ANÁLISE E INTERVENÇÃO DO FILME: I CAN ONLY IMAGINE
A psicologia sistêmica, uma abordagem terapêutica que considera os
indivíduos dentro do contexto de seus relacionamentos e sistemas sociais, como a família, o trabalho a comunidade e examina como os padrões de comportamento e interação se desenvolvem dentro desses sistemas e como influenciam o funcionamento mental e emocional dos indivíduos. No filme “Eu só posso imaginar “, sob a perspectiva sistêmica, especialmente considerando a dinâmica familiar e suas influências sobre o protagonista Bart Millard, podemos pensar em um processo psicoterapêutico que inicia com uma avaliação da demanda inicial, detalhando a história da família, incluindo padrões, eventos significativos e dinâmicas relacionais. O protagonista, na sua primeira infância vivencia um grande trauma (além das violências praticadas pelo pai, que sofre com o alcoolismo), o abandono materno, na leitura teoria e prática da terapia sistêmica, lemos que; “Na terapia sistêmica, é crucial explorar o impacto do abandono materno na dinâmica familiar e no desenvolvimento individual das crianças. O papel da mãe na formação do sistema de apoio emocional da criança é fundamental, e sua ausência pode desencadear uma série de desafios emocionais e comportamentais que requerem intervenção terapêutica. “(Haley, 1976). Minuchin (1981), vem nos dizer que “a ausência da mãe pode ser sentida como uma perda insuperável, afetando a autoestima e a segurança emocional da criança.", desta forma é necessária uma avaliação inicial detalhada para além da queixa inicial o histórico familiar, para elaborar esse abandono na infância. Após o histórico é preciso estabelecer vínculo com o paciente, o que pode ser um desafio com o Bart, visto que o impacto do abandono materno pode ter sido um dos motivos para a dificuldade de Bart em estabelecer vínculo e confiar em Shannon, que é um representante de afeto feminino e o mesmo recua e com resistência em estabelecer afetos de confiança e entrega emocional para a mesma. Na psicoterapia, este também viria a ser um desafio, visto que; o primeiro grande vínculo de afeto lhe abandonou na infância, logo; o abandono da mãe de Bart criou barreiras na comunicação, na expressão emocional e no relacionamento (como retratado no filme com Shannon e com o pai ) o que pode dificultar ainda mais a resolução do trauma e a cura emocional, e o estabelecimento de vínculo. A partir das experiências vividas, após o estabelecimento de vínculo, criam-se estratégias de intervenção para que Bart encontre um lugar seguro onde possa expressar suas emoções, medos e preocupações, utilizando ferramentas como jogos de papéis e narrativas ( para que fale e expresse suas emoções ), bem como filmes, ressignificação do luto materno ( escrever cartas para essa mãe ). O Filme retrata que Bart, buscou vínculos de afeto em expressar seus sentimentos através da música, mas foi algo pensado mediante um acidente que o impediu para o resto de sua vida de seguir em fidelidade ao pai, que é exercendo a mesma função e buscando se profissionalizar na área esportiva, realizando assim um antigo sonho do pai. Durante sua adolescência e juventude até pouco antes de sua formatura e o acidente, Bart tem essa lealdade invisível, como quem diz “por amor a você meu pai, seguirei buscando realizar o seu sonho “que é jogar o futebol americano. A psicanalista suíça Alice Miller abordou a dinâmica do abuso emocional e físico na infância e seu impacto no desenvolvimento emocional. Ela argumentou que, mesmo em situações de abuso, as crianças podem continuar a amar seus pais, mas podem internalizar mensagens negativas sobre si mesmas, levando à falta de amor- próprio e autoestima prejudicada. Sendo então, necessário intervir no processo psicoterapêutico trabalhando para promover aceitação, autoestima, elaboração das violências sofridas, luto e o perdão. Sobre o luto, os indivíduos dentro de uma família estão interconectados e influenciam uns aos outros. Quando um membro da família não consegue desempenhar seu papel designado, outros membros podem ajustar seus comportamentos para compensar essa lacuna. No caso de Bart, ele pode ter internalizado a responsabilidade pelo bem-estar emocional e físico de seu pai devido à sua própria necessidade de segurança e estabilidade emocional. Essa dinâmica pode criar um ciclo de disfunção dentro da família, onde Bart se sente sobrecarregado com responsabilidades que não são apropriadas para sua idade ou posição na família ultrapassando fronteira familiar sem regras e limites nítidos, no filme fica claro também a troca de papeis de representação, como Bart preparar as refeições para ele o pai, organizar a casa na sua infância e quanto adulto, cuidar do pai até a sua partida. Com o histórico de alcoolismo e violência por parte do pai, é necessário trabalhar de forma a elaborar a percepção de Bart sobre si mesmo e devido à morte do pai é necessário elaborar também este luto, utilizando leituras como “onde estão as moedas “, para iniciar a ressignificação do olhar sobre este pai e esta mãe, o autor nos diz, que os pais já nos deram tudo, sobretudo a vida e este é o maior presente que poderíamos receber. Como ressignificação da experiência, explorar diferentes maneiras de dar significado à perda envolvendo a identificação de aspectos positivos do relacionamento (diferente da mãe e apesar das violências o pai não o abandonou), reconhecimento de lições aprendidas ou enfatizar o legado deixado pelo pai, a sua transformação mediante a leitura bíblica e a vontade de mudar e obter o perdão do filho, após a descoberta de um câncer terminal num cenário de morte eminente. Hellinger (2001), nos diz que, "Perdoar aos pais é libertar-se deles e se tornar independente, ao mesmo tempo, é um passo importante para amadurecer." Isso envolve estratégias que podem incluir práticas de autocompaixão, aceitação e liberação de ressentimentos. Já com a morte do Pai, vemos que Bart assume uma nova postura mediante seus flagelos emocionais que vem a ser a pérola do filme, imaginar um lugar tão esplendido, que não haverá nenhuma dor, tristeza, angústias e neste sentido, trabalhar então para alcançar um senso de encerramento em relação à perda do pai, reconhecendo e celebrando seu legado de maneira significativa. Isso pode envolver rituais de despedida (escrita de cartas, queima-las), homenagens ou outras formas de honrar a memória do pai. Nos rituais é necessário elaborar cuidadosamente cada passo, envolvendo o paciente no clima e no processo e buscar compreender o aspecto inconsciente da significância no processo. Sendo assim, elaborar o processo psicoterapêutico com o Bart envolveria várias e distintas etapas levando sempre em consideração o momento presente, o que ele é capaz de entrar no processo da intervenção e retomando experiências passadas, destacando o contexto daqui e agora frente às suas dinâmicas de afetos e interação social. REFERÊNCIAS
HALEY, J. Psicoterapia familiar. Belo Horizonte: Interlivros, 1976.
MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. HELLINGER, Bert; HOVEL TEN, Gabriele. Constelações Familiares: O Reconhecimento das Ordens do Amor. São Paulo: Ed. Cultrix, 2001. MILLER, Alice. O drama da criança bem-dotada: como pais podem formar (e deformar a vida emocional dos filhos. Tradução por Claúdia A. Abeling-Szabo. São Paulo: Summus, 1997.