nasogástrica, cuja
extremidade distal fica no interior do orifício fistuloso. A pressão negativa localizada
estimula o tecido de granulação, gerencia o exsudato e a infecção, controla o edema e
aproxima as bordas.
Quando identificadas e tratadas precocemente, as fístulas, sejam após bypass gástrico
ou sleeve, apresentam evolução semelhante quanto à morbimortalidade; muito embora o
tempo para resolução da fístula, em geral, é mais prolongado no sleeve.

Tabela 1: Classificação das fístulas pós-bariátricas, conforme o tempo de evolução e


suas indicações de terapia endoscópica.
Classifi- Tempo de
Terapêutica endoscópica
cação evolução
Aguda < 7 dias prótese, VAC endoscópico, drenagem interna (DI)
com “pigtail”
Precoce 7 - 45 dias prótese, VAC endoscópico, DI com “pigtail”
Tardia 1,5 - 3 meses Septo: septotomia + dilatação com balão
Abscesso: VAC endoscópico, DI com “pigtail”
Crônica > 3 meses septotomia + dilatação com balão, VAC endoscópico
112 ABLS Brasil

Hemorragia digestiva
A hemorragia do trato GI superior ocorre em até 4% dos pacientes após o bypass
gástrico, ela é menos comum após o sleeve [3]. A maior parte da origem da linha de gram-
peamento da bolsa gástrica e da anastomose jejuno jejunal apresenta-se, tipicamente,
dentro do período de 48 horas após a cirurgia. Técnicas hemostáticas padrão, tais como o
uso de eletrocautério, plasma de argônio, injeção de epinefrina e “hemoclips” podem ser
aplicadas para controle do sangramento. Em poucos casos, será necessária uma endoscopia
revisional por ressangramento [21].
Ainda em relação ao tratamento, o manejo inicial consiste em medidas de ressuscita-
ção, em fluidoterapia, em transfusão de sangue e, sobretudo, em monitorar e determinar a
gravidade do sangramento, o qual depende do quadro clínico e do tempo de apresentação.
Isso é importante para descartar a hemorragia extra luminal [22]. Hipotensão, taquicardia,
palidez e vasoconstrição requerem reoperação. Se o sangramento ocorrer antes de seis
horas e vier acompanhado de queda no hematócrito, a reoperação também é necessária.
Entretanto, se o sangramento ocorrer após 48 horas e não apresentar alterações no hema-
tócrito, pode-se optar por tratamento clínico.
A endoscopia digestiva alta permite a avaliação diagnóstica e o tratamento em casos
de sangramento da bolsa gástrica ou de anastomose gastrojejunal; ela é usada com bastante
frequência no sangramento tardio pós-operatório. No entanto, há controvérsia no que diz
respeito ao seu uso no pós-operatório imediato, uma vez que não é isenta de riscos, tais
como deiscência de sutura e perfuração. A maior parte dos sangramentos é leve e limitada;
a endoscopia deve ser considerada se o ressangramento ocorrer após manejo conservador,
em caso de alterações hemodinâmicas ou de queda no hematócrito. No entanto, o trata-
mento conservador resolve a maior parte dos sangramentos agudos [23].
Endoscopia de duplo balão pode ser realizada com extrema cautela nos casos em que
a origem do sangramento não é encontrada, mas suspeita-se estar no estômago excluído,
pois representa um risco maior de deiscência anastomótica [24]. Contudo, a técnica da en-
doscopia de duplo balão é um método de exceção, por estar disponível em apenas poucos
centros no Brasil.

Impactação alimentar
A maior parte dos casos de impactação alimentar está associada à presença de anel de
contenção (principalmente no bypass gástrico) ou aos erros no ato da alimentação, como
mastigação insuficiente e ingesta rápida. Outros fatores envolvidos incluem a estenose do
113 ABLS Brasil

pouch gástrico ou da anastomose gastrojejunal, o deslizamento de anel ou da banda gástrica


e a dismotilidade esofágica [25].
O quadro clínico geralmente é bem característico e suficiente para alta suspeição diag-
nóstica, incluindo náuseas e vômitos, regurgitação, sialorreia, desconforto epigástrico, dor
retroesternal e, às vezes, desidratação. Em alguns casos, pode ocorrer melhora espontânea
do quadro clínico sem qualquer intervenção. Nesses casos, a endoscopia pode ser adiada.
Uma vez indicada, a endoscopia deve ser realizada com sedação leve, dado o risco de
broncoaspiração. Na maior parte dos casos, é possível intervir diretamente no alimento
impactado e agir seletivamente, com pinças tipo basket, alça de polipectomia e pinças
tipo corpo estranho. Após a desobstrução, o exame deve investigar fatores causais, como
erosão e deslizamento de anel ou estenoses, os quais devem ser posteriormente abordados,
endoscópica ou cirurgicamente.

Considerações finais
Existe um consenso de que o manejo endoscópico se tornou fundamental para o
diagnóstico e o tratamento de complicações pós-operatórias da cirurgia bariátrica, pois
tem a vantagem de ser minimamente invasivo e de atuar apenas na área acometida do tra-
to gastrointestinal. Além disso, a participação efetiva da equipe multidisciplinar permite
variadas possibilidades de tratamento, as quais devem ser aplicadas de forma individuali-
zada, seja em combinação ou sequencialmente, para promover menor morbimortalidade
e recuperação eficaz dos pacientes.
114 ABLS Brasil

DICAS
▶ Após uma cirurgia bariátrica, de 20 a 30% dos pacientes apre-
sentam sintomas gastrintestinais e 70% deles apresentam alterações
endoscópicas;
▶ O manejo endoscópico é fundamental para o diagnóstico e o
tratamento das complicações pós-operatórias;
▶ As principais complicações encontradas são: úlcera marginal,
estenose de anastomose, fístula digestiva, hemorragia digestiva, impac-
tação alimentar e deslizamento de anel;
▶ A terapêutica inicial deve ser imediata e agressiva, com estabili-
zação hemodinâmica, antibioticoterapia, suporte nutricional e drenagem
percutânea ou cirúrgica de coleção abdominal. A endoscopia digestiva
alta também pode ser realizada precocemente;
▶ A prótese auto-expansível e VAC (“vacum assisted closure”)
podem ser opções de tratamento endoscópico.
115 ABLS Brasil

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25. Maluf-Filho F, Lima MS. O papel da endoscopia na cirurgia bariátrica. Einstein. 2006;Supl
1: S114-9.
117 ABLS Brasil

CAPÍTULO 12

TÉCNICAS OPERATÓRIAS
JOSÉ ALFREDO SADOWSKI
JOÃO CAETANO MARCHESINI
GUSTAVO RODRIGUES ALVES CASTRO

ESVAZIAMENTO DE UMA BANDA GÁSTRICA AJUSTÁVEL

Introdução
Desde o início de sua utilização em 1993, a banda gástrica ajustável (BGA) laparoscó-
pica (Figura 1) contribuiu para o crescimento dos procedimentos minimamente invasivos
bariátricos e, por algum tempo, chegou a ser o procedimento de escolha [1]. Após 2008,
houve um decréscimo significativo nas indicações de BGA em decorrência das diversas
complicações relacionadas ao dispositivo e da menor eficácia no controle da obesidade em
comparação ao bypass gástrico e ao sleeve [2,3]. As complicações e falhas terapêuticas leva-
ram a uma expressiva taxa de cirurgia revisional para conversão em outros procedimentos
bariátricos [4]. No Brasil, atualmente, a BGA é um procedimento em desuso; porém, ainda
existem muitos pacientes com bandas colocadas há vários anos, os quais podem apresen-
tar-se à emergência médica com sintomas que possam ser relacionados à ela.

Indicações clínicas
A disfagia aguda é observada em alguns pacientes no pós-operatório imediato de
colocação da banda. É causada por excesso de gordura perigástrica, pois deixa a banda
apertada, ou por edema pós-operatório. Essa disfagia, às vezes até para saliva, pode levar
aproximadamente 10 dias para melhorar. O uso de corticoides intravenosos e de dieta líqui-
da restrita ajudam a melhorar o edema e a solucionar o quadro. Caso não haja melhora, é
necessário ajustar a banda ou até mesmo esvaziá-la. A disfagia pode ser causada, também,
por impactação do bolo alimentar ou por deslizamento da banda [5].
O deslizamento agudo de uma banda é definido pelo prolapso cefálico da porção
inferior do estômago com consequente deslizamento caudal da banda. Sua incidência esti-
118 ABLS Brasil

Fig 1. Desenho esquemático mostrando uma banda gástrica ajustável


posicionada na porção superior (proximal) do estômago.

Fig 2. Radiografia contrastada de estômago mostrando banda gástrica


ajustável bem posicionada.
119 ABLS Brasil

mada varia entre 1% e 3% e pode causar a obstrução completa do estômago [6]. Vômito em
grande quantidade e dor epigástrica são relatados no início do quadro. O manejo durante
a emergência requer imediato esvaziamento da BGA enquanto os exames complementares
são realizados. O exame de escolha para o diagnóstico é uma radiografia contrastada de
esôfago e estômago. A radiografia em incidência anteroposterior mostra a posição hori-
zontal (ou vertical) da banda, ao passo que a posição normal é oblíqua, de 45° (Figura 2).

Técnica de esvaziamento do conteúdo da BGA


O esvaziamento do conteúdo da BGA é um procedimento simples, sendo passível de
execução por todo médico emergencista. O portal pode ser de difícil palpação, principal-
mente em pacientes muito obesos, mas normalmente o paciente sabe informar a localização.
As posições mais comuns são no flanco esquerdo e na região sub-xifoidiana. Pode estar
mais superficial (subcutâneos) ou mais profundo, geralmente fixo no plano aponeurótico.
Se houver dificuldade em sua localização, uma radiografia simples do abdome pode ajudar.
O procedimento de esvaziamento deve seguir todos os cuidados de assepsia a fim de
evitar-se contaminação do sistema da BGA - uma agulha de 40mm x 12mm (rosa) pode
ser utilizada. O portal deve ser posicionado entre os dedos polegar e indicador da mão

Fig 3. Desenho esquemático mostrando a técnica de punção do


portal subcutâneo para ajuste de conteúdo (esvaziamento) da banda
gástrica ajustável.
120 ABLS Brasil

não dominante de forma a segurá-lo, o centro macio deve ser identificado e a agulha deve
ser suavemente introduzida até encostar na base metálica do portal. O fluido deve, então,
ser aspirado até o completo esvaziamento do dispositivo (Figura 3).
Dependendo da marca, uma banda pode conter de 4 a 12 ml de solução salina. Caso
a agulha encoste na base metálica e não seja possível aspirar líquido algum, duas situações
devem ser consideradas: o “cuff ” da BGA pode estar vazio (rever a história clínica) ou o
portal pode estar virado com a parte puncionável para a aponeurose. Normalmente, ob-
serva-se alívio imediato dos sintomas após a aspiração do fluido [5].

Considerações finais
A BGA é um procedimento que está praticamente em desuso nos dias atuais; porém,
ainda existem pacientes que foram submetidos ao procedimento há muitos anos e que
podem apresentar complicações que demandem a atuação imediata do médico emergen-
cista. Todo médico plantonista em serviço de urgência/emergência deve saber esvaziar o
conteúdo da BGA, pois trata-se de um procedimento simples que, se realizado pronta e
adequadamente, pode evitar complicações adicionais mais graves, além de oferecer alívio
imediato dos sintomas.
121 ABLS Brasil

DICAS
▶ A banda gástrica possui elevada taxa de complicações tardias;
▶ O deslizamento da banda causa disfagia aguda, dor epigástrica
e vômitos; ele requer esvaziamento imediato. Não se deve aguardar pelo
cirurgião bariátrico;
▶ Todo médico emergencista deve conhecer a técnica correta para
esvaziar o conteúdo de uma banda gástrica: localizar o portal por meio
de palpação, segurá-lo entre os dedos polegar e indicador, identificar
o centro macio, introduzir uma agulha de 40mm x 12mm (rosa) até
encostar na base metálica do portal e aspirar o fluido;
▶ Alívio imediato dos sintomas é esperado após aspiração do
líquido.
122 ABLS Brasil

TORÇÃO DE EIXO (“TWIST”) NA GASTRECTOMIA VERTICAL (SLEEVE)

Introdução
O número de gastrectomias verticais (sleeve) tem aumentado na última década em
todo o mundo. Apesar de ser considerada um procedimento tecnicamente mais simples,
não está isenta de complicações; a técnica cirúrgica, em si, é o principal fator determinante
de complicações pós-operatórias [7]. Além de fístulas da linha de grampeamento, outra
complicação grave é a estenose do tubo gástrico, cuja taxa de ocorrência oscila entre 0,1%
e 3,9% [8].
A estenose do tubo gástrico no sleeve pode ser tanto física (mecânica), por estreita-
mento do lúmen, quanto funcional, por rotação axial ou acotovelamento do órgão.
A estenose mecânica ocorre em até 3% dos casos, mais comumente na altura da
incisura angular [9]. A estenose funcional, por sua vez, é causada pela torção (rotação ou
acotovelamento) do tubo gástrico ao longo do seu eixo longitudinal, o que leva à ocorrên-
cia de um mecanismo semelhante ao de uma válvula, fato que dificulta o esvaziamento
gástrico. A figura 4 demonstra, esquematicamente, da esquerda para direita, um sleeve sem
obstrução mecânica ou funcional, um sleeve com estenose mecânica na incisura angular
e um sleeve com estenose funcional por torção do tubo gástrico.

Fig 4. Desenhos esquemáticos mostrando, da esquerda para a direita, um tubo gástrico (sleeve) normal, um slee-
ve com estreitamento luminal (estenose) na altura da incisura angular e um sleeve com rotação parcial do eixo.
123 ABLS Brasil

Etiopatogenia
Anatomicamente, o estômago é fixado pelos ligamentos gastro-esplênico, gastro-
-hepático, gastro-frênico e gastro-cólico. Os ligamentos gastro-esplênico, gastro-cólicos e
aderências da parede posterior do estômago são seccionados no sleeve, o que deixa o tubo
gástrico menos fixo e pode propiciar a rotação do eixo longitudinal. Porém, o mecanismo
mais provável, tanto da torção quanto do acotovelamento, é a tração desigual das porções
anteriores e posteriores do estômago durante o grampeamento, fato que resulta em linha
de grampeamento tortuosa ou espiralada [10].

Quadro clínico
Os sintomas podem ser precoces ou tardios. Os pacientes podem apresentar de
náuseas, dor epigástrica, regurgitação do alimento retido e vômitos não biliares a disfagia
severa com sialorreia.

Diagnóstico
A radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno é o primeiro exame diag-
nóstico a ser realizado, pois pode evidenciar torção ou acotovelamento em mais de 80%
dos casos. Tipicamente, o contraste fica retido (ou com retardo de esvaziamento) na parte
superior do tubo gástrico; frequentemente observa-se dilatação da parte proximal, tanto
nos casos de estenose funcional (torção) quanto nos casos de estenose mecânica (Figura 5).
A tomografia computadorizada de abdome deve ser solicitada quando a radiografia
contrastada for negativa ou deixar dúvidas.
A endoscopia digestiva alta deve ser realizada para caracterizar a natureza da esteno-
se (mecânica X funcional); ela é diagnóstica e, muitas vezes, possibilita alguma manobra
terapêutica. Algumas vezes, a torção identificada no estudo contrastado não é confirmada
na endoscopia, muito provavelmente em decorrência da insuflação intraluminal, a qual
pode “retificar” o tubo gástrico e mascarar a torção [11].

Tratamento
O tratamento inicial é endoscópico. Pacientes com estudo contrastado ou com to-
mografia computadorizada sugestivos de torção do tubo gástrico devem ser submetidos
à endoscopia digestiva alta. A endoscopia pode mostrar um segmento gástrico proximal
dilatado e uma área estreita ou tortuosa no corpo gástrico. É possível realizar o tratamento
124 ABLS Brasil

Fig 5: Radiografia contrastada mostrando retardo no esva-


ziamento do contraste com retenção de contraste na porção
proximal do sleeve.
endoscópico por dilatação com balão de acalasia ou por colocação de próteses autoexpan-
síveis. As taxas de sucesso do tratamento endoscópico são superiores a 90% [10].
Impõe-se o tratamento cirúrgico em casos de falha do tratamento endoscópico. A
cirurgia pode resumir-se a simples lise de aderências responsáveis pela torção do tubo
gástrico. A fixação da linha de grampeamento no grande omento (omentopexia) é uma
manobra controversa que tem sido utilizada por alguns cirurgiões bariátricos para melhor
fixar o tubo gástrico e para manter o eixo longitudinal. Por fim, a conversão para bypass
gástrico pode ser a opção mais resolutiva de cirurgiões mais experientes.

Considerações finais
A torção do tubo gástrico é uma complicação do sleeve que pode levar a sintomas
leves, como intolerância alimentar, disfagia completa para líquidos com intensa sialorreia
e dor epigástrica. O diagnóstico geralmente é confirmado por uma simples radiografia
contrastada de esôfago-estômago-duodeno (EED). A abordagem endoscópica, sempre que
125 ABLS Brasil

possível, deve ser a primeira opção terapêutica. Intervenção cirúrgica em urgência médica
é reservada a casos mais graves, quando a endoscopia não consegue ser resolutiva ou não
está prontamente disponível.
126 ABLS Brasil

DICAS
▶ A causa mais provável da torção do sleeve é a tração assimétrica
das porções anteriores e posteriores do estômago durante o grampeamento,
resultando em uma linha de grampeamento tortuosa ou espiralada;
▶ A radiografia contrastada é diagnóstica em mais de 80% dos casos;
▶ Em casos duvidosos ou com radiografia contrastada negativa, é
necessário solicitar tomografia computadorizada de abdome com contraste
oral;
▶ Sempre solicitar endoscopia digestiva alta, pois o tratamento inicial
é endoscópico com dilatação com balão de acalasia ou com colocação de
endopróteses;
▶ O tratamento cirúrgico varia desde lise de bridas até a conversão
para bypass gástrico.
127 ABLS Brasil

TROMBOSE VENOSA PORTOMESENTÉRICA

Introdução
A trombose aguda da veia porta e/ou da veia mesentérica superior tem sido cada
vez mais relatada após cirurgia bariátrica, particularmente após a gastrectomia vertical
laparoscópica. A incidência da trombose portomesentérica após a gastrectomia vertical
laparoscópica pode variar de 0,3 a 1% [12].
Possíveis etiologias incluem: obesidade, trombofilia sistêmica, redução do fluxo
esplâncnico/portal secundário ao aumento da pressão abdominal pelo pneumoperitônio,
potenciais lesões térmicas ao sistema venoso esplâncnico durante a dissecção, posição de
Trendelenburg reversa - o que pode aumentar a estase venosa - e vasoconstrição simpática
induzida pela hipercarbia da laparoscopia com subsequente liberação de vasopressina [13,14].
Causas específicas relacionadas à gastrectomia vertical laparoscópica (sleeve) que
podem levar a trombose portomesentérica incluem trauma mecânico/térmico na arcada
gastroepiplóica esquerda e nos vasos gástricos curtos durante a dissecção da grande curva-
tura, compressão da tríade portal pelo retrator de fígado, dissecção intempestiva próxima
ao piloro e na região posterior do estômago ao longo da veia esplênica e predisposição à
desidratação no período pós-operatório [15,16].
A trombose das veias porta e mesentérica tem relação com a alta morbidade, e até
mesmo, eventualmente, mortalidade. Complicações mais graves podem variar de infarto
intestinal imediato até problemas tardios relacionados com hipertensão portal [17].

Quadro clínico e diagnóstico


A apresentação clínica é bastante inespecífica e exige alto grau de suspeição diagnós-
tica. Os sintomas dependem do grau e da extensão da trombose e vão variar conforme a
congestão, o infarto ou a isquemia do baço, do tubo gástrico, dos intestinos ou do fígado. Os
sintomas também podem ser insidiosos ou agudos e precoces ou tardios. Dor epigástrica é o
sintoma mais comum, podendo ser difusa, vaga, em hipocôndrios ou irradiada para dorso.
Febre, taquicardia e leucocitose não são esperadas em todos os casos. Casos crônicos, em
contrapartida, podem mostrar hematêmese decorrente da rotura de varizes esofágicas [18].
A tomografia computadorizada de abdome com contraste intravenoso é exame
diagnóstico de eleição. A ultrassonografia com efeito doppler também pode ser utilizada;
porém, com menor acurácia.
128 ABLS Brasil

Tratamento
Ainda não existe unanimidade acerca do tratamento ideal para trombose portome-
sentérica pós-cirúrgica; talvez, devido à baixa incidência (diagnóstico) dessa doença. O
tratamento baseia-se na prevenção de complicações agudas e crônicas, interrompendo e
revertendo a progressão do trombo, e no tratamento das complicações agudas, principal-
mente o infarto intestinal [18].
O principal objetivo do tratamento é a revascularização das veias porta e mesentérica.
Após o diagnóstico e a identificação do trombo, é indicado o uso imediato de anticoagulan-
tes. Benefícios da anticoagulação precoce em pacientes com trombose venosa portomesen-
térica foram comprovados em diversos estudos [19]. Sem tratamento, a extensão do trombo
para a arcada venosa mesentérica pode causar infarto intestinal, cuja mortalidade relatada
chega a 50% [20]. A duração ideal do uso do anticoagulante ainda não está bem estabelecida,
mas, em geral, um período de 3 a 6 meses de duração tem sido aceito e proposto [21]. Em
casos de trombofilias, decisões podem ser variadas; porém, o uso contínuo de anticoagu-
lantes é geralmente recomendado [22]. Essa abordagem conservadora com anticoagulantes
apresenta, de maneira geral, bons resultados em casos nos quais não há isquemia intestinal.
Apesar da literatura descrever o uso de trombolíticos em casos mais graves e de não
resposta ao uso de anticoagulantes, ainda faltam evidências para indicar seu uso rotineiro.
Isso deve-se ao fato de sua aplicação ser descrita apenas em relatos de caso ou em peque-
nas séries. Contudo, alguns autores acreditam que a trombólise pode ser útil em casos
selecionados [23].
Para situações de abdome agudo com instabilidade clínica ou sinais radiológicos de
isquemia intestinal, o tratamento cirúrgico deve ser prontamente indicado para ressecção
dos segmentos intestinais acometidos e, eventualmente, para trombectomia.

Considerações finais
Trombose portomesentérica pós cirurgia bariátrica apresenta um quadro clínico
muitas vezes bastante inespecífico e exige do médico emergencista alto índice de suspeição
clínica. O diagnóstico precoce é muito importante para o resultado final do tratamento.
O uso de anticoagulante deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico. Apesar
de grande parte dos pacientes com trombose da veia porta e/ou mesentérica evoluírem,
satisfatoriamente com o uso de anticoagulantes, alguns necessitam de tratamentos mais
invasivos, como trombolíticos e/ou cirurgia.
129 ABLS Brasil

DICAS
▶ A trombose porto-mesentérica tem baixa incidência, sendo
mais comum após o sleeve;
▶ Exige alto índice de suspeição para diagnóstico em função de
sintomas inespecíficos (o mais comum é a dor abdominal);
▶ A tomografia computadorizada com contraste intravenoso é o
exame de eleição;
▶ A anticoagulação deve ser instituída prontamente em pacientes
sem sinais clínicos de isquemia intestinal;
▶ O tratamento cirúrgico deve ser indicado para pacientes ins-
táveis, com sinais radiológicos de isquemia intestinal ou com sinais de
peritonite durante o exame físico.
130 ABLS Brasil

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132 ABLS Brasil

AGRADECIMENTOS
1- Prof. Dr. João Batista Marchesini, membro emérito e ex-presidente da SBCBM,
pela cessão de uso da figura 2.
2- Prof. Dr. Eduardo Lemos de Souza Bastos, membro titular da SBCBM, pela cessão
de uso da figura 5.
133 ABLS Brasil

CAPÍTULO 13

ABORDAGEM CIRÚRGICA DO ABDOME AGU-


DO APÓS CIRURGIA BARIÁTRICA: DICAS E
TRUQUES PARA O CIRURGIÃO GERAL
EDUARDO LEMOS DE SOUZA BASTOS
ALMINO CARDOSO RAMOS
JULIANO BLANCO CANAVARROS

Introdução
Abdome agudo é uma condição clínica frequente nos serviços de urgência e emer-
gência, uma vez que a dor abdominal é a razão principal de cerca de 5% de todos os aten-
dimentos. Em quase 10% desses casos, o tratamento necessitará de intervenção cirúrgica
de urgência [1]. Apesar de ser uma síndrome clínica já há muito conhecida, ainda não há
uma definição universalmente aceita para o abdome agudo. De maneira abrangente e não
consensual, o abdome agudo é um quadro clínico que pode englobar diversos sinais e sin-
tomas, mas que, caracteristicamente, apresenta-se como dor abdominal de início recente
(apresentação súbita), com intensidade variável, e que exige alguma terapêutica médica
imediata [2,3,4].
O abdome agudo pode ser classificado de diversas maneiras. Inicialmente, como
clínico ou cirúrgico, conforme método terapêutico primário (com ou sem procedimento
cirúrgico). É importante destacar que mesmo quadros de “abdome agudo clínico”, invaria-
velmente, ficam sob os cuidados diretos ou consultoria de um cirurgião. Outra classificação
geral bastante utilizada é categorizá-lo como traumático e não traumático. O abdome agudo
traumático (trauma abdominal) não será objeto de análise neste capítulo.
O abdome agudo não traumático, por sua vez, que neste capítulo será denominado
apenas pelo termo genérico “abdome agudo”, é didaticamente subdividido em perfurativo,
obstrutivo, inflamatório e vascular (isquêmico ou hemorrágico). Embora essa subdivisão
seja corriqueiramente empregada na prática clínica, por vezes não representa fielmente a
causa e a evolução clínica das doenças relacionadas ao abdome agudo. Desse modo, se as
condições clínicas do paciente assim permitirem, um aprofundamento diagnóstico foca-
134 ABLS Brasil

do na busca da causa exata da dor abdominal é sempre mais aconselhável do que apenas
diagnosticar o “tipo” de abdome agudo, pois permite um planejamento terapêutico mais
específico.
Indivíduos submetidos aos mais diversos procedimentos bariátricos estão tão
sujeitos aos quadros de abdome agudo quanto a população geral. Em algumas situações,
a incidência de certas doenças que levam a um abdome agudo pode ser até maior em
pacientes pós-bariátrica, como no caso de abdome agudo obstrutivo após cirurgias com
derivação intestinal, como o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR), por exemplo [5]. Dado
o exponencial aumento dos procedimentos bariátricos no Brasil nos últimos anos, a pro-
porção de indivíduos portadores de alterações anatômicas do tubo digestório decorrentes
de procedimentos bariátricos e que estão sujeitos ao desenvolvimento de um quadro de
abdome agudo também tende a aumentar. Portanto, um cirurgião geral não especializado
em cirurgia bariátrica, mas que trabalhe em serviço de urgência/emergência deve conhecer
minimamente a sistematização técnica principal e as variantes de cada um dos procedimen-
tos bariátricos (atuais ou mais antigos). Dessa forma, poderá, mais rapidamente, identificar
situações clínicas relacionadas ao procedimento bariátrico que levam aos mais diversos
quadros de abdome agudo e abordar com segurança um tubo digestório anatomicamente
alterado pela cirurgia bariátrica. Esse treinamento do cirurgião geral de plantão em serviço
de urgência/emergência é essencial [6], pois raramente esses indivíduos serão atendidos por
cirurgiões bariátricos.
Um cirurgião geral de plantão em pronto-socorro ou em pronto-atendimento
poderá se deparar com três situações de abdome agudo em pacientes pós-bariátrica. A pri-
meira, quando o quadro de abdome agudo não tem qualquer relação com o procedimento
bariátrico e a abordagem cirúrgica da doença que levou ao abdome agudo não é modificada
pelas alterações anatômicas decorrentes do procedimento bariátrico prévio. Como exemplo,
um paciente previamente submetido ao bypass gástrico que desenvolve apendicite aguda
(abdome agudo inflamatório) provavelmente não trará ao cirurgião qualquer implicação
ou mudança técnica no procedimento da urgência (apendicectomia).
Outra situação semelhante é aquela de paciente submetido à gastrectomia vertical
(sleeve) que apresenta abdome agudo por perfuração de divertículo no cólon esquerdo. A
abordagem técnica do abdome agudo perfurativo não deverá sofrer qualquer mudança por
causa do procedimento bariátrico prévio, seja ela rafia primária da perfuração, ressecção
segmentar do intestino grosso com anastomose primária ou mesmo derivação externa do
trânsito alimentar (colostomia).
A segunda situação é quando a causa do abdome agudo não tem relação com a cirurgia
bariátrica, mas as alterações anatômicas no tubo digestório decorrentes do procedimento
135 ABLS Brasil

bariátrico prévio podem interferir tecnicamente na cirurgia de urgência. Como exemplo,


um paciente portador de bypass gástrico que desenvolve quadro de necrose intestinal por
abdome agudo vascular isquêmico. Nesse caso, o planejamento cirúrgico da enterectomia
segmentar poderá ser modificado em função das alterações anatômicas nas alças intestinais.
Outra situação nesse grupo de pacientes seria aquele submetido previamente ao
bypass gástrico apresentando colecistite calculosa aguda com coledocolitíase. Nesse caso,
os cálculos migrados para a via biliar principal não poderão ser removidos por abordagem
de papilotomia endoscópica e necessitarão de estratégia de tratamento diversa.
Por fim, a terceira situação é quando o quadro de abdome agudo está diretamente
relacionado ao procedimento bariátrico prévio, como no caso de abdome agudo obstrutivo
decorrente de hérnia abdominal interna em espaços mesentéricos criados por técnicas
cirúrgicas bariátricas que envolvam derivações intestinais, como é o caso do bypass gás-
trico, por exemplo.
Em qualquer uma dessas três situações, mas especialmente nas duas últimas, é essen-
cial que o cirurgião geral de plantão em urgência/emergência conheça as alterações no tubo
digestório provocadas por cada procedimento bariátrico em específico. Antes de conduzir o
paciente para o centro cirúrgico, o cirurgião deve reunir o máximo de informações possíveis
acerca do procedimento bariátrico primário. Além de um detalhado histórico clínico e de
informações adicionais, quando disponíveis, advindas de relatório médico que descrevam
o procedimento bariátrico realizado; do acesso ao próprio prontuário do paciente ou ainda,
quando possível, de contato pessoal com o cirurgião bariátrico que realizou o procedimento.
Uma outra fonte de informação bastante confiável é questionar se paciente possui
o aplicativo Barilife®. Esse aplicativo, desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia
Bariátrica e Metabólica (SBCBM) permite o acesso a informações importantes em casos
de atendimento de urgência/emergência, tais como o tipo de cirurgia, o local e a data da
realização do procedimento, e nome do médico cirurgião que realizou o procedimento.
Tais cuidados podem minimizar o risco de “surpresas” durante a abordagem cirúr-
gica do abdome agudo na urgência. Lembre-se: muitos pacientes não sabem relatar com
precisão o procedimento bariátrico ao qual foram submetidos. Além disso, um mesmo
procedimento, como o bypass gástrico, por exemplo, pode ter diferentes desenhos técnicos.

Vias de acesso à cavidade abdominal


Em caso de quadro de abdome agudo “cirúrgico”, o acesso geral à cavidade abdominal
pode se dar, tradicionalmente, por duas vias: laparotômica ou laparoscópica. Embora a
136 ABLS Brasil

via laparoscópica tenha se consolidado como o meio de acesso preferencial em operações


abdominais eletivas, esta opção ainda enfrenta diversas limitações em situações de urgên-
cia, sobretudo nos serviços públicos (SUS). Desse modo, o cirurgião geral de plantão em
serviço de urgência/emergência deve considerar alguns fatores antes de decidir sobre a via
de acesso mais adequada, a saber:
1. Em hospitais que não dispõem de estrutura para realização de cirurgias lapa-
roscópicas eletivas, por óbvio, também não haverá estrutura para realizar qualquer
procedimento laparoscópico de urgência. Nesse caso, caberá ao cirurgião e ao pacien-
te, assim como a seus familiares e/ou responsáveis, a decisão de manter a operação
por laparotomia ou de tentar uma transferência para algum centro que disponha da
estrutura necessária para a abordagem laparoscópica - caso essa via de acesso seja
uma opção clinicamente segura.
Questões operacionais sobre uma possível transferência e, sobretudo, sobre o qua-
dro clínico do próprio paciente vão nortear essa decisão. A inexistência de estrutura para
abordagem laparoscópica dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), na visão do sistema
de Regulação Médica, costuma não se configura como motivo suficiente para justificar
uma transferência inter-hospitalar com essa finalidade. Lembre-se: postergar a abordagem
cirúrgica apenas porque o acesso laparoscópico não está disponível só é aceitável se não
impuser prejuízo ao tratamento do paciente. Uma laparotomia no tempo certo (precoce)
pode ser muito menos traumática para o paciente do que uma laparoscopia no tempo
errado (tardia).
2. Há hospitais que realizam cirurgias laparoscópicas eletivas, mas a estrutura
necessária não permanece disponível por 24 horas, como é o caso da caixa de instru-
mentais, de acesso aos materiais descartáveis (endogrampeadores, pinça de bisturi
ultrassônico, trocateres), de funcionários e instrumentador habilitados, do médico
cirurgião-auxiliar treinado em videocirurgia, entre outros. Todas essas variáveis de-
vem ser cuidadosamente checadas pelo cirurgião antes de propor uma abordagem
laparoscópica de urgência. Lembre-se: a cirurgia de urgência pode até exigir do cirur-
gião alguma criatividade, mas nunca o improviso. A estrutura física e humana para a
cirurgia de urgência deve ser, no mínimo, a mesma disponível em condições eletivas.

3. Além da estrutura local, o cirurgião deve sempre considerar algumas contraindi-


cações relativas à realização do acesso videolaparoscópico na urgência, tais como: (1)
distensão intestinal gasosa importante, como no caso de obstruções intestinais baixas,
o que pode diminuir consideravelmente o espaço do campo operatório e inviabilizar
a execução da técnica laparoscópica com segurança; (2) presença de sangramento
137 ABLS Brasil

intracavitário moderado/intenso, como em alguns casos de abdome agudo vascular


hemorrágico, o que pode trazer prejuízo à qualidade da imagem e acarretar dificul-
dades técnicas e/ou retardo no controle do foco do sangramento; (3) instabilidade
hemodinâmica (hipotensão arterial), quando o pneumoperitônio instalado pode
ocasionar diminuição do retorno venoso, com risco de piorar o equilíbrio hemodi-
nâmico; (4) laparotomias prévias, quando o excesso de aderências intra-abdominais
pode trazer dificuldade de acesso, com risco de lesões inadvertidas e prolongamento do
tempo operatório. Em suma, a técnica laparoscópica não deve se configurar em risco
adicional ao paciente, pois pode aumentar desnecessariamente o tempo operatório
ou propiciar operações tecnicamente deficientes ou incompletas. Lembre-se: mesmo
para cirurgiões com experiência em cirurgia laparoscópica, algumas situações clínicas
acabam por anular os benefícios normalmente atribuídos à laparoscopia, tornando a
laparotomia uma opção mais segura e vantajosa.
4. Mesmo se todas as condições descritas acima estiverem presentes, inclusive a
ausência de contraindicações relativas, o acesso abdominal por laparoscopia só deve
ser indicado por cirurgiões com treinamento e experiência suficientes para tal, pois,
em urgência, o fator “tempo operatório” pode ser decisivo, uma vez que, em geral,
os pacientes não se encontram em suas melhores condições clínicas. Mesmo para
cirurgiões com alguma experiência em cirurgias laparoscópicas eletivas, a abordagem
de um abdome agudo pode representar um desafio técnico mais complexo. Lembre-
-se: o cirurgião que propuser a abordagem laparoscópica na urgência tem que ter
treinamento suficiente para realizar, por laparoscopia, tudo o que seria realizado por
laparotomia, com a mesma eficiência e eficácia.
Inexistindo qualquer contraindicação clínica e/ou estrutural para abordagem video-
laparoscópica, e sendo o cirurgião de urgência plenamente habilitado, essa talvez seja a
via preferencial. Afinal, assim como já amplamente demonstrado em condições eletivas,
o mínimo trauma decorrente de uma abordagem laparoscópica pode contribuir signifi-
cativamente para uma melhor recuperação pós-operatória [7]. Além disso, uma cirurgia
laparoscópica pode ser convertida para laparotomia, caso necessário. O contrário, por sua
vez, não é verdade. A figura 1 expõe um fluxograma que pode auxiliar o cirurgião geral de
plantão em urgência/emergência na tomada de decisão sobre qual a via de acesso mais ade-
quada à cavidade abdominal frente a um caso de abdome agudo em paciente pós-bariátrica.
138 ABLS Brasil

Abordagem inicial do abdome agudo pós-bariátrica


Logo após realizar o acesso à cavidade abdominal, seja por laparotomia ou por
laparoscopia, o cirurgião deve confirmar o diagnóstico da doença que levou ao quadro de
abdome agudo e identificar se as alterações anatômicas no tubo digestório decorrentes do
procedimento bariátrico prévio correspondem às informações obtidas no pré-operatório.
Caso a doença que levou ao quadro de abdome agudo não tenha qualquer relação com
a cirurgia bariátrica, como apendicite aguda em um paciente previamente submetido ao
sleeve, por exemplo, o cirurgião deve prosseguir normalmente com a técnica preconizada
para o tratamento de abdome agudo. Lembre-se: o simples fato de um indivíduo ter sido
submetido a um procedimento bariátrico, por si só, não deve alterar a conduta cirúrgica
de urgência nesses casos. A apendicectomia continua sendo o melhor tratamento para a
apendicite aguda também em indivíduos pós-bariátrica.

Fig 1. Fluxograma para auxiliar na decisão de indicação da via de acesso à cavidade abdominal no abdome
agudo em pacientes pós-bariátrica.
139 ABLS Brasil

No entanto, alterações anatômicas decorrentes do procedimento bariátrico podem


estar envolvidas com a doença que provocou o abdome agudo. Há poucas particularidades
técnicas diante das principais causas de abdome agudo em pacientes submetidos aos proce-
dimentos que abordam exclusivamente o estômago, como banda gástrica ajustável (BGA)
e sleeve (Figuras 2 e 3, respectivamente). Situações de urgências cirúrgicas especificamente
relacionadas a esses procedimentos estão abordadas em outros capítulos deste manual.
Em indivíduos submetidos aos procedimentos bariátricos com derivação intestinal
e cuja causa do abdome agudo envolva a anatomia alterada do intestino delgado, alguns
cuidados técnicos podem evitar condutas equivocadas que, por sua vez, podem acarretar
ainda mais dificuldades técnicas no intraoperatório ou graves eventos adversos no pós-
-operatório. Nesses casos, é bastante aconselhável identificar a anatomia bariátrica antes
de abordar diretamente a causa do abdome agudo. Para tanto, a válvula ileocecal é o ponto
da partida mais seguro para identificar com mais precisão a disposição anatômica do in-
testino delgado pós-bariátrica. É a partir dela que o cirurgião deve, retrogradamente (”de
baixo para cima” - do íleo para o jejuno), prosseguir com a identificação e a mensuração
da anatomia do intestino delgado pós-bariátrica. Lembre-se: nenhuma técnica bariátrica
realizada atualmente aborda o intestino grosso. Sendo assim, todas as alterações anatômicas
estão localizadas proximalmente à válvula ileocecal.

Abordagem em pacientes com bypass gástrico (BGYR)


O intestino delgado deve ser mensurado desde a válvula ileocecal até o encontro de
uma anastomose êntero-entérica em casos de bypass gástrico, o que irá fornecer ao cirur-
gião o exato comprimento do canal comum, o qual é o principal segmento absortivo. O
comprimento do canal comum é bastante variável, já que, em geral, não é medido durante
a cirurgia primária, sobretudo naquelas operações que foram realizadas por laparoscopia.
A partir da anastomose êntero-entérica, haverá dois segmentos de intestino delgado. O que
geralmente está posicionado predominantemente do lado esquerdo do abdome do paciente
(ou à direita da visão laparoscópica do cirurgião) se refere ao segmento intestinal excluso
ao trânsito alimentar, chamado de alça biliopancreática. Esse segmento também deve ser
mensurado retrogradamente até a identificação da flexura duodeno-jejunal (ângulo de
Treitz). Regra geral, a alça biliopancreática costuma ter entre 80 a 150 cm, dependendo da
opção técnica do cirurgião bariátrico que realizou o procedimento.
O outro segmento, geralmente posicionado mais do lado direito do abdome do pa-
ciente (ou à esquerda da visão laparoscópica do cirurgião), é o que conecta a anastomose
êntero-entérica à anastomose gastrojejunal, chamada de alça alimentar (ou alça de Roux).
140 ABLS Brasil

Fig 2. Desenho esquemático de uma banda gástrica ajustável devida-


mente posicionada no segmento superior do estômago.

Fig 3. Desenho esquemático de uma gastrectomia vertical (sleeve).


141 ABLS Brasil

Esse segmento também deve ser identificado e mensurado e seu comprimento médio
costuma estar entre 60 e 120 cm, também a depender do desenho técnico escolhido pelo
cirurgião bariátrico que realizou o procedimento. A maior parte da alça alimentar encon-
tra-se, de maneira geral, no andar inframesocólico.
Existem duas formas principais utilizadas pelos cirurgiões bariátricos para fazer
com que essa alça alcance o andar supramesocólico de maneira a permitir a confecção da
anastomose gastrojejunal. A primeira maneira trata-se de abertura no mesocólon trans-
verso, chamada “via transmesocólica”. Hoje em dia, esta via tem sido raramente utilizada.
Porém, já foi a via preferencial de reconstrução na abordagem por laparotomia e no início
da experiência de abordagem laparoscópica. Nessa via, a alça alimentar fica posicionada
atrás do cólon transverso (posteriormente). A segunda forma é a via antecólica, na qual a
alça alimentar fica posicionada anteriormente ao colón transverso (Figura 4). Essa via tem
sido mais utilizada atualmente no bypass gástrico por laparoscopia.
Em geral, a identificação de qual via foi utilizada costuma ser um passo técnico bastan-
te simples. Por fim, há cirurgiões bariátricos que optam pela realização do bypass gástrico
dito “distal”, com um canal comum que pode ser tão curto quanto 150 cm [8]. Nesses casos,
deve-se abordar o bypass gástrico com os preceitos técnicos semelhantes aos aplicáveis a
um procedimento do tipo malabsortivo, tal qual a derivação biliopancreática / duodenal
switch (DBP-DS), por exemplo - que serão discutidos mais adiante neste capítulo.
Como o desenho técnico do bypass gástrico não inclui qualquer ressecção entérica, a
soma dos comprimentos dos três segmentos: canal comum, alça alimentar e alça biliopan-
creática, resultará no comprimento total do intestino delgado (jejuno-íleo). Embora possa
haver alta variação, sobretudo a depender do método de mensuração, o intestino delgado
normal costuma ter, em média, entre 650 e 750 cm de comprimento total [9,10]. Sendo assim,
diante do desenho técnico mais comum do bypass gástrico (alça biliopancreática entre 80
a 150 cm e alça alimentar entre 60 a 120 cm), o canal comum é um segmento que costuma
ter comprimento variando entre 450 e 550 cm.
Rafias de perfurações e/ou ressecções de curtos segmentos com anastomose primária
êntero-entérica podem ser realizadas em qualquer dos segmentos intestinais sem grandes
particularidades técnicas. No entanto, caso haja necessidade de retirada de um segmento
intestinal mais extenso, como em caso de isquemias mesentéricas, de necrose por estrangu-
lamento em hérnias internas ou de intussuscepção jejuno-jejunal (Figura 5), por exemplo,
o cirurgião deve observar alguns preceitos técnicos.
Quando a doença estiver afetando o canal comum, deve-se tentar manter o compri-
mento mínimo entre 200 e 300 cm, a fim de minimizar o risco de efeitos adversos rela-
cionados à síndrome de malabsorção. O comprimento mínimo do canal comum também
142 ABLS Brasil

Fig 4. Desenho esquemático de um bypass gástrico em Y-de-


-Roux, com alça alimentar (alça de Roux) ante cólica.

Fig 5. Fotografia de uma visão videolaparoscópica de intussuscepção intestinal, com sofri-


mento (isquemia) de segmento do intestino delgado.
143 ABLS Brasil

guarda relação com o comprimento da alça alimentar, uma vez que um comprimento
total entre 350 e 400 cm (somados os comprimentos da alça alimentar e do canal comum)
pode ser considerado seguro para evitar transtornos nutricionais. Ou seja, o objetivo é
tentar manter um comprimento absortivo de aproximadamente 350-400 cm, medido da
gastrojejunoanastomose até a válvula ileocecal.
Caso o segmento remanescente pós-ressecção do canal comum seja mais curto que
o recomendado/desejado, uma opção técnica é seccionar a alça alimentar junto à anas-
tomose êntero-entérica e reposicioná-la na alça biliopancreática o mais próximo possível
do ângulo de Treitz. Desse modo, o cirurgião encurtará a alça biliopancreática (segmento
excluso) e alongará o canal comum (segmento absortivo). Esse preceito técnico é tão mais
importante quanto maior for o fator de restrição gástrica imposta ao paciente por ocasião
do procedimento bariátrico primário, como em casos de pouch gástrico muito pequeno
e/ou com anel de restrição. A alça alimentar, por sua vez, também pode ser parcialmente
ressecada; porém, seguindo-se os princípios da reconstrução do trânsito alimentar em
Y de Roux, ela deve permanecer com cerca de 40-50 cm de extensão a fim de se evitar o
refluxo biliar [11]. Caso a extensão da ressecção resulte em uma alça alimentar muito curta,
uma opção técnica é seccionar a alça biliopancreática junto à anastomose êntero-entérica
e reposicioná-la mais distalmente, a fim de se restaurar o comprimento ideal da alça ali-
mentar à custa de um pequeno encurtamento do canal comum.
A alça biliopancreática (segmento excluso), muito comumente envolvida em hérnias
de espaços mesentéricos (sobretudo na hérnia de Petersen), pode ser parcialmente ressecada
sem maiores consequências. Lembre-se: não há uma sistematização técnica única para o
bypass gástrico. Identificar e mensurar os diversos segmentos intestinais (alça alimentar,
alça biliopancreática e canal comum) antes de abordar a causa do abdome agudo pode
evitar dificuldades técnicas no intraoperatório e minimizar o risco de graves complicações
pós-operatórias.

Abordagem em pacientes com bypass gástrico de uma


anastomose
O bypass gástrico de uma anastomose (One Anastomosis Gastric Bypass – OAGB, em
inglês), também conhecido como mini-bypass-gástrico, é um tipo de bypass gástrico ainda
não regulamentado no Brasil, mas que já tem sido realizado em alguns centros [12]. Neste
desenho técnico, a reconstrução do trânsito alimentar dá-se à moda Billroth-II. Portanto,
não há alça alimentar, alça biliopancreática e canal comum, mas sim uma alça aferente,
exclusa do trânsito alimentar e que geralmente fica posicionada mais do lado esquerdo do
144 ABLS Brasil

abdome do paciente; e outra eferente, inclusa no trânsito alimentar e posicionada mais à


direita do abdome do paciente. O limite distal da alça aferente e o início da alça eferente
é anatomicamente marcado por uma única anastomose gastrojejunal, posicionada no
andar supramesocólico. Assim como no bypass gástrico em Y-de-Roux, o cirurgião deve
identificar inicialmente a válvula ileocecal e, a partir dela, mensurar o intestino delgado até
à anastomose gastrojejunal, delimitando, assim, o comprimento da alça eferente. A partir
dessa anastomose, a alça aferente deverá, então, ser mensurada até o ângulo de Treitz, o
que geralmente corresponde a um segmento com cerca de 200 cm de extensão [13,14].
Por se tratar de um segmento intestinal excluso ao trânsito alimentar, a alça aferente
pode ser ressecada em qualquer extensão, pois seu encurtamento não acarreta qualquer
implicação técnica para a cirurgia de urgência pós-bariátrica. A alça eferente, por outro
lado, não pode ser encurtada em demasia sob risco de graves complicações nutricionais,
pois corresponde ao único segmento absortivo. Se após uma enterectomia mais extensa
na alça eferente o comprimento remanescente for menor que 250-300 cm, a anastomose
gastrojejunal deve ser desfeita e reposicionada em um segmento da alça aferente mais
próximo ao ângulo de Treitz, para encurtar a alça aferente (segmento excluso) e alongar a
eferente (segmento absortivo). Isso deve ser feito para minimizar o risco de complicações
pós-operatórias relacionadas à síndrome de malabsorção. Lembre-se: os princípios técnicos
utilizados para a realização de uma cirurgia bariátrica e metabólica não devem se sobrepor
ao tratamento seguro do abdome agudo. Primariamente, trate a urgência.

Abordagem em pacientes com operações malabsortivas


Similar ao bypass gástrico tradicional, a reconstrução do trânsito alimentar de uma
derivação biliopancreática com duodenal switch (DBP-DS) é feita em Y-de-Roux. Nessa
técnica, além da derivação intestinal, o estômago do paciente foi submetido a uma gas-
trectomia vertical (sleeve). Ao proceder com a identificação de alterações anatômicas do
intestino delgado a partir da válvula ileocecal, o cirurgião deverá se deparar com um canal
comum bem mais curto (em torno de 100 a 150 cm), uma alça alimentar de comprimento
um pouco maior que a do bypass gástrico (150 a 200 cm) e uma alça biliopancreática mui-
to longa, que engloba todo o restante do intestino delgado [15]. Diferentemente do bypass
gástrico, não há muito espaço para ressecções intestinais no canal comum na DBP-DS
sem o risco de acarretar graves efeitos adversos decorrentes da síndrome de malabsorção.
Se houver necessidade de qualquer enterectomia nesse segmento intestinal, o cirur-
gião deverá considerar a possibilidade de reposicionar a anastomose êntero-entérica mais
proximalmente para restaurar o comprimento mínimo do canal comum - sempre às custas
145 ABLS Brasil

do encurtamento da alça biliopancreática (segmento excluso). O tratamento das alças


alimentar e biliopancreática deve ser muito semelhante ao aplicável em casos de bypass
gástrico, com a “vantagem” de que a alça biliopancreática, por geralmente ser bem mais
longa, permite ressecções mais extensas sem maiores dificuldades técnicas.
No caso da derivação biliopancreática (DBP) clássica (cirurgia de Scopinaro) (Figura
6), a principal diferença reside no tipo de gastrectomia parcial. Enquanto na DBP-DS a
ressecção parcial do estômago é do tipo gastrectomia vertical (sleeve) (Figura 7), na cirurgia
de Scopinaro há uma gastrectomia horizontal distal (muito semelhante à hemigastrecto-
mia), que resulta em pouch gástrico bastante amplo para os padrões da cirurgia bariátrica.
Além disso, a reconstrução do trânsito alimentar na DBP-DS dá-se por meio de uma
anastomose entre um segmento de íleo e o bulbo duodenal; portanto, pós-pilórica. Essa
reconstrução na cirurgia de Scopinaro, também ao modo Y-de-Roux, é feita por meio de
gastroenteroanastomose. Os comprimentos das alças alimentar e biliopancreática e do ca-
nal comum costumam ser semelhantes em ambos os procedimentos; os mesmos cuidados
técnicos para garantir a superfície absortiva, aplicáveis à DBP-DS, devem ser observados
na cirurgia de Scopinaro.
Por fim, o procedimento conhecido como “single-anastomosis duodenoileal bypass
with sleeve gastrectomy” (SADI-S) é uma variante técnica da DBP-DS. O SADI-S, técnica
ainda não regulamentada no Brasil, difere da DBP-DS no tipo de reconstrução do trânsito
alimentar. Enquanto na DBP-DS essa reconstrução é feita em Y-de-Roux, no SADI-S é
realizada apenas uma anastomose entra o bulbo duodenal e um segmento do íleo, término-
-lateral. Portanto, assim como no OAGB (mini-bypass), o cirurgião irá identificar uma alça
eferente e outra aferente. A alça eferente, retrogradamente mensurada da válvula ileocecal
até a anastomose duodenoileal, costuma ter cerca de 250 a 300 cm de comprimento [16].
A partir dessa anastomose, todo o restante do intestino delgado compõe a alça aferente e
permanece excluso ao trânsito alimentar.
Ressecções mais extensas na alça aferente podem ser realizadas sem muitas implica-
ções em pacientes submetidos ao SADI-S. Quanto à alça eferente, por se tratar do único
segmento absortivo, encurtamentos decorrentes de enterectomias devem ser acompanha-
dos do reposicionamento da anastomose duodenoileal mais próxima ao ângulo de Treitz,
encurtando a alça aferente e restaurando o comprimento mínimo da alça eferente.
Mesmo levando em consideração a maior complexidade técnica da abordagem dessa
anastomose duodenoileal, o cirurgião deve sempre tentar garantir o comprimento mínimo
da alça eferente (200 a 250 cm) a fim de minimizar o risco de graves complicações nutri-
cionais. Lembre-se: o desenho técnico das cirurgias malabsortivas (DBP-DS, cirurgia de
Scopinaro e SADI-S) inclui a gastrectomia parcial (vertical ou horizontal). Consequente-
146 ABLS Brasil

Fig 6. Desenho esquemático de uma derivação biliopancreática


clássica (cirurgia de Scopinaro).

Fig 7. Desenho esquemático de uma derivação biliopancreática,


com duodenal switch (DBP-DS).
147 ABLS Brasil

mente, não há estômago excluso que possa ser usado para acrescentar uma via adicional
de aporte nutricional (via gastrostomia). Portanto, garantir uma superfície mínima de
intestino delgado funcionante para absorção de nutrientes (alça alimentar + canal comum/
alça eferente) é fundamental para evitar graves efeitos adversos no pós-operatório.

Opções técnicas adicionais


Encurtamentos extensos do intestino delgado em pacientes que foram submetidos a
técnicas bariátricas com exclusão gástrica, como o bypass gástrico e o OAGB (mini-bypass),
podem levar à necessidade de reintrodução dos segmentos exclusos no trânsito alimentar,
sobretudo o duodeno.
Para restaurar o trânsito alimentar dito “normal”, o cirurgião deve desfazer a gastroen-
teroanastomose e realizar uma ampla anastomose gastrogástrica entre o pouch gástrico e
o estômago excluso. A alça alimentar deve ser preservada e mantida no trânsito alimentar
no bypass gástrico, para compor a área absortiva. Para tanto, deve-se seccionar a alça
biliopancreática junto à anastomose êntero-entérica e unir a extremidade distal da alça
biliopancreática à extremidade proximal da alça alimentar.
No entanto, esse tipo de operação geralmente demanda certa dificuldade técnica, não
sendo aconselhável que um cirurgião menos experiente tente realizá-la durante a aborda-
gem de um abdome agudo em urgência, pois isso pode prolongar o tempo operatório e
aumentar o risco de complicações pós-operatórias. A opção mais segura e rápida é acessar
o estômago excluso e realizar uma gastrostomia externa, o que permitirá a utilização dos
segmentos do tubo digestório até então exclusos ao trânsito alimentar como via adicional
de aporte nutricional.
Essa manobra cirúrgica, geralmente de baixa complexidade técnica, pode evitar sérias
complicações nutricionais no pós-operatório e ser decisiva para a recuperação do paciente.
Posteriormente, a retirada da gastrostomia poderá ser avaliada sob condições eletivas por
uma equipe especializada em cirurgia bariátrica.
Nos casos de bypass gástrico com anel de restrição posicionado em torno do pouch
gástrico (Figura 8), outra abordagem adicional frente a extensas ressecções de intestino
delgado que pode contribuir positivamente para a evolução pós-operatória é a retirada
deste anel, se as condições forem tecnicamente favoráveis.
O objetivo dessa manobra é minimizar o fator “restritivo”, uma vez que uma ressec-
ção intestinal pode ter adicionado (ou maximizado) o fator “malabsortivo”. Para tanto, o
cirurgião deve localizar o anel em volta do pouch gástrico, abrir a cápsula fibrosa do anel
148 ABLS Brasil

Fig 8. Desenho esquemático de um bypass gástrico em Y-de-


-Roux com anel contenção em torno do pouch gástrico.

Fig 9. Desenho esquemático mostrando os espaços mesen-


téricos criados no bypass gástrico, por onde podem ocorrer
hérnias internas. Seta verde: espaço de Petersen. Seta vermelha:
espaço intermesentérico.
149 ABLS Brasil

com bisturi monopolar, cortá-lo e retirá-lo. Subsequentemente, deve-se observar se não


há nenhuma alteração na coloração do anel (“escurecimento”), pois isso pode significar
que parte do anel estaria intrusa na parede gástrica. Ainda assim, por segurança, um teste
de vazamento com solução de azul de metileno introduzida por sonda oro-gástrica pode
diagnosticar eventual solução de continuidade na parede do pouch gástrico e permitir o
tratamento imediato.

Abordagem da hérnia interna em espaços mesentéricos pós-


bypass gástrico
O desenho técnico de um bypass gástrico comumente cria dois espaços mesentéricos
por onde podem ocorrer hérnias internas. Um deles é o espaço entre o mesentério da alça
alimentar e o mesocólon transverso, conhecido como espaço de Petersen. O outro, é o
espaço entre o mesentério da alça biliopancreática e o mesentério do segmento intestinal
incluso no trânsito alimentar, conhecido como espaço intermesentérico, localizado próximo
à anastomose êntero-entérica (Figura 9) [17-19].
A reconstrução transmesocólica, pouco usada atualmente, mas muito usada na cirur-
gia aberta, ainda prevê um terceiro espaço, decorrente da abertura do mesocólon transverso
para permitir o acesso da alça alimentar ao andar supramesocólico. O fechamento desses
espaços durante a realização do bypass gástrico parece diminuir a incidência de hérnias
internas [20]; porém, essa manobra não é consensual entre cirurgiões bariátricos brasileiros.
Além disso, hérnias internas podem ocorrer mesmo em pacientes nos quais tais espaços
foram fechados de maneira adequada [21].
Na hérnia de Petersen, o conteúdo herniário é geralmente constituído pela alça bi-
liopancreática, no seu todo ou em parte. Assim, a alça biliopancreática, que deveria estar
posicionada mais no lado esquerdo do abdome do paciente, encontra-se herniada pelo
espaço entre o mesocólon e o mesentério da alça alimentar, no lado direito do abdome do
paciente (Figura 10).
Ao identificar essa situação, o cirurgião deve reduzir o conteúdo herniário, tracio-
nando cuidadosamente a alça biliopancreática para a sua posição original. Após verificar
a viabilidade (perfusão sanguínea adequada) do segmento herniado, o espaço mesentérico
(anel herniário) deve ser fechado por meio de sutura contínua com fio inabsorvível. Se o
conteúdo herniário for constituído pela alça alimentar ou por parte do canal comum, o
que é raro, a conduta será semelhante: redução do conteúdo, avaliação da viabilidade do
segmento herniado e fechamento do espaço.
150 ABLS Brasil

Fig 10. Desenho esquemático mostrando a passagem de segmento de intes-


tino delgado (alça biliopancreática – da direita para a esquerda) pelo espaço
mesentérico (Petersen) do bypass gástrico, ocasionando a hérnia interna.

Fig 11. Desenho esquemático mostrando a passagem de segmento de in-


testino delgado (alça alimentar – da esquerda para a direita) pelo espaço
mesentérico do bypass gástrico, ocasionando a hérnia interna.
151 ABLS Brasil

É comum haver a herniação da alça alimentar (da esquerda para a direita, na visão
do cirurgião) na hérnia do espaço intermesentérico (Figura 11). Nesses casos, o cirurgião
deve proceder com a mesma sistematização técnica válida para a hérnia no espaço de Pe-
tersen: redução do conteúdo, avaliação da viabilidade do segmento herniado e fechamento
do espaço (anel herniário).
Diferentemente do bypass gástrico tradicional, em Y-de-Roux, só há um espaço me-
sentérico em pacientes submetidos ao OAGB (mini-bypass), o qual fica localizado entre o
mesocólon transverso e o mesentério da alça jejunal que foi levada ao andar supramesocó-
lico para a realização da anastomose gastrojejunal. A hérnia interna neste espaço, quando
ocorre, pode ter tanto a alça aferente quanto a alça eferente como conteúdo herniário [22,23].
A conduta na urgência é muito semelhante àquela descrita acima para o bypass
gástrico: redução do conteúdo herniário, observação da viabilidade do intestino delgado
e fechamento do espaço mesentérico por meio de sutura contínua com fio inabsorvível.
Lembre-se: para não cometer equívocos na correção das hérnias internas em espaços
mesentéricos, a sistematização de identificação e mensuração da anatomia bariátrica do
intestino delgado deve ser sempre seguida. Abordar exclusivamente o campo operatório
envolvido na hérnia interna pode gerar condutas equivocadas.

Procedimentos bariátricos menos comuns


Nesse capítulo, foram abordadas as dicas técnicas frente às alterações anatômicas no
intestino delgado decorrentes de procedimentos bariátricos mais comumente realizados
no Brasil. No entanto, existem outras técnicas ainda não regulamentadas que são (ou fo-
ram) realizadas com menor frequência, tais como o bypass jejunoileal [24,25], a interposição
ileal[26], a bipartição do trânsito intestinal [27], a derivação jejunoileal em alça cega com anel
(conhecida como cirurgia de Lazzarotto), entre outras.
O acesso às informações de prontuário médico ou, quando possível, o contato com
o cirurgião bariátrico que fez a cirurgia primária pode ser muito importante para uma
melhor condução do caso em uma situação de abordagem de urgência por abdome agudo
em indivíduos que, provavelmente, passaram por esses procedimentos.

Síndrome do intestino marrom


Uma situação pouco comum, no geral, mas que pode ser mais frequente do que o
esperado em pacientes bariátricos submetidos a procedimentos malabsortivos (bypass
152 ABLS Brasil

Fig 12. Fotografia de visão laparoscópica do aspecto da síndrome do intestino marrom.

Fig 13. Fotografia de visão laparoscópica do aspecto da síndrome do intestino marrom.


153 ABLS Brasil

Fig 14. Fotografia de visão laparoscópica do aspecto da síndrome do intestino marrom.

Fig 15. Fotografia de visão a céu aberto (laparotomia) do aspecto da síndrome


do intestino marrom.
154 ABLS Brasil

jejunoileal, cirurgia de Scopinaro, duodenal switch), é o achado de segmentos de intestino


delgado com coloração “amarronzada”, um pouco escurecida (Figuras 12, 13, 14, e 15). Essa
situação é conhecida como síndrome do intestino marrom [28,29], cujos aspectos etiológi-
cos ainda são controversos. A deficiência de vitamina E parece ser o fator etiológico mais
frequentemente implicado.
Esse achado não deve ser prontamente interpretado como isquemia intestinal e o
segmento intestinal inadvertidamente retirado. Para ser diferenciado de uma verdadeira
isquemia intestinal, é preciso que o cirurgião geral observe cuidadosamente o estado da
vascularização do mesentério. Além disso, é necessário que se faça uma correlação direta
com o quadro clínico do paciente, se a abordagem cirúrgica foi motivada por suspeita
de isquemia intestinal ou se esse aspecto (coloração) do intestino delgado foi um achado
incidental intraoperatório.

Considerações finais
A abordagem cirúrgica do abdome agudo em pacientes pós-bariátrica exige que o
cirurgião geral tenha um conhecimento mínimo do desenho técnico dos principais pro-
cedimentos bariátricos. Além disso, e principalmente em pacientes submetidos aos pro-
cedimentos com derivação intestinal, a observação de uma sistematização técnica para a
minuciosa identificação da anatomia bariátrica pode evitar equívocos técnicos que venham
a acarretar dificuldades técnicas no intraoperatório e afeitos adversos / complicações no
pós-operatório. A forma mais segura de se abordar um indivíduo com abdome agudo
pós-bariátrica é unir o conhecimento prévio do desenho técnico das principais cirurgias
bariátricas com uma cuidadosa verificação das alterações anatômicas provocadas pelo
procedimento ao qual o paciente foi submetido, sobretudo em casos de procedimentos
que envolvem derivação intestinal.
155 ABLS Brasil

DICAS
▶ Muitos pacientes não sabem relatar com precisão o procedi-
mento bariátrico ao qual foram submetidos. Além disso, um mesmo
procedimento, como o bypass gástrico, por exemplo, pode ter diferentes
desenhos técnicos;
▶ Postergar a abordagem cirúrgica apenas porque o acesso lapa-
roscópico não está disponível só é aceitável se isso não impuser prejuízo
ao tratamento do paciente. Uma laparotomia no tempo certo (precoce)
pode ser muito menos traumática para o paciente do que uma laparos-
copia no tempo errado (tardia);
▶ A cirurgia de urgência pode até exigir alguma criatividade do
cirurgião, mas nunca o improviso. A estrutura física e humana da cirur-
gia de urgência deve ser, no mínimo, a mesma disponível em condições
eletivas;
▶ Mesmo para cirurgiões com experiência em cirurgia laparos-
cópica, algumas situações clínicas acabam por anular os benefícios
normalmente atribuídos à laparoscopia, tornando a laparotomia uma
opção mais segura e vantajosa;
▶ O cirurgião que propuser a abordagem laparoscópica de urgên-
cia tem que ter treinamento suficiente para realizar, por laparoscopia,
tudo o que seria realizado por laparotomia, com a mesma eficiência e
eficácia;
▶ Em algumas situações, o simples fato de um indivíduo ter sido
submetido a um procedimento bariátrico, por si só, não deve alterar
a conduta cirúrgica na urgência. A apendicectomia continua sendo
o melhor tratamento para a apendicite aguda também em indivíduos
pós-bariátrica;
▶ Nenhuma técnica bariátrica atualmente realizada aborda o
intestino grosso. Sendo assim, todas as alterações anatômicas estão
localizadas proximalmente à válvula ileocecal;
156 ABLS Brasil

▶ Não há uma sistematização técnica única para o bypass gás-


trico. Identificar e mensurar os diversos segmentos intestinais (alça
alimentar, alça biliopancreática e canal comum) antes de abordar a causa
do abdome agudo pode evitar dificuldades técnicas no intraoperatório
e minimizar o risco de graves complicações pós-operatórias;
▶ Os princípios técnicos utilizados para a realização de uma
cirurgia bariátrica e metabólica não devem se sobrepor ao tratamento
seguro do abdome agudo. Primariamente, trate a urgência;
▶ O desenho técnico das cirurgias malabsortivas inclui uma
gastrectomia parcial. Consequentemente, não há estômago excluso que
possa ser usado para acrescentar uma via adicional de aporte nutricional
(via gastrostomia). Portanto, garantir uma superfície mínima de intes-
tino delgado funcionante para absorção de nutrientes (alça alimentar +
canal comum / alça eferente) é fundamental para evitar graves efeitos
adversos no pós-operatório;
▶ A sistematização de identificação e mensuração da anatomia
bariátrica do intestino delgado deve ser sempre seguida para não haver
equívocos na correção das hérnias internas em espaços mesentéricos.
Abordar exclusivamente o campo operatório envolvido na hérnia in-
terna pode gerar condutas equivocadas.
157 ABLS Brasil

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PAS.0000000000001443.

AGRADECIMENTOS
1- Dr. Guilhermino Nogueira, membro titular da SBCBM, pela cessão de uso das
figuras 12 e 13.
2- Dr. Hamilton Belo de França Costa, membro titular da SBCBM, pela cessão de
uso da figura 14.
3- Dr. Rui Ribeiro, médico-cirurgião bariátrico em Lisboa (Portugal), pela cessão de
uso da figura 15.
161 ABLS Brasil

CAPÍTULO 14

FÍSTULA DIGESTIVA APÓS BYPASS GÁSTRICO


E SLEEVE
ELIAS JIRJOSS ILIAS
WILSON RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR
LUIZ VICENTE BERTI
PAULO KASSAB
OSVALDO ANTÔNIO PRADO CASTRO

Introdução
A cirurgia bariátrica é considerada o tratamento mais eficaz para indivíduos porta-
dores de obesidade mórbida. Contudo, não é um procedimento isento de complicações,
como, por exemplo, a ocorrência de fístulas digestivas, tanto após gastrectomia vertical
(sleeve) quanto após derivação gástrica em Y-de-Roux (bypass gástrico).
Fístulas pós-operatórias ocorrem mais frequentemente entre o segundo e o décimo-se-
gundo dia após a cirurgia, e sua incidência está entre 0% e 5%. Em nosso meio, apresenta-se
em menos de 1% dos casos operados.
A localização mais frequente depende da técnica realizada. No sleeve, é mais comum
próxima à junção esofagogástrica (ângulo de His). Já no bypass gástrico, ocorre mais fre-
quentemente na anastomose gastrojejunal e na linha de grampeamento do pouch gástrico.
A taxa de mortalidade por fístula digestiva em pacientes bariátricos tende a ser bas-
tante baixa atualmente. Isso se deve, muito provavelmente, ao diagnóstico precoce e ao
tratamento imediato e multidisciplinar. Contudo, pacientes obesos mórbidos podem apre-
sentar muito rapidamente uma evolução clínica desfavorável devido ao estado inflamatório
crônico da própria obesidade e de frequentes comorbidades associadas.
Por isso, o médico emergencista, seja ele clínico ou cirurgião, deve ter sempre um
alto grau de suspeição diagnóstica para fístula digestiva em pacientes em pós-operatório
precoce (até 14 dias) de cirurgia bariátrica que procuram atendimento em unidades de
urgência e emergência.
162 ABLS Brasil

Diagnóstico
O diagnóstico de fístula digestiva em pacientes bariátricos pode apresentar algumas
dificuldades adicionais, pois a propedêutica clássica pode ser limitada em pacientes obesos.
O quadro clínico, por vezes, pode se traduzir simplesmente por taquicardia, sudorese e
mal-estar geral. Mais tardiamente, sinais claros de sepse - devido à peritonite infecciosa
- podem aparecer. No entanto, nesse estágio, o prognóstico costuma ser pior. Por isso a ne-
cessidade do médico emergencista estar atento aos sinais inicias, mesmo que inespecíficos.
O diagnóstico precoce pode ser a diferença entre a vida e a morte do paciente.
Os exames diagnósticos também têm limitações nessa população de pacientes. Apesar
da tomografia ser um ótimo método diagnóstico, os aparelhos têm limites de peso, em geral
podem suportar até 130 kg. Também pode haver dificuldades durante a ultrassonografia
devido ao excesso de panículo adiposo na parede abdominal.
A existência de um dreno abdominal colocado durante a cirurgia pode ajudar no
diagnóstico de fístula. Porém, essa é uma manobra que raramente é utilizada hoje em
dia, sobretudo em cirurgias realizadas por videolaparoscopia. Além disso, a ausência de
drenagem de secreções com características digestivas pelo dreno não exclui o diagnóstico.
O exame radiológico contrastado somente deverá ser realizado se houver dreno
abdominal prévio, devido ao risco de acúmulo de contraste na cavidade abdominal. Se a
dúvida persistir e no caso de haver impossibilidade do diagnóstico pelos meios já citados,
a laparoscopia diagnóstica deve ser realizada. Se a laparoscopia não estiver disponível, e a
suspeição clínica for muito alta, uma laparotomia pode ser considerada.

Tratamento
O tratamento das fístulas apresenta várias modalidades. O tratamento clínico, ge-
ralmente em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), com controle hemodinâmico, antibio-
ticoterapia, drogas vasoativas e suporte ventilatório não difere muito daquele aplicado a
pacientes não bariátricos.
Em pacientes com diagnóstico ou alta suspeita de fístula não drenada, deve-se pro-
ceder a abordagem cirúrgica do abdome, seja videolaparoscópica ou laparotômica, para
limpeza da cavidade seguida de ampla drenagem.
A conduta pode ser conservadora (não cirúrgica) em pacientes com dreno abdomi-
nal com saída de conteúdo entérico, clinicamente estáveis e sem coleção abdominal por
exames de imagem.
163 ABLS Brasil

O cirurgião deve realizar a drenagem da coleção, a lavagem da cavidade com soro


fisiológico e o posicionamento de dreno aspirativo ao lado da fístula, em casos de aborda-
gem da cavidade abdominal. A tentativa de suturar o orifício da deiscência (fístula) não
deve ser encorajado, em função da friabilidade dos tecidos e da contaminação da cavidade.
Em casos de fístula na êntero-êntero-anastomose do bypass gástrico, se as condições
locais da cavidade e o edema das alças for pequeno, uma nova anastomose poderá ser feita,
dependendo da experiência do cirurgião.
O suporte nutricional precoce e agressivo parece ser fundamental para a boa evolução
clínica desses pacientes. Ele deve ser mantido preferencialmente por nutrição enteral via
sonda nasogástrica, gastrostomia ou jejunostomia cirúrgica.
A passagem de sonda nasogástrica, via de regra, não deve ser feita às cegas. Por isso,
caso essa seja a opção adotada, o cirurgião deve aproveitar a abordagem cirúrgica inicial
(limpeza e drenagem da cavidade) para orientar a adequada localização da sonda. Isso pode
ser feito tanto para casos de fístula após sleeve quanto para fístula após bypass gástrico.
A jejunostomia é um procedimento que pode ser uma opção de acesso nutricional
em casos de fístula de sleeve, pois a única alteração anatômica em pacientes submetidos
ao sleeve encontra-se no estômago (gastrectomia vertical). Portanto, todo o intestino del-
gado está intacto, sem derivações ou anastomoses; logo, encontra-se “disponível” para a
colocação de uma jejunostomia.
Pacientes submetidos ao bypass gástrico, por sua vez, não têm gastrectomia; grande
parte do estômago permanece na cavidade abdominal, excluso ao trânsito alimentar. Esse
estômago pode ser utilizado para uma eventual gastrostomia, com a finalidade de estabe-
lecer um acesso nutricional, recolando o duodeno no trânsito alimentar para aumentar
a capacidade absortiva de nutrientes. Como esse estômago remanescente está excluso ao
trânsito alimentar, está, obviamente, inacessível à endoscopia comum. Portanto, a gastros-
tomia endoscópica não é uma opção viável nesses casos.
O tratamento endoscópico das fístulas digestivas tem ganhado popularidade nos
últimos anos [1]. No entanto, a endoscopia bariátrica é uma área de atuação que exige
treinamento especializado do médico endoscopista [1-3]. Além disso, não está prontamente
disponível na maioria dos hospitais. No entanto, se disponível, o médico emergencista deve
se utilizar desse recurso diagnóstico e, por vezes, terapêutico. Várias são as opções, mas
elas serão apresentadas e discutidas em outro capitulo deste manual.
164 ABLS Brasil

Considerações finais
Tanto o diagnóstico quanto o tratamento das fístulas digestivas após uma cirurgia
bariátrica são muito complexos devido às características do paciente obeso mórbido. Deve
envolver uma equipe multidisciplinar com cirurgiões, clínicos, endoscopistas e nutricio-
nistas. O tratamento endoscópico tem assumido um papel cada dia mais relevante na
abordagem diagnóstica e terapêutica desses casos, mas o tratamento cirúrgico na urgência/
emergência, com limpeza da cavidade abdominal e ampla drenagem, não deve ser protelado.
165 ABLS Brasil

DICAS
▶ Na persistência de dúvida sobre a existência ou não de fístula,
não hesite em indicar uma abordagem cirúrgica, preferencialmente por
laparoscopia;
▶ A tentativa de realizar o fechamento (sutura) do orifício da deis-
cência (fístula) não é a manobra mais indicada na abordagem inicial;
▶ Limpeza da cavidade, drenagem ampla e estabelecimento de via de
acesso nutricional devem ser as prioridades do cirurgião geral.
166 ABLS Brasil

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167 ABLS Brasil

CAPÍTULO 15

OBSTRUÇÃO INTESTINAL E CIRURGIA


BARIÁTRICA
WILSON RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR
ELIAS JIRJOSS ILIAS
LUIZ VICENTE BERTI
PAULO KASSAB
OSVALDO ANTÔNIO PRADO CASTRO

Introdução
Dado o aumento da incidência e da prevalência de obesidade, e a disseminação de
seu tratamento cirúrgico, cada vez mais os serviços de emergência irão se deparar com
possíveis complicações relacionadas à cirurgia bariátrica. Estima-se que em torno de 10%
dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica necessitam de consulta de urgência e emer-
gência nos primeiros 30 dias de pós-operatório [1].
Dentre as principais causas de retorno aos serviços de urgência e emergência, encon-
tram-se os quadros de abdômen agudo não traumático, os quais se configuram em uma
significante causa de atendimento. Entre os principais tipos de abdômen agudo, estão os
quadros de obstrução intestinal após bariátrica, os quais merecem atenção especial, devido
sua frequência, variedade de fatores causais e importância no diagnóstico e tratamento
precoces [2].
A obstrução intestinal estritamente relacionada ao procedimento bariátrico ocorre
somente em casos de técnicas derivativas do intestino delgado, como o bypass gástrico
em Y-de-Roux (BGYR) e o duodenal swicht, entre outras. As obstruções intestinais não
podem ser atribuídas à técnica operatória em si em pacientes submetidos à gastrectomia
vertical (sleeve) e à banda gástrica ajustável (BGA), por serem procedimentos exclusiva-
mente gástricos.
De maneira geral, entre as principais causas de obstrução intestinal relacionadas
à cirurgia bariátrica estão a hérnia interna, as aderências intestinais, a hérnia da parede
abdominal e a obstrução da êntero-êntero anastomose. Situações menos frequentes como
168 ABLS Brasil

volvo, bezoar, intussuscepção, mesenterite de delgado e trombose porto-mesentérica tam-


bém devem constar na lista de possíveis causas.
Além de um histórico clínico minucioso e do exame físico completo, é necessário um
alto nível de suspeição clínica para o diagnóstico do abdômen agudo obstrutivo, tendo-se
em vista que a sintomatologia pode ser bastante inespecífica, muito variada e, às vezes,
sem elementos claros de obstrução intestinal. Retardar esse diagnóstico pode resultar em
complicações graves, com alto índice de morbimortalidade, como a necrose intestinal, por
exemplo [3]. Essa é a base para instituição de tratamento precoce e adequado para minimizar,
assim, o risco de desfechos graves e/ou potencialmente fatais.
Portanto, é importante valorizar as manifestações clínicas do paciente, por vezes
insidiosas e recorrentes. Exames complementares, como a radiografia simples do abdome
e a tomografia computadorizada podem auxiliar na definição do diagnóstico. Além disso,
para um raciocínio clínico adequado, é indispensável o conhecimento da anatomia modi-
ficada do trato digestivo com base em cada uma das técnicas, expostas em outro capítulo
deste manual.
Diante de um quadro de suspeita de obstrução intestinal, com base no histórico clí-
nico e, por vezes, em exames complementares, é importante definir o nível da obstrução
(estômago, intestino delgado, intestino grosso), se o fator causal é extra ou intraluminal,
se a obstrução é total ou parcial e se há sinais de comprometimento de viabilidade de alças
intestinais, fato que demandará maior urgência.
A abordagem cirúrgica deve ser precoce, tão logo se confirme o diagnóstico de obs-
trução, ou tão logo não seja possível descartar esse diagnóstico.
O acesso videolaparoscópico é factível e resolutivo na maior parte dos pacientes. No
entanto, se o acesso laparoscópico não estiver disponível na urgência, seja por questões
relacionadas ao treinamento da equipe cirúrgica, seja por fatores asociados à estrutura
hospitalar, a abordagem deve ser feita por laparotomia. A obstrução intestinal pode estar
associada a outras complicações em 20% dos casos e pode levar a óbito em até 6,9% das
ocorrências [3]. Retardar o tratamento por falta de acesso laparoscópico não é uma opção
segura.

Hérnia interna
É uma das causas mais frequentes de obstrução intestinal no pós-operatório de ci-
rurgias bariátricas com derivação intestinal, como no bypass gástrico. Pode ocorrer em
3 locais, por ordem de frequência: no espaço mesentérico entre as alças biliopancreática
169 ABLS Brasil

e alimentar/canal comum (brecha mesentérica), no espaço de Petersen e no espaço do


mesocólon transverso (nas reconstruções do trânsito com alça alimentar transmesocólica)
(Figuras 1a, 1b e 1c).
As hérnias internas parecem ser mais frequentes após cirurgia laparoscópica, fato que
pode ser explicado pela menor ocorrência de aderências.
Em função dos quadros clínicos insidiosos e recorrentes, o diagnóstico preciso pode
ser difícil e acarretar retardo na abordagem terapêutica. Isso pode implicar em maior
probabilidade de complicações e em pior prognóstico. Assim, é importante manter um
alto nível de suspeição, principalmente diante de quadros de dor abdominal intermitente
pós prandial. Mais da metade dos pacientes com hérnias internas não apresentam altera-
ções nos exames. A tomografia pode auxiliar no diagnóstico, pois pode mostrar algumas
alterações bastante sugestivas de hérnia interna; porém, apresenta taxa de falso negativo
em torno de 25% dos casos. Sendo assim, a suspeição clínica continua sendo o principal
pilar diagnóstico; em caso de persistência dos sintomas, a abordagem cirúrgica não deve
ser postergada [4-6].

Fig 1a. Desenho esquemático mostrando os espaços mesentéri-


cos criados no bypass gástrico, por onde podem ocorrer hérnias
internas. Em verde: espaço de Petersen. Em vermelho: espaço
intermesentérico.
170 ABLS Brasil

Fig 1b. Desenho esquemático mostrando a passagem de segmento de


intestino delgado (alça biliopancreática – da direita para a esquerda)
pelo espaço mesentérico (Petersen) do bypass gástrico, ocasionando a
hérnia interna.

Fig 1c. Desenho esquemático mostrando a passagem de segmento de in-


testino delgado (alça alimentar – da esquerda para a direita) pelo espaço
mesentérico do bypass gástrico, ocasionando a hérnia interna.
171 ABLS Brasil

Embora a manobra cirúrgica de fechamento (sutura) dos espaços mesentéricos du-


rante a realização do bypass gástrico possa reduzir a incidência de hérnias internas [7], ela
não previne completamente a ocorrência dessa complicação, sobretudo no pós-operató-
rio tardio. Portanto, mesmo em pacientes que foram submetidos ao bypass gástrico com
completo fechamento dos espaços mesentéricos (informação bastante difícil de ser obtida
na urgência), a suspeição clínica de obstrução intestinal por hérnia interna não pode ser
completamente afastada somente em razão desse dado. Há de se manter sempre um alto
grau de suspeição clínica, pois o retardo no diagnóstico e na abordagem terapêutica pode
levar à necrose de segmentos intestinais (Figura 2).

Aderências
As aderências podem ocorrer após qualquer cirurgia abdominal; elas parecem ser
responsáveis por quase metade dos casos de obstrução intestinal pós-operatória [2]. Apesar
da via laparoscópica apresentar ocorrência de aderência menor que a da cirurgia aberta,
as aderências ainda são causa frequente de obstrução intestinal mesmo em pacientes sub-
metidos à cirurgia bariátrica por videolaparoscopia.

Fig 2. Fotografia de uma laparotomia por obstrução intestinal mostrando segmento intestinal com necrose.
172 ABLS Brasil

Aderências intra-abdominais em pacientes bariátricos correspondem à segunda causa


de obstrução intestinal, atrás apenas das hérnias internas [8].

Hérnia da parede abdominal


As hérnias da parede abdominal anterior representam risco de obstrução intestinal
e podem ocorrer tanto em incisões de laparotomia (mais comum) quanto em portais da
laparoscopia.
As hérnias ventrais na incisão da laparotomia são mais fáceis de serem diagnosticadas.
Sua conduta é muito semelhante àquela aplicada a pacientes não bariátricos.
Pequenas hérnias em portais da laparoscopia, por sua vez, podem trazer alguma di-
ficuldade ao diagnóstico; sobretudo quando ocorrem no pós-operatório precoce, quando,
geralmente, os pacientes ainda estão obesos, pois o excesso de tecido gorduro na parede
abdominal dificulta a indentificação correta da hérnia pela palpação. Sua incidência é pouco
frequente, entre 0,5 a 2% [9], ocorrendo com maior frequência nos portais maiores (portal
de 12-15mm). Em geral, um dos portais no sleeve é manualmente alargado para permitir
a retirada da peça cirúrgica (estômago), e pode se constituir em um local de maior risco
para hérnia de portal.
Dor à palpação no local dos portais associada a quadro clínico muito sugestivo de
obstrução intestinal podem ser os únicos achados nessas situações. No entanto, a maior
parte do conteúdo herniário em casos de hérnias de portais é constituído por gordura
pré-peritoneal, a qual não causa obstrução intestinal. Desse modo, é caracterizada quase
que exclusivamente por dor local.
Quando uma hérnia no portal laparoscópico de início recente pode ser identificada
pela palpação, a redução manual do conteúdo pode ser resolutiva no primeiro atendimento
em pronto-socorro. Em casos com maior tempo de evolução, a redução manual pode im-
plicar no risco de se reduzir conteúdo intestinal com má perfusão sanguínea, o que pode
ser arriscado.
O tratamento desse tipo de hérnia deve ser preferencialmente cirúrgico, com redu-
ção do conteúdo herniário, avaliação da viabilidade desse conteúdo e fechamento do anel
herniário. A figura 3 mostra a visão laparoscópica de uma hérnia de portal com encarce-
ramento de segmento intestinal.
173 ABLS Brasil

Fig 3. Imagem laparoscópica de um segmento intestinal agudamente encarcerado, em um dos portais lapa-
roscópicos (hérnia de portal).

Obstrução da êntero-êntero anastomose


Alterações da êntero-êntero anastomose não são causa frequente de obstrução
intestinal em pacientes bariátricos. Dentre suas possíveis causas, a torção e angulação
da anastomose é a mais frequente, principalmente em pós-operatório mais precoce [10].
Nessas situações, a re-confecção cirúrgica da entero-entero anastomose é a conduta mais
adequada e resolutiva.

Bezoar
Bezoares são definidos como acúmulo de material não digerido no tubo digestório,
e podem ser causa de obstrução intestinal. O tratamento pode ser realizado com terapia
enzimática, com remoção endoscópica ou cirúrgica, a depender da altura do bezoar.
Vários casos são relatados, tais como bezoares de carne, coágulos e fitobezoares[11,12],
demonstrados nas figuras 4a e 4b. Eles têm relação com a mastigação e com o calibre das
anastomoses.
174 ABLS Brasil

Fig 4a. Fotografia de peça cirúrgica (segmento intestinal) com obstrução luminal causada por
bezoar.

Fig 4b. Fotografia de peça cirúrgica (segmento intestinal) aberta mostrando o bezoar com causa de
obstrução luminal.
175 ABLS Brasil

Volvo
Apesar de raro no pós-operatório de cirurgia bariátrica, volvos de cólon ou de delgado
sempre devem ser considerados no diagnóstico diferencial do abdômen agudo obstruti-
vo. Como de hábito, diante da suspeita clínica, o diagnóstico pode ser feito por meio da
radiografia simples ou de tomografia do abdômen [13].

Intussuscepção
A intussuscepção intestinal corresponde de 1 a 5% dos casos de obstrução intestinal
(Figura 5). Seu tratamento consiste, na maior parte das vezes, em ressecção do segmento
envolvido [14,15]. Caso haja resolução da intussusepção de forma mecânica durante a cirurgia,
o risco / benefício de uma enterectomia de urgência deve ser considerado.

Fig 5. Fotografia de visão laparoscópica de segmentos de intestino delgado envolvido


em intussuscepção.
176 ABLS Brasil

Mesenterite no intestino delgado


Também chamada de paniculite mesentérica, a mesenterite no intestino delgado,
consiste na inflamação progressiva e fibrose do mesentério do delgado. Seu diagnóstico é
feito por meio da presença do espessamento do mesentério observado via tomografia. Seu
tratamento ainda é controverso e envolve o uso de corticosteroide e de imunossupressores[16].
Nesses casos, a cirurgia pode ser indicada se houver dúvida diagnóstica.

Considerações finais
A obstrução intestinal pós cirurgia bariátrica pode ter diversas causas. O impor-
tante é realizar um exame clínico completo e minucioso com questionamentos sobre o
tipo de cirurgia realizada e o tempo do pós-operatório. Exames complementares, como a
tomografia de abdômen, são úteis para a confirmação diagnóstica e devem ser utilizados
precocemente. A intervenção cirúrgica, por sua vez, deve ser realizada rapidamente, tanto
em casos confirmados quanto naqueles de alta suspeição diagnóstica.
177 ABLS Brasil

DICAS
▶ Pacientes que forem incialmente indicados para o tratamento
conservador deverão ser reavaliados periodicamente nas primeiras 48h.
Não havendo resolução espontânea do quadro, considerar a necessidade
de cirurgia;
▶ Pacientes com quadro de abdômen agudo obstrutivo causado
por hérnia estrangulada (interna ou de parede), por volvo ou por in-
tussuscepção devem receber tratamento cirúrgico com maior brevidade
possível;
▶ O tratamento precoce e adequado é fundamental para minimi-
zar os riscos de desfechos graves e/ou potencialmente fatais no abdome
agudo obstrutivo pós cirurgia bariátrica.
178 ABLS Brasil

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179 ABLS Brasil

12. Soricelli E, Facchiano E, Quartararo G, Beltrame B, Leuratti L, Lucchese M. Large He-


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s11695-017-3103-x.

AGRADECIMENTO
Dr. Hamilton Belo de França Costa, membro titular da SBCBM, pela cessão de uso
da figura 3.
181 ABLS Brasil

CAPÍTULO 16

MANEJO INTRAOPERATÓRIO DO PACIENTE


COM ISQUEMIA INTESTINAL
MAURÍCIO EMMANUEL GONÇALVES VIEIRA
BRUNO SEARA SERRANO
CAROLINA DOS SANTOS RIBEIRO
ROBERTA GOUVEIA MENEGOTTO
STEFANO FURLAN DI BIASE

Introdução

A lesão isquêmica intestinal aguda é instalada quando o fluxo sanguíneo dos vasos
mesentéricos é insuficiente para as necessidades do órgão, fato que resulta em isquemia e,
posteriormente, em necrose da parede do intestino. Apesar de infrequente, trata-se de con-
dição ameaçadora, que necessita de rápida identificação e de abordagem especializada [1,2].

A síndrome isquêmica intestinal, em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, está


mais associada a síndromes vasculares e obstruções mecânica (hérnia interna com estran-
gulamento, volvo ou intussuscepção) [3-9].

Abordagem terapêutica
Considerando a alta mortalidade e a dificuldade no diagnóstico, a síndrome isquêmica
intestinal aguda expõe o profissional de saúde a grandes desafios, especialmente em casos
de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica [10,11]. Como em outras situações clínicas, o
tempo é crucial para a viabilidade intestinal, para a manutenção da anatomia e da fisiologia
da cirurgia bariátrica, e para o bom resultado pós-operatório [12-14].
A sistematização da abordagem de pacientes com alta suspeita diagnóstica necessita
de investigação agressiva e de abordagem cirúrgica precoce, seja por laparoscopia ou por
laparotomia exploradora [15].
O tratamento desses pacientes deve ser orientado pela seguinte sistematização:
182 ABLS Brasil

1. Abordagem cirúrgica precoce;


2. Definição do diagnóstico etiológico;
3. Garantir a revascularização do segmento afetado;
4. Avaliar a viabilidade da alça intestinal;
5. Ressecção de segmentos inviáveis;
6. Revisão (“second-look”).

Abordagem cirúrgica precoce


A interrupção absoluta do fluxo sanguíneo por 15 minutos pode ser suficiente para
causar alterações estruturais nas vilosidades intestinais. Dentro de 3 horas, ocorrem alte-
rações da mucosa intestinal, mas que ainda são reversíveis. Após 6 horas de isquemia total,
instala-se a necrose transmural e a gangrena, o que, por óbvio, piora consideravelmente o
prognóstico do paciente.
Quando disponível e com equipe cirúrgica preparada, a laparoscopia é a via de
acesso preferível, pois produz menor resposta inflamatória no pós-operatório, além de
permitir a identificação e o tratamento adequados da isquemia intestinal. Entretanto, an-
tes da abordagem cirúrgica, o cirurgião deve se certificar de que terá o material adequado
para os possíveis procedimentos operatórios que podem ser necessários após o inventário
da cavidade abdominal, tais como pinças atraumáticas para evitar lesões iatrogênicas das
alças intestinais, endogrampeadores, pinças coaguladoras, drenos adequados entre outros.
Se os materiais laparoscópicos não estiverem disponíveis ou não forem adequados para o
procedimento proposto, a laparotomia pode ser mais segura [12,16].

Definição do diagnóstico etiológico


O diagnóstico etiológico em pacientes bariátricos, geralmente, só é definido pela
abordagem cirúrgica. As causas mais frequentes são mais detalhadamente discutidas em
outros capítulos deste manual (hérnias internas e tromboses venosas) [12,16].
Um inventário minucioso da cavidade abdominal deve ser feito antes de abordar-se,
diretamente, o segmento intestinal isquêmico. Além disso, a correta identificação da ana-
tomia alterada pelo procedimento bariátrico pode evitar decisões equivocadas, sobretudo
naqueles pacientes que foram submetidos à cirurgias com bypass intestinal.
183 ABLS Brasil

Sempre iniciar esta revisão / identificação a partir da válvula ileocecal e, a partir dela,
localizar a alça comum, a alça alimentar e a alça biliopancreática, assim como as anasto-
moses intestinais realizadas. Essa manobra facilita a identificação correta dos seguimentos
intestinais modificados na cirurgia bariátrica, principalmente no bypass gástrico em Y-de-
-Roux (BGYR) e nas cirurgias mal absortivas, como o duodenal switch (DS) [17].
Após a identificação desses segmentos intestinais, deve-se proceder com a avaliação
de aspectos do segmento isquêmico, como a coloração das alças intestinais e a presença
ou ausência de peristalse.

Revascularização do segmento afetado


A equipe cirúrgica deve atuar para identificar e eliminar as causas de isquemia,
promovendo assim a revascularização do segmento de intestino. As manobras realizadas
para tal deverão ser: a redução de segmentos herniados, lise de bridas, reversão de volvos
intestinais, redução de pontos de intussuscepção entre outras. Além disso, o cirurgião
deverá se preocupar prevenção de recidiva precoce com a correção de orifícios herniários,
com a enteropexia de segmentos intestinais e com o fechamento de brechas mesentéricas.

Avaliação da viabilidade do segmento afetado

É essencial determinar de forma rápida a viabilidade dos segmentos intestinais afe-


tados pelo evento isquêmico com o intuito de preservar a qualidade de vida do paciente
após sua recuperação.

A avaliação da viabilidade intestinal começa com o exame visual (ectoscopia) das alças
intestinais para pesquisar sinais de sofrimento por meio de gradiente empírico de cores
(coloração rosa-avermelhada indica alças possivelmente viáveis e colorações roxas escuras
indicam perda da viabilidade) e da presença de movimentos peristálticos.
Após o restabelecimento do fluxo sanguíneo, a viabilidade do intestino deve ser rea-
valiada, considerando-se as alterações na cor e a presença de pulsos vasculares palpáveis
(cirurgia aberta) ou visíveis (na cirurgia laparoscópica ou aberta).
Adicionalmente, métodos auxiliares podem ser utilizados, quando disponíveis. O
uso do doppler per-operatório permite identificar a presença de fluxo sanguíneo em vasos
periféricos. A presença de ruídos arteriais em isquemias arteriais, mistas ou de baixo fluxo
184 ABLS Brasil

pressupõe a viabilidade do segmento analisado. Aceita-se como viável a região distante 1,0
cm do último sinal de doppler audível.
Corantes intravasculares podem auxiliar na avaliação da perviedade do sistema vas-
cular (irrigação arterial) e, portanto, na viabilidade do tecido. A visualização macroscópica
da absorção dessas substâncias identifica a viabilidade do segmento. A fluoresceína (na
laparotomia) ou a endoseanina verde (na videolaparoscopia) podem auxiliar na definição
de segmentos irreversivelmente isquêmicos, os quais devem ser ressecados. No entanto,
têm pouca acurácia para determinar margens de ressecção cirúrgica.
Em alguns casos bem selecionados, uma pequena secção na alça acometida, com fina-
lidade de se observar a ocorrência de sangramento, pode ser útil na definição da estratégia
terapêutica.

Ressecção dos segmentos inviáveis


É importante lembrar que a possibilidade de ressecção de extensos segmentos intes-
tinais pode trazer consequências à qualidade de vida dos pacientes. Portanto, a discussão
dessa eventualidade deve ser aventada no pré-operatório e inclusive fazer parte do con-
sentimento informado.
Ressecções devem ser determinadas considerando-se o discutido anteriormente e
observando-se a possibilidade da revisão cirúrgica para preservar segmentos do intestino.

Revisão (“second-look”)
Quando grandes extensões de intestino estão comprometidas, todo o esforço deve ser
empregado para preservar cada centímetro viável. Se houver dúvida consistente quanto a
viabilidade de determinado segmento, deve-se programar uma reavaliação cirúrgica ou
laparoscópica entre 24 e 48 horas, caso as condições clínicas do paciente permitam.

Considerações finais
As síndromes isquêmicas intestinais, apesar de pouco frequentes, são condições
clinicas graves e com alta morbimortalidade. Essa situação, em pacientes bariátricos, é
potencializada por alterações anatômicas promovidas pela cirurgia, fato que torna o diag-
nóstico ainda mais desafiador.
185 ABLS Brasil

DICAS
▶ Isquemia intestinal é uma condição que pode acarretar alta
morbidade e mortalidade. Por isso, exije que o médico emergencista
mantenha sempre um alto grau de suspeição clínica para o diagnóstico
e tratamento precoces;
▶ Pacientes bariátricos, sobretudo aqueles que foram submetidos
à técnicas com bypass intestinal, devem ter sua anatomia cirúrgica
cuidadosamente checada antes de qualquer tipo de ressecção intestinal;
▶ Na abordagem cirúrgica inicial da isquemia intestinal na emer-
gência, o cirurgião deve ser o mais conservador possível. Para isso, a
estratégia de uma ressecção mínima em primeiro tempo cirúrgico, com
posterior reavaliação cirúrgica (“second-look”) pode evitar ressecções
extensas, e evitar um maior comprometimento da qualidade de vida.
186 ABLS Brasil

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189 ABLS Brasil

CAPÍTULO 17

CAUSAS DE ABDOME AGUDO NÃO


RELACIONADAS AO PROCEDIMENTO
BARIÁTRICO
HAMILTON BELO DE FRANÇA COSTA

Introdução
O abdomên agudo é uma síndrome dolorosa aguda, de início súbito, intensidade
variável, rapidamente progressiva, que demanda assistência médica de urgência e requer
tratamento imediato, seja clínico ou cirúrgico.
O objetivo inicial da avaliação do abdome agudo é identificar os pacientes com etio-
logia grave, os quais podem exigir intervenção urgente. Uma anamnese bem feita e um
exame físico completo e adequado podem ser capazes de direcionar o diagnóstico etiológico
e o diferencial em quase 90% dos casos. Porém, exames complementares (laboratoriais e
imagens) podem ser necessários para melhor definição da causa e do tratamento definitivo.
Determinar quais pacientes podem ser observados com segurança e quais requerem
investigação adicional ou encaminhamento para especialistas, é um desafio para os medicos
emergencistas, pois a dor abdominal pode ser inespecífica e difusa no início e, somente em
fases avançadas do quadro, se tornar localizada e com sintomas adicionais.
A cirurgia da obesidade, como todo procedimento cirúrgico, é passível de complica-
ções pós-operatórias. Cirurgiões e clínicos emergencistas precisam estar familiarizados com
as intercorrências que podem acontecer após a cirurgia bariátrica, e como diagnosticá-las.
Não devem ignorar as causas comuns de abdome agudo cirúrgico, as quais podem ocorrer
em pacientes bariátricos, tais como apendicite aguda, diverticulite aguda, pancreatite aguda
e doenças biliares. Uma operação bariátrica prévia pode ter pouco impacto nos planos de
tratamento ou na evolução clínica, em casos de apendicite e diverticulite, por exemplo.
Por outro lado, o tratamento da pancreatite e da doença biliar pode ser significativamente
afetado pela anatomia resultante de uma operação bariátrica, pois limita as modalidades
terapêuticas disponíveis [1].
190 ABLS Brasil

A abordagem dos pacientes bariátricos com condição de emergência pode ser extre-
mamente desafiadora. Após a ressuscitação inicial, uma abordagem sistemática e gradual
deve se basear na avaliação do quadro clínico e no conhecimento do procedimento espe-
cífico bariátrico. Quando possível, e a depender das condições clínicas do paciente, deve
haver consulta precoce com o cirurgião bariátrico ou encaminhamento para um centro
de referência em cirurgia bariátrica.
Todo emergencista deve ter conhecimento básico dos procedimentos cirúrgicos
mais comuns adotados para casos de obesidade e ser capaz de lidar com suas possíveis
consequências. Cirurgiões bariátricos devem fazer qualquer esforço para compartilhar
sua “expertise” com colegas não especialistas, assim como precisam desenvolver diretrizes
para o diagnóstico, a avaliação e a condução desses pacientes [2]. Aliás, este é o principal
escopo do ABLS Brasil.

Apendicite aguda
Sintomas iniciais de apendicite aguda são frequentemente leves e inespecíficos, tais
como náuseas, anorexia e desconforto periumbilical, mas evoluem para dor no quadrante
inferior direito do abdome. A dor pode ser mais superior na apendicite aguda retrocecal e
podem ocorrer sintomas urinários ou diarreia em caso de apêndice pélvico.
A presença de quadro de apendicite aguda no pós-operatório de cirurgia bariátrica é
um desafio diagnóstico para o médico emergencista, principalmente em suas fases iniciais,
, quando o quadro clínico pode ser pouco característico e o exame físico do abdome geral-
mente é pouco confiável - isso porque os pacientes normalmente ainda estão obesos. Os
sinais e sintomas podem ser atípicos e não específicos. Por vezes, o médico emergencista
é levado a pensar primariamente em complicações relacionadas à cirurgia bariátrica [3].
Sinais clássicos de irritação peritoneal, como defesa ou rigidez de parede abdominal,
geralmente não estão presentes e não são confiáveis no pós-operatório imediato de obesida-
de mórbida. Podem indicar quadros avançados de peritonite grave, levar à sepse, à falência
de órgãos e à morte em pouco tempo [3]. É importante realizar anamnese rigorosa, com
foco nas características e na evolução da dor abdominal, assim como na avaliação deta-
lhada de sintomas associados, do tipo de cirurgia realizada e do tempo de pós-operatório.
Além disso, exames complementares de imagem, como ultrassonografia e, principalmente,
tomografia computadorizada, podem ser essenciais em dúvida diagnóstica e não devem
ser postergados.
O diagnóstico de apendicite aguda no pós-operatório de cirurgia bariátrica pode ser
mais desafiador do que o habitual, sobretudo no período precoce de pós-operatório. É
191 ABLS Brasil

preciso alto grau de suspeição clínica, criteriosa observação da evolução do quadro clínico
e uso precoce de exames complementares para evitar graves complicações decorrentes de
diagnóstico tardio. Intervenção cirúrgica exploratória, preferencialmente por via laparos-
cópica, pode ser necessária em casos nos quais a dúvida diagnóstica persiste.
Como nenhum procedimento bariátrico vigente no Brasil aborda o intestino grosso,
a técnica operatória de apendicectomia em paciente bariátrico em nada difere do habitual.

Úlcera gastroduodenal perfurada


A úlcera péptica após o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) pode ocorrer na anas-
tomose gastroentérica (úlcera marginal ou de boca anastomótica) ou pode se desenvolver
em outro local, como no estômago excluso, no duodeno ou no jejuno [4].
Infecção pelo Helicobacter pylori, tabagismo, ingestão de medicamentos anti-in-
flamatórios não esteroides, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, suco gástrico no
estômago excluso não neutralizado pelo alimento, alterações na liberação de bicarbonato
pelo pâncreas e o próprio conteúdo biliar causando lesão da mucosa intestinal são fatores
que têm sido associados à fisiopatologia da úlcera péptica em segmentos gastrointestinais
exclusos no bypass gástrico [5].
A úlcera duodenal perfurada após um bypass gástrico é uma situação clínica incomum
e de difícil diagnóstico, pois o sinal radiológico clássico de pneumoperitônio, com ar livre
sob o diafragma, não está presente na grande maioria das vezes devido à anatomia alterada
do bypass – que exclui o ar do duodeno e onde o ar ingerido flui preferencialmente através
da anastomose gastrojejunal, em vez de retornar pela alça biliopancreática [5]. Portanto, o
médico emergencista não deve esperar pelo achado radiológico de pneumoperitônio para
confirmar a suspeita de perfuração duodenal após um bypass gástrico.
A investigação cirúrgica precoce é justificada em um paciente submetido ao bypass
que apresenta dor abdominal típica de úlcera perfurada e sinais de sepse grave, mesmo na
ausência de pneumoperitônio. Entretanto, a investigação complementar com exames de
imagem pode fornecer informações valiosas para o planejamento terapêutico em caso de
paciente hemodinamicamente estável, sem sinais de peritonite [5].
A tomografia computadorizada de abdome é o exame que melhor pode auxiliar no
diagnóstico de perfuração nos segmentos exclusos (estômago excluso, duodeno ou alça
biliopancreática), pois pode identificar pequenas quantidades de líquido livre associado ao
processo inflamatório local, além de ajudar a identificar outras possíveis causas do abdome
agudo cirúrgico pós-bypass [5].
192 ABLS Brasil

A abordagem cirúrgica das úlceras perfuradas em segmentos exclusos do bypass


gástrico, principalmente no estômago e no duodeno, como também da úlcera perfurada da
anastomose gastrojejunal (úlcera marginal), em geral é a mesma habitualmente conhecida:
lavagem e limpeza da cavidade, ulcerorrafia primária, com ou sem omentoplastia, a critério
da experiência do cirurgião e drenagem pós-operatória. A via laparoscópica, sempre que
possível, é a preferível. Em alguns poucos casos, a ressecção total do estômago excluso
pode ser necessária.
A revisão anastomótica, refazendo a gastrojejunoanastomose, pode ser mais adequada
para casos eletivos de úlcera intratável ou para perfurações que não são corrigíveis por rafia
ou patch omental dada sua localização ou extensão. Em relação à úlcera intratável, ambas
técnicas minimamente invasivas e revisões parciais são descritas com algum sucesso [6].

Colecistite aguda e coledocolitíase


A incidência de colelitíase após bypass gástrico é estimada em torno de 37%. Quase
50% dos pacientes desenvolvem a doença no primeiro ano de acompanhamento e 60%,
nos primeiros 6 meses. A rápida perda de peso aumenta a saturação do colesterol na bile
e a concentração de mucina na vesícula biliar, além de causar alterações anatômicas pós-
-operatórias e o esvaziamento comprometido da vesícula biliar, fatos que aumentam o risco
de desenvolvimento de cálculos biliares em pacientes bariátricos [7].
A presença de cálculos na via biliar comum é uma complicação pouco frequente após
um bypass gástrico (0,2%); ela representa um desafio importante em função das modifica-
ções anatômicas do trato gastrointestinal. O duodeno permanece adjacente ao estômago
excluído cirurgicamente, sem acesso à papila; para tal, o endoscópio necessita passar pela
boca, pelo esôfago, pela bolsa gástrica, pela alça alimentar e, retornar retrogradamente
através da alça biliopancreática até a ampola, para tornar o acesso endoscópico pronto
para a realização de uma colangiopancreatografia retrógrada (CPRE) - tarefa bastante
trabalhosa, restrita a apenas alguns centros [7].
O quadro clínico e o achado de exames complementares de colecistite aguda em
pacientes bariátricos em nada diferem do habitual. Devem ser conduzidos de maneira
costumeira, conforme a experiência do cirurgião.
A presença de coledocolitíase, principalmente se acompanhada de suspeita clínica
de colangite, é uma situação clínica de tratamento mais complexa no pós-operatório de
procedimentos bariátricos derivativos, como o bypass gástrico.
193 ABLS Brasil

O diagnóstico de coledocolitíase pode ser suspeitado pelo quadro clínico (dor abdo-
minal e icterícia) e pela elevação das enzimas canaliculares, sendo confirmado por ultras-
sonografia ou por colangioressonância magnética (colangioRM).A abordagem endoscópica
da papila duodenal não encontra dificuldades em pacientes submetidos à gastrectomia
vertical (sleeve), uma vez que o duodeno permanece no trânsito alimentar.
A realização de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) para o tra-
tamento da coledocolitíase após cirurgias derivativas, como o bypass gástrico e o duodenal
switch, é tecnicamente difícil e desafiador, pois o rearranjo da anatomia do tubo digestório
superior dificulta o acesso endoscópico transoral à papila duodenal. Embora tecnicamente
complexas, há 3 opções de acesso à via biliar nesses casos:
• CPRE assistida por enteroscopia com balão;
• CPRE transgástrica assistida por laparoscopia e
• CPRE transgástrica orientada por ecoendoscopia
Menos frequentemente, mas também tecnicamente possível, a via biliar pode ser
acessada por via percutânea trans-hepática.
Em qualquer uma dessas opções, a tentativa de acesso endoscópico à papila duodenal
maior em pacientes bariátricos com procedimentos que causam exclusão gastroduodenal
estará condicionada aos serviços que possuam equipamentos adequados e a endoscopistas
e cirurgiões treinados. Na falência terapêutica do acesso por endoscopia, ou na ausência
de recursos locais para realizá-la, a coledocolitíase após um bypass gástrico (e outras
cirurgias derivativas) deve ser abordada cirurgicamente, sobretudo se houver indícios de
colangite. A via biliar comum também pode ser acessada e clareada por via transcística ou
transcoledociana e por laparoscopia, sem acessar a papila por enteroscopia, gastrostomia,
ecoendoscopia ou via percutânea, sem riscos inerentes ao método endoscópico [8-11].

Diverticulite dos cólons


Como nos casos de apendicite, uma operação bariátrica prévia em casos de diverticu-
lite aguda tem pouco ou nenhum impacto no tratamento e na evolução clínica. Os achados
clínicos e o diagnóstico não diferem muito nos pacientes recém-operados. Geralmente apre-
sentam dor no quadrante inferior esquerdo, acompanhada de náuseas, vômitos, mudança
no hábito intestinal e febre. O exame físico pode revelar dor e sensibilidade abdominal,
associadas (ou não) aos sinais de peritonite e de sepse. A tomografia de abdome com con-
traste intravenoso é o principal exame complementar para o diagnóstico de diverticulite
aguda, pois auxilia na identificação de possíveis complicações associadas. Os achados mais
194 ABLS Brasil

encontrados são: espessamento localizado da parede intestinal, aumento na densidade da


gordura e dos tecidos adjacentes ao cólon com presença de divertículos colônicos.

Obstrução intestinal
A incidência geral de obstrução após bypass gástrico gira em torno de 5%. Suas causas
mais comuns são as hérnias internas (53%) relacionadas à cirurgia bariátrica; as menos
frequentes, e comums a qualquer tipo de cirurgia abdominal, são as aderências (14%). Fa-
tores que aumentam o risco de obstrução intestinal nesses pacientes incluem a abordagem
cirúrgica (laparoscópica ou aberta), a qual afetará o grau de aderências.
Uma hérnia incisional através de um sítio do portal, estimada em até 0,5% dos casos,
pode ser difícil de detectar clinicamente em pacientes obesos. Ela pode gerar obstrução
intestinal precoce após bypass gástrico laparoscópico e causar náuseas e e vômitos persis-
tentes no pós-operatório imediato (Figura 1). Radiografia simples do abdômen e tomografia
computadorizada do abdome com contraste, a depender do segmento herniado, revela
alças intestinais dilatadas e herniação através do defeito da parede abdominal. A imediata
exploração laparoscópica, deve ser realizada com redução da alça herniada e fechamento
do defeito na parede abdominal [12].

Fig 1. Imagem laparoscópica de um segmento intestinal agudamente encarcerado em um dos portais lapa-
roscópicos (hérnia de portal).
195 ABLS Brasil

Considerações finais
O abdome agudo não traumático continua a representar um desafio diagnóstico tanto
para médicos emergencistas quanto para especialistas. Em pacientes obesos, essa condição
é ainda mais desafiadora, principalmente em pós-operatório precoce de cirurgia bariátrica.
As causas mais comuns de abdome agudo não traumático, como apendicite aguda,
diverticulite aguda, pancreatite aguda e doença litiásica biliar também estão entre as etio-
logias mais comuns de emergências cirúrgicas em pacientes pós-bariátricos. Consequen-
temente, faz-se necessário extrema vigilância e baixo limiar para indicação de exploração
cirúrgica imediata.
196 ABLS Brasil

DICAS
▶ A abordagem de pacientes bariátricos em emergência pode
ser extremamente desafiadora; faz-se necessário uma abordagem sis-
temática gradual baseada na avaliação no exame clínico completo e no
conhecimento do procedimento bariátrico específico;
▶ Todo emergencista deve ter conhecimento básico dos procedi-
mentos cirúrgicos mais comuns adotados para a obesidade e ser capaz
de lidar com suas possíveis consequências;
▶ Os sinais e sintomas podem ser atípicos e sutis, não específicos
e mascarados ou até menosprezados, dada a raridade de ocorrência. O
raciocínio deve ser direcionado para cirurgia recentemente realizada;
▶ Os sinais clássicos de irritação peritoneal, como defesa ou rigi-
dez de parede abdominal, geralmente não estão presentes no início do
quadro clínico; quando presentes, podem indicar quadros avançados
de peritonite grave, fato que pode evoluir rapidamente para sepse,
falência de órgãos e morte;
▶ O exame físico pode não ser confiável em obesos; sintomas
clínicos sutis e os achados radiológicos e de laboratório devem alertar
clínicos para problemas no pós-operatório;
▶ Não se deve ignorar as causas comuns de abdome agudo
cirúrgico: apendicite aguda, diverticulite aguda, pancreatite aguda,
obstrução intestinal por aderências e doença do cálculo biliar - etio-
logias mais comuns de patologia abdominal no pós-operatório de
cirurgia bariátrica;
▶ A operação bariátrica prévia pode ter pouco impacto na evo-
lução clínica e no tratamento da apendicite e da diverticulite;
▶ Não espere pelo pneumoperitônio para diagnosticar uma
úlcera duodenal perfurada após bypass gástrico (ou outras cirurgias
bariátricas derivativas intestinais);
▶ Na coledocolitíase após bypass gástrico, a via biliar pode ser
acessada e clareada por via transcística ou transductal e por laparos-
197 ABLS Brasil

copia, sem necessidade de acessar a papila por enteroscopia, por


gastrostomia, por ecoendoscopia e por via percutânea, sem os riscos
do método endoscópico;
▶ É necessário que haja extrema vigilância e intervenção
agressiva no pós-operatório de cirurgia bariátrica e baixo limiar para
exploração cirúrgica imediata, de preferência por via laparoscópica.
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199 ABLS Brasil

CAPÍTULO 18

ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS APÓS


CIRURGIA BARIÁTRICA
CÁCIO RICARDO WIETZYCOSKI
GUILHERME DA SILVA MAZZINI

Introdução
Atualmente, a cirurgia bariátrica é extremamente segura e apresenta altos índices
de satisfação por parte dos pacientes, pois pode auxiliar uma perda de peso significativa
e duradoura, e resolução ou melhora das comorbidades [1-3]. No entanto, as deficiências
nutricionais merecem atenção especial dentre as possíveis complicações do tratamento
cirúrgico. Elas podem se desenvolver como consequência da redução da ingestão e/ou
da má absorção de nutrientes, além de serem mais comumente observadas após procedi-
mentos malabsortivos ou mistos, se comparadas aos procedimentos puramente restritivos
[2,4]
. Outros fatores causais incluem deficiências pré-operatórias, intolerâncias alimentares
desenvolvidas após a cirurgia, mudanças nos padrões de paladar e alimentação e não ade-
são às recomendações dietéticas e suplementares. Tanto o bypass gástrico em Y de Roux
(BGYR) quanto a gastrectomia vertical (sleeve) podem ocasionar deficiências nutricionais
e vitamínicas, muito embora o sleeve pareça ter relação com efeitos menos severos no
equilíbrio nutri-vitamínico [4].
Deficiências nutricionais podem apresentar uma ampla gama de manifestações
clínicas, a depender dos nutrientes envolvidos, da gravidade e da duração dos estados de
deficiência. Podem causar, ainda, sérios prejuízos para os pacientes; em alguns raros casos,
resultam em graves complicações que, se não tratadas de forma adequada, podem levar
à morte. Desse modo, é altamente recomendável a realização de um rastreio nutricional
minucioso [5], principalmente em pacientes que buscam o pronto atendimento com queixas
que possam ter relação com os déficits nutricionais ou vitamínicos, tais como vômitos,
fadiga, déficits neurológicos, edemas, distúrbios do comportamento entre outras.
200 ABLS Brasil

Abordagem diagnóstica das deficiências nutricionais em


pacientes bariátricos
Todo paciente bariátrico que procura atendimento de urgência por alguma queixa
relacionada a um déficit nutricional deve ser inquerido quanto ao tipo de cirurgia rea-
lizada, ao tempo de pós-operatório, à perda de peso, ao uso de polivitamínicos, ao uso
de suplementação proteica e à presença de sintomas que tenham relação com potenciais
deficiências vitamínicas.
Após anamnese e exame físico completo na busca por sinais e sintomas que sugiram
algum distúrbio nutricional, o paciente deverá ser submetido a exames laboratoriais para
confirmar a suspeita clínica ou para rastrear possíveis distúrbios nutricionais associados
através de radiografia simples de abdome e tórax na urgência. A tabela 1 apresenta o re-
sumo das principais deficiências nutricionais que podem levar o paciente bariátrico ao
pronto-atendimento.

Tabela 1. Principais deficiências nutricionais que devem ser consideradas por


médicos emergencistas ao avaliar um paciente bariátrico no pronto-atendimento.

Nutriente Manifestações clínicas


Beribéri, encefalopatia de Wernicke, síndrome de Korsakoff e
Vitamina B1 (tiamina)
síndrome de Wernicke–Korsakoff.
Folato (B9) Anemia macrocítica, palpitações e irritabilidade.
Anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, panci-
Vitamina B12 (cobalamina)
topenia, glossite, parestesias e neuropatias irreversíveis.
Anemia, fadiga, irritabilidade, palidez mucocutânea, “brittle
Ferro nails”, síndrome de Plummer–Vinson e síndrome das pernas
inquietas.
Osteomalácia, osteoporose, artralgias, mialgias, fasciculação
Vitamina D
e depressão.
Parestesia peroral e de extremidades, tetania, arritmias
Cálcio cardíacas, alargamento de QT intermitente e hiperexitabili-
dade neuromuscular.
Vitamina A Cegueira noturna e xeroftalmia.
Petéquias, equimoses, hematomas, alargamento do tempo de
Vitamina K
protrombina e sangramento menstrual aumentado.
Diminuição da massa magra, fraqueza, perda de cabelos e
Proteína
edema generalizado.
Adaptado de Szomstein et al., 2016 [6].
201 ABLS Brasil

Anemia por deficiência de ferro


Todos os pacientes previamente submetidos à cirurgia bariátrica, que adentram uma
unidade de urgência/emergência com quadro de anemia microcítica e hipocrômica devem
ser investigados para perda sanguínea, principalmente de origem digestiva (alta e baixa) e
ginecológica (metrorragia). Endoscopia digestiva alta deve ser realizada assim que possível
para avaliar a possibilidade de úlcera gástrica, duodenal (no sleeve) ou de boca anastomó-
tica (bypass gástrico). Anemia sem evidência de perda de sangue, justifica a avaliação das
causas apropriadas para a idade durante o pós-operatório tardio. A ingestão compulsiva
de substâncias não nutritivas (terra, tijolo, papelão, etc.), conhecida como “pica”, também
pode estar associada à anemia ferropriva. Relatos de casos de “pica” após bypass gástrico
vêm destacando esse fenômeno clínico na população pós-bariátrica [7].
Regimes de tratamento incluem sulfato ferroso oral, fumarato ou gluconato, para
fornecer até 150-200 mg de ferro elementar diariamente [8,9]. Suplementação com vitamina
C pode ser adicionada simultaneamente para aumentar a absorção de ferro. Atualmente,
uma nova preparação de ferro oral, o bisglicinato ferroso, vem sendo utilizada em pacien-
tes bariátricos por apresentar alta absorção intestinal e por ter menos efeitos colaterais
gastrointestinais. Em alguns casos, pode ser necessária a infusão de ferro intravenosa (de
preferência com gluconato ferroso ou sacarato) em pacientes com intolerância severa ao
ferro oral ou com deficiência refratária causada por má absorção de ferro. Pacientes bariá-
tricos com hemoglobina menor que 10 mg/dl e que já estejam em uso de ferro oral devem
ser suplementados com ferro parenteral, pois dificilmente terão a anemia corrigida apenas
com suplementação oral. Sacarato de hidróxido de ferro III (Noripurum®), correspondendo
a 100 mg de ferro elementar, pode ser usado por via intravenosa. Habitualmente, a abor-
dagem inicial é feita por meio da aplicação semanal de 2 ampolas, diluídas em 250 ml de
SF e infundidas em 30 minutos, por 4 semanas.
Novas preparações de ferro parenteral (intravenoso), tais como a carboximaltose
férrica, são seguras, fáceis de usar e podem ser administradas até 1000 mg em uma única
sessão, sendo uma excelente ferramenta para tratar a anemia ferropriva nessa população
de pacientes. Apesar de ainda bastante cara, a apresentação comercial Ferrinject® 10 ml,
correspondendo a 500 mg de ferro elementar, pode ser administrada IV, 2 ampolas diluídas
em 250 ml de SF infundidas em meia hora e repetida em uma semana. Doses mais elevadas,
de até 2 g de ferro intravenoso, em dose única, têm sido utilizadas com segurança e com
alta eficácia [10].
A transfusão sanguínea pode ser necessária em pacientes que se apresentam no
hospital com nível sérico de hemoglobina abaixo de 7 mg/dl ou que tenham sintomas
202 ABLS Brasil

importantes relacionados à anemia. Mesmo com reposição de concentrado de hemácias,


a reposição de ferro também é necessária para recompor as reservas.

Deficiência de vitamina B12 (cobalamina)


A deficiência de vitamina B12 é uma consequência relativamente comum do bypass
gástrico (20 a 50%), uma vez que a cirurgia produz mudanças na fisiologia de sua absorção.
Contudo, o risco de deficiência de B12 também pode estar aumentado no sleeve, com taxas
descritas entre 10% e 20% [2,4].
Embora o armazenamento corporal de vitamina B12 possa manter níveis adequados
desta vitamina por períodos prolongados (1 ano ou mais), mesmo na presença de ingesta
deficiente, existe o risco de neuropatia irreversível se a deficiência for mantida por um
longo período de tempo [11].
Manifestações clínicas mais relacionadas à redução dos níveis séricos dessa vitamina
são: anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, pancitopenia, glossite, parestesias e
neuropatias irreversíveis [11]. Pacientes submetidos às cirurgias bariátricas, principalmente
àquelas com componente de malabsorção, que se apresentarem no pronto atendimento com
distúrbios neurológicos (alterações motoras, sensitivas, ataxias, etc.) devem ser tratados
empiricamente com vitaminas do complexo B por via parenteral (Citoneurin® 5000U IM
ou 2 ampolas de Complexo B diluídas em 500 ml de soro glicosado 5%). Esse tratamento
deve ser realizado de imediato, a despeito de posterior investigação laboratorial para de-
ficiência de vitamina B12, pois a demora no diagnóstico e na correção desses distúrbios
pode gerar graves sequelas neurológicas.

Deficiência de vitamina B1 (tiamina)


A prevalência de deficiência de vitamina B1 é baixa, mas suas consequências podem
ser graves, principalmente em pacientes com vômito persistente pós-bariátrica, pois seus
estoques corporais são baixos, não mais que 30g. Polineuropatia irreversível e encefalopatia
de Wernicke-Korsakoff (distúrbios oculares com nistagmo, ataxia, distúrbios mentais e
confusão mental) foram descritas.
O alto consumo de glicose (dieta ou infusão intravenosa de glicose) pode precipitar
deficiência aguda de vitamina B1 em pacientes com baixas reservas dessa vitamina. Dessa
forma, pacientes que chegam ao pronto atendimento com histórico significativo de vômi-
tos nas últimas horas, devem ser prontamente tratados com tiamina 100 mg EV, antes de
203 ABLS Brasil

qualquer infusão de glicose. Esse procedimento é necessário a fim de prevenir a Síndrome


de Wernicke, a qual, apesar de rara, é extremamente grave. Deficiência grave de B1 pode
se apresentar também como beribéri, com angina e sinais de insuficiência cardíaca [5,11].
O rastreio de deficiência de tiamina ou a suplementação empírica de tiamina devem
ser considerados em pacientes com vômitos prolongados, com nutrição parenteral, com
uso excessivo de álcool, com neuropatia, com encefalopatia ou com insuficiência cardíaca
de início recente [5].
O tratamento da deficiência grave de tiamina (suspeita ou estabelecida) deve ser
iniciado no pronto-atendimento por meio da infusão intravenosa de tiamina (500 mg/d)
mantida na internação hospitalar por 3 a 5 dias. Esse procedimento deve ser seguido por
metade da dose inicial, também por mais 3 a 5 dias ou até a resolução dos sintomas. Sua
deficiência leve pode ser tratada com tiamina intravenosa (100 mg/d), durante 7 a 14
dias, podendo ser mantida por via oral (Benerva® 300 mg 1x/dia) até a normalização dos
níveis séricos e a regressão dos sintomas, ou até que o fator de risco para deficiência de B1
seja afastado. Após essa abordagem de urgência, o paciente deve ser reencaminhado para
acompanhamento com equipe multidisciplinar. Deve-se considerar a prescrição de tiamina
por via oral, na dosagem de 100 mg/d, por um longo período.

Vitamina B9 (folato)
A deficiência de folato é incomum, exceto em pacientes com baixo consumo de
vegetais. Pacientes que se apresentam com anemia megaloblástica devem receber suple-
mentação extra diária de ácido fólico 5 mg. Também devem ser avaliados para deficiência
conjunta de vitamina B12.

Vitamina D e cálcio
Hipovitaminose D e hiperparatireoidismo são distúrbios comumente associados com
obesidade mórbida; portanto, deficiências de cálcio e síndromes de hipocalcemia aguda
têm sido observadas após cirurgia bariátrica. Deficiência de 25-hidroxivitamina D parece
estar entre as principais deficiências vitamínicas observadas após a cirurgia bariátrica [6,12].
A incidência geral de deficiência de cálcio e de doença óssea metabólica está em torno
de 10% [3], sendo menos comuns em paciente submetidos à gastrectomia vertical (sleeve),
devido à preservação do duodeno no trânsito alimentar. A absorção de cálcio no bypass
gástrico é especialmente reduzida devido à perda de ação ácida [13]. Além disso, a perda
204 ABLS Brasil

de peso rápida e extrema está associada à perda óssea, mesmo na presença de níveis nor-
mais de vitamina D e de paratormônio (PTH). Hipocalcemia severa, apesar de rara, pode
acontecer após cirurgia bariátrica, principalmente se houver histórico de tireoidectomia
prévia. Pacientes com sintomas de hipocalcemia (tetania) ou com cálcio iônico abaixo de
7,5 mg/dl devem ser tratados com 10 ml de gluconato de cálcio a 10%, EV, em infusão
lenta (1 ml por minuto).
Aumento no PTH sérico é indicativo de balanço negativo de cálcio ou de deficiência
de vitamina D, ou de ambos. Hiperparatireoidismo secundário promove perda óssea, além
de aumentar os riscos de osteopenia e osteoporose. Níveis elevados de fosfatase alcalina e
de osteocalcina são indicativos de aumento da atividade osteoblástica e de formação óssea,
e são, geralmente, as anormalidades observadas inicialmente [13,14].
Suplementação com vitamina D pode ser fornecida por ergocalciferol ou colecalciferol
e por reposição de 5.000U 3x na semana, ou por dose alta de 50.000U por mês, as quais
são, geralmente, suficientes para regularizar os níveis séricos de vitamina D na maior parte
dos pacientes. Quando doses altas (50.000U) são usadas, dores musculares em membros
inferiores podem ocorrer; logo, os pacientes devem ser alertados quanto a isso, embora
tais sintomas sejam autolimitados e sem repercussão clínica. O polivitamínico utilizado
habitualmente por pacientes bariátricos não contém uma quantidade suficiente de cálcio.
Sendo assim, uma dose diária complementar de citrato de cálcio (1000 mg) deve ser usada
como manutenção. Citrato de cálcio é sempre preferível às demais apresentações em função
de sua melhor absorção em ambiente de menor acidez gástrica [11].

Vitaminas A, E e K
A deficiência das vitaminas A, E e K é incomum em pacientes bariátricos que realizam
a suplementação regular com uso de polivitamínico oral, pois suas necessidades básicas
são, usualmente, supridas. A deficiência de vitamina A pode causar hiperqueratinização da
pele, má cicatrização, perda de paladar e raros casos de cegueira noturna e xeroftalmia[5,11].
Nesses casos, a reposição de 50.000–100.000 UI deve ser administrada IM por 3 dias;
seguida por 50.000 UI/d IM por 2 semanas [8]. A deficiência de vitamina E pode ocorrer
em até 10% dos pacientes submetidos ao bypass gástrico, mas geralmente não apresenta
manifestações clínicas relevantes [8].
A vitamina K participa da cascata de coagulação; logo, pacientes pós-bariátrica que
apresentem alargamento de tempo de protrombina, com discrasia sanguínea e, principal-
mente, com sinais de sangramento espontâneo, devem ser submetidos à administração de
205 ABLS Brasil

vitamina K 5 mg (IM ou EV), com posterior manutenção de 1 a 2 mg, semanalmente, até


a normalização do quadro [8,11].

Desnutrição proteica
A desnutrição proteica grave é rara, qualquer que seja o procedimento cirúrgico
adotado, sendo um pouco mais frequente em procedimentos com longo segmento de
intestino delgado excluso, como em derivações biliopancreáticas, em switch duodenal ou
em bypass com alças alongadas [8].
Os possíveis motivos para o desenvolvimento de desnutrição proteica podem ser
ingestão alimentar restrita, má absorção de nutrientes, ocorrência pós-operatória de vô-
mitos ou diferentes graus de intolerâncias alimentares. Como consequência, a redução nos
níveis de proteína no sangue e, finalmente, na massa muscular podem ser observadas [12].
A desnutrição proteica grave é uma condição caracterizada por edema, perda de massa
muscular e hipoalbuminemia severa. Quando isso ocorre, um interrogatório alimentar
rígido deve avaliar a possibilidade de uma ingesta alimentar muito pobre de proteínas,
composta basicamente por carboidratos. A ingestão desejada de proteínas deve variar,
em média, de 60 a 120 g/d. Também deve-se fazer um esforço para identificar a técnica
cirúrgica empregada, na tentativa de determinar a presença de uma alça comum muito
curta. Para tanto, pode ser necessário contatar o cirurgião bariátrico.
O suporte por nutrição enteral (NE) ou por nutrição parenteral (NP) deve ser
considerado para pacientes com desnutrição proteica grave, que não conseguem manter-se
nutridos mesmo com suplementação de proteínas por via oral. Sinais importantes de alto
risco nutricional ou de desnutrição que devem ser pesquisados nesses pacientes são: perda
de peso expressiva e contínua após 2 anos, IMC < 20 kg/m2, sinais de sarcopenia, unhas
quebradiças, queda excessiva de cabelo e baixa ingesta de proteínas na dieta.
Normalmente, a suplementação com proteína do soro do leite (“whey protein”) isolada
e hidrolisada é bem tolerada, além de ser capaz de reverter distúrbios nutricionais menos
graves, na maior parte dos pacientes, na dose de 30g 2x dia. A albumina, proteína do ovo,
tem alto valor biológico e pode ser utilizada nesses pacientes, mas costuma ser mal tolerada
em função da baixa palatabilidade e alta produção de gases intestinais.
Quando a reposição proteica via oral não é suficiente, a NE artificial (com uso de
sonda naso-entérica) é usada sempre como primeira escolha, com base nas mesmas con-
siderações que orientam decisões de tratamento para pacientes gravemente desnutridos,
206 ABLS Brasil

que devem ser reavaliados em 5 a 7 dias. Caso não haja melhora significativa do status
nutricional, a NP deve ser considerada.
A NP deve ser considerada pela equipe para pacientes com desnutrição proteica grave
e/ou hipoalbuminemia não responsiva à suplementação oral ou à NE; a pronta admissão
hospitalar para o início do suporte nutricional é necessária. Pacientes pós-bariátrica com
anasarca e/ou albumina sérica menor que 2,5 mg/dl devem ser avaliados para a necessi-
dade de NP, pois a NE normalmente não será suficiente para a recuperação nutricional.
Deve-se ter especial atenção na avaliação do tamanho da alça comum nesses pacientes,
pois a síndrome do intestino curto pode estar sendo a responsável pela desnutrição grave.
Portanto, o cirurgião bariátrico deve ser requisitado para avaliar o caso, assim que possível.
Durante a reposição com NP, não deve ser esquecida a suplementação com polivitamínico
EV e a administração de oligoelementos parenterais.

Considerações finais
Pacientes bariátricos que procuram o pronto atendimento podem apresentar vários
problemas que tenham relação com distúrbios nutricionais, vitamínicos e minerais, algu-
mas vezes graves. Portanto, o médico plantonista deve ter um alto grau de suspeição em
relação a esses distúrbios, fato que deve nortear a investigação por sinais e sintomas do
paciente e por deficiências mais prováveis conforme o tipo de técnica cirúrgica utilizada,
o tempo decorrido da cirurgia e a adesão do paciente à suplementação pós-operatória.
Problemas mais graves como anemia severa, deficiência grave de B1 e desnutrição grave
devem ser prontamente corrigidos. Em seguida, a equipe multidisciplinar (nutrólogo,
endocrinologista, nutricionista, cirurgião) deve ser contatada para avaliar e acompanhar
o paciente bariátrico.
207 ABLS Brasil

DICAS
▶ Todo paciente submetido à cirurgia bariátrica pode apresentar
alguma deficiência nutricional, de macro ou micronutrientes, e isto
sempre deve despertar alto nível de suspeição frente ao paciente que
procura atendimento;
▶ A reposição agressiva de vitaminas do complexo B deve ser
feita em pacientes com sintomas neurológicos, mesmo em vigência de
níveis séricos normais de vitaminas do complexo B;
▶ Na maior parte das vezes, a desnutrição proteica pós-bariátrica
tem relação com uma dieta hipercalórica e hipoproteica, e com a má
adesão à suplementação prescrita. No entanto, causas anatômicas rela-
cionadas à cirurgia também devem ser investigadas, tais como estenose
e alça comum muito curta; é aconselhável uma avaliação conjunta com
o cirurgião bariátrico;
▶ Hipoalbuminemia e edema em pacientes bariátricos são con-
siderados um quadro grave e devem ser tratados, inicialmente, em
ambiente hospitalar. Frequentemente, estão associados a outros déficits
nutricionais (vitaminas e oligoelementos);
▶ A nutrição parenteral deve ser considerada em pacientes com
albumina menor que 2,5 mg/dl;
▶ Após reposição rápida das deficiências vitamínicas e de mi-
nerais mais graves, o cirurgião bariátrico e a equipe multiprofissional
devem ser acionados para dar seguimento ao caso.
208 ABLS Brasil

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211 ABLS Brasil

CAPÍTULO 19

SÍNCOPE E HIPOGLICEMIA
FLÁVIO FONTES PIROZZI

Introdução
Síncope e hipoglicemia são complicações frequentes do pós-operatório de cirurgia
bariátrica em decorrência da síndrome de dumping (SD). Alterações anatômicas de alguns
procedimentos bariátricos podem ocasionar o rápido esvaziamento gástrico e a chegada
de alimentos não digeridos nas primeiras porções do intestino delgado logo após a ali-
mentação. A SD é a complicação metabólica mais frequente após a cirurgia bariátrica; é
mais comum após bypass gástrico do que após gastrectomia vertical (sleeve). A SD pode
ser dividida em precoce, que ocorre após 1 hora da alimentação, e tardia, que ocorre de 1
a 3 horas após a alimentação [1,2].

Fisiopatologia da SD precoce
A chegada precoce do alimento hiperosmolar ao intestino delgado provoca extra-
vasamento de plasma do intravascular para o extravascular, o que resulta na redução do
volume plasmático e ocasiona sinais clínicos como taquicardia, hipotensão e síncope. Esse
deslocamento de líquido para o lúmen intestinal também está associado com distensão
abdominal, náusea, dores em cólica, borborigmo, meteorismo, flatulência e diarreia. Outros
mecanismos envolvidos estão ligados ao aumento de alguns hormônios gastrointestinais,
também chamados de incretinas, como o peptídeo intestinal vasoativo, o polipeptídeo
gástrico inibitório, o glucagon-like peptídeo-1 (GLP-1), o glucagon e a insulina [1,2].

Fisiopatologia da SD tardia
Ocorre em decorrência de um estado hiperinsulinêmico com hipoglicemia reativa.
A rápida chegada de carboidratos não digeridos no intestino delgado resulta em rápida
absorção desse nutriente, com uma resposta hiperinsulinêmica exacerbada em relação à
212 ABLS Brasil

quantidade de carboidratos ingerida. Aumento de incretinas também está envolvido na


fisiopatologia dessa manifestação, especialmente no aumento de GLP-1 [1,2].

Diagnóstico
Além da caracterização do quadro clínico agudo que leva o paciente ao pronto-aten-
dimento, o médico emergencista deve investigar o histórico de queixas inespecíficas como
fadiga após a refeição, pois pode ser uma importante dica de que o paciente vem apresen-
tando SD. Dois questionários baseados em sintomas podem ser usados para a avaliação
clínica frente à suspeita de SD - escore de Sigstad (evidência C) (Tabela 1) e escore de Arts
(evidência B) (Tabela 2) [1,3].

Tabela 1: Escore de Sigstad - pontuação acima de 7 é indicativo de SD.


Sintomas Pontos
Pré choque ou choque +5
Perda de consciência +4
Vontade de deitar ou sentar +4
Dispneia +3
Cansaço físico ou exaustão +3
Sono, apatia ou visão turva +3
Palpitação +3
Agitação ou inquietação +2
Tontura ou vertigem +2
Cefaleia +1
Sensação de calor, sudorese, palidez ou pele pegajosa +1
Náusea +1
Distensão abdominal ou meteorismo +1
Borborigmo +1
Eructação -1
Vômito -4
213 ABLS Brasil

Tabela 2: Escore de Arts –principais sinais e sintomas da SD precoce e SD tardia.


SD precoce SD Tardia
Sudorese Sudorese
Rubor Taquicardia
Tontura Fome
Taquicardia Sonolência
Dor abdominal Perda de consciência
Diarreia Tremor
Edema Irritabilidade
Náusea Mudança de humor

Tabela 3: Sinais e sintomas adrenérgicos e neuroglicopênicos da hipoglicemia.


Sintomas adrenérgicos Sintomas neuroglicopênicos
Tremor Irritabilidade ou mudança de humor
Ansiedade Confusão mental
Palpitação Dificuldade de raciocínio
Nervosismo Visão turva
Palidez/pele pegajosa Ataxia
Boca seca Parestesia
Fome Convulsão
Miose Coma
214 ABLS Brasil

Classicamente, um episódio de hipoglicemia pode ser identificado pela tríade de


Whipple, que consiste em sintomas de hipoglicemia, glicemia < 50 mg/dL e melhora dos
sintomas após administração de glicose. Os principais sintomas da hipoglicemia podem
ser divididos em adrenérgicos e neuroglicopênicos (Tabela 3) [1,2,4]. Mais recentemente,
algumas descrições de casos vêm utilizando monitores contínuos de glicose intersticial,
como o Free Style Libre [5].
Testes provocativos, tais como teste de tolerância oral à glicose (TTOG), também
podem ser realizados. O TTOG é positivo para SD precoce quando há aumento maior
que 3% no hematócrito e aumento de mais de 10 batimentos/minuto no pulso. O teste é
positivo para SD tardia quando constatada hipoglicemia após 60-180 minutos. Contudo,
o TTOG pode induzir sintomas graves em pacientes bariátricos, os quais devem ser ob-
servados com cautela [1,4].
A determinação da taxa de esvaziamento gástrico por meio de cintilografia também
pode auxiliar no diagnóstico. Esse teste consiste em uma refeição com isótopo radioativo;
a velocidade de esvaziamento é avaliada de hora em hora. No entanto, tem baixa acurácia
(evidência B) [1].

Diagnósticos diferenciais
Queixas gastrointestinais semelhantes à de SD precoce podem ser consequência de
complicações cirúrgicas como estenose, fístulas, bridas e isquemia. Úlceras e gastrite tam-
bém podem acarretar dor epigástrica durante as refeições. Investigação com endoscopia
digestiva alta (EDA) é sempre aconselhável [1,2].
Diagnósticos diferenciais de hipoglicemia hiperinsulinêmica são importantes em
pacientes pós-bariátrica e com sintomas de SD tardio. Pode ser necessário suspender o uso
de medicações que induzam essa situação, como sulfoniluréias e insulina. Além disso, a
medida do peptídeo C sérico pode auxiliar no diagnóstico, pois é um indicativo de produção
de insulina endógena. A hipoglicemia induzida por sulfoniluréias e insulinomas apresenta
aumento de peptídeo C; a hipoglicemia induzida por insulina exógena apresenta valores
supressos de peptídeo C. É importante descartar outras condições como insuficiência renal,
insuficiência hepática, hipocortisolismo e etilismo [1,2].
215 ABLS Brasil

Tratamento na emergência
Consensos sobre SD não especificam o nível de evidência em relação ao tratamento
na fase aguda. O tratamento na emergência de um paciente com síncope e hipotensão
consiste na expansão volêmica com solução isotônica e, nos casos de hipoglicemia, a nor-
malização da glicemia é feita por meio de solução hipertônica com glicose endovenosa ou
administração de glucagon por via subcutânea ou intramuscular. Deve-se dar preferência
para glicose endovenosa, de forma a diminuir o efeito incretínico da glicose pela via oral.

Tratamento crônico/preventivo
A mudança alimentar é o passo inicial do tratamento de SD. A reeducação alimen-
tar após a cirurgia bariátrica é fundamental tanto para o sucesso do procedimento como
para evitar sintomas de SD. A equipe multidisciplinar deve abordar o paciente acerca dos
sintomas de SD, reduzir a quantidade de comida ingerida em cada refeição e aumentar o
número de refeições ao longo do dia. Outras medidas importantes são evitar o consumo de
carboidratos de rápida absorção, priorizar fibras e proteínas, mastigar devagar os alimentos,
evitar líquidos durante as refeições e deitar por 30 minutos após as refeições para reduzir
o risco de hipotensão (evidência B) [1,2].
Suplementos dietéticos como a pectina podem auxiliar no retardo do esvaziamento
gástrico e reduzir a absorção de carboidratoa. Esses suplementos diminuem a secreção de
incretinas e os efeitos da SD; contudo, têm baixa tolerabilidade e palatabilidade. Suple-
mentos ricos em fibras podem exacerbar sintomas intestinais da síndrome precoce [1,2].
Com relação ao tratamento medicamentoso, a acarbose é um inibidor da alfa-glu-
cosidase usado no tratamento de pacientes diabéticos. Ao reduzir a absorção de carboi-
dratos, essa medicação auxilia na prevenção de sintomas de SD tardia e reduz a secreção
de incretinas. Porém, o uso dela é limitado, dado seus efeitos colaterais intestinais como
flatulência, dores abdominais e diarreia [1,2,6].
Análogos de somatostatina são uma opção para pacientes que apresentam falha no
tratamento dietético e/ou com acarbose. Esse tipo de fármaco atua no tratamento da SD pre-
coce e tardia por promover vasodilatação pós-prandial, retardo no esvaziamento gástrico,
inibição da secreção de hormônios gastrointestinais e insulina. Análogos de somatostatina
de curta duração são mais efetivos em pacientes com SD; porém, sua limitação encontra-se
em seu custo e na necessidade de 3 injeções diárias, via subcutânea. Medicações de longa
duração são preferidas por serem injetadas a cada 2 a 4 semanas via intramuscular. Os efeitos
216 ABLS Brasil

adversos mais comuns são diarreia, náusea, formação de cálculos biliares e dor no local da
injeção. O octreotide de longa duração e pasireotide saõ as medicações mais usadas [1,2,7].
Além desssas, há ainda outras opções farmacológicas. O diazóxido, um ativador do
canal de potássio que evita a despolarização das células beta, mantém fechado os canais
de cálcio e reduz a secreção de insulina. Alguns estudos usaram doses entre 100-150 mg
3x/dia, em adultos, pós cirurgia bariátrica e registraram resultados parciais. A nifedipina,
um anti-hipertensivo bloqueador do canal de cálcio, parece ter efeito sobre a célula beta
pancreática, reduzindo a secreção de insulina. Deve ter indicação cautelosa, dado o risco de
hipotensão, principalmente em pacientes idosos. Em 2019, o FDA aprovou o exendin 9-39
(Avexitide), um antagonista do receptor de GLP-1 de alta afinidade, para o tratamento da
hipoglicemia hiperinsulinêmica. Essa medicação aumenta a secreção de somatostatina e
glucagon, reduz a secreção de insulina e tem como principais efeitos colaterais, o eritema
no local da aplicação, a náusea, o vômito e a cefaleia (evidência C) [1,2,8].

Cirurgia Revisional
Embora não esteja no escopo de atuação do médico emergencista, alguns casos
refratários a todas as medidas clínicas podem necessitar de um procedimento cirúrgico
revisional. Esses procedimentos tecnicamente complexos, são reservados para casos mais
severos, com sintomas incapacitantes que afetem a qualidade de vida do paciente. A reversão
de um bypass gástrico para a “anatomia normal” é um exemplo de procedimento cirúrgico
revisional para casos graves de SD. Pancreatectomia e alimentação por jejunostomia são
pouco eficazes (evidência C) [1,2].

Considerações finais
A síndrome de dumping é uma complicação comum após cirurgia bariátrica, sobre-
tudo após procedimentos com bypass intestinal. Suas principais manifestações clínicas
são a síncope e a hipoglicemia reativa. O médico emergencista deve estar atento à possi-
bilidade da ocorrência desses quadros clínicos, os quais, muitas vezes, levam o paciente
ao pronto-socorro e necessitam de abordagem de urgência. Quando bem diagnosticadas
e prontamente tratadas, apresentam boa evolução clínica.
217 ABLS Brasil

DICAS
▶ A SD precoce e tardia, especialmente a síncope e a hipogli-
cemia, são complicações frequentes no pós-operatório de cirurgia
bariátrica, sobretudo após o bypass gástrico;
▶ O diagnóstico é, basicamente, clínico e laboratorial;
▶ É preciso ter atenção para os diagnósticos diferenciais de
acordo com os sinais e sintomas;
▶ O tratamento na fase aguda tem como foco a expansão volê-
mica, a normalização da glicemia e a observação clínica;
▶ O tratamento crônico visa prevenir novos episódios de SD.
Referências
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219 ABLS Brasil

CAPÍTULO 20

RABDOMIÓLISE E CIRURGIA BARIÁTRICA


LUIZ FERNANDO CÓRDOVA
BRUNO MOREIRA OTTANI

Introdução
Rabdomiólise (RML) é uma síndrome clínica e bioquímica caracterizada por necrose
do músculo esquelético com liberação de conteúdo muscular intracelular para o sistema
circulatório. A lesão muscular pode resultar de trauma ou de isquemia decorrente de
pressão. A gravidade da doença varia de elevações assintomáticas dos níveis de enzimas
musculares no soro a casos com risco de vida associados a elevações extremas de enzimas,
a desequilíbrios eletrolíticos, a síndrome compartimental e a insuficiência renal aguda [1].
Embora a obesidade tenha sido previamente associada à RML, foi somente no ano
de 2003 que a RML foi relatada pela primeira vez após cirurgia bariátrica [2]. Desde então,
houve vários relatos de casos e de estudos retrospectivos e prospectivos que documenta-
ram taxa de incidência de 6% a 77% de RML em pacientes com obesidade submetidos à
cirurgia bariátrica [3].

Fatores de Risco
RML induzida por pressão é também descrita em pacientes com peso normal; porém,
pacientes portadores de obesidade correm um risco muito maior, especialmente se tiverem
sido posicionados inadequadamente ou se houver pontos de pressão preenchidos de forma
incorreta [4,5]. A maior parte dos casos relatados ocorreu após procedimentos nos quais o
paciente foi colocado em decúbito dorsal ou em posição de litotomia, que são posições
típicas usadas em operações bariátricas.
A RML intraoperatória geralmente ocorre em função de uma lesão causada por pres-
são sobre os membros inferiores e sobre os músculos glúteos e lombares. Super-obesidade
(IMC > 50 kg/m2), sexo masculino, hipertensão, diabetes e doença vascular periférica são
fatores de risco importantes. A cirurgia de longa duração é o maior fator de risco; no entanto,
220 ABLS Brasil

a RML foi relatada em pacientes com obesidade mórbida submetidos a procedimentos tão
curtos quanto 70 minutos [4,6,7].

Quadro clínico
O quadro clínico caracteriza-se por dor muscular, fraqueza, urina escura, edema,
hematomas; podendo ainda ocorrer náuseas, vômitos e confusão mental.
Os nervos sensoriais e motores são os mais sensíveis às alterações isquêmicas causadas
por danos de pressão; portanto, dor muscular e fraqueza são os sintomas mais precoces.
Porém, a analgesia pós-operatória, pode mascarar seus sintomas e retardar seu diagnóstico.
A tríade clássica para diagnóstico inclui a presença de dor (mialgia), fraqueza e urina
escura (mioglobinúria).

Diagnóstico
O marcador mais sensível para diagnóstico laboratorial é a dosagem sérica de CPK
(creatinofosfoquinase) - sua dosagem normal é de até 200 UI/L. Valores acima de 1000 UI/L
(ou cinco vezes o normal) já são compatíveis com RML. Danos musculares clinicamente
significativos com lesão renal e anormalidades eletrolíticas geralmente não estão presentes
até que os níveis de CPK aumentem para valores acima de 5.000 a 8.000 UI/L [4,6].
Qualquer paciente bariátrico que se queixe de dor nas nádegas, no quadril ou no
ombro durante o período pós-operatório; e que apresente nível sérico de CPK elevado
superior a 1.000 UI/L, é considerado portador de RML. A dosagem de rotina pré e pós-
-operatória da CPK sérica foi sugerida, uma vez que o diagnóstico precoce poderá levar a
um tratamento imediato e a um melhor prognóstico [8].
A mioglobina é a principal causa de IRA em RML. Os mecanismos propostos para o
insulto renal pela mioglobina incluem obstrução tubular, lesão oxidativa e vasoconstrição.
Hipovolemia e acidose contribuem para a nefrotoxicidade. Quando houver a presença
de urina marrom, particularmente na ausência de hemoglobinemia e hematúria, deve-se
suspeitar de RML. A mioglobina é eliminada da circulação mais rapidamente que a CPK;
portanto, é menos sensível para detectar RML, especialmente se a suspeita de RML for
tardia. O nível de mioglobina urinária superior a 3.000 ng/ml tem relação com o risco
aumentado de IRA [4,8].
221 ABLS Brasil

Outras considerações diagnósticas importantes para RML incluem hipercalemia,


hipocalcemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia e níveis elevados de outras enzimas muscu-
lares, tais como: lactato desidrogenase, aldolase, aminotransferase e anidrase carbônica III.

Prevenção
A prevenção de RML começa com o preenchimento cuidadoso de todos os pontos
de pressão e com muita atenção à posição do paciente. Leitos pneumáticos especiais com
compressão e insuflação intermitentes na área dorsal têm sido usados para pacientes após
cirurgia bariátrica [8]. Mudar a posição do paciente periodicamente durante procedimentos
longos também é recomendado, mas pode ser considerado impraticável na maior parte das
operações [9]. Minimizar o tempo operatório, garantir hidratação perioperatória adequada
e monitorar e observar o pós-operatório de perto os fatores mais importantes na prevenção
e no reconhecimento da RML perioperatória [9,10].
Embora acredite-se que a reposição adequada de fluidos intraoperatória reduza o risco
de RML pós-operatória, há poucos estudos acerca da administração de fluidos profiláticos
em pacientes bariátricos de alto risco.

Tratamento
Um dos objetivos mais importantes do tratamento é evitar lesão renal aguda, indepen-
dentemente da etiologia subjacente. Devido ao possível acúmulo de fluidos nos comparti-
mentos musculares e à hipovolemia associada, o gerenciamento de fluidos é fundamental
para a prevenção da azotemia (elevação de ureia e creatinina) pré-renal. A azotemia é
prevenida principalmente por hidratação agressiva a uma taxa de 1,5 L/h. Outra opção é
500 ml/h de solução salina alternada a cada hora com 500 ml/h de solução de glicose a 5%
com 50 mmol de bicarbonato de sódio para cada 2- 3 L de solução. Meta de débito urinário
de 200 ml/h, pH urinário > 6,5 e pH plasmático < 7,5 devem ser alcançados. Notavelmente,
a alcalinização urinária com bicarbonato de sódio ou com acetato de sódio não está com-
provada no que diz respeito à promoção da diurese, assim como o uso de manitol. Drogas
como estatinas, que são reconhecidamente um fator de risco para rabdomiólise, também
devem ser interrompidas imediatamente. A fasciotomia pode ser necessária na síndrome
compartimental com o objetivo de limitar os danos aos músculos e rins [11].
222 ABLS Brasil

Considerações finais
Apesar da rabdomiólise ser um diagnóstico pouco frequente, muitos pacientes re-
clamam de dorsalgia. Cirurgias bariátricas têm se tornado procedimentos cada vez mais
rápidos dada a padronização e a experiência das equipes. Apesar disso, é comumente ob-
servado pacientes em constante decúbito dorsal nas salas de recuperação pós-anestésica.
Outro fato que vale ser relembrado, é a possibilidade de ocorrência simultânea de RML e
de fenômenos trombo embólicos, em função de períodos prolongados de imobilização dos
pacientes. Medidas simples como a mobilização no leito (decúbitos laterais alternados), já
no pós-anestésico imediato, podem evitar essas complicações.
223 ABLS Brasil

DICAS
▶ Sintomas de rabdomiólise podem demorar até três dias para
aparecer;
▶ Dor muscular, artralgia e, principalmente, urina escura são sinais
de muita suspeição;
▶ A dosagem de CPK é mandatória;
▶ Iniciar hidratação venosa vigorosa antes mesmo de contatar a
equipe cirúrgica.
224 ABLS Brasil

Referências
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225 ABLS Brasil

CAPÍTULO 21

TROMBOEMBOLISMO VENOSO, TROMBOSE


VENOSA PROFUNDA E EMBOLIA PULMONAR
MARCELO PROTÁSIO

Introdução
Hipercoagulabilidade, lesão endotelial e estase venosa (tríade de Virchow) são os fato-
res primordiais implicados na fisiopatologia da trombose venosa. Eventos tromboembólicos,
incluindo trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), são algumas das
causas de morbidade e de mortalidade em cirurgias da obesidade [1]. A obesidade mórbida,
a idade avançada, o sexo masculino, o histórico prévio de EP / TVP e de apneia obstrutiva
do sono são fatores de risco bem conhecidos para tromboembolismo venoso (TEV) [2].
Pacientes obesos têm risco de moderado a alto de TEV. A incidência de EP na ci-
rurgia bariátrica varia de 0% a 3,4% [3]. Usualmente, as recomendações para profilaxia do
TEV em pacientes bariátricos incluem a combinação de terapia farmacológica com meias
de compressão graduada ou com dispositivos de compressão pneumática intermitente.
Contudo, não há consenso sobre o padrão da tromboprofilaxia [4-6]. Por exemplo, a pro-
filaxia farmacológica efetiva e segura dos fenômenos tromboembólicos é um desafio em
pacientes cirúrgicos bariátricos, pois a dosagem baseada no peso corporal pode causar
anticoagulação e risco de sangramento cirúrgico.

Epidemiologia
A incidência de EP em cirurgia bariátrica varia de 0% a 3,4%. Segundo o banco de
dados BOLD (Bariatric Outcomes Longitudinal Database) que analisou aproximadamente
74.000 procedimentos bariátricos, a incidência global de TEV (TVP e/ou EP) foi de 0,4%,
sendo que a maior parte dos fenômenos tromboembólicos ocorreu após a alta hospitalar [1].
226 ABLS Brasil

Fatores de risco
Fatores de risco para TEV incluem índice de massa corporal (IMC) > 50 kg/m2
(super-obesidade), histórico de TEV, distúrbio de hipercoagulabilidade (trombofilias),
hipertensão pulmonar, insuficiência venosa, cirurgia aberta (laparotomia), cirurgia re-
visional e tempo operatório > 3 horas [2]. Fatores de risco mais comuns associados à EP
fatal incluem insuficiência venosa grave, IMC > 60 kg/m2, obesidade central e síndrome
de hipoventilação da obesidade [3].

Quadro clínico e diagnóstico


TVP deve sempre ser suspeitada em casos de edema assimétrico de membros infe-
riores, geralmente associados a dor, a calor e a eritema. O exame físico das pernas pode
revelar o diâmetro da panturrilha maior que o contralateral. Contudo, a TVP pode, em
alguns casos, ser bilateral.
É recomendado a utilização da probabilidade pré-teste e a dosagem de D-dímero em
pacientes selecionados, para só então solicitar exames de imagem. A probabilidade pré-teste
é calculada por meio do escore de Wells; ela estratifica o paciente em baixa, moderada ou
alta probabilidade (Tabela 1). Recomenda-se dosagem de D-dímero de alta sensibilidade
para pacientes que apresentem baixa ou moderada probabilidade. Caso o valor seja < 500
ng/ml não há necessidade de outros exames e o diagnóstico de TVP é improvável. Por
outro lado, caso seja > 500 ng/ml, é preciso proceder com ultrassom doppler dos membros
inferiores. Pacientes que apresentem alta probabilidade, por sua vez, deve ser submetidos
diretamente ao ecodoppler de membros inferiores para definição de conduta [4].
A EP apresenta quadro clínico diversificado que pode variar de apresentação assin-
tomática a estados de choque com instabilidade hemodinâmica e morte. A dispneia é o
sintoma mais comum, seguido por dor torácica (normalmente do tipo pleurítica) e tosse.
Outros sinais/sintomas menos comuns são: ortopneia, dor e/ou edema de membros infe-
riores, sibilância e hemoptise [5].
O diagnóstico de EP é realizado de forma semelhante ao da TVP, ou seja, por proba-
bilidade calculada por meio do escore de Wells. A regra de PERC é aplicada em pacientes
que apresentem baixa probabilidade para definir se é necessário a dosagem de D-dímero.
Caso o paciente preencha todos os oito critérios de exclusão (PERC), não há necessidade
de nenhum outro exame (Tabela 2). Caso os oito critérios não sejam satisfeitos, deve-se
dosar D-dímero. A dosagem de D-dímero é necessária na investigação em indivíduos com
moderada probabilidade. Em casos de D-dímero < 500 ng/ml, não é necessário nenhum
227 ABLS Brasil

Tabela 1: Escore de Wells - cálculo da probabilidade pré-teste


Característica clínica Pontuação
Câncer ativo (tratamento em andamento ou nos últimos seis meses ou 1
paliativo)
Paralisia, paresia ou imobilização gessada recente das extremidades infe- 1
riores
Recentemente acamado por mais de três dias ou uma grande cirurgia, 1
dentro de quatro semanas
Sensibilidade localizada ao longo da distribuição do sistema venoso 1
profundo
Perna inteira inchada 1
Edema da panturrilha com mais de 3 cm quando comparado com a perna 1
assintomática (medido abaixo da tuberosidade tibial)
Edema de depressões (maior na perna sintomática) 1
Veias superficiais colaterais (não varicosas) 1
Diagnóstico alternativo tão provável ou mais provável do que o de trom- -2
bose venosa profunda

Interpretação
Probabilidade Pontuação
Alta probabilidade 3 ou maior
Moderada probabilidade 1 ou 2
Baixa probabilidade 0 ou menos
Modificação: Esse modelo clínico foi modificado para levar em consideração outra carac-
terística clínica: atrombose venosa profunda (TVP) previamente documentada, a qual recebe
pontuação 1. Usando esse sistema de pontuação modificado, a TVP é provável ou improvável,
como se segue:
TVP provável 2 ou maior
TVP improvável 1 ou menos
228 ABLS Brasil

Tabela 2: Critérios de exclusão de embolia pulmonar (regra PERC)*


1 Idade < 50 anos
2 Frequência cardíaca < 100 bpm
3 Saturação de oxiemoglobina ≥ 95%
4 Sem hemoptise
5 Sem uso de estrogênio
6 Sem DVT ou PE anterior
7 Sem inchaço unilateral na perna
8 Nenhuma cirurgia / trauma exigindo hospitalização nas últimas quatro semanas
* Essa regra só é válida para pacientes com baixa probabilidade clínica de EP. Em pacientes com baixa
probabilidade de EP que preencham todos os oito critérios, a probabilidade de EP é baixa e nenhum teste
adicional é necessário. Todos os outros pacientes devem ser considerados para testes adicionais com D-dí-
mero sensível ou para exame de imagem.

outro exame. No entanto, se o D-dímero estiver > 500 ng/ml, deve-se prosseguir com a
investigação.O primeiro exame a ser solicitado a indivíduos com alta probabilidade para
EP é a angiotomografia de tórax com contraste.

Prevenção
A estratificação de risco é o primeiro passo para prevenir fenômenos tromboembóli-
cos. O escore de Caprini é uma ferramenta útil para tal avaliação (Tabela 3); sua classificação
categoriza o paciente em três grupos distintos: alto, moderado e baixo risco.
As principais estratégias de prevenção incluem:
• Métodos mecânicos: deambulação precoce após cirurgia; uso de meias de com-
pressão elástica; compressão pneumática intermitente.
• Profilaxia medicamentosa: Heparina não fracionada (HNF) ou Heparina de baixo
peso molecular (HBPM)
• Filtro de veia cava inferior
Ainda não há um consenso acerca de quais são as estratégias ideais para a prevenção
do TEV no cenário da cirurgia bariátrica. A maior parte dos cirurgiões bariátricos usa
dispositivos de compressão pneumática em conjunto com heparina não fracionada ou de
baixo peso molecular subcutânea e deambulação precoce [6]. A diretriz da American Society
229 ABLS Brasil

Tabela 3: Modelo de avaliação de risco Caprini modificado para TEV em pacientes


cirúrgicos
Pontuação de risco
1 ponto 2 pontos 3 pontos 5 pontos
Idade 41 a 60 anos Idade 61 a 74 anos Idade ≥ 75 anos AVC (< 1 mês)
Pequena cirurgia Cirurgia artroscópi- História do VTE Artroplastia eletiva
ca
IMC > 25kg/m 2 Cirurgia aberta de História familiar de Fratura de quadril,
grande porte VTE pelve ou perna
(> 45 minutos)
Pernas inchadas Cirurgia lapa- Fator V Leiden Lesão aguda da
roscópica medula espinhal
(> 45 minutos) (< 1 mês)
Varizes Malignidade Protrombina
20210A
Gravidez ou pós-parto Confinado à cama Anticoagulante
(> 72 horas) lúpico
História de aborto Molde de gesso imo- Anticorpos anticar-
espontâneo inexplicável bilizante diolipina
ou recorrente
Contraceptivos orais ou Acesso venoso Homocisteína sérica
reposição hormonal central elevada
Sepse (< 1 mês) Trombocitopenia in-
duzida por heparina
Doença pulmonar grave, Outra trombofilia
incluindo pneumonia congênita ou ad-
(< 1 mês) quirida
Função pulmonar
anormal
Infarto agudo do mi-
ocárdio
Insuficiência cardíaca
congestiva (< 1 mês)
História de doença in-
flamatória intestinal
Paciente em repouso na
cama
230 ABLS Brasil

Interpretação
Categoria de risco Pontuação Risco estimado de TEV na ausência de
cirúrgico * profilaxia farmacológica ou mecânica (%)
Muito baixo 0 < 0,5
Baixo 1a2 1,5
Moderado 3a4 3,0
Alto ≥5 6,0
* Esta tabela aplica-se apenas à cirurgia geral, abdominal-pélvica, bariátrica, vascular e plástica e
reconstrutiva.

of Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) para tromboprofilaxia orienta que todos os
pacientes bariátricos devam receber profilaxia mecânica e orientação para deambulação
precoce. Além disso, o cirurgião pode rotineiramente fazer uso de profilaxia farmacológica
de heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina não fracionada (HNF) somente
durante internação ou prolongar seu uso após alta hospitalar [2].
Não existe consenso acerca da dose e da duração da tromboprofilaxia farmacológica.
Coagulopatia, idade > 60 anos e sexo masculino são fatores para o aumento de risco de
fenômenos tromboembólicos [8].
A melhor dosagem de HBPM no pré-operatório quanto aos desfechos clínicos de
trombose, embolia e sangramento digestivo ainda é bastante controversa. Dose de 40 mg
no dia anterior à cirurgia e mantida por 10 dias após procedimento, já teve relação com
a ausência de fenômenos tromboembólicos e menor risco de sangramento digestivo, se
comparada à dose de 40 mg 2x ao dia [9]. No entanto, a tromboprofilaxia farmacológica de
longa duração (> 24 horas) não é consenso [10].

Pacientes de alto risco


A estratificação de risco pré-operatório pode ser uma ferramenta útil para identificar
pacientes de alto risco quanto à profilaxia mais agressiva [11]. Em pacientes identificados
no pré-operatório como de alto risco para EP, em função do histórico de TEV, EP ou
insuficiência venosa severa ou incapacidade de deambular, profilaxia perioperatória com
HBPM ou HNF pode ser prescrita por um período mais prolongado. O uso de filtros de
veia cava inferior colocados no pré-operatório tem relação com taxas mais elevadas de
complicações e morte. Seu uso rotineiro tem sido desencorajado, sendo reservado a casos
muito específicos [12].
231 ABLS Brasil

Tratamento
A anticoagulação é o ponto chave do tratamento da TVP desde que não haja con-
traindicação formal. Ela é recomendada para todos os pacientes com TVP proximal (veias
poplítea, femoral e ilíaca) e, na maior parte dos casos, com TVP distal, exceto para aqueles
que apresentem hemorragia ativa, com contagem de plaquetas < 50.000/ml ou com he-
morragia intracraniana prévia. Recomenda-se o implante de filtro de veia cava inferior
para essa população [13].
Todo paciente submetido à anticoagulação deve ser analisado antes e durante o tra-
tamento no que diz respeito ao risco de sangramento. O escore HAS-BLED, por exemplo,
é uma ferramenta útil para estimar o risco de sangramento em pacientes anticoagulados.
Pacientes que apresentam baixo risco de sangramento em três meses (< 2%) devem ser
anticoagulados. Aqueles com risco estimado de sangramento em três meses > 13% (alto
risco), por sua vez, não devem ser anticoagulados. Ainda não existe consenso na literatura
acerca da anticoagulação de pacientes com risco de sangramento moderado. Dessa forma,
deve-se pesar a relação risco-benefício para essa população, com condutas específicas para
cada caso [14].
Os anticoagulantes disponíveis para tratamento da TVP incluem a HNF, HBPM, an-
tagonistas da vitamina K (varfarina) e os anticoagulantes orais diretos, como os inibidores
orais do fator Xa (rivaroxabana, apixabana e edoxabana) e inibidores orais do fator IIa
(dabigatrana). A escolha do agente tem como base a experiência do médico, assim como
nos riscos de sangramento, nas doenças prévias do paciente, no custo e na posologia. A
dose mais utilizada da HBPM é de 1 mg/kg de enoxieparina, duas vezes ao dia [13]. Alter-
nativamente, pode ser administrado 1,5 mg/kg uma vez ao dia. Pacientes com disfunção
renal devem ter suas doses corrigidas.
A HNF é administrada em bolus inicial de 80 UI/kg, seguida de 18 UI/kg/hora, com
ajustes subsequentes após 6 horas, quando deve ser solicitada a medição do TTPa. Esse
deve ser medido a cada 6 horas até que dois valores consecutivos alcancem o alvo desejado.
O alvo terapêutico do TTPa está entre 46 e 70 segundos, o que corresponde a cerca de 1,5
a 2,3 vezes o valor normal.
Os anticoagulantes orais diretos (inibidores do fator Xa ou IIa) podem ser utilizados
como terapia inicial. De forma habitual, a primeira dose administrada em doentes com
função renal normal da rivaroxabana é de 15 mg duas vezes ao dia durante as três primeiras
semanas, seguidas de 20 mg ao dia por período variável. Já a apixabana, é administrada na
dose de 10 mg duas vezes ao dia, durante os primeiros 7 dias [15].
232 ABLS Brasil

Pode ser realizado tratamento ambulatorial com HBPM, desde que o paciente preen-
cha todos os critérios para vigilância e administração do medicamento, a saber: estabili-
dade hemodinâmica, baixo risco de sangramento, função renal normal e boas condições
socioeconômicas e ambientais. O tratamento ambulatorial não é recomendado para casos
de TVP maciça (iliofemoral, por exemplo), de EP sintomática, de alto risco de sangramento
ou de comorbidades associadas que necessitem de atendimento hospitalar [16].
A duração do tratamento é definida com base nos fatores de risco para recorrência de
TVP e de sangramento, além de fatores socioeconômicos do paciente. O tempo mínimo de
anticoagulação é de três meses para o primeiro episódio de TVP; contudo, o tempo ideal
ainda é controverso na literatura, embora haja uma forte tendência para que o tratamento
seja estendido. Evidências mostram que alguns grupos de doentes podem se beneficiar do
tratamento com anticoagulantes por tempo indefinido. Pacientes com câncer, trombofilias
hereditárias, síndrome do anticorpo antifosfolípide, entre outros, são candidatos à anti-
coagulação por tempo muito prolongado [13].
Algumas medidas adicionais à anticoagulação incluem a deambulação precoce e
frequente, e o uso de meias de compressão elástica. Essas medidas associadas parecem não
aumentar o risco de EP em pacientes com TVP. Portanto, devem ser estimuladas sempre
que possível. É aconselhado que meias de compressão sejam utilizadas após o início da
anticoagulação e que seu uso seja mantido por 2 anos [14].

Considerações finais
Pacientes portadores de obesidade mórbida submetidos à cirurgia bariátrica são con-
siderados de alto risco para o desenvolvimento de fenômenos tromboembólicos. O médico
emergencista deve sempre manter alto grau de suspeição clínica em pacientes bariátricos
em pós-operatório recente, aplicando testes diagnósticos e iniciando tratamento precoce,
mesmo em pacientes que receberam medidas profiláticas pós-operatórias.
233 ABLS Brasil

DICAS
▶ Eventos tromboembólicos, incluindo TVP e EP, são causas
comuns de morbidade e mortalidade na cirurgia da obesidade;
▶ Pacientes obesos têm risco de moderado a alto de TEV. Os
principais fatores de risco incluem IMC > 50 kg/m2, história de TEV,
história de transtorno de hipercoagulabilidade, hipertensão pulmonar,
insuficiência venosa, cirurgia aberta (por laparotomia), cirurgia revi-
sional e tempo operatório > 3 horas;
▶ TVP deve sempre ser suspeitada no pós-operatório de cirurgia
bariátrica em casos de edema assimétrico de membros inferiores, além
de dor, calor e eritema;
▶ Um evento de EP pós-bariátrica pode ser assintomático. A
dispneia é o sintoma mais comum, seguido pela dor torácica e tosse;
▶ Para o diagnóstico, é recomendada a utilização da probabilidade
pré-teste e dosagem de D-dímero em pacientes selecionados que sejam
de baixo risco, para então solicitar exames de imagem;
▶ As principais estratégias de prevenção TVP e EP incluem méto-
dos mecânicos (meias elásticas e deambulação precoce), farmacológicos
(anticoagulantes) e filtro de veia cava inferior;
▶ O tratamento da trombose venosa profunda é baseado em
anticoagulação, desde que não haja contraindicação. Todo paciente sub-
metido à anticoagulação deve ser analisado antes e durante o tratamento
para risco de sangramento. A duração do tratamento é definida com
base em fatores de risco para a recorrência de TVP e de sangramento,
além de fatores socioeconômicos do paciente.
234 ABLS Brasil

Referências
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performed by Bariatric Surgery Center of Excellence Participants: analysis of the Bariatric Outcomes
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235 ABLS Brasil

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[Internet]. ©2022 UpToDate. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/venous-throm-
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Cochrane Database Syst Rev. 2018;1(1):CD003076. doi: 10.1002/14651858.CD003076.pub3.
237 ABLS Brasil

CAPÍTULO 22

DIARREIA EM PACIENTES BARIÁTRICOS


ALEXANDRE AMADO ELIAS
WILSON SALGADO JÚNIOR

Introdução
Diarreia após cirurgia bariátrica não é um evento incomum e varia de acordo com
a técnica operatória utilizada [1]. Da mesma forma, existem inúmeras etiologias possíveis
na gênese desse problema. Além das causas associadas diretamente ou indiretamente ao
procedimento cirúrgico, doenças preexistentes e outras adquiridas no pós-operatório não
podem ser esquecidas.
Outro aspecto importante é conceituar diarreia e caracterizá-la com relação a sua du-
ração. A diarreia pode ser definida pela ocorrência de três ou mais evacuações amolecidas
ou líquidas ao longo de 24 horas, totalizando mais de 200g de fezes por dia. O evento pode
ser classificado como agudo ou autolimitado, se durar menos de 14 dias, ou persistente, se
durar mais de duas semanas. No caso da diarreia manter-se por mais de quatro semanas,
passa a ser denominada diarreia crônica. Tal caracterização é importante, pois auxilia no
diagnóstico etiológico [2].
Face ao foi relatado, é de fundamental importância realizar-se o histórico clínico
completo e exame físico detalhado, tanto para permitir um diagnóstico etiológico mais
provável e avaliar a gravidade do caso, quanto para promover uma abordagem terapêutica
mais eficaz. De quadros clínicos mais leves àqueles que cursam com repercussão clínica e
nutricional mais severas, sempre haverá algum grau de comprometimento da qualidade
de vida.
De acordo com a Portaria Ministerial 424 de 2013, embora apenas seis procedi-
mentos bariátricos tenham sua realização aprovada no Brasil[3], outras técnicas cirúrgicas
também têm sido realizadas. Muitas vezes, essa informação não está facilmente disponível
no atendimento de urgência ou para equipes não especializadas. De qualquer forma, a
diarreia parece ser um evento um pouco menos comum após procedimentos bariátricos
exclusivamente restritivos, que apenas reduzem o tamanho do estômago [4]. Dentre essas
238 ABLS Brasil

cirurgias, pode-se citar a gastrectomia vertical (sleeve), a qual é o segundo procedimento


bariátrico mais realizado no Brasil.
Em procedimentos nos quais algum componente mal absortivo seja realizado (com
exclusão de segmentos intestinais), a ocorrência de diarreia tende a ser mais frequente e
também apresentar maiores repercussões clínicas e nutricionais [2]. Nesse grupo de cirur-
gias está a derivação gástrica em “Y de Roux”, conhecida como bypass gástrico, a qual é a
operação mais realizada no Brasil nos dias de hoje [5]. Quanto maior a extensão de exclusão
intestinal do trânsito alimentar, maior a chance de diarreia, sendo sua ocorrência quase
esperada em algumas técnicas operatórias, como é o caso do Duodenal Switch.

Principais aspectos na avaliação clínica


1. Investigação etiológica
• Idade do paciente;
• Existe informação de qual técnica cirúrgica foi realizada?
• Início da diarreia em dias;
• Relação da diarreia com a operação: desde a realização da cirurgia ou surgiu em
pós-operatório tardio?
• Características das fezes: sangue, muco, pus, esteatorreia;
• Relação da diarreia com a ingestão de algum alimento específico: leite e derivados,
glúten, frutas vermelhas, doces, frituras;
• Presença de diarreia antes da cirurgia;
• Relação da diarreia com uso de medicamentos: antibióticos, salicilatos ou outros;
• Presença de diabete melito de longa duração;
• Diarreia em pessoas próximas e/ou antecedentes de viagem recente;
• Presença de outros sintomas digestivos: náuseas, vômitos, distensão e dor ab-
dominal;
• Outros sintomas: tontura, sudorese, rubor facial, febre e lesões de pele;
• Evolução ponderal relacionada à diarreia;
239 ABLS Brasil

• Anemia recorrente (história e exame) em paciente aderente às orientações nutri-


cionais e de reposição de polivitamínicos, principalmente em casos de homens,
e de mulheres menopausadas;
• Paciente submetido à colecistectomia;
• Antecedente familiar de neoplasia de trato digestório e
• Exame físico do abdome com alterações.

2. Avaliação da gravidade
» Grau de desidratação
• Hidratação de mucosas;
• Volume urinário e concentração da urina;
• Hipotensão (PA sistólica < 90 mmHg);
• Taquicardia (FC > 100 bpm) e
• Hipotensão postural: queda da pressão arterial sistólica (PAS) > 20 mmHg,
queda da pressão diastólica (PAD) > 10 mmHg ou ambas, quando se assume
a posição ortostática.

» Deficiência nutricional
• Lesões de pele hiperemiadas em áreas expostas – pelagra?
• Lesões de mucosas;
• Edema de membros inferiores;
• Ortopneia;
• Fraqueza, tontura, visão dupla – déficit de tiamina?
• Cegueira noturna;
• Perda de cabelo e
• Alterações ungueais.
240 ABLS Brasil

Abordagem Clínica Prática


A prioridade do médico emergencista em atendimento de urgência / emergência,
deve voltar-se para a estabilização clínica dos quadros espoliativos (desidratação, desnu-
trição). A internação hospitalar pode ser indicada nesses casos. Enquanto essas medidas
são tomadas, deve-se tentar obter o maior número de informações possíveis, conforme
supracitado, de forma a tentar identificar a possível etiologia e, consequentemente, conduzir
o caso de forma mais precisa.
Após a compensação clínica, a decisão de continuar a investigação e o tratamento do
caso em serviços não especializados em cirurgia bariátrica, vai depender de uma série de
fatores, tais como, a disponibilidade de recursos, a expertise da equipe assistencial, a causa
provável da diarreia e a gravidade do caso.
Encaminhar os pacientes para serviços bariátricos de referência é recomendável;
porém, nem sempre é possível que isso seja feito de maneira rápida em alguns municípios
brasileiros. Tal fato torna vital a capacitação de profissionais clínicos e de cirurgiões gerais
na abordagem inicial de casos de diarreia.
Como são muitas as causas de diarreia, sua terapêutica deve seguir a lógica de uma
abordagem gradativa, de acordo com o diagnóstico etiológico mais provável. Ao final,
sugerimos um fluxograma de conduta.

Diagnóstico Etiológico
1 – Diarreia aguda infecciosa - corresponde a um grupo de doenças infecciosas gas-
trointestinais que podem ser acompanhadas de náusea, vômito, febre e dor abdominal. Em
geral, são doenças autolimitadas com duração de até 14 dias. Em alguns casos, há presença
de muco e sangue, quadro conhecido como disenteria [6]. Seus agentes etiológicos mais
comuns são os vírus (79%), bactérias (15%) e parasitas (6%). Em casos de disenteria e nos
mais severos, sugere-se a coleta de coprocultura e o tratamento com antibioticoterapia [7].

2 – Diarreia secundária a Clostridium difficile - pode ocorrer após terapia com


antibióticos. A cirurgia bariátrica também é um fator de risco. Essa infecção deve ser
diagnosticada por imunocromatografia para detecção simultânea do glutamato desidro-
genase (GDH) e das toxinas A e B do Clostridium, em amostras de fezes [4,8]. Com relação
ao tratamento, recomenda-se o uso da vancomicina (primeira linha) ou do metronidazol
(segunda linha). É recomendado o uso dessas duas drogas combinadas em casos de colites
fulminantes [9].
241 ABLS Brasil

3 – Síndrome de malabsorção / esteatorreia – a depender da extensão de malabsorção


proporcionada pelas cirurgias malabsortivas, o paciente poderá cursar com esteatorreia. Sua
fisiopatologia dá-se por meio do desvio realizado no intestino (Y de Roux), principalmente
na alça que transporta os sucos digestivos (alça biliopancreática), que, por fim, acaba por
reduzir a superfície absortiva intestinal total (diminuição do canal comum onde passam
alimentos misturados aos sucos digestivos) e também por atrasar a chegada desses sucos
para que atuem na digestão alimentar. Finalmente, deve-se citar que alças biliopancreáticas
muito longas também podem cursar com hiperproliferação bacteriana [4,8].
Caso possa ser obtida a informação acerca de qual cirurgia tenha sido realizada no
paciente, torna-se importante saber também quais cirurgias mais produzem disabsorção:
duodenal switch, bypass gástrico modificado com alça comum menor e uma variação do
bypass gástrico tradicional, conhecida como OAGB (One Anastomosis Gastric Bypass).
Pode haver insuficiência pancreática exócrina.
O diagnóstico baseia-se no histórico e na quantificação de gordura fecal. Esteatorreia
é definida como gordura fecal > 7 g/dia. Insuficiência pancreática pode ser avaliada por
meio da elastase fecal-1 [4].
O tratamento baseia-se em orientação nutricional para diminuição da ingestão de
gorduras. Em casos mais severos, pode-se associar o uso de enzimas pancreáticas por via
oral - pancreatina, 10.000 unidades em cada refeição principal, como dose inicial; podendo
ser aumentada, conforme a necessidade. Em casos extremos, torna-se necessária a inter-
venção cirúrgica para que a alça comum seja aumentada (área efetivamente absortiva) [8].
Essa operação deve ser preferencialmente realizada por uma equipe especializada.

4 – Má absorção de carboidratos (lactose, frutose) - a falta da enzima lactase ou a


diminuição de sua atividade (que ocorre progressivamente na idade adulta) na mucosa
intestinal gera má absorção de lactose e diarreia. Não é clara a influência da cirurgia ba-
riátrica nesse processo. Um estudo encontrou intolerância à lactose em 30% de pacientes
submetidos ao bypass jejuno-ileal [10]. A terapêutica ideal para eles é a redução da ingestão
de produtos lácteos na dieta. Hoje existe a possibilidade de utilização de enzima lactase
por via oral 1 hora antes da ingestão de laticínios.
A frutose é um importante carboidrato da dieta, sendo encontrada principalmente
nas frutas, no mel, no xarope de milho e em vegetais; é produzida no organismo a partir da
glicose por via de sorbitol. É, também, muito utilizada como adoçante; nesse caso, é pro-
cessada e refinada, perdendo nutrientes e sendo muito mais concentrada do que a frutose
encontrada naturalmente nas frutas. Em alguns pacientes, pode ser causa de diarreia. Teste
242 ABLS Brasil

respiratório de hidrogênio pode ser utilizado no diagnóstico; porém, a melhor abordagem


ainda é o teste terapêutico, o qual diminui a frutose da dieta e os adoçantes que sejam à
base de frutose. Pode-se, ainda, retirar o mel e o xarope de milho da dieta [8].

5 – Hiperproliferação bacteriana - é definida como uma quantidade excessiva de


bactérias no intestino delgado (excedendo 105–106 microorganismos/ml). Tem maior
prevalência em pacientes obesos; também tem relação com cirurgias bariátricas com
componente malabsortivo, como é o caso do bypass gástrico [11].
São sintomas sugestivos de hiperproliferação: diarreia, má absorção, dor abdominal,
distensão abdominal, flatulência, ou queixas extra digestivas (poliartrite, anormalidades
dermatológicas, insuficiência hepática progressiva). O diagnóstico laboratorial nem sempre
é fácil.
A primeira linha de tratamento antibiótico recomendada é a ciprofloxacina [12]. Opções
de terapia de segunda linha são doxiciclina, amoxicilina ou metronidazol. Terapia alter-
nativa com probióticos ainda está em fase de investigação, sem resultados definitivos [13].

6 – Colecistectomia - a má absorção de ácidos biliares após a colecistectomia, ainda


mais quando associada à cirurgia bariátrica com componente malabsortivo, pode ser
significativa e gerar diarreia, além de também poder estar associada à hiperproliferação
bacteriana.
O diagnóstico por meio de quantificação de ácido biliar fecal não é um exame facil-
mente disponível. O teste terapêutico com colestiramina (4 g, três vezes por dia, com ajuste
posterior da dose, se necessário) costuma ser eficaz em 96% dos casos [14].

7 – Síndrome de dumping - a diarreia é um dos sintomas de síndrome de dumping


precoce (na primeira hora após refeição), causada pela rápida exposição do intestino
delgado com nutrientes não digeridos e com alta osmolaridade, como é o caso de doces.
Outros sintomas relatados: dor abdominal, náusea palpitações, sudorese, tontura, rubor
facial e até mesmo desmaios.
Sua prevalência após o bypass gástrico é de até 75%, e após a gastrectomia vertical
(sleeve), de até 45%. O tratamento de primeira linha trata-se de mudança na dieta para um
regime mais rico em fibras e em baixa ingesta de carboidratos rapidamente absorvíveis.
Os análogos de somatostatina (octreotide) são opções eficazes de tratamento para casos
mais intensos. A nutrição parenteral total é menos prática, mas, às vezes, inevitável. As
243 ABLS Brasil

possibilidades cirúrgicas, em casos extremos, são: gastrostomia no estômago excluído e


diminuição da anastomose gastrojejunal [4,8].

8 – Enteropatia perdedora de proteína - a hipoalbuminemia pode ocorrer em até


18% das cirurgias com maior componente malabsortivo. É ainda mais agravada por baixa
ingesta proteica. A hipoalbuminemia tem relação com a diarreia grave e pode demandar
o uso de nutrição parenteral. A patogênese associada assemelha-se à má absorção do
Kwashiorkor em crianças severamente desnutridas, o que resulta em produção reduzida
de ácido gástrico, em atrofia pancreática e em alterações da microbiota intestinal [8,15].
Pode ser necessária a reversão cirúrgica da disabsorção.

9 – Doenças endócrinas - geralmente relacionada à presença de diabete melito tipo


2 (DM2). Vários fatores podem estar envolvidos nesse caso, como: uso de adoçantes,
associação com doença celíaca e, principalmente, neuropatia autonômica induzida por
alteração do sistema nervoso entérico (8 a 40% dos diabéticos), fato que ocasiona distúrbio
da motilidade intestinal, que pode ainda ser exacerbado por hiperproliferação bacteriana
intestinal e por insuficiência pancreática exócrina.
Pode ocorrer precocemente após a cirurgia bariátrica, geralmente manifestada por
diarreia aquosa. O uso de loperamida apresenta resultados satisfatórios após a exclusão
de outras doenças e também de tratamento para possível hiperproliferação bacteriana [4,8].

10 – Doenças subjacentes não diretamente relacionadas à cirurgia bariátrica


10.1 – Doença inflamatória intestinal (DII) – diarreia é o principal sintoma de DII.
Embora a cirurgia bariátrica leve à normalização do estado pró-inflamatório dos doentes,
o crescimento bacteriano excessivo pode causar a ativação local de fatores imunológicos
inatos, os quais favorecem a inflamação e a ativação da doença. Ainda não existe consenso
sobre o fato de a cirurgia bariátrica ser benéfica. Porém, alguns doentes só têm o diagnóstico
realizado no pós-operatório. Colonoscopia deve ser realizada e o tratamento específico
deve ser instituído [4].
10.2 – Doença celíaca – a cirurgia bariátrica pode ser o gatilho para o início dos
sintomas. A aplicação de um questionário alimentar pode ajudar no diagnóstico, o qual
muitas vezes é retardado, pois, inicialmente, suas causas mais frequentes são excluídas.
Diagnóstico por biópsia duodenal não é viável após um bypass gástrico, restando apenas
244 ABLS Brasil

testes sorológicos, como é o caso de anticorpos anti-endomisio. O tratamento padrão


consiste em dieta livre de glúten [4].
10.3 – Síndrome do intestino irritável – frequentemente, está associada a distúrbios
psicológicos. O componente diarreico da doença pode estar associado à obesidade. O
diagnóstico costuma ser de exclusão e os critérios de ROMA IV podem ser utilizados [16].
10.4 – Neoplasia de cólon – sempre deve ser aventada essa hipótese, principalmente
se o histórico clínico, o exame físico ou os antecedentes pessoais do paciente a sugerirem.
Anemia inexplicável e perda ponderal acima do esperado, devem também alertar para esse
diagnóstico, que deve ser confirmado por meio de colonoscopia.
245 ABLS Brasil

DICAS
▶ Levar em consideração as informações clínicas relevantes para
decidir qual deve ser a linha de investigação / tratamento: idade do pa-
ciente; histórico de diarreia; uso de antibióticos recentes; perda de peso
acima do esperado; presença de anemia inexplicável; histórico familiar
de doenças intestinais;
▶ Procurar obter o maior número de informações a respeito da
técnica cirúrgica realizada. Verificar, sobretudo, se houve bypass intes-
tinal, principalmente com componente mal absortivo (duodenal switch,
SADI-S). Cirurgias do tipo “restritivas” (p.ex.: sleeve) geralmente deman-
dam mais investigações;
▶ Diarreias que se iniciam imediatamente após a cirurgia geral-
mente estão associadas à técnica operatória. Já as que se iniciam no
pós-operatório mais tardio podem estar associadas a outras causas não
diretamente relacionadas ao procedimento bariátrico;
▶ Antes da avaliação etiológica, a prioridade do médico deve se
voltar para a estabilização clínica dos quadros espoliativos (desidratação,
desnutrição);
▶ A conduta diagnóstico-terapêutica deve seguir a lógica de uma
abordagem gradativa, de acordo com o diagnóstico etiológico mais
provável para cada caso.
246 ABLS Brasil

Referências
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gastric bypass and duodenal switch. Surg Obes Relat Dis 2013; 9: 641-647

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4. Borbély YM, Osterwalder A, Kröll D, et al. Diarrhea after bariatric procedures: diagnosis
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www.ifso.com/pdf/5th-ifso-global-registry-report-september-2019.pdf

6. Doenças diarreicas agudas (DDA) - Protocolos do Ministério da Saúde, disponível em


https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/doencas-diarreicas-agudas-dda-1/
doencas-diarreicas-agudas-dda

7. Guia Prático de Atualização - Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento Departamento


Científico de Gastroenterologia da Sociedade Brasileira de Pediatria Nº 1, Março de 2017, disponível
em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/03/Guia-Pratico-Diarreia-Aguda.pdf

8. Sollier C, Barsamian C, BretaultM, et al. Diagnostic and Therapeutic Management of


Post-Gastric Bypass Chronic Diarrhea: a Systematic Review. Obesity Surgery 2020; 30:1102–1111. *

9. Kelly CR, Fischer M, Allegretti J, et al. ACG clinical guidelines: prevention, diagnosis,
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14. Wedlake L, A’Hern R, Russell D, et al. Systematic review: the prevalence of idiopathic bile
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247 ABLS Brasil

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discordant for kwashiorkor. Science 2013; 339: 548-554

16. Lacy BE, Patel NK. Rome criteria and a diagnostic approach to irritable bowel syndrome
J Clin Med. 2017 Nov; 6(11): 99.
248 ABLS Brasil

Figura 1. Fluxograma de condução clínica do paciente com diarreia após cirurgia bariátrica. Adaptado de
Sollier C, et al [8].
249 ABLS Brasil

CAPÍTULO 23

CONDUTAS RÁPIDAS NA SEPSE ABDOMINAL


EM OBESOS
RAUL ANDRADE MENDONÇA FILHO

Introdução
A infecção intra-abdominal é a segunda causa mais comum de sepse grave em pa-
cientes admitidos na UTI [1]. Mesmo em condições adequadas de tratamento, a sepse ab-
dominal está associada a elevadas taxas de morbimortalidade. Uma causa particularmente
desafiadora inclui as complicações pós-operatórias, que se tornam ainda mais complexas
em pacientes obesos.
O tratamento da sepse abdominal é multimodal e envolve o controle cirúrgico do foco
infeccioso, precedido de medidas de reanimação e de antibioticoterapia de amplo espectro.
Embora a segurança da cirurgia bariátrica tenha aumentado muito nos últimos anos,
dada a redução significativa nas taxas de morbimortalidade, pacientes obesos apresentam
risco elevado, especialmente aqueles do sexo masculino, acima de 50 anos e com índice de
massa corporal (IMC) > 60 kg/m2 [2]. A obesidade está associada ao aumento da resistência
insulínica, inflamação crônica, hipercoagulabilidade e redução da complacência da parede
torácica. Juntas, essas alterações contribuem para uma resposta fisiológica alterada, fato
que aumenta o risco desse grupo de pacientes apresentar um quadro infeccioso que exige
presteza e agilidade de emergencistas e de cirurgiões gerais de plantão no pronto-socorro
de forma a minimizar a chance de uma evolução desfavorável.
A abordagem cirúrgica deve ser direcionada de acordo com as suspeitas diagnós-
ticas e com a gravidade da infecção intra-abdominal. O retardo na indicação cirúrgica
pode acarretar índices mais elevados de evolução clínica desfavorável e necessidade de
reoperações. A exploração cirúrgica, quando indicada, deve ser feita precocemente, sem-
pre após as medidas iniciais de suporte clínico, mas muitas vezes antes mesmo de estudos
diagnósticos completos [3].
250 ABLS Brasil

A laparoscopia vem ganhando cada vez mais aceitação no diagnóstico e tratamento


de infecções abdominais; deve ser sempre analisada como primeira opção, levando-se em
consideração a condição clínica do paciente e a experiência do cirurgião com o método.

Sepse e obesidade
A obesidade é uma doença caracterizada por um estado inflamatório crônico de baixo
grau. A elevação de marcadores inflamatórios na obesidade é proveniente dos próprios
adipócitos e dos macrófagos infiltrados em resposta a um estado crônico de hipóxia tecidual,
resultante da compressão de vasos sanguíneos no tecido adiposo. Associado a esse ambiente
pró-inflamatório, a pré-disposição de pacientes obesos soma-se a outros fatores de risco,
tais como doenças cardiovasculares, respiratórias e diabetes, que aumentam a susceptibi-
lidade a infecções, bem como restringem a resposta orgânica esperada durante a sepse [4].
Indivíduos com IMC e circunferência abdominal elevados são mais susceptíveis a
doenças crônicas e maior risco de eventos de sepse, por apresentar diferenças na morbidade
e na mortalidade, se comparados a pacientes com IMC normal.
Os pacientes obesos apresentam um desafio adicional aos médicos emergencistas, em
virtude de doenças crônicas frequentemente associadas, do maior risco para o desenvolvi-
mento de sepse, evolução geralmente mais rápida e desfavorável e dificuldades diagnósticas
na sepse abdominal, sendo importante o conhecimento de suas peculiaridades. Pacientes
obesos com sepse abdominal necessitam de um diagnóstico e intervenção médica preco-
ces, tanto para medidas clínicas de suporte quanto para a abordagem cirúrgica (quando
indicada), de forma a aumentar os índices de sucesso e a reduzir a morbimortalidade.

Avaliação e conduta imediata na sepse abdominal


A sepse abdominal representa a resposta inflamatória sistêmica do paciente às infec-
ções intra-abdominais. A sepse é um processo dinâmico que pode evoluir para condições
de gravidade variável, a depender do patógeno causador, do foco infeccioso e de fatores
relacionados ao próprio paciente, tais como a obesidade e doenças coexistentes. Se não
for abordada de maneira adequada, pode levar ao comprometimento funcional de um ou
mais órgãos e sistemas vitais.
Os fatores chave para o tratamento efetivo da sepse abdominal são: (a) diagnóstico
precoce, (b) adequada ressuscitação, (c) início rápido de antibiótico de amplo espectro, (d)
251 ABLS Brasil

controle efetivo e precoce do foco infeccioso e (e) reavaliação da resposta clínica e ajuste
apropriado da estratégia de conduta [5].
O reconhecimento precoce do paciente com sepse abdominal em curso é o primeiro
passo para um tratamento eficaz. Após o diagnóstico de sepse de provável foco abdominal,
o paciente deve ser precocemente submetido a um conjunto de medidas durante sua pri-
meira hora de admissão na unidade de emergência [6], conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 1: Surviving Sepsis Campaign (SSC), 2018 – Pacote de 1 hora


1. Medir nível de lactato. Medir novamente se lactato inicial > 2 mmol/L;

2. Obter hemoculturas antes de iniciar antibióticos;

3. Iniciar antibióticos de amplo espectro;

4. Ressuscitação volêmica com cristalóides a 30 ml/kg e

5. Iniciar vasopressores em pacientes hipotensos durante ou após a reposição volêmica para


manter PAM > 65 mmHg.

Estabilização da respiração
Oxigênio suplementar deve ser fornecido a todos os pacientes com sepse e a oxigena-
ção deve ser monitorada continuamente com oximetria de pulso. Intubação e ventilação
mecânica podem ser necessárias para dar suporte ao esforço respiratório que normalmente
acompanha a sepse, assim como, para proteger as vias aéreas, principalmente em pacientes
com rebaixamento do nível de consciência [3].

Estabelecimento de acesso venoso


A via de acesso venoso deve ser estabelecida o mais precoce possível. Embora o acesso
venoso periférico possa ser suficiente em alguns pacientes, para a ressuscitação volêmica
inicial, de maneira particular, a maior parte deles necessitará de acesso venoso central
em algum momento da condução. O acesso venoso periférico em pacientes obesos pode
caracterizar um desafio adicional, especialmente em indivíduos hipotensos. Muitas vezes,
o acesso central pode ser conseguido de maneira mais rápida, podendo ser utilizado para
a infusão de fluidos intravenosos, vasopressores e hemoderivados, bem como para coleta
de sangue e estudos laboratoriais complementares.
252 ABLS Brasil

Investigação inicial
Um breve histórico inicial e o exame físico, bem como estudos laboratoriais, micro-
biológicos e de imagem são frequentemente obtidos simultaneamente enquanto o acesso
venoso está sendo estabelecido e as vias aéreas estabilizadas. Na anamnese, é sempre im-
portante investigar a técnica cirúrgica realizada, bem como o tempo de pós-operatório do
paciente, de forma a direcionar o raciocínio do emergencista para possíveis complicações
cirúrgicas infeciosas. A avaliação diagnóstica deve ser feita de maneira rápida e não deve
protelar o início da terapêutica.
Além de exames laboratoriais mais usuais como hemograma, creatinina, bilirrubina,
coagulograma e gasometria arterial, uma dosagem sérica de lactato > 2 mmol/L pode indicar
a gravidade da sepse e auxiliar no acompanhamento da resposta terapêutica. Duas hemocul-
turas coletadas de sítios distintos dentro do período de até uma hora, assim como culturas
microbiológicas de fontes suspeitas, como ferida operatória, sítio cirúrgico ou exsudato
de drenos abdominais devem ser realizadas, preferencialmente, antes da administração de
antimicrobianos. No entanto, o início da antibioticoterapia não deve ser postergado caso
a coleta desses exames não possa ser feita de maneira imediata.
Exames de imagem também podem ser muito úteis no diagnóstico da sepse abdo-
minal em pacientes bariátricos. Radiografia de tórax, radiografia simples de abdome ou
preferencialmente tomografia computadorizada de abdome total com uso de contraste
oral são os mais utilizados na busca do foco infeccioso. A ultrassonografia à beira do leito
(FAST), apesar das possíveis limitações por distensão gasosa abdominal, também pode ser
utilizada caso a tomografia não esteja disponível. O exame de imagem do abdome auxilia
na estratégia terapêutica cirúrgica, orientando o cirurgião quanto ao melhor método de
abordagem e quanto à via de acesso a ser utilizada.

Ressuscitação inicial
A ressuscitação volêmica deve ser iniciada com a infusão imediata de 30 ml/kg de
cristaloides na primeira hora de atendimento, em pacientes hipotensos (PAS < 90mmHg,
PAM < 65 mmHg ou redução de 40mmHg na PAS habitual) ou com sinais de hipoperfusão
tecidual (entre eles, o lactato sérico 2 vezes acima o valor normal). Sinais de hipoperfusão
também podem incluir oligúria, livedo cutâneo, tempo de enchimento capilar reduzido
e alteração do nível de consciência. O volume deve ser infundido o mais rápido possível,
levando-se em consideração as condições clínicas do paciente, como disfunção cardíaca,
por exemplo.
253 ABLS Brasil

A antibioticoterapia sistêmica empírica de amplo espectro, por via endovenosa, deve


ser iniciada assim que houver suspeita do diagnóstico de infecção intra-abdominal. Na
sequência, o esquema terapêutico deve ser ajustado de acordo com o diagnóstico etiológico e
com os resultados das culturas obtidas. Deve ser utilizada dose máxima de antimicrobianos
para o foco suspeito ou confirmado, com dose plena de ataque, sem ajuste inicial para a
função renal ou hepática.
Quando vasopressores são indicados, a noradrenalina é a droga de primeira escolha
para pacientes com PAM < 65 mmHg após a infusão de volume inicial. Não se deve tolerar
PAM < 65 mmHg por períodos superiores a 30-40 minutos. Em casos de hipotensão
ameaçadora à vida, pode-se utilizar vasopressores mesmo antes da reposição volêmica.
Idealmente, pacientes com choque séptico em uso de vasopressor devem ser monitorados
com pressão arterial invasiva. O uso de corticoides em pacientes com choque séptico
refratário à ressuscitação volêmica e/ou uso de vasopressores, pode ser indicado. A droga
recomendada é a hidrocortisona na dose de 50 mg a cada 6 horas. A hemotransfusão deve
ser considerada, para pacientes com sinais de hipoperfusão e com níveis séricos de Hb <
7 mg/dl [7].

Identificação e controle do foco infeccioso


Uma vez que o paciente tenha respondido às medidas iniciais de ressuscitação, a
atenção deve ser voltada para o controle do foco infeccioso. A abordagem cirúrgica do
abdome ou a drenagem percutânea, em casos de abscessos localizados, deve ser realizada
tão logo haja estabilização clínica, para minimizar-se os efeitos da cascata inflamatória de-
sencadeada pela sepse abdominal no paciente obeso - o qual estará ainda mais susceptível
a uma evolução clínica desfavorável em caso de retardo nas condutas médicas.
Os sinais abdominais de peritonite em pacientes com obesidade mórbida não são mui-
to confiáveis; podem ser de difícil identificação, devido, principalmente, à espessa camada
de gordura abdominal. Isso é particularmente relevante em pacientes em pós-operatório
imediato de cirurgia bariátrica. A tomografia abdominal contrastada ou estudo radiológico
com contraste oral podem ajudar no diagnóstico de fístulas pós-operatórias. No caso de
fístulas, a base do tratamento é o controle da fonte, para limitar o grau de contaminação
peritoneal. Em pacientes estáveis, com baixo escape da fístula e com coleção bem localizada
à tomografia, o tratamento pode ser feito através da colocação de drenos por via percutânea.
A laparoscopia diagnóstica ou laparotomia exploradora por incisão mediana geralmente são
realizadas se o escape da fístula não estiver contido ou houver sinais de peritonite difusa.
254 ABLS Brasil

O tratamento cirúrgico da peritonite tem três objetivos principais: (a) eliminar o foco
infeccioso, (b) reduzir o inóculo bacteriano e (c) prevenir a persistência e a recorrência
da sepse [8,9]. Além do controle do foco infeccioso, é necessário que seja abordada a causa
primária da infecção, como o controle de fístulas entéricas ou direcionamento delas por
meio da colocação de dreno abdominal. O controle inadequado do foco infeccioso no
momento do tratamento inicial está associado ao aumento da mortalidade mesmo com
antibioticoterapia, ressuscitação e suporte clínico otimizados.
A intervenção cirúrgica em pacientes que apresentam sepse em pós-operatório recente
de cirurgia bariátrica deve ser realizada com baixo limiar de indicação, com o objetivo de
abordagem do foco infeccioso, controle da fístula, colocação de drenos percutâneos e acesso
à via de alimentação parenteral ou enteral, por meio de sonda nasoenteral ou gastrostomia
(quando tecnicamente factível) [5].
O debridamento de tecido necrótico, a remoção de contaminação grosseira - seja por
material fecal ou resíduos alimentares -, a evacuação de hematomas e a retirada de corpos
estranhos são essenciais para o controle do foco infeccioso. A remoção de áreas de fibrina
permanece controversa, pois não existem estudos que suportem seu possível benefício
clínico para a evolução do paciente.
A escolha da via de acesso abdominal irá depender da condição clínica do paciente,
dos recursos disponíveis na urgência e da habilidade e do treinamento do cirurgião. Uma
laparoscopia inadequada quanto ao controle do foco infeccioso pode ser mais prejudicial
ao paciente do que uma laparotomia bem realizada.

Cuidados pós-operatórios
O pós-operatório de pacientes obesos pós-bariátrica com sepse abdominal deve ser
conduzido preferencialmente em ambiente de terapia intensiva. É importante reavaliar a
condição volêmica, a resolução ou a persistência dos sinais de sepse, assim como observar
o desenvolvimento de falência de órgãos ou dos sistemas. A cobertura antimicrobiana de
amplo espectro deve ser mantida sem interrupção, durante o período de tempo adequado,
geralmente não menor que 10 dias.
As condições clínicas do paciente devem melhorar significativa e progressivamente nas
primeiras 24-72 horas do tratamento inicial, conforme evidenciado pela resolução dos sinais
e dos sintomas de infecção e da melhora de parâmetros laboratoriais, como leucograma e
PCR (proteína C reativa), bem como da mobilização do líquido intersticial, com redução
do edema. Embora períodos de recuperação mais prolongados possam ser observados em
pacientes com disfunção significativa de múltiplos sistemas orgânicos, o prolongamento
255 ABLS Brasil

do tempo de melhora clínica e laboratorial deve levar à busca ativa por um foco infeccioso
intraperitoneal persistente ou recorrente, ou de um novo foco extra peritoneal.
No caso de persistência do foco abdominal, uma reabordagem cirúrgica deve ser
considerada precocemente, com lavagem exaustiva da cavidade peritoneal e com reposi-
cionamento de drenos para controlar possíveis coleções.

Considerações finais
Pacientes bariátricos com sepse abdominal representam um grande desafio para
equipes médicas assistentes em emergência, sobretudo no período pós-operatório mais
precoce, quando ainda estão obesos. Médicos emergencistas e cirurgiões gerais devem
ter conhecimentos básicos da fisiopatologia da obesidade e das principais complicações
infecciosas relacionadas às mais diversas técnicas de cirurgia bariátrica. Uma abordagem
rápida, com ressuscitação volêmica adequada, com medidas de suporte clínico, com uso
precoce de antimicrobianos e, subsequentemente, com controle do foco infeccioso são
essenciais para a redução da resposta inflamatória ao estresse infeccioso, pois melhoram
consideravelmente o prognóstico. Indivíduos obesos pós-bariátrica com sepse abdominal
têm uma janela estreita de oportunidade. Decisões rápidas e adequadas podem fazer toda
a diferença no resultado final.
256 ABLS Brasil

DICAS
▶ Diagnóstico precoce e ação rápida na suspeita de sepse. Não
esperar grande sinais abdominais em pacientes obesos. Atentar para o
aumento da frequência cardíaca;
▶ Colher histórico clínico da técnica cirúrgica realizada e do
tempo de pós-operatório (mesmo durante a reanimação do paciente),
com o objetivo de direcionar para possíveis complicações infecciosas.
As fístulas são as mais comuns; requerem conduta rápida;
▶ Acesso venoso e hidratação com cristaloides (30 ml/kg) na
primeira hora;
▶ Iniciar antibióticos de amplo espectro de forma precoce em
dose plena;
▶ Colher culturas para antibiograma e dosar lactato sérico (ape-
nas se possível, antes dos antimicrobianos);
▶ Iniciar vasopressores (noradrenalina) em pacientes hipotensos
durante ou após a reposição volêmica para manter PAM > 65mmHg
ou PAS > 90mmHg;
▶ Realizar exames complementares de imagem, de preferência
tomografia abdominal, para direcionar a conduta cirúrgica;
▶ Controle cirúrgico do foco infecioso de forma precoce, por
laparoscopia ou laparotomia, de acordo com a experiência do cirurgião.
Mas lembre-se, o controle do foco infeccioso de forma precoce e eficien-
te é o que vai fazer a diferença na evolução do paciente, independente
da via de acesso utilizada;
▶ Após a cirurgia, o paciente deve ser conduzido preferencial-
mente em regime de terapia intensiva, com reavaliação contínua dos
parâmetros clínicos de sepse.
257 ABLS Brasil

Referências
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6. Rhodes A, Phillips G, Beale R, et al. The Surviving Sepsis Campaign bundles and outcome:
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Care Med. 2015;41(9):1620-1628.

7. Rhodes A, Phillips G, Beale R, Cecconi M, Chiche JD, De Backer D, et al. The Surviving Sep-
sis Campaign bundles and outcome: results from the International Multicentre Prevalence Study on
Sepsis (the IMPreSS study). Intensive Care Med. 2015;41(9):1620-8. doi: 10.1007/s00134-015-3906-y.

8. Kalil A, Cawcutt K. Sepse em adultos [internet]. BMJ Best Practice; 2018. [acessado em
12 de janeiro de 2022]. Disponível em: https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/245. Atualizado
em 03-12-2020.

9. Peralta R. Surgical Approach to Peritonitis and Abdominal Sepsis [internet]. Medscape


General Surgery; 2017 [acessado em 12 de janeiro de 2022]. Disponível em: https://emedicine.
medscape.com/article/1952823-overview#a1. Updated: Sep 13, 2021.
259 ABLS Brasil

CAPÍTULO 24

HÉRNIAS INTERNAS EM GESTANTES COM


CIRURGIA BARIÁTRICA PRÉVIA
FELIPE MARTIN BIANCO ROSSI

Introdução
A maior parte dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica é composta por mu-
lheres, muitas em idade reprodutiva. Sendo assim, espera-se que o número de gestantes já
submetidas a esse procedimento aumente no futuro.
Embora a perda de peso significativa e sustentada seja a principal vantagem da
cirurgia bariátrica, outros resultados positivos incluem a melhora da fertilidade. Como
consequência, o número de gestantes com cirurgia bariátrica prévia está aumentando e
o risco de complicações durante a gravidez não é desprezível. O manejo dessas possíveis
complicações requer bastante atenção.
O bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) ainda é o procedimento bariátrico mais
executado no Brasil; portanto, é responsável pela maior parte de complicações em gestantes
bariátricas. Isso ocorre devido ao maior risco de ocorrência de hérnias internas, que pode
chegar a 10% em gestantes. O surgimento dessa complicação durante a gestação acrescenta
desafio diagnóstico e aumenta o risco de transtornos ao binômio materno-fetal.

Fisiopatologia das hérnias internas


A hérnia interna (HI) é uma importante causa de abdome agudo após um bypass
gástrico; além disso, seu risco é para toda a vida. Em gestantes, o risco de HI pode aumen-
tar em função do aumento do volume uterino e da pressão intra-abdominal. Embora uma
HI possa ocorrer a qualquer tempo da gestação, há 3 momentos nos quais o risco é maior:
1- No segundo trimeste da gestação, quando o útero torna-se um órgão abdominal;
2- A termo, quando a cabeça do feto desce para a pelve e
3- No puerpério, após a involução uterina.
260 ABLS Brasil

Fig 1. Desenho esquemático mostrando um bypass gástrico em Y-de-


-Roux (alça alimentar antecólica).

Fig 2. Desenho esquemático mostrando os espaços mesentéricos criados


no bypass gástrico, por onde podem ocorrer hérnias internas. Seta verde:
espaço de Petersen. Seta vermelha: espaço intermesentérico.
261 ABLS Brasil

Usualmente, são criados dois espaços mesentéricos na confecção do bypass gástrico


(Figura 1), por onde podem ocorrer hérnias internas. O primeiro espaço, conhecido como
espaço de Petersen, ocorre entre o mesentério da alça alimentar e o mesocólon transverso
para confecção da gastroenteroanastomose antecólica. O segundo é o espaço entre o me-
sentério da alça biliopancreática e o mesentério do segmento intestinal incluso no trânsito
alimentar, conhecido como espaço intermesentérico e localizado próximo à anastomose
êntero-entérica (Figura 2).
Existe um terceiro espaço, que é o espaço mesentérico (no mesocólon transverso).
Este espaço é criado quando a alça alimentar é levada ao andar supramesocólico por uma
abertura no mesocólon transverso, caracterizando o bypass gástrico transmesocólico. Essa
técnica foi muito usada na cirurgia aberta, mas tem sido pouco usada no acesso laparos-
cópico.
O fechamento desses espaços durante a realização do bypass gástrico diminui a inci-
dência de hérnias internas, mas não as evita por completo.

Apresentação clínica
A apresentação clínica mais comum de HI em gestantes que foram submetidas ao
bypass gástrico é a de uma mulher com idade gestacional entre o segundo e o terceiro
trimestre. Essa gestante chega ao pronto-socorro com dor abdominal, muitas vezes inter-
mitente e pós-prandial, no epigástrio, quadrante superior esquerdo e com irradiação pra
região dorsal. Entretanto, na maior parte das vezes, os sinais e sintomas tendem a ser mais
inespecíficos. O feto em desenvolvimento e as mudanças fisiológicas da gravidez podem
mascarar o diagnóstico e atrasar a intervenção, gerando consequências deletérias para a
mãe e para o feto.
Nesses quadros de HI em gestantes, a ocorrência de vômitos não é comum, porque
há poucas secreções gástricas ou enterais da bolsa gástrica proximal ou da alça alimentar.
Além disso, a herniação do segmento intestinal excluso ao trânsito alimentar não provoca
vômitos precocemente. Nos casos em que náuseas e vômitos estão presentes, diferenciar
HI de hiperemese gravídica também pode ser um desafio [1,2].
Sinais e sintomas tardios incluem indícios de irritação peritoneal (peritonite), taqui-
cardia, acidose e sepse, o que significa quadros avançados com possível comprometimento
vascular do intestino.
262 ABLS Brasil

Infelizmente, apesar das consequências potencialmente fatais da formação de HI, as


pacientes, a princípio, apresentam sintomas inespecíficos, como náuseas, dores abdominais
ou anorexia, que são comuns na gravidez e podem acarretar retardo no diagnóstico [3].

Diagnóstico
O grande desafio diagnóstico nessas pacientes encontra-se no fato de que os sinais,
sintomas e exames complementares podem ser inespecíficos e não conclusivos. Uma anam-
nese completa é fundamental para o diagnóstico de HI. Por vezes, pacientes que chegam
com dor abdominal difusa são “esquecidas” quanto às suas cirurgias prévias, pois o foco é
dado apenas nas causas ginecológicas e obstétricas, o que muitas vezes gera diagnósticos
imprecisos. No caso de histórico positivo de cirurgia bariátrica, é importante conhecer qual
foi o procedimento executado, pois nem todas as técnicas de cirurgia bariátrica podem
levar a HI. Hérnias internas são passíveis de ocorrer em técnicas bariátricas com bypass
intestinal, mais comumente no bypass gástrico, mas não ocorrem em técnicas exclusiva-
mente gástricas, como a gastrectomia vertical (sleeve). Na dúvida sobre qual técnica foi
realizada, alguns pacientes dispõem de um app chamado Barilife®, com informações sobre
qual procedimento foi realizado e, também, sobre o médico cirurgião que a realizou.
Exames laboratoriais fornecem pouca ajuda no diagnóstico diferencial. A ultrassono-
grafia abdominal é limitada no que diz respeito à avaliação de abdome agudo obstrutivo;
a tomografia de abdome, normalmente o exame de escolha nas suspeitas de HI, é menos
utilizada, dado o receio de expor o feto à radiação [4]. Portanto, manter um alto nível de
suspeição clínica é essencial para garantir o diagnóstico e o tratamento precoces e para
evitar complicações mais severas.
A tomografia computadorizada (TC) pode ser usada em pacientes grávidas, mas os
achados podem ser de difícil interpretação devido ao deslocamento cefálico do intestino
delgado. A TC, apesar de ser o exame radiológico preferido no cenário agudo de HI, só traz
resultados positivos em cerca de 50% dos casos [4,5]. Sendo assim, em casos de suspeita de HI,
nem a TC de abdome nem outras modalidades de imagem podem rejeitar com segurança o
diagnóstico; na verdade, em algumas situações, elas podem atrasar a intervenção cirúrgica.
A TC, quando realizada na avaliação de dor abdominal após o bypass gástrico, pode
apresentar o sinal do turbilhão mesentérico e/ou a distensão do estômago excluso como
únicas alterações radiológicas nos quadros de HI. Por outro lado, os sinais radiológicos
menos sensíveis da hérnia de Petersen são: deslocamento da anastomose jejuno-jejunal,
engurgitamento dos vasos mesentéricos e sinais secundários de obstrução intestinal e
edema intestinal.
263 ABLS Brasil

O sinal de redemoinho é um indicador bastante característico de HI no espaço de


Petersen, com sensibilidade de 74% e especificidade de 83% [4]. Mesmo em gestantes, uma
TC de baixa dose de radiação ionizante pode ser realizada, uma vez que a dose de radia-
ção aplicada para exame do abdome e da pelve é considerada segura. Vale ressaltar que a
tomografia deve ser analisada por um radiologista experiente e, de preferência, por um
cirurgião bariátrico para aumentar a precisão do diagnóstico de HI [4,6].
O uso da ressonância magnética está bem estabelecido para algumas outras situações
clínicas para mulheres grávidas. No entanto, até o momento, temos poucos relatos na lite-
ratura sobre seu uso em abdome agudo pós cirurgia bariátrica.

Laparoscopia diagnóstica e terapêutica


Diagnóstico e tratamento rápidos são necessários para evitar um desfecho fatal, prin-
cipalmente em gestantes, nas quais a vida do feto também está em risco. Quadros de dor
abdominal em gestantes trazem dificuldade e retardo no diagnóstico. Intervenções rápidas
podem ser necessárias para evitar graves complicações [7].
Muitos cirurgiões acreditam que a laparoscopia é a maneira mais segura, rápida e
precisa de diagnosticar uma HI e que deve haver baixo limiar para indicação da explo-
ração cirúrgica [8,9]. O diagnóstico precoce pode proteger mãe e filho de um resultado
potencialmente letal. Entretanto, a laparoscopia pode ter sua indicação limitada ao tempo
de gestação. Pacientes no primeiro e segundo trimestres podem ser submetidas à laparos-
copia sem restrições dado o pequeno tamanho uterino [1,9,10]. A abordagem laparoscópica
no terceiro trimestre, por sua vez, é questionada devido ao maior tamanho uterino e ao
risco de desenvolvimento de trabalho de parto prematuro. Nesses casos, a interação entre
o cirurgião e o obstetra é fundamental para a decisão pela interrupção da gestação (quando
viável) ou pela indicação para laparotomia exploradora convencional.
Deve-se enfatizar a importância do fechamento dos defeitos mesentéricos em pacientes
gestantes no cenário agudo, mesmo que não haja HI durante o procedimento diagnóstico. A
HI pode ter se reduzido e o fechamento dos defeitos pode prevenir uma hérnia futura [8,11].
264 ABLS Brasil

Considerações finais
Embora não seja uma condição rara, o diagnóstico de hérnia interna em gestantes
bariátricas é, frequentemente, um grande desafio. É importante lembrar que existe risco
de HI em todas as gestantes que foram submetidas ao bypass gástrico e que apresentam
sintomas de dor abdominal e/ou de náuseas. Apesar dos sintomas serem inespecíficos,
essa complicação deve sempre estar entre os diagnósticos diferenciais. O diagnóstico e o
tratamento precoces podem evitar ressecções intestinais, quadros sépticos e repercussões
deletérias para a mãe e para o feto.
265 ABLS Brasil

DICAS
▶ A hérnia interna é uma importante causa de dor abdominal
e de obstrução intestinal em gestantes submetidas ao bypass gástrico;
▶ Anamnese sobre a cirurgia e sobre a técnica bariátrica é funda-
mental. Não existe hérnia interna em pacientes submetidos ao sleeve,
pois nessa técnica não são criados espaços mesentéricos, pois o intestino
delgado não é manipulado nesse tipo de cirurgia;
▶ A apresentação clínica mais comum é em pacientes gestantes
entre o segundo e o terceiro trimestre;
▶ Sinais e sintomas tendem a ser inespecíficos, mas, caracteristi-
camente, uma dor abdominal intermitente e pós-prandial, no epigástrio,
quadrante superior esquerdo e com irradiação pra região dorsal deve
alertar o emergencista para o possível diagnóstico de hérnia interna;
▶ Apesar das limitações do uso em gestantes, a tomografia com-
putadorizada é o exame preferido no cenário agudo, sendo o “turbilhão
mesentérico” o sinal tomográfico mais característico;
▶ Um atraso no diagnóstico pode ser catastrófico para mãe e feto.
Na dúvida diagnóstica, não retardar a exploração cirúrgica, preferen-
cialmente pela via laparoscópica;
▶ Durante a exploração cirúrgica em gestantes submetidas ao
bypass gástrio, os espaços mesentéricos devem ser fechados com sutura
com fio inabsorvível, mesmo que hérnias internas não sejam encontra-
das no momento da cirurgia.
Referências
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x-en-Y Gastric Bypass Presenting in Second Trimester Pregnancy. JSM Gastroenterol Hepatol.
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2. Gudbrand C, Andreasen LA, Boilesen AE. Internal Hernia in Pregnant Women After
Gastric Bypass: a Retrospective Register-Based Cohort Study. Obes Surg. 2015 Dec;25(12):2257-62.
doi: 10.1007/s11695-015-1693-8.

3. Guilbaud T, Bouayed A, Ouaissi M. Emergency reversal of gastric bypass for missed


diagnosis of internal hernia and bowel ischemia in a pregnant woman. Surg Obes Relat Dis. 2016
Sep-Oct;12(8):e68-e71. doi: 10.1016/j.soard.2016.08.022.

4. Lockhart ME, Tessler FN, Canon CL, Smith JK, Larrison MC, Fineberg NS, et al. Internal
hernia after gastric bypass: sensitivity and specificity of seven CT signs with surgical correlation and
controls. AJR Am J Roentgenol. 2007 Mar;188(3):745-50. doi: 10.2214/AJR.06.0541.

5. Leal-González R, De la Garza-Ramos R, Guajardo-Pérez H, Ayala-Aguilera F, Rumbaut R.


Internal hernias in pregnant women with history of gastric bypass surgery: Case series and review
of literature. Int J Surg Case Rep. 2013;4(1):44-7. doi: 10.1016/j.ijscr.2012.10.006.

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think of Petersen hernia. JSLS. 2012 Apr-Jun;16(2):311-3. doi: 10.4293/108680812x13427982376581.

7. Warsza B, Richter B. Internal Hernia in Pregnant Woman after Roux-en-Y Gastric Bypass
Surgery. J Radiol Case Rep. 2018 Jan 31;12(1):9-16. doi: 10.3941/jrcr.v12i1.3257.

8. Stenberg E, Ottosson J, Szabo E, Näslund I. Comparing Techniques for Mesenteric Defects


Closure in Laparoscopic Gastric Bypass Surgery-a Register-Based Cohort Study. Obes Surg. 2019
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9. Dave DM, Clarke KO, Manicone JA, Kopelan AM, Saber AA. Internal hernias in preg-
nant females with Roux-en-Y gastric bypass: a systematic review. Surg Obes Relat Dis. 2019
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10. Gonzalez-Urquijo M, Zambrano-Lara M, Patiño-Gallegos JA, Rodarte-Shade M, Leyva-Al-


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ternal hernia in a pregnant woman with Roux-en-Y gastric bypass. BMJ Case Rep. 2018 Apr
19;2018:bcr2017221979. doi: 10.1136/bcr-2017-221979.
267 ABLS Brasil

POSFÁCIO

O papel dos fluxogramas de suporte avançado à vida estrutura-se na entrega de um


direcionamento objetivo e eficiente ao médico generalista e aos especialistas em áreas
correlatas sem convivência próxima com as especificidades de seu tema. Nesse contexto, o
ABLS preenche uma importante lacuna ao trazer à proximidade de médicos emergencistas
o conhecimento do paciente bariátrico, de seus requisitos de prioridades de cuidado e por
fim, ao cumprir o objeto principal de sua existência: minimizar morbimortalidade em
situações de urgência e emergência.
Atualmente, a melhora nos resultados do tratamento de complicações bariátricas passa
pelo tratamento endoscópico. Apesar da alta qualidade da endoscopia bariátrica brasileira,
a baixa prevalência de complicações de pós-operatório faz com que a minoria dos endos-
copistas emergencistas tenha contato frequente com pacientes bariátricos e familiaridade
com os caminhos de seu atendimento endoscópico de urgência.
Muito além de uma ferramenta de diagnóstico, a endoscopia exerce papel importante
nas hemorragias intraluminais, nas estenoses, nas fístulas e em seus diversos tratamentos.
Entretanto, uma série de especificidades da anátomo-fisiologia do procedimento em si
guiam estratégias e planejamentos terapêuticos em cada técnica cirúrgica.
A grande motivadora do surgimento do Endoscopic Bariatric Life Support (EBLS) foi
a necessidade de esclarecer as diversas anatomias endoscópicas, modalidades terapêuticas
e as nuances técnicas minuciosas, assim como transpor uma metodologia clara e repro-
dutível que respeitasse as especificidades locais. Uma iniciativa da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), que se estende a cirurgiões, a endoscopistas e
a emergencistas, para completar o escopo iniciado com o projeto ABLS, que irmanou-se
a SBCBM.
O programa objetiva fornecer, baseado nos melhores níveis de evidência, a rotina
organizada de condutas para cada tipo de complicação, ou de urgência, de acordo com a
predição de resultados, com fundamentos em um modelo de informação simples e objetiva,
com foco no endoscopista, não no especialista em endoscopia bariátrica.
Seguindo o caminho já bem pavimentado por esse suporte avançado de vida em
cirurgia bariátrica, a SBCBM mais uma vez desempenha, por meio do EBLS, o papel de
farol direcionador de boas condutas e de melhora da qualidade de assistência prestada aos
pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e metabólica. Dessa forma, o programa busca,
268 ABLS Brasil

de forma obstinada, atingir a excelência no cuidado ao paciente, em todas as unidades de


urgência e emergência do Brasil e ao redor do mundo.

ÁLVARO ALBANO DE OLIVEIRA NETO


Membro Titular CBCD / SOBED / SBCBM
Especialista em Cirurgia Geral - CBC
Diretor Técnico Científico da SBCBM (Gestão 2023-2024)
Presidente do Capítulo Bahia da SBCBM (Gestão 2023-2024)
Membro da Comissão de Cirurgia Bariátrica da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade – ABESO (Gestão
2023-2024)
Coordenador do Curso de Imersão em Cirurgia Laparoscópica e Endoscopia de Goiânia / GO

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