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Doenças relacionadas a edificações
Doenças relacionadas a edificações
Nos últimos 30 anos, desenvolveu-se um novo ecossistema criado pelo homem — o ambiente interno
controlado, revestido da carcaça externa vedada dos modernos edifícios comerciais. Este novo
ambiente tem um potencial considerável de afetar a saúde pública, devido ao fato de mais da metade
da força de trabalho adulta da América do Norte e da Europa Ocidental trabalharem em escritórios ou
ambientes não industriais "semelhantes a escritórios".1
O ambiente interno dos modernos edifícios comerciais pode ser afetado por seus ocupantes, suas
atividades de trabalho, equipamentos, plantas, mobiliário, materiais de construção, sistemas de
ventilação e pela poluição do ar exterior. Na grande maioria dos edifícios, este ambiente complexo é
controlado por um ou dois técnicos que monitoram os sistemas altamente automatizados de
aquecimento, ventilação e ar condicionado. Estes técnicos não têm nenhum modo de medir os níveis
internos de poluição do ar, e têm pouquíssimo contato direto com os ocupantes do edifício.
Nas duas últimas décadas, surgiu um grupo de problemas de saúde relacionados a este ecossistema
— denominados doenças relacionadas a edificações. Neste artigo, tentamos fornecer informações a
profissionais de saúde que estejam avaliando trabalhadores com problemas de saúdes que possam
estar relacionados a este ambiente de trabalho. As evidências citadas foram restringidas a descrições
de surtos nos quais um agente causador pôde ser identificado; estudos baseados em populações de
trabalhadores em edifícios, e manipulações experimentais de exposição a substâncias presentes no
ambiente de escritórios.
DEFINIÇÕES
Neste artigo, o termo "doenças relacionadas a edificações" será usado para definir doenças surgidas
em edificações não industriais ou residenciais, das quais a maioria são os edifícios comerciais.
individuais com problemas de saúde potencialmente relacionados ao trabalho. O termo também não é
exato em sugerir que há duas populações de edifícios — doente e saudável; esta conclusão não está
embasada em pesquisas epidemiológicas de trabalhadores em diversos edifícios.3-12 Além disso, a
designação de "edifícios saudáveis" pode ser prejudicial, pois sugere que em tais edifícios, pode-se
presumir que os sintomas dos trabalhadores afetados não estejam relacionados ao ambiente de
trabalho.
Infecciosas
Imunológicas
Alérgicas
Umidificador Desconhecido
Casos Edifícios
indexados comerciais e
seguidos de fábricas
estudos em
seção
transversal
Rinite
Irritação
*Os dados foram retirados de relatórios de caso, estudos de casos indexados seguidos de avaliações
epidemiológicas ou de estudos de campo (quando disponíveis).
anticorpos específicos ao agente microbiano. A pneumonite por hipersensibilidade tem como sintomas
adicionais a tosse, compressão do tórax, dispnéia, anormalidades das funções pulmonares e,
ocasionalmente, anormalidades radiográficas. Quando todos os trabalhadores expostos foram
cuidadosamente examinados, houve um amplo espectro de manifestações.20-22 Por exemplo, em um
grupo de 14 trabalhadores expostos a níveis de penicillium de 5.000 a 10.000 unidades formadoras de
colônias por metro cúbico, a pneumonite por hipersensibilidade se desenvolveu em 1 trabalhador não
fumante, houve um desenvolvimento de asma em outro trabalhador, com histórico de atopia e
tabagismo, e 6 outros tiveram sintomas respiratórios não específicos.21
Os relatos de surtos de asma relacionados à exposição em edifícios comerciais são raros, embora o
agente causador em tais surtos não tenha sido identificado.23,24 A exposição a agentes alergênicos
comuns a ambientes fechados, como ácaros, produtos para plantas e agentes alergênicos
transportados passivamente, pode ocorrer em qualquer edifício ocupado. Testes de exposição
(challenge tests) com fumaça de fotocopiadoras produziram angiite25 por hipersensibilidade, e testes
com papéis de cópia sem carbono produziram urticária e edema da laringe26,27 ou faringite.28
Foram medidos níveis de carboxiemoglobina de 2,0 a 3,5 porcento em não fumantes expostos a
concentrações de 4 a 10 ppm de monóxido de carbono em ambiente fechado. Assim, a exposição a
níveis de 20 a 50 ppm, provenientes do tabagismo intenso33 ou da inspiração de fumaça de
descarga32 poderiam resultar em concentrações de carboxiemoglobina de 5 a 10 porcento, o que
pode diminuir a função cognitiva e o estado de alerta34, e produzir sintomas de dores de cabeça e
tonteiras —
Pessoal
Passivos
Trabalho
Ambiente de trabalho
Ruído 2 5.338 0 —
Edifício
Ar condicionado
Nas pesquisas de seção transversal em edifícios selecionadas sem considerar o estado de saúde dos
ocupantes, até 60 porcento dos trabalhadores relataram pelo menos um sintoma relacionado ao
trabalho, e 10 a 25 porcento relataram que tais sintomas ocorriam duas vezes por semana, ou com
mais freqüência.6,7,9,11,12,39 As associações de tais sintomas a uma faixa etária mais jovem, sexo
feminino e um histórico de atopia (Tabela 2) pode refletir respostas fisiológicas elevadas em limites
mais baixos, ou uma maior exposição ocupacional.46-49 A associação dos sintomas a fatores
psicossociais não significa que "o problema está na mente dos trabalhadores". Os resultados de
testes psicológicos de trabalhadores sintomáticos e assintomáticos dos escritórios é semelhante51; os
fatores psicossociais estão associados a doenças cardiovasculares52, e tais fatores podem ser
resultantes, em vez de causarem, problemas de saúde.53
10 10-70
9 9-50
27 2-200
45 28-75
14 8-17
10 1-100
342 80-
961
42 25-
240
22 13-29 Sistêmico
11 0-30 31 11-59
3,9 2-5,5
* O valor refere-se apenas a bactérias gram-negativas, uma vez que somente bactérias gram-
negativas foram associadas aos sintomas.
Os compostos orgânicos voláteis são produzidos por uma ampla variedade de fontes, incluindo
materiais de construção ou mobiliário novos (são responsáveis pelo "odor de carro novo"), agentes de
limpeza, tintas, solventes e equipamentos como fotocopiadoras.58 Em três estudos cegos de câmara
simples (single-blind chamber), a exposição controlada a uma mistura de compostos orgânicos
voláteis, encontrados normalmente em ambientes de escritórios, resultou em irritação de mucosas
(Tabela 4).49,77,78 Entretanto, as concentrações de compostos orgânicos voláteis usados (5000 e
25.000 µg/m³) eram muito mais altas que os níveis detectados na maioria dos estudos de campo
(Tabela 3)50,57,74,76,79, e não há estudos de exposição controlada a compostos orgânicos voláteis nas
concentrações encontradas normalmente no ambiente de escritório.
Em resumo, diversos fatores pessoais parecem estar associados a doenças não específicas
relacionadas a edificações, possivelmente por indicarem uma maior susceptibilidade. Os sintomas
também estão associados a marcadores de exposição individual, como o uso de papel sem carbono,
fotocopiadoras e terminais de vídeo ou à presença de carpetes e poeira; no entanto, os agentes
específicos responsáveis pelos efeitos associados não foram identificados. A importância de fatores
em todo o edifício, como o tipo ou a presença de ventilação mecânica6,8,,9,11 ou umidificação,
permanece obscura. Os estudos visando examinar estes fatores foram confundidos pelas diferenças
entre os edifícios nas características dos ocupantes ou de seu trabalho, e os
12 18 50
211 24 33
1546 14 30
75 6 20
RESULTADO RESULTADO
resultados podem ser parciais devido à consciência dos ocupantes e sua atitude quanto ao estudo.
Embora a prevalência de sintomas tenha sido consistentemente associada à temperatura e
umidade42,68,82, este não foi o caso para os níveis medidos de concentrações químicas e
microbianas, apesar das evidências indiretas implicando estes fatores. Esta falta de associação pode
refletir os agentes múltiplos
presentes, sua variabilidade espacial e temporal e o fato de que os métodos atuais de medição são
dispendiosos e insuficientemente precisos para os baixos níveis normalmente presentes em
ambientes de escritório.
As doenças não específicas relacionadas a edificações podem ser explicadas por três fenômenos:
Um amplo espectro dos limites de resposta em qualquer população (suscetibilidade), um espectro de
resposta a qualquer agente dado e a variabilidade de exposição dentro de grandes edifícios
comerciais.
para a detecção e efeitos irritantes do formaldeído90,91; o mesmo foi demonstrado para os compostos
orgânicos92 voláteis e a fumaça de tabaco80 no ambiente. Uma variabilidade semelhante do limite foi
demonstrada para as respostas fisiológicas à temperatura47,48, ao ozônio, sulfatos e particulados93, e
à endotoxina94. Embora estes limites variem visivelmente entre questões específicas, há muito menos
variação nos valores para a mesma questão. Os limites de resposta são mais baixos entre
trabalhadores com asma93, entre aqueles com sintomas anteriores relacionados com edificações49, e
entre os do sexo feminino46,48 ou relativamente jovens46,48. Adicionalmente, os limites de resposta
fisiológica a agentes alergênicos, compostos orgânicos voláteis e fumaça de tabaco no ambiente são
reduzidos pela exposição concomitante ao ozônio95, temperatura mais alta96 e umidade mais baixa69,
respectivamente.
Os modernos arranha-céus comerciais são projetados para oferecer um ambiente interior estável e
uniforme, mas há uma considerável variação espacial e temporal no ambiente real. A variação
temporal resulta das alterações no fornecimento de ar exterior e dos níveis de poluição do ar exterior,
bem como das mudanças de ocupantes e suas atividades.36,37 A variação espacial é resultante das
A figura mostra o limite absoluto para a detecção do odor de formaldeído, da concentração na qual o
odor de formaldeído foi detectado em 100 porcento das exposições (challenges) e da concentração
de formaldeído causadora de irritação nasal.
Caso haja uma variação independente na concentração de diferentes agentes dentro de um grande
edifício comercial, e na suscetibilidade dos trabalhadores a estes agentes, os trabalhadores podem
ser individualmente sintomáticos devido a exposição localizada a um ou mais agentes a níveis que
excedam seu limite de resposta. Esta hipótese é difícil de ser testada, devido ao grande número de
agentes e sintomas, e à dificuldade de caracterizar a exposição precisamente. Entretanto, ela poderia
explicar por que as pesquisas epidemiológicas falharam em identificar as relações entre os fatores
ambientais medidos em um número limitado de locais de trabalho, e os sintomas de todos os
trabalhadores dentro desses edifícios.12,57,99,100 Este conceito também fornece um motivo lógico para
mover os trabalhadores afetados para outro local de trabalho — uma solução simples que nunca foi
formalmente avaliada. O controle pessoal da ventilação iria capacitar os trabalhadores a atenuar as
condições adversas locais, mesmo que eles não soubessem o que os estivesse afetando. Esta
abordagem tem sido associada a redução de sintomas12,86 e aumento de produtividade.87
O exame físico costuma ser normal em doenças não específicas relacionadas a edificações, mas as
conclusões podem ser anormais em doenças específicas. Pode ser apropriado realizar investigações
adicionais, para identificar entidades específicas; são exemplos disso os exames de radiografia do
tórax e de função dos pulmões, em busca da pneumonite por hipersensibilidade ou asma, e os
exames da pele e análises de serum IgE, em busca de manifestações alérgicas.
Caso se suspeite de uma doença relacionada a edificações, uma visita ao local de trabalho é um
valioso ponto de partida na avaliação do ambiente de escritórios. Uma equipe incluindo o médico, um
higienista industrial e engenheiros estará melhor capacitada a identificar e resolver os problemas
neste complexo ambiente interno. Os clínicos devem estar familiarizados com oficiais de saúde
pública ou ocupacional ao nível municipal, estadual ou federal, que possuam experiência na avaliação
de problemas semelhantes. Uma vantagem importante de se entrar em contato com essas
autoridades é a de que elas recebem relatórios de outros trabalhadores afetados no mesmo edifício.
Tais relatórios devem precipitar uma avaliação ambiental mais completa, e podem capacitar os
trabalhadores a receberem compensações ou benefícios semelhantes. Pode ser indicado realizar
testes de amostras do ar ambiental caso se suspeite de contaminantes específicos de ambientes
fechados, mas isto é dispendioso e requer considerável experiência em medição e interpretação.
CONCLUSÕES
Os trabalhadores no ambiente interno dos edifícios comerciais compreendem mais da metade de toda
a força de trabalho dos países industrializados. Uma parcela substancial tem sintomas no trabalho.
Dada a enorme população aparentemente afetada e nossa compreensão atualmente limitada dos
efeitos desse ambiente sobre a saúde, necessitamos com urgência de maiores pesquisas. A
suscetibilidade deveria ser avaliada em estudos experimentais de exposição a poluentes individuais e
múltiplos, a concentrações encontradas comumente no ambiente dos escritórios. As intervenções
propostas devem ser avaliadas em testes apropriados, que incorporem definições de caso,
questionários e métodos de medição ambiental normalizados. Tais estudos poderiam auxiliar a
assegurar que o ecossistema criado pelo homem dentro dos modernos edifícios comerciais sejam um
ambiente de trabalho saudável.
Com o apoio das bolsas Chercheur-Boursier Clinicien do Fonds de la Recherche en Santé du Quebec
(ao Dr. Menzies) e do Montreal Chest Institute Research Centre (ao Dr. Bourbeau).