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CARACTERIZAÇÃO PSICOLÓGICA

PSICOLOGIA - P6

Tronco Comum III a) Neurociências


Regente - Prof. Doutor Diogo Telles
Docente - Prof. Doutor Samuel Pombo

Ana Luísa (36312)


Catarina Tracanas (36291)
Isabel Cardoso (36367)
Matilde Reis (36458)
Patrícia Mota (36451)

2021/2022
No âmbito da unidade curricular de psicologia, pertencente ao Tronco Comum III a) -
Neurociências, o nosso grupo realizou uma entrevista e consequente caracterização
psicológica.
MG, sexo feminino, de 64 anos, é divorciada, tem 2 filhos e 3 netas e vive sozinha.
Encontra-se reformada há 2 anos (desde o início da pandemia) por invalidez devido a uma
perturbação do espetro da depressão, que já cursa há mais de uma década, e que se tornou a
agravar há 2 anos - altura em que experienciou grande confusão mental. Antes de se reformar,
trabalhava como empregada de limpeza e, neste momento, de forma a manter-se mais ativa e
ocupada, cuida de idosos e pessoas doentes.
Quando questionada acerca da sua infância, MG refere que as suas primeiras memórias são
no campo, a brincar com os pais e, sobretudo, com o irmão e amigos. Começou a trabalhar
aos 15 anos, mas antes disso já se ocupava cuidando da irmã mais nova, ajudando os pais nas
tarefas domésticas e mesmo no seu trabalho. Descreve a sua infância como feliz, apesar dos
momentos em que o pai se mostrava violento com a mãe - os quais eram relatados com certa
indiferença e pouca nitidez.
MG afirma ter-se sentido compreendida, amada e respeitada pelos pais, mas refere que a
relação com a mãe era indubitavelmente mais próxima. Descreve a mãe como “muito boa
pessoa”, e muito trabalhadora. Em relação ao pai, descreve-o como “fechado” e “rude”, mas
garante que não era má pessoa, simplesmente não era de trato fácil: era “distante” e adotava
uma postura algo autoritária.
Saiu de casa numa idade precoce, altura em que casou com o, agora, ex-marido. Pouco tempo
depois, teve o seu primeiro filho, atualmente com 44 anos e, 8 anos depois, teve o segundo
filho, atualmente com 36 anos. Durante cerca de 25 anos, sofreu episódios recorrentes de
violência doméstica, além de um controlo excessivo e desproporcional, por parte do marido.
Após sofrer mais um episódio de violência e, temendo pela sua própria vida e pela do filho
mais novo, de 13 anos, tomou a decisão de sair de casa, levando-o consigo. Por esta altura, o
seu filho mais velho, maior de idade, já estaria a morar com a sua parceira. MG salienta que
este último nunca mostrou muita preocupação quando a mãe desabafava com ele acerca dos
ataques de violência que sofria, chegando mesmo a dizer-lhe para se “resolver com o pai”.
Mudou-se para outra casa, momento em que passou por bastantes dificuldades financeiras,
uma vez que teve de começar a pagar renda sozinha, não sobrando dinheiro para necessidades
básicas, como a alimentação.
Atualmente, a sua vida encontra-se mais estabilizada. Os seus filhos vivem na Bélgica, e
apenas uma das suas netas vive em Portugal.
Quando lhe pedimos para descrever a sua personalidade, afirma não ser muito otimista (o que
se verifica, por exemplo, no facto de comentar frequentemente os sofrimentos físicos), o que
se coaduna com a perturbação depressiva de que padece.
Um acontecimento marcante e traumático na sua vida foi a morte repentina e trágica do irmão
há 10 anos, que faleceu na sequência de um atropelamento por um trator agrícola. As irmãs
de MG, aquando deste acontecimento, procuraram apoio e acompanhamento psicológico.
Pelo contrário, MG suportou sozinha a consternação (intensificada pela forma impiedosa
como o irmão faleceu) durante 2 anos, quer por falta de iniciativa em procurar apoio médico,
quer por esperança de que as emoções negativas que sentia se resolvessem por si próprias.
Contudo, aconteceu o contrário, e o sofrimento tornou-se tão insuportável que culminou
numa tentativa de suicídio (há 8 anos). Esta tentativa de “escape” foi resultado da perturbação
depressiva que sofria, provocada pela junção de vários episódios traumáticos, dentro dos
quais se inclui a violência e controlo que padecia em casa, por parte do, na altura, marido. A
violência doméstica fê-la sentir-se diminuída, ansiosa, frustrada e com raiva. Como forma de
lidar com estes sentimentos, acabava por “descarregar” nos filhos, batendo-lhes ao mínimo
desentendimento, algo que nos dias de hoje lhe traz arrependimento e vergonha. Atualmente,
refere que o seu maior medo é recair na vontade de terminar a própria vida, num dos seus
piores momentos.
Um aspeto importante que identificámos prende-se com o paradigma das memórias
traumáticas. Este modelo envolve 2 processos: um declarativo (relacionado com os detalhes
da situação traumática) e outro implícito (associado à intensidade emocional que a situação
suscitou no indivíduo). Normalmente, os dois elementos são inseparáveis; contudo, as
memórias traumáticas vão despertar mecanismos emocionais e cognitivos de gestão do
sofrimento, o que leva a um desequilíbrio relativamente aos processos declarativo e implícito.
No caso de MG, este desequilíbrio verificou-se na sequência da violência doméstica e, mais
tarde, da morte do irmão. Em ambas as situações, os dois processos foram exacerbados, tendo
MG revivenciado os momentos na sua mente com mágoa igual ou mesmo superior à que
sentiu na altura em que os eventos realmente aconteceram. Estes critérios parecem apontar
para Stress Pós-Traumático, que, apesar de atualmente mais bem controlado, ainda afeta a
vida de MG, sobretudo nos momentos de maior angústia, como descrevemos adiante.
Após a tentativa de suicídio, e por meio de insistência da família, iniciou o acompanhamento
psiquiátrico, inclusive foi medicada. Desde aí que refere ter períodos de bem-estar, que
alternam com outros de alguma inquietação e amargura, os quais se manifestam sobretudo
quando se sente sozinha. Nestes momentos, refere que o choro é um meio catártico, e que,
quando voltam os pensamentos suicidas, tranquiliza-a caminhar e encontrar alguém com
quem conversar.
MG declarou não ter necessidade de expressar o que sente. Contudo, pelo seu discurso,
compreendemos que as conversas que estabelece com as pessoas à sua volta (sejam
conhecidas ou não, pois MG é muito amistosa e sociável, tendo muita facilidade em
comunicar com os que a rodeiam, bem como em fazer amizades) são tanto uma forma de
distração como uma oportunidade de desabafar. Aliás, o seu atual trabalho de cuidadora
permite-lhe estar rodeada de pessoas.
Outro aspeto relevante para o desenvolvimento psicológico de MG foi a morte dos pais há 6
anos, não só pelo desamparo, mas porque se encarregou de cuidar deles até falecerem, nos
seus últimos dias. Durante a entrevista, referiu que a comoveu assistir ao declínio de figuras
tão próximas, em particular da mãe. O falecimento dos pais, com apenas 3 dias de diferença,
aconteceu apenas 2 anos após a tentativa de suicídio, numa altura de ainda grande fragilidade
emocional.
Reparámos que o atual trabalho, além de afastar os pensamentos negativos, é um meio de
tentar preencher o vazio deixado pela mãe e os filhos. Efetivamente, refere múltiplas vezes
que as saudades da mãe são um sentimento recorrente, e sente falta da figura materna com
quem sabia poder desabafar. Também os filhos de MG, antes fonte de alento, tornaram-se
motivo de angústia, desde que se deslocaram para a Bélgica e lá ficaram a trabalhar. A
distância física, já de si considerável, foi exacerbada quando conheceram a namorada/esposa
e quando nasceram as netas de MG, pois os filhos ligam menos vezes e MG sente-os “mais
desapegados” - reconhece que “não há nada que possa fazer acerca disso”.
Assim, o facto de os filhos estarem longe é o que a entristece mais, nos dias de hoje, sentindo
uma grande saudade, que é acompanhada pela falta que sente da mãe, referindo que
“conversa” com ela todos os dias ao acordar e quando se deita, pensando nela várias vezes ao
longo do dia.
MG afirma que lhe é mais difícil controlar as suas emoções precisamente nos momentos de
solidão, nos quais fica “mais em baixo e com muita ansiedade'', começa a “pensar muito e a
pôr muitas coisas na cabeça”. Segue-se o choro compulsivo e os pensamentos suicidas,
sentimentos de inutilidade e insignificância. Também acredita que, quando falecer, os filhos a
esquecerão rapidamente - conta-nos que os filhos a tentam tranquilizar neste sentido, mas
sem sucesso, pois permanece inabalável na sua convicção. Nestas alturas, necessita das
caminhadas ao ar livre “para espairecer e isto passar”. Quando lhe perguntámos se desejava
modificar algum comportamento, respondeu querer tentar abandonar os momentos de
prostração e desânimo, e substituí-los por uma perceção mais aprazível da vida. Sempre que
pensa que cometeu algum erro ou disse algo inapropriado sente-se frustrada, ficando vários
dias a remoer o assunto, trazendo-lhe, ainda, momentos de ansiedade.
Ainda assim, é capaz de encontrar em si própria motivos de grande orgulho, tais como o facto
de ser trabalhadora, persistente e corajosa (relembrou-nos o facto de ter saído de casa e,
assim, ter perdido os meios de sustento). A opinião que as outras pessoas formam de MG é
semelhante, segundo a própria relatou, e consideram-na também bondosa, educada e humilde.
Além disto, consegue sentir-se feliz e relaxada a trabalhar, limpar, decorar a casa, quando faz
vídeo-chamada com os filhos e as netas e, sobretudo quando estes a vêm visitar a Portugal, ou
quando viaja até à Bélgica, demonstrando a importância destes para o seu bem estar
emocional. Por acréscimo, sente-se mais tranquila quando lê, pinta “livros zen” e nos
momentos em que reza, hábito que mantém diariamente. Esta relação que preserva com a sua
religião parece funcionar como forma de conforto diário.
Em todos estes relatos, surpreendeu-nos o desembaraço de MG, que nunca se sentiu coibida,
nem mesmo ao revelar que conhecia precisamente o meio pelo qual cometeria suicídio se um
dia se decidisse a isso.
Contou-nos também que, ao longo da sua vida, sofreu várias comorbilidades, para além da
depressão. Há cerca de 7 anos, após 1 intenso ano de exames médicos, foi-lhe diagnosticado
um tumor cerebral, ao qual teve de ser operada. Posteriormente, sofreu uma nova intervenção
cirúrgica - colecistectomia e, mais recentemente, hemorroidectomia. Apesar das cirurgias
recorrentes, MG menciona que, em momento algum sentiu receio, uma vez que refere não ter
medo de morrer. Para além disto, há cerca de um ano, e algum tempo após ter sofrido a
colecistectomia, começou a sentir-se constantemente nauseada, com vómitos e dor
abdominal, tendo sido nessa altura diagnosticada com uma patologia incurável do duodeno.
Recentemente, descobriu-se também que é intolerante à lactose. Todo o percurso deste último
ano foi bastante esgotante para MG, tanto física como psicologicamente, acabando esta por
emagrecer 10 kg, dado que não conseguia comer, sobretudo em resultado da patologia que
apresentava.
Uma vez recolhida toda esta informação acerca de MG, considerámos pertinente integrar os
dados segundo o Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano, segundo o qual o
desenvolvimento psicológico (do cérebro e do self) assenta em 5 pilares, que se podem
agrupar em 3 dimensões. Em primeiro lugar, a dimensão sociocultural, que integra as
experiências sociais precoces de MG, nomeadamente o facto de ter tomado a
responsabilidade de auxiliar os pais (a cuidar da irmã, nas tarefas domésticas e mesmo no
trabalho). Em segundo lugar, a dimensão neurobiológica, que valoriza sobretudo a
componente hereditária e constitucional, exemplificada pela bondade e humildade (que MG
refere ter herdado da mãe) e o desapego ou mesmo indiferença (que MG descreve no pai).
Finalmente, em terceiro lugar, a dimensão ambiental, que, numa fase mais precoce, foi
grandemente influenciada pelos episódios impetuosos entre os pais, e, mais tarde, por MG ter
experienciado igualmente agressividade por parte do cônjuge.
Como sabemos, a ansiedade corresponde a uma resposta de alarme, biologicamente
programada, face a uma situação de perigo ou a uma ameaça percebida, que possa implicar
vulnerabilidade, ou que sentimos quando estamos a perder o controlo. O estado de ansiedade
patológico deriva da antecipação constante, negativa, do futuro e que leva a um estado
emocional associado ao medo. Ao longo da nossa entrevista com MG, conseguimos
identificar algumas das componentes associadas a este estado, nomeadamente a vertente
cognitiva, associada ao seu constante pensamento negativo e catastrófico; as vertentes
emocional e fisiológica, sendo a primeira relacionada com o medo que sente aquando das
suas crises e do que será capaz de fazer a si mesma, e a segunda devido à tensão geral que diz
sentir no corpo e à respiração bastante acelerada durante as mesmas. Por fim, está também
presente a vertente comportamental, na medida em que MG tenta possuir o máximo de
controlo sobre o que a rodeia, especificamente quando menciona que se sente bem quando
tudo à sua volta está limpo e arrumado, quer seja a sua casa, quer o local de trabalho. Afirma
que não descansa “enquanto não estiver tudo limpo e arrumado”, e de facto pudemos
observar que a sua casa se encontra num estado exímio de limpeza e arrumação. Esta
constante necessidade remete-nos para uma possível Perturbação Ansiosa
Obsessivo-Compulsiva. MG utilizará esta obsessão pela limpeza e arrumação como forma de
obtenção de controlo sobre a sua vida, dado que nos seus momentos de grande crise não o
consegue fazer.
Em conclusão, a realização da entrevista e escrita do presente relatório tornou possível pôr
em prática conteúdos lecionados nas aulas teóricas e teórico-práticas. Considerámos uma
experiência muito enriquecedora, na medida em que exigiu uma reflexão acerca de vários
aspetos da psicologia, tais como as componentes do desenvolvimento humano, os
mecanismos de regulação emocional, e ainda o modo como os acontecimentos e o ambiente
contribuem para moldar a personalidade, além das variáveis já inerentes (tais como as
biológicas e hereditárias).

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