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INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA

EM GESTALT TERAPIA DE GOIÂNIA


ITGT

TRABALHANDO COM A RAIVA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


Violet Oaklander, Ph. D. - Fita 02

O assunto desta fita é a “raiva” - o mais mal entendido dos sentimentos humanos. Por que eu falo
isso ? Em primeiro lugar, aquilo que parece ser raiva pode não ser, e vice- versa, aquilo que não parece ser
raiva, freqüentemente é. Em segundo lugar, a raiva tem uma má reputação. Fomos criados acreditando
que sentir raiva é ruim - que é errado, indesejável ter raiva, e tentamos evitar a raiva a qualquer custo.
Crianças aprendem bem rápido que raiva é perigoso. E muitas não aprendem maneiras saudáveis e
apropriadas para expressarem esta emoção tão normal, tão humana.
Raiva é na mais da maioria dos problemas que leva a criança e sua família fazerem terapia .
Nesta fita, eu trato raiva e a maneira que este sentimento relaciona-se com o self. Veremos como
as crianças manifestam raiva e as dificuldades que estas manifestações geram, os passos no processo
terapêutico em se trabalhar com raiva e técnicas para ajudar crianças expressar sua raiva em maneiras
saudáveis. Darei exemplos de trabalho com crianças, adolescentes e famílias.
Raiva e o reconhecimento do self caminham juntos e não podem ser separados, o self é diminuído
quando a raiva é inibida. A criança pequena pode parecer ter raiva quando, na verdade, está tentando
satisfazer as vontades dela, cuidar de si. A criança de 2 anos grita “Não!” quando a mãe coloca cenouras
no prato dela. Ela pode até jogá-las no chão. Ela mobiliza sua força para deixar bem clara sua vontade.
Nela falta experiência, habilidade com a linguagem para simplesmente dizer com calma: “Não, obrigada.
Hoje não quero cenouras”. Ela é vista como raivosa e a mãe, provavelmente, expressará sua não aceitação
e raiva. A criança responde sentindo que ela é má e fica confusa, com medo e com a raiva da mãe.
A criança em desenvolvimento adquire um conceito sobre si mesma e como comportar-se no
mundo, que vão afetá-la para o resto de sua vida. A maneira que os pais atendem às necessidades e
desejos e reagem em relação ao desenvolvimento das sensações, expressões corporais, emocionais e seu
intelecto afetam o seu auto-conceito.
Durante o período de desenvolvimento, muitas introjeções são assimiladas porque a criança ainda
não dominou a arte de cuspir ou rejeitar aquilo que é tóxico para ela. Aínda não sabe discriminar entre
aquilo que é verdadeiro sobre ela e o que não é. A criança se culpa por tudo que acontece, por cada evento
traumático da vida dela.
A supressão de emoções, especialmente raiva, está ligada com introjeções negativas. As emoções
da criança formam o “core” dela, o ser. Se os seus sentimentos não são válidos, ela também não se sente
validada. Quando as emoções dela não são levadas a sério, feito pouco caso, ridicularizados, atendidos
com raiva, ela sente-se profundamente rejeitada. Ela pode achar alguma maneira de expressar algumas
emoções buscando saúde, mas ela ainda guarda a idéia que ela é má. Ela não escolhe pensar assim, mas
surge esta mensagem. Desesperada, ela sente que não tem o direito de ter as emoções que ela sente, e
quando as sente, ela chega a acreditar que não tem direito de existir, especialmente desde que ela mesma
causa tanta preocupação para os pais e provoca a não-aceitação e raiva.
Quanto mais a criança absorve as mensagens negativas, mais ela tem a tendência de sentir a perda
do self . Ela interrompe o processo natural e constrói um processo próprio de crescimento. Ela nega os
sentimentos, contrai os músculos, deixa de ser expressiva e desliga sua mente.
O sentido de self fica difuso e ela começa a ter comportamentos que, pelo menos, demonstram que
está viva. Embora exista esta cena negra, no outro lado temos que lembrar o fato de que crianças têm uma
força de vida e crescimento, e farão qualquer coisa para vencer na tarefa de desenvolver.
Esta força de vida é positiva e luta contra o auto-conceito negativo, apesar de criar problemas para
as crianças em relação aos pais, professores e sociedade em geral. O organismo em busca de maneiras
saudáveis de crescimento faz suas próprias determinações sobre o funcionamento. Deixe que eu explique.
Crianças vibram com amor e aceitação. Bem novinho, quando ainda congruente, se o bebê expressar raiva

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em relação à mãe e encontrar desdenho ou rejeição da mãe, ela interpreta isso como a perda de amor, ela
aprende que a expressão de raiva é perigosa para ela. Ela tem que tomar medidas para se proteger do
sofrimento. Desde que sentir raiva é inaceitável, ela tem que decidir o que fazer quando sentir raiva.
Normalmente, ela decide interiorizar, abafar.
“Eu vou para o meu quarto até a raiva passar”, disse um menino de oito anos. Mas, a raiva não
expressa permanece dormente como uma pedra dentro da criança, interferindo no seu desenvolvimento
normal. O organismo não pára de procurar o equilíbrio, a homeostase. Um sentimento não expresso,
precisa surgir de alguma maneira para que o organismo sinta uma satisfação, um alívio, e para que o
organismo possa lidar com o próximo sentimento, e assim por diante no eterno ciclo do crescimento.
Assim, o organismo escolhe algum tipo de expressão dos sentimentos e emoções com ou sem a
colaboração ou conhecimento da criança na sua tentativa de alcançar o equilíbrio.
A criança e o organismo em si estão tentando se livrar deste sentimento. Normalmente, ambas
escolhem maneiras pouco saudáveis e ineficazes. Aqui, a experiência de um bebê em tentar se livrar do
sentimento de raiva: Sally chora na tentativa de ter atendidas suas necessidades. Os pais identificam o
problema sendo fralda molhada e trocam. Ela chora mais forte. Ela quer ficar nos braços deles.
Finalmente, a mãe a pega no colo e ela deixa de chorar . É um jogo de adivinhar a vontade dela, desde que
chorar é o principal meio de comunicação que ela tem em sua fase de vida. Daqui a alguns meses, as
maneiras de chorar, os tons e intensidade irão ajudar os pais a atender as necessidades numa maneira mais
apurada. Também, as expressões corporais e faciais irão mostrar melhor as suas necessidades. Na medida
que ela cresce, ela mesmo começa a perceber que as palavras são instrumentos úteis na busca de ter
atendidas as suas necessidades. Mas, o vocabulário dela ainda é restrito para tudo que ela quer expressar.
“Quero leite!”- é fácil. Expressar as emoções abstratas fica difícil. Ela pode gritar: “Eu te odeio!”, porque
não sabe explicar que ela fica incomodada quando a mãe fica no telefone. A mãe de Sally pode reagir ao
ouvir que a filha a odeia e gritar: “Não grite comigo!”. Sally fica confusa com as reações que ela ouve, vê,
ou sente. Mesmo uma mãe muito esclarecida pode demonstrar choque através da linguagem corporal ou
facial em ouvir a declaração da filha. Mesmo que Sally faça o melhor possível para expressar seus
sentimentos, ela se sente rejeitada, desaprovada e invalidada. Em outra hora, ela pode dizer “Pare!” para o
irmão que está beliscando-a e “Eu te mato!” quando o irmão continua a beliscá-la. Se o pai interfere com
a voz cheia de raiva: “Nunca mais faça assim!”, Sally resolve que para a sobrevivência dela é necessário
que ela lide com os sentimentos de uma outra forma. Ela começa a enterrar, a segurar, não expressar o que
ela sente e começa a sofrer dores de barriga.
Daqui para frente o processo se complica. Sally continua a sentir raiva, muito intensa e sente-se
culpada ou sofre ansiedade por ter sentido raiva. Na medida em que fica mais velha junta-se com o
sentido de culpa, sentimentos intensos de ressentimento, ou ansiedade que a deixam sentindo tão
vergonhosa e invalidada que o auto conceito murcha como uma flor. Ela se esforça para suprimir os
sentimentos de raiva. No entanto, o organismo quer se livrar dessa raiva e faz que num momento menos
esperado Sally exploda. O auto conceito diminuído luta para sobrevivência e ela rouba balas para sentir-se
melhor. Começa a ser complicado. A força de vida é tão forte na criança que ela busca constantemente
maneiras de sobreviver ao dilema. Embora ela não possua a capacidade de avaliar o que ela e o organismo
dela estão fazendo com os sentimentos de raiva que ela tem. Crianças expressam a sua raiva de uma série
de maneiras inapropriadas - maneiras perigosas, que as metem em encrencas e que não trazem uma
sensação de paz e satisfação. Certas crianças fazem retroflexão com a raiva como Sally. Retroflexão quer
dizer que você faz consigo aquilo que gostaria de fazer com a outra pessoa - direcionando a energia de
dentro para fora. A criança provoca em si mesma dores de barriga ou de cabeça, arranca os cabelos, bate
em si própria e assim por diante. Uma outra criança pode fazer um processo de deflexão com a sua raiva.
Ela acredita que não pode expressar seus sentimentos autênticos e depois de algum tempo ela mesmo
esquece o que ela sentia. Mesmo assim, a energia negativa permanece e precisa ser expressa. Têm
crianças que buscam expressão em bater em outras crianças. Bater dá um alívio, por isso ela bate mais.
Ela reclama, grita, joga culpa nos outros. Uma outra criança acha alívio fazendo “xixi” na cama ou
exercendo um controle e poder unicamente dela - segurando o funcionamento do intestino até que o
corpo, na necessidade de excretar elementos tóxicos, funciona em hora e local inapropriados.
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Têm crianças que projetam a raiva nos outros, imaginando que todos têm raiva delas ou que são as
outras pessoas que têm raiva e não elas mesmas. Uns têm pesadelos com monstros horrorosos, projeção
da raiva deles. Uns provocam incêndios na tentativa de se livrar da energia negativa ligada com a raiva ou
de sentir poder. Uns têm um grande medo do poder da energia interna. Elas se retraem, tornam-se
introvertidas, emburradas, distantes e frias.
Raiva tem efeitos negativos na sociedade. Talvez por ser a menos tolerada das emoções. A maior
parte dos sintomas que crianças sofrem e que eventualmente resultam na necessidade de terapia são
diretamente ligadas à raiva “suprimida”.
O comportamento que traz a criança para a terapia é aquele que eles têm usado para afirmar o self,
e alcançar um senso de poder num mundo onde sentem-se impotentes para expressar quem eles são e o
que eles sentem. O comportamento, embora inapropriado, é uma tentativa de sobrevivência - para manter
contato com o seu meio ambiente e atender suas necessidades. Este comportamento é um sinal da busca
do organismo para o equilíbrio. Muitas vezes se torna a maneira da criança agir neste mundo - seu
processo, seu padrão. Sem intervenção terapêutica esta maneira inapropriada de ser pode perturbar-lhe a
vida toda.
Uma cliente de quarenta anos lembra com clareza que com quatro anos ela deixou de falar, porque
parecia a ela que as perguntas dela deixavam a sua mãe com raiva. Ela se sentia indefesa, sem coragem de
expressar sua raiva em relação à resposta da mãe, e então deixou de falar, imaginando que assim a mãe
dela deixaria de ter raiva. Agora com quarenta anos, ela ainda acha dificuldade de falar com naturalidade.
Eu reconheço três fases em trabalhar com raiva em crianças: A primeira fase é a fase de “falar
sobre”. Muitas crianças estão tão anestesiadas que necessitam muito tempo em somente falar sobre
sentimentos. Elas estão completamente ignorantes das nuances e tendo experiência com várias formas e
descrições dos sentimentos, elas desenvolvem mecanismos
para expressá- los.
Raiva, por exemplo, pode ser uma leve irritação ou até mesmo fúria. Além de somente falar, pintar
a raiva utilizando cores, linhas, formas ... Batendo em um tambor para expressar várias formas de raiva é
uma boa maneira de envolver o corpo no processo. Podemos ler e contar estórias que contenham
expressões como: “Fale algo que irrita você.”; “O que lhe entristece?”; “Conte algo do seu pai que lhe dá
raiva.”, e assim por diante. Uma técnica bem sucedida é fazer listas. Podemos fazer listas do que as
crianças gostam e não gostam em relação à escola, ou comida que gostam e não gostam.
Gostaria de enfatizar a importância do trabalho com polaridades. A criança ou jovem fica com
medo ao perceber as contradições em si mesmo e na vida dela. Ela fica confusa em reconhecer o fato que
ela sente raiva ou ódio em relação a quem ama. Ela fica perplexa quando a pessoa que ela percebe como
forte e que a protege numa situação em que esta pessoa se torna fraca e impotente. É importante ajudar
crianças a entender que é permitido ter pensamentos mistos. Ela pode estar pulando de alegria porque o
ano letivo está findando e ainda sentir-se triste em saber que não vai encontrar as amigas de escola até
depois das férias. Ela pode ter raiva por ter recebido uma nota mais baixa que esperava.
Usamos o conceito de polaridade em vários exercícios para ajudar crianças a entender seus
próprios sentimentos. Posso pedir que a criança desenhe algo que a deixe com raiva ou que a deixe calma.
Posso pedir que faça um desenho abstrato com massa que mostre como o corpo dela sente quando ela tem
raiva e como o corpo fica quando está tranqüila.
Nesta fase de “falar sobre”, conversamos sobre raiva de um modo geral e sobre coisas que podem
nos fazer sentir raiva. Como raiva é sentida no corpo e o que a raiva faz a nível do corpo, como expressar
raiva, nosso processo de raiva.
Para achar maneiras mais apropriadas para expressar nossos sentimentos de raiva, precisamos ser
cientes de como estamos expressando tais sentimentos.
As crianças podem não saber se o seu comportamento é retroflexivo, projetivo ou deflectivo
quando expressam raiva, mas podem começar a compreender-se melhor. Por exemplo, eu pedi que um
grupo de pré- adolescentes de onze a doze anos falassem palavras que eles pensam em usar quando ficam
com raiva. Escrevi-as na lousa tudo o que eles gritaram. Descobrimos que havia palavras que foram
usadas para atingir outros, e outras para descrever sentimentos externos. Conversamos sobre as maneiras
de cada um tratar a raiva no seu interior e externamente. Pedi que eles fechassem os olhos para fazerem
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uns exercícios de relaxamento. Perguntei: “Que tipos de coisa te deixa com raiva ?”; “Pense em algo que
te dê ou deu raiva no passado”; “O que você faz? Você canaliza para dentro ou para fora?” . Eles
retrataram raiva no seu interior ou o que eles fazem quando têm raiva usando cores, linhas, formas,
símbolos. O processo de raiva fica retratada. Um rapaz desenhou um labirinto com os amigos no canto e
ele, sozinho, no centro. Quando surgiam brigas entre ele e os amigos, ele sentia-se só e não sabia como
fazer as pazes para voltar aos seus amigos.
Um outro rapaz fez rabiscos escuros em volta dos rostos dos pais. Ele falou que quando sentia
raiva deles ficava com medo do que ele seria capaz de fazer. Numa sessão individual, uma moça de
dezesseis anos desenhou uma coluna grossa e preta em volta de um círculo de cores amarelo e laranja. Ela
disse que quando sentia raiva, os sentimentos positivos ficavam aprisionados e ela não sabia como soltá-
los. O corpo dela também sentia-se preso, apertado.
A segunda fase de trabalho com raiva envolve dar para crianças mecanismos para
lidar com raiva. Crianças precisam de muitas sugestões sobre como se livrar de sentimentos de raiva para
que as emoções não se tornem nocivas e destrutivas. Adultos normalmente não aceitam, nem querem ver
raiva nas crianças. Crianças não aprendem expressar essa emoção que precisa tanto ser expressa. Antes de
poder expressar sua raiva de uma maneira saudável, a criança precisa passar por alguns passos principais:
Primeiramente, ela precisa estar ciente da sua raiva. Este é o primeiro passo para a criança sentir-
se forte e íntegra em vez de medrosa e com vontade de fugir, descarregando a raiva de maneiras indiretas
que possam prejudicar a própria criança ou prejudicar outras.
Em segundo lugar, preciso de ajudá-las aprender que a raiva é normal e natural. Algo que todos
sentem. A raiva é simplesmente raiva, e que não é boa nem má. E que a raiva é permitida, e que ela é uma
pessoa legal mesmo quando está com raiva. Eu preciso encorajar a criança aceitar, assumir sua raiva.
Em terceiro lugar, devo poder ajudá-la fazer uma opção consciente de como expressar raiva,
diretamente ou em particular, de alguma maneira, desde que a raiva seja expressa.
Finalmente, preciso dar para a criança mecanismos para expressar raiva diretamente, ou para
expressá-la em particular.
Expressar raiva diretamente não é fácil para crianças. Elas aprendem bem cedo expressar sua raiva
diretamente com força e voz bem alta. Isso traz rejeição, punições e outras consequências indesejáveis.
Um menino me falou: “Se eu fosse falar com o diretor da escola o que eu gostaria de falar, eu seria
expulso”. Em relação à raiva, crianças verdadeiramente são consideradas cidadãos de segunda classe.
Descobrindo que expressar raiva naturalmente cria muitos problemas, elas procuram outras maneiras para
auto expressão, maneiras que geralmente acabam causando problemas mais graves. Uma das tarefas da
terapêuta é ajudá-la neste dilema.
Trabalhar com toda a família e instruindo os pais a respeito da “raiva” são partes importantes
desse trabalho. Em sessões com a família, perguntamos para os pais como a família lida com a raiva. É
interessante ouvir os pontos de vista diferentes entre os membros da família. Cada membro, incluindo as
crianças, tem pontos de vista sobre tudo e cada ponto de vista é válido para aquela pessoa.
Frenquentemente, surge uma discussão animada por causa da minha pergunta.
Um exercício que eu faço em sessões com famílias é pedir que cada um, na sua vez, conte algo
que aprecia e gosta, e depois algo que não gosta ou irrita de cada membro da família. Muitas vezes um
membro tem dificuldade de pensar em algo que não gosta. As vezes, é a primeira vez que uma moça fica
sabendo de algo que o irmão gosta nela. Ou, eu reparo que uma criança não consegue falar o que ela não
gosta na mãe, ou no pai ou em ambos. Depois de algumas rodadas paramos para conversar sobre o que
acabou de acontecer. Eu apresento meu “feed-back” e cada pessoa apresenta sua reação ou reflete a
respeito do que foi falado. Ensaiar ser direto na expressão da raiva é importante para a família.
Frequentemente, a dinâmica familiar muda radicalmente depois desta experiência em terapia. Muito
material a ser trabalhado pode surgir.
Ellen, dezesseis anos, sofreu de bulimia, um problema que envolve comer excessivamente e
depois provocar vômito. Ela expressou sentimentos de raiva intensa e direta aos seus pais em uma sessão
com a família. Os pais ficaram chocados. Era uma família educada e carinhosa que evitava conflitos a
qualquer custo. Era como se uma casa bela fosse constuída em alicerces podres, escondidos da vista.
Começamos a desmascarar o que era
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podre e vê-lo e tratá-lo. Ellen parou de engasgar na raiva dela. Antes dessa sessão, algumas coisas
precisavam acontecer. Primeiro, os pais precisavam entender mais sobre a “raiva”, para entender os
efeitos nocivos de enterrá-la e especialmente entender como é difícil para as crianças expressar sua raiva.
Em segundo lugar, a criança precisa ganhar apoio antes de arriscar a expressar seus sentimentos
para com os pais durante a sessão. Antes de tudo isso, eu tinha que estabelecer um relacionamento com a
criança e com os pais. Sem boa vontade entre eles, e se os pais tornam-se defensivos, a patologia será
intensificada em vez de aliviada. É a minha responsabilidade construir tais relacionamentos. Ellen e eu
passamos várias sessões juntas antes da sessão que eu mencionei com os pais dela. Fizemos os passos que
eu citei em trabalhar a raiva dela.
Em primeiro lugar, Ellen não reconhecia a raiva que sentia. Ela categoricamente negou toda a
raiva contra todos. Duas sessões me chamaram a atenção. Em uma, Ellen fez uma boca grande com
muitos dentes, seguindo instruções para fazer algo, qualquer coisa, com os olhos fechados. Eu pedi para
ela se descrever com se fosse a boca que desenhou. Ela falou “Sou uma boca grande com grandes dentes”.
Eu perguntei o que ela seria capaz de fazer. Ela falou “Eu posso comer muito numa bocada, e mordo
muito.” Ellen riu e falou “As pessoas devem se cuidar, ou posso mordê-las” Perguntei se tinha algo ou
alguém que ela gostaria de morder. Ellen riu e falou que não conseguia pensar em nada. Eu perguntei se
algo que ela falou fez ela pensar na vida deles. Ela falou “Não, nada”.
“O que você falou sobre você mesmo sendo a boca me fez lembrar de algo” eu falei. Ela me olhou
interessada. “Faz-me lembrar porque você me procurou, comendo e vomitando” . “Como que aquilo que
eu falei te fez lembrar meu problema?” , ela me perguntou. “Bem, você falou que era capaz de comer
muito e morder.” , eu respondi. Ela ficou completamente surpresa, “Eu não acredito que eu falei aquilo e
fiz a boca grande”.
Numa outra sessão, ela fez monstros grandes de massa na caixa de areia, atacando figuras
pequenas. Descrevendo a cena, ela falou “Este monstro vai atacar o outro, esta cobra vai devorar a outra”.
Ela falou que os monstros estavam brigando porque tinham raiva uns dos outros. Depois de um tempo, eu
perguntei se a cena fez ela lembrar da vida dela. Ela falou “Não”. Eu apontei o uso da palavra “devorar”.
Ela ficou surpresa. “Eu não acredito que fiz aquilo”, ela disse. Eventualmente, Ellen começou a assumir a
raiva dela. Especialmente, em relação aos pais. Ela ficou apavorada só de pensar diretamente para eles o
que estava perturbando-a.
Mas, ela sentiu mais forte depois de algumas sessões e concordou em participar da sessão com a
família. Aquela sessão foi o ponto crucial para Ellen.
Crianças podem aprender a expressar sua raiva de uma maneira direta. Todd, quatro anos, foi
trazido pelos pais porque era severamente gago. Os pais eram divorciados e Todd morava metade da
semana com um e metade com o outro. Todd passou várias semanas brincando com a casa de bonecas,
criando estórias sobre famílias felizes e intactas. Ele me incluiu em uma dessas estórias, mandando-me
fazer o papel de uma personagem ou outra. De vez em quando, eu falava baixinho “Aposto que você
adoraria se sua família morasse junto que nem essa.” “Sim.” ele falava.
Uma vez ele brincou na caixa de areia com figuras de “Batman” e “Super Homem”. Eu peguei um
leão grande com dentes apontados da prateleira e ele gritou “Saia daqui!”. Depois de uns minutos, ele
falou “Peguei o leão!”. Eu peguei e falei “Eu espero que o Super Homem não bata em mim, antes que eu
possa pegá-lo.” . Quando me aproximei, ele
bateu levemente no leão com o Super Homem. Eu gritei “Oh! Ele me pegou.”. E deixei o leão cair no
chão. Todd falou “Faça de novo.”. Repetimos a cena várias vezes com as instruções que ele fornecia. Ele
não gaguejava nenhuma vez.
Numa outra sessão, Josh brincava com massa. Ele fez os pais e ele mesmo. Eu identifiquei os
personagens e pedi que ele falasse com o menino de massa para falar com o pai e a mãe algo que ele
gostava e que ele não gostava. Ele falou com a mãe “Eu não gosto quando você lê estória comigo.” ; com
o pai de massa, ele falou “Eu não gosto quando você grita comigo.”; “Eu gosto de passear com você e eu
não gosto quando você me deixa.”. Mais uma vez ele falou sem gaguejar.
Numa outra sessão, Josh (4 anos) descreveu um sonho que teve na noite anterior “Estava
dormindo na minha casa. Minha mãe e meu pai estiveram juntos. Eles me acordaram e me chutaram para
fora de casa na chuva. E estava chovendo muito. Um pássaro grande me pegou e me levou embora. O
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sonho me assustou e eu fiquei com medo”. Representamos o sonho inteiro na massa e Josh fez o papel de
cada figurante. Ele admitiu que não gostou do fato de os pais jogá-lo fora na chuva. Ele sentia raiva. Eu
perguntei como ele gostaria que o sonho acabasse. Ele falou que mataria o pássaro e ele esmagou-o com o
punho dele. Ele falou que ele voltaria para casa e os pais teriam remorso por tê-lo jogado fora da casa e
nunca mais faria coisa semelhante.
Eu falei baixinho “Você fica com raiva porque sua família não fica junta e você tem que passar de
uma casa para outra. Você deve ter a sensação que você está sendo jogado fora às vezes, que nem no seu
sonho.” “Sim.”, disse Josh.
Quando Josh finalmente conseguiu novamente falar diretamente com os pais numa sessão, as
coisas que deixavam ele com raiva, eu pedi que eles reservassem um tempinho toda noite em que Josh
pudesse falar aquilo que deixava ele com raiva.
A mudança em Josh foi marcante. Ele quase deixou de gaguejar. Os pais repararam que se ele
começava a gaguejar eles precisavam de perguntar o que estava irritando ele, ou prestar atenção sobre o
que estava acontecendo.
Existem situações em que crianças sentem raiva e sabem que não podem ter o direito de expressar
seus sentimentos de modo que não as prejudique. Como já comentei, primeiramente, a criança precisa
reconhecer sua raiva, saber que é raiva que ela sente. Ela tem que admitir para ela mesma que ela tem
raiva e assumir essa raiva. “Tenho raiva e tenho o direito de ter raiva.” . Aí ela pode escolher como
expressar essa raiva.
Se a criança não pode expressar sua raiva diretamente, existe outras maneiras de se livrar dessa
energia que a raiva gera. Ela pode escrever a respeito, fazer uma lista de palavras que expressam raiva,
desenhar, pintar,ou rascunhar sua raiva. Ela pode apertar ou esmagar massa ou “play dough”, ela pode
rasgar revistas e jornais velhos, chutar uma lata com o pé, pular, bater num travesseiro, bater na cama com
uma raquete de tênis, correr em volta do quarteirão, colocar o travesseiro na boca e gritar, gritar debaixo
do chuveiro. torcer uma toalha. Treinamos estas técnicas em meu consultório.
Às vezes, eu dava tarefas para as crianças - experimentar técnicas em casa e mostrar o relatório.
Uma moça de dezesseis anos tinha terríveis brigas com a mãe, onde ambas gritavam muito. Eu
pedi que ela anotasse cada briga para que eu soubesse a frequência das brigas. Ela me falou que depois
das brigas corria para o quarto para fazer a anotação no caderno que eu tinha dado a ela, e começou a
reparar que escrevendo, ajudava a acabar com a raiva dela.
Antes disso, as sensações de raiva ficavam acesas horas ou até dias.
Kevin de seis anos, retrofletia sua raiva machucando a ele mesmo ou destruindo seus pertences.
Ele não conseguia admitir que tinha raiva. Ele morava num “foster home” e o seu comportamento
reflexivo escondia emoções fortes (luto), tristeza e fúria porque foi abandonado. Kevin, sentindo apoio
através de nossas sessões, começamos a examinar as suas emoções. Ele já tinha estabelecido um processo
de raiva prejudicial, voltando a raiva para dentro dele. Foi necessário ajudar Kevin a descobrir seus
sentimentos profundos que ele tinha enterrado, e lidar numa maneira apropriada com emoções que
estavam aparecendo no dia a dia. Iniciamos com emoções recentes antes de trabalhar as mais profundas.
Um dia trabalhamos com massa; eu perguntei sobre as outras crianças na escola. O corpo dele endureceu,
assim como a voz, quando ele falou sobre um certo menino. Eu perguntei, com calma, se este menino
fazia Kevin sentir raiva as vezes. Como de costume, Kevin negou que sentisse raiva. Daí eu perguntei se o
menino fazia algo que Kevin não gostava, tendo notado que a expressão “Não gosta.” ameaça menos as
crianças que nem Kevin. São palavras mais aceitáveis do que raiva. Kevin disse sim, que o menino
atormentava ele as vezes. Eu perguntei o que ele fazia quando isso acontecia e ele não gostava. Ele
abaixou a cabeça e disse “Eu não sei.”. Eu fiz uma bola com a massa e falei “Faz de conta que o menino
está sentado nesta bolota de massa. O que você gostaria de fazer com ele?” “Eu não sei.” foi a resposta
típica de Kevin. Eu falei “Eu sei o que eu gostaria de falar. Eu não gosto quando você atormenta o meu
amigo. Isso me dá raiva.”. Kevin riu. Eu bati na massa e disse “Eu gostaria de bater em você por que você
atormenta o Kevin.”. Kevin riu mais. Eu pedi para ele experimentar e ele começou a bater na massa
timidamente. Comecei a bater junto com ele. Ele não parava de rir. Logo ele e eu estávamos conversando
com o adversário imaginário.
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Falei com Kevin que ele podia bater no travesseiro ou na cama dele quando sentisse raiva. A mãe
de Kevin disse que ele fazia exatamente isso depois da escola e que tinha parado de se machucar e
quebrar as coisas dele.
Os seis anos de Kevin tinham sido anos difíceis. Aluno fício deixaram marcas profundas nele. De
alguma forma, ele demonstrava a falta de vontade de viver - sentindo-se sem o direito de existir.
A força de sobrevivência estava furiosa e essa fúria deixou ele aterrorizado. Eu senti que
trabalhando com ele tinha possibilidade de ele adquirir ferramentas para lidar com os sentimentos que o
amedrontavam, como qualquer sensação de raiva fazia. Ele começou a desenvolver um auto-conceito
mais forte à medida que conseguíamos direcionar a agressividade dele para fora. Em cada sessão ele
trabalha no processo de como lidar com raiva na sua vida presente. Ele expressou raiva pouco a pouco, de
várias maneiras - com marionetes, com massa, contando estórias e cenas na caixa de areia. Ao mesmo
tempo que ele expressava sua raiva, ele sentia o meu apoio à pessoa dele, independente disso. Ele tornou-
se mais forte com cada declaração. Logo, conseguiu representar o abuso físico que ele sofreu com
bonecos de massa, bem como cenas de abandono. Muitas emoções relacionadas com esses episódios
emergiram pouco a pouco. Finalmente, Kevin tornou-se forte o suficiente para lidar com o seu auto-
conceito danificado numa maneira afetiva. Ele começou a aceitar si mesmo e aprendeu a cuidar de si com
carinho.
Expressão em pequenas doses é a essência da terapia com crianças. A criança entra
na terapia com resistência como o seu único aliado, a sua única maneira de se proteger.
Na medida em que a criança começa a confiar em mim e sentir-se mais forte, ela
pode escolher abrir-se, arriscar e ser mais vulnerável. Resistência sempre surge em terapia. A criança abre
um pouquinho e depois fecha. Cada processo de abertura é um progresso. É a maneira da criança dizer
agora chega - o resto vem depois - pouco a pouco.
Bill, nove anos, defletia a sua raiva. A escola dele o mandou para mim por causa do
comportamento agressivo dele - batendo, chutando, brigando no recreio e perturbando na sala de aula. O
pai dele era militar e sua família vivia se mudando. Bill nunca conseguiu terminar um ano na mesma
escola. Desde a primeira sessão com a família, era óbvio que a família inteira tinha problemas sérios. Eu
descobri que a irmãzinha dele, não presente nas sessões, sofria e fazia xixi na cama. O pai negava que
existia algum problema. A mãe era visivelmente depressiva.
Porque Bill criava o problema mais visível, foi ele o escolhido para fazer terapia. Os pais
recusavam terapia em família. Somente queriam que eu desse um jeito no Bill. Não recuso trabalhar com
criança. Mesmo que seja óbvio que a família inteira precise de terapia. Bill já tinha formado um sistema
de crença sobre ele mesmo e um processo de vida que era auto-debilitador. Se os pais se empenhassem
em fazer a terapia, eu estaria disposta ajudá-lo a se fortalecer o máximo possível. Na primeira sessão,
Billy ficou recolhido no cantinho do sofá. Enquanto os seus pais soltavam uma lista de queixas sobre ele.
É importante que a criança esteja presente neste primeira sessão para ouvir tudo que os pais querem me
contar.
É a minha hora de fazer contato com a criança para deixá-lo saber que embora esteja escutando os
pais, também tenho respeito pelo ponto de vista dele. Também me fornece oportunidade de mudar a
posição dele, que possivelmente veio forçado para a terapia, até uma posição de opção e responsabilidade
em frequentar as sessões.
Enquanto os pais falaram, eu fiz contato com Bill, frequentemente olhando diretamente para ele,
perguntado assim se ele concordava com as colocações deles. Ele levantou os ombros e disse: "Não sei".
Bom para ele, e continuamos. Passei cinco minutos sozinho com Billy no fim da sessão, contando para ele
um pouco da maneira com que eu trabalho com crianças e mostrando a ele meu escritório. Ele concordou
em voltar algumas vezes.
Na próxima sessão, a criança rebelde, entrou quietinho, sem palavras, corpo tenso, rosto tenso. Eu
vi ele olhar as tintas que estavam na mesa, e perguntei se ele gostaria de pintar um quadro, qualquer coisa
que desejava pintar. Ele concedeu, sentou e começou a pintar com grande concentração. Quando ele
terminou, me contou que na escola estava estudando sobre vulcões, e foi isso que ele pintou. Pedi que ele
me contasse mais. Ele falou que no quadro tinha um vulcão não ativo, dormente, com lava quente que não
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erupcionou ainda, mas que podia entrar em erupção. Apontou e descreveu a fumaça saindo do vulcão
dizendo que é necessário que o vulcão solte vapor.
Pedi para Billy ficar de pé e fazer de conta que ele fosse o vulcão. Pedi para ele me contar sobre
ele mesmo. Ele olhou meio perplexo, e eu disse “Faça de conta que o vulcão é que nem marionete e você
tem que ser a voz da marionete”, e comece falando assim: "Eu sou um vulcão." Quando fiz perguntas, ele
respondeu: "Eu tenho lava quente dentro de mim. Não rompi ainda, mas vou. Eu tenho fumaça, cinza
saindo de mim. Assim posso me aliviar. Eu falei com Billy : "Se você fosse um vulcão, se seu corpo fosse
o vulcão, onde estará a lava quente". Ele pensou, colocou a mão na barriga, e falou : "Aqui." "Billy," eu
falei calmamente, "O que será a lava quente para você, um menino?". Depois de pensar bem, Billy me
olhou com os olhos bem abertos e falou, "Raiva."
Nesa hora pedi para Billy pintar um quadro mostrando como a raiva dele, usando formas, cores e
linhas. Ele pintou um círculo vermelho e grande com várias cores no meio do círculo. Quando ele
terminou, eu escrevi a descrição do "circulo da raiva" dele enquanto ele me ditava incluindo as coisas que
deixava ele com raiva. "Isso é a raiva do Billy, dentro da barriga dele - vermelho, cinza, preto e
alaranjado. Eu fico com raiva quando minha irmã bagunça meu quarto, quando eu brigo com outros e
quando eu caio da minha bicicleta". Neste ponto, Billy não conseguiu lembrar mais nada. Ele abriu o
máximo que podia nesta sessão e se fechou atrás da sua parede de auto-proteção.
Nesta sessão, Billy não estava pronto para dar muita expressão a sua raiva, somente através da
pintura. Somente conseguia admitir a raiva superficialmente. Com cada sessão, Billy conseguiu assumir
mais e mais a sua raiva usando barro, cenas de areia, pinturas e marionetas.
Enquanto expressava a sua raiva, outras emoções surgiram - tristeza sobre a perda dos amigos com
cada mudança que a família fazia, medo de enfrentar novas situações e fazer novas amizades, sabendo que
teria que mudar de novo, desespero, solidão, a sensação de incapacidade e de culpa em relação a
depressão da mãe. Numa sessão, Billy fez um círculo de animais na caixa de areia. Um leão apareceu e
atacou os animais. "E se você fosse qual você seria?", “Sou o leão". "O que é que o leão tem que é
parecido c/ você?", eu perguntei. "Não sei". "Você as vezes gostaria de atacar que nem o leão? "Billy
respondeu, "Sim". "Quem você atacaria ?" "Colegas na escola que mexem comigo". "Billy, o que é que
você faz quando fica com raiva do seu pai?" Billy retraiu com medo. "Eu não fico com raiva dele porque
ele me bateria". "E a sua mãe?", eu perguntei. "As vezes ela grita comigo e eu grito também e ela conta
para meu pai."
Era fácil entender o dilema do Billy, na próxima sessão eu apresentei a idéia p/ Billy que raiva
precisava ser expressa. Experimentamos com algumas maneiras que ele pudesse fazer isso. Ele adorou
rasgar jornal e revistas velhas. Tenho que admitir que também gostei de ajudá-lo.
Depois de quatro meses de sessões, liguei para a escola para saber o que estava acontecendo c/
Billy. A professora diz que não tinha tido problema nenhum com Billy durante os dois meses, e presumia
que o problema dele era apenas uma fase que tinha passado.
As vezes tenho a oportunidade de trabalhar com a professora da criança, não freqüentemente.
Muitas pessoas não tem tempo nem disponibilidade. Se eu puder envolver todas as pessoas que fazem
parte do mundo da criança, meu trabalho se torna mais fácil.
A terceira fase no trabalho com a raiva da criança é numa tentativa de ajudá-la a descobrir e
expressar a raiva retida relacionada a algum trauma no passado, ou do presente, na segurança do ambiente
de terapia.
Esta raiva pode ser tão enterrada que a criança não reconhece que a tem. Mas por causa do
comportamento sintomático temos certeza que está tendo um efeito degradante no funcionamento
saudável da criança.
Esta raiva, normalmente se expressa em pequenas amostras. Crianças raramente têm uma "catarse"
que um adulto pode sentir. A força dos sentimentos emergindo assusta a criança. As vezes eu estou ciente
do trauma através da informação fornecida pelos pais.

Outras vezes, os desenhos e outro trabalhos da criança indicam para mim que algo aconteceu ou esta
acontecendo que é terrificante para esta criança. Reconheço a possibilidade de uma interpretação errônea
das projeções, embora que, o material apresentado indica que a criança precisa de ajuda em desenterrar
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algo. Se uma criança sofre com pesadelos, tem fobias, tortura animais ou no meu consultório ela ataca
barro com a faca, como numa criança fez repetidas vezes, se as pinturas e cenas na caixa de areia e
estórias ficam repletas de símbolos de horror, eu preciso de tomar nota disso. É provável que esta criança
tem sofrido algum trauma que ela enterrou até o ponto que ela não consegue lembrá-lo.
Crianças freqüentemente fragmentam numa tentativa de lidar com eventos traumáticos. Eles
realmente não lembram que aconteceu algo, mas o organismo, na sua busca para integração tenta se livrar
das emoções enterradas na criança. Se a criança tiver oportunidade de desenhar, representar ou modelar
massa numa sessão de terapia, as projeções mencionadas aparecerão.
Quando trabalhar com tais crianças, quero ajudá-las a expressar os sentimentos de raiva que são
projetados em monstros e símbolos de horror. Quero ajudá-las a assumir estes sentimentos para que elas
possam sentir sua própria energia e poder. As vezes, é difícil demais esperar que uma criança se lembre de
um evento traumático, especialmente se aconteceu numa fase pré-verbal. Embora a raiva fique de banho-
maria, eu preciso de ajudar a criança a assumir e soltar a raiva mesmo que não conseguimos identificá-la.
Um exemplo deste fenômeno é uma criança que eu atendi uns anos atrás exibindo manifestações
comportamentais que indicaram a presença de trauma severo. Embora, examinando a histeria dela não
consegui achar nada que apontava nenhum trauma na vida dela. Ela nunca esteve hospitalizada, nunca
mudou de casa, não sofreu a perda de nenhuma pessoa na família dela. Os pais eram pessoas carinhosas e
preocupadas e com um sistema familiar muito saudável. Mas, ela era severamente fóbica e sofreu com
pesadelos horríveis. Somente bem mais tarde descobrimos que ela tinha freqüentado um maternal onde
tinham levantado suspeita de molestação de crianças. Ela negou que alguém a tinha molestado. Em nossas
sessões ela desenhou, pintou, trabalhou com massa com grande interesse. Ela desenhou diabos e
monstros, e atacou a massa repetidamente com uma faca. Ela tinha uma vontade intensa de brincar com
areia muito molhada e com água. Depois de três meses de atividades deste tipo, todos os sintomas dela
desapareceram e ela tem uma vida equilibrada até hoje. Ela nunca conversou sobre a possível molestação
ou assumiu profundos sentimentos de raiva. Somente posso presumir que as atividades serviram como
catarse para ela, e que o trauma estava enterrado numa profundidade tal que ela não conseguiu trazer ao
consciente. Talvez em alguma época da vida dela ainda virá à superfície.
Num outro exemplo, um menino foi abusado fisicamente pelo pai, embora que não tem memória
do abuso. Ele tem vários sintomas que indicam a interrupção do saudável desenvolvimento orgânico dele.
Em nossas sessões, ele também brinca com areia muito molhada. A vontade de brincar assim parece
insaciável. Ele enche a caixa de areia até que eu tenho que falar: "Chega!", antes que a água transborde
para o chão. As estórias dele, as pinturas, e cenas na areia são cheias de símbolos de conflito e raiva. Os
pesadelos e outros sintomas acabaram, e estamos ainda trabalhando juntos desde que o trabalho dele
continue cheio de expressão.
Agora ele conseguiu expressar raiva numa maneira direta e apropriada. Ele vai bem na escola, com
amigos e em casa. Ele é feliz, realizado e cheio de energia positiva, embora que ele continua trabalhando
com esta tarefa inacabada embora que ele não conseguiu articular sobre o trauma dele.
Tenho certeza, baseado na experiência com outras crianças que em algum momento o trabalho
comigo mudará para um outro plano indicando que ele tem alcançado um platô, por enquanto.
As vezes a criança assume e articula sentimentos de raiva que estão bloqueados, e a integração
saudável acontece rapidamente.
Suzana, uma menina de onze anos, foi espancada severamente por um ladrão que entrou na casa
dela que estava destrancada. Ela acordou, o viu e começou a gritar. Ele a bateu até que ela calou. Na
terapia, Suzana não conseguiu sentir raiva. Ela conseguiu através de muitas técnicas expressivas admitir
seu medo e terror, mas a raiva nunca apareceu. Eu sabia que até que ela conseguir expressar a raiva, ela
continuaria sendo uma vítima por causa do ataque. Antes do ataque, conforme a mãe, Suzana sempre
expressava raiva abertamente e diretamente. Um dia, depois de três meses de sessões semanais com ela,
nos estávamos trabalhando com massa, eu peguei o martelo e pedi que Suzana batesse na massa. Eu falei,
"Faz de conta que você esta com raiva da massa e bate nela." Ela fez uma careta mas seguiu as instruções.
Eu disse, "Se você tivesse raiva de alguém, quem seria?" Ela respondeu, "Provavelmente aquele homem".
"Então, faz de conta que você esta batendo nele". Ela deixou o martelo cair na massa, apaticamente. "O
que você falaria se pudesse falar com ele?" Falaria assim, "Foi terrível aquilo que você fez. Mal, mal, ou
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algo assim". Eu pedi para Suzana repetir estas palavras e ela começou a bater na massa com mais raiva.
Ela começou a bater para valer. De repente, ela deixou o martelo cair e me olhou com olhar de espanto.
Calmamente perguntei. "O que foi Suzana?" Ela falou baixinho, "Não é ele que me dá raiva. Estou com
raiva da minha mãe porque ela deixou a porta destrancada aquela noite". Mesmo que a mãe dela tenha
perguntado repetidas vezes se ela tivesse raiva dela, Suzana sempre negou. Provavelmente tentando
proteger a mãe, que se sentia muito triste por causa da sua falha. Eu insisti que ela compartilhasse a raiva
dela com a mãe explicando pois, se não, sempre teria uma barreira entre elas. Somente depois que Suzana
compartilhar o sentimento comunicou a raiva para com a mãe que ela conseguiu expressar a raiva contra o
ladrão que a atacou.
Massa é um ótimo material para ajudar crianças a contactar, expressar e trabalhar sentimentos de
raiva que estão enterrados. Já que estes sentimentos estão dentro da criança dormente que nem pedras
pesadas, a criança precisa de ajuda. Gostaria de enfatizar que não é provável que estes sentimentos
sairiam em uma explosão , mas pouco a pouco. Crianças não tem o auto apoio para lidar com estes
sentimentos tudo de uma vez. Os sentimentos são fortes e aterrorizantes. Sendo aterrorizantes, as vezes
tenho que empurrar a criança um pouquinho na maneira que eu fiz com Suzana. Na mesma hora,
concentrando no problema de numa maneira leve, que não apresenta nenhuma ânsia.
Outro exemplo, é de uma criança que tinha sido abusado severamente pelo padrasto. Ela também
tinha dificuldade de expressar a sua raiva, dele ou de qualquer outra coisa. Um dia eu pedi que ela fizesse
uma figura de massa representando ele. Ela trabalhou muito tempo fazendo somente a cabeça dele.
Finalmente, pedi que ela falasse com a cabeça de
massa. Ela não conseguiu pensar em algo para dizer. Pedi a permissão dela para falar com ele. Eu falei:
"Não gosto do que você fez com minha amiga. Você me dá raiva." Ela riu, mas não conseguiu falar com
ele . Eu peguei o martelo e pedi para ela bater nele. Ela tremia com medo mas, deu uma martelada nele.
Imediatamente, ela mudou o assunto. Nas sessões seguintes, ela começou gradualmente e mais
abertamente a expressar a raiva dela em relação a ele. Enquanto isso, a aparência e postura dela mudou.
Uma criança tímida, retraída, chegou a ser uma moça forte, feliz e aberta.
Um outro menino de oito anos que eu atendi, defletiu a raiva dele da seguinte maneira: arrancando
as flores do jardim, torturando o gato e outras formas de comportamento destrutivo. Numa sessão
trabalhando com massa, ele fez muitas peças pequenas e disse:. "Perfeitos". Ele os colocou numa nave
espacial, feito de massa, e bateu a nave na mesa com toda a sua força. Ele repetiu o gesto durante muitas
sessões nunca assumindo os seus sentimentos de raiva. O pai dele que, de acordo com a mãe esperava
perfeição do filho, recusou a marcar horário comigo. Eu perguntei para Tommy se alguém do
conhecimento dele queria que ela fosse perfeito. Ela não conseguia lembrar de ninguém. Eu perguntei se o
pai as vezes queria que ele fosse perfeito. Ele levantou os ombros Eu falei, "Se meu pai quizesse que eu
fosse perfeito, eu ficaria com raiva". "Eu sei." ele falou. Depois disso, ele conseguiu identificar todos os
"Perfeitos" como representando seu pai e ele os esmagou dentro da nave espacial.
Já que o pai se recusava a marcar uma sessão comigo, eu insisti em falar com ele por telefone e dei
uma tarefa para ele: não fazer nenhuma crítica do filho por uma semana. O pai tomou uma posição
defensiva e negou que criticava o filho. Mas, quando eu calmamente expliquei o que uma criança pode
considerar ‘palavras críticas’, o pai chorou. Ele mesmo sofreu muitas críticas quando menino. Você pode
imaginar que depois daquele telefonema começamos a fazer progresso.
As vezes quando as crianças começam a expressar sua raiva, os pais ficam com medo que eu estou
ensinando a criança a como ter raiva , ou até como ser uma pessoa violenta, porque eu dou encorajamento
para as crianças bater em travesseiro, esmagar massa e coisas semelhantes. É importante instruir os pais
sobre o papel da raiva e o perigo da raiva não expressa. Precisamos ajudar crianças a passar pelos
períodos de raiva.
Nesta fita tenho mencionado trabalho com sentimentos de raiva com pessoas de várias idades e
com famílias. Não há grandes diferenças em trabalhar com crianças de idades diferentes. As mais novas
podem fazer mais trabalho ao nível simbólico, do que as crianças mais velhas que contam com mais
desenvolvimento no nível cognitivo e habilidades com linguagem. Na mesma hora, os mais novos são
bastante pragmáticos e conseguem entender e responder mais do que as pessoas imaginam. Embora que
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representam sua raiva usando monstros e animais ferozes, eles conseguem expressar seus próprios
sentimentos em maneiras concretas e não complicadas.
É importante ajudar os pais de crianças novas a entender o nível de desenvolvimento de cada
criança, e a arte de comunicação com crianças. A maioria das crianças, especialmente as mais novas
sentem pequenas e impotentes. Elas sentem frustradas e provocam brigas de poder. Uma birra não é
necessariamente uma demonstração de raiva mas, indica uma sensação de impotência. Quando crianças
começam a sentir mais controle e poder nas suas vidas dentro dos parâmetros de segurança elas se tornam
mais calmas e mais
fáceis com que lidar.
As vezes, numa sessão crianças novas passam a sessão toda me controlando e controlando a
sessão. Podendo fazer assim, ficam muito satisfeitas. Eu, freqüentemente sugiro que os pais fornecem
períodos assim em casa. Os adolescentes não são muito diferentes na sua busca p/ separação e poder. O
adolescente, simultaneamente a criança nova, está lutando para estabelecer o self. Quando um adolescente
pode ser direto e assistido em relação o que ele gosta e não gosta, as virtudes e as necessidades, quando a
raiva dele é aceito e respeitado, a tarefa dele de estabelecer a sua individualidade se torna mais fácil.
Os pais do adolescente precisam de orientação e apoio em relação a luta do filho para estabelecer o
self. Minha experiência confirma que a maioria dos adolescentes tem grande sabedoria. Eles ficam gratos
quando explico o processo da terapia e são dispostos e responsáveis em relação ao nosso trabalho. Eles
também gostam de utilizar as técnicas de proteção descritas que usamos para desenterrar sentimentos.
Freqüentemente, uso técnicas de proteção com famílias para observar dinâmicas familiares e fornecer um
meio para eles expressarem sentimentos um para com o outro. Passo por todas as fases de trabalho de
raiva nas sessões com famílias. Conversando sobre raiva, fornecendo oportunidades para expressar raiva
diretamente e simbolicamente, e procurando meios para a família expressar raivas enterradas. Um aspecto
adicional em trabalho com famílias e o efeito das experiências e do progresso de cada indivíduo na
família como um todo. Inclui a experiência dos pais com raiva quando eram crianças. Às vezes, peço para
todos desenhar algo que os causa raiva, pedindo que os pais busquem algo da sua infância. As crianças
ficam fascinadas em ouvir sobre estas raivas.
O trabalho com a raiva é como um espiral. Quando a criança sente apoio nas atividades usadas
para enlace, fortalece as sensações, o corpo e o self, ela pode expressar sentimentos de raiva. As
resistências surgem, e ela não consegue tolerar mais a expressão da raiva. Eu continuo dando apoio nos
trabalhos, e ela se expressa mais. Este processo continua até que a criança tem adquirido o nível de
integração e força para sustentar níveis mais altos de expressão. A espiral continua subindo até que o
organismo da criança assume o seu ritmo natural envolvendo tarefas de auto regulamento saudável.

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