O relato de experiência refere-se a atendimento desenvolvido pelo estagio curricular da Faculdade Ciências da Vida. Trata-se de uma adolescente, identificada como T.H, 16 anos, solteira que reside com a mãe e um irmão. A cliente apresenta quadro de ansiedade intensa e automutilação. O sujeito que aqui se aborda será compreendido em sua totalidade, percebendo o seu quadro psicopatológico como forma de se apresentar/posicionar no mundo e de sua existência.
Sendo assim, T.H é uma adolescente pouco vaidosa, não demonstrando
ter cuidados com o corpo, nem investimento em aparência, estava vestida discretamente e comparecia aos atendimentos sempre vestida com blusa de frio, independente do clima. Conforme relatos, T.H sofria Bullying e sucessivamente apresentava problemas de relacionamento e no comportamento na escola. Os pais de T.H são separados, e ela não demonstra ter boa relação com o seu genitor, relatando fatos como agressões físicas entre ambos, e que suas únicas lembranças são de conflitos entre o seus pais.
Durante os atendimentos, fica evidente o trato da mãe da cliente
consigo, dizendo que não a considera bonita, “por ter traços de negro, gorda e cabelo ruim”. Além disso, é relatado sobre a preocupação da mãe quanto à orientação sexual de T.H, por considerar-se de uma família homofóbica.
Durante os atendimentos, inquietudes com o seu uso constante de blusa
de frio independente do clima surgiram, e em determinado momento, com o andamento do processo a cliente nos relatou sobre os cortes que fazia em seus braços.
É possível perceber uma cliente agressiva consigo e com os outros,
explosiva, assim o encontro, intimidade e empatia das estagiarias com a cliente foi essencial para que ela sentisse segura e acolhida para se abrir. Entretanto era tímida, apresentando dificuldade em seu convívio social, o que leva um fechamento em si, consequentemente tendo uma baixa autoestima, não acredita em sua potencialidade, o que leva a uma dificuldade ao expressar seus sentimentos, procurando outras estratégias de mostrar o que sente, como a automutilação, o que é experienciado pela cliente como uma forma de se posicionar no mundo diante o seus conflitos familiares, sociais, de sua orientação sexual e por não saber lidar com suas emoções. É preciso estar atento não apenas aos sinais clínicos, pois eles por si só, dizem muito pouco, é necessário compreender o sujeito como um todo, pois o sujeito é palavra e se encontra na linguagem.
Dessa maneira, T.H demonstra por meio do comportamento agressivo
ser uma pessoa forte, capaz de resolver seus problemas e de toda a sua família. Idealiza ser uma filha amada, mas devido ao sentimento de rejeição demonstrado pela mãe, o seu sentimento de inferioridade e rejeição consigo se afirma. T.H aceitou esse EU, mesmo que por meio de alguns comportamentos tentasse se libertar dele, sente-se culpada.
Quanto à agressividade e automulitação, T.H usa dessa experiência de
forma singular, que reforça seu SER para os outros, um ser que sempre está apresentando problemas, imperfeições, que sempre faz coisas erradas, sendo uma maneira de chamar a atenção para a dor que ela estava vivenciando, mas que naquele momento não sabia expressar em palavras, ou ainda não tinha encontrado alguém em que pudesse se abrir. Onde a dor dos cortes era menor do que a dor que sentia em sua existência.
Então é preciso perceber essas psicopatologias como algo que tem
finalidade, que tem um muito mais do que uma simples manifestação, é um ato de pedido de “socorro” do sujeito. É na vivencia do conflito de indecisão, de não acreditar e não poder SER, tende-se agir de maneira a aliviar a angustia, a dor, com isso desenvolve a ansiedade e automutilação.