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Curso: Psicologia

Professor:
Acadêmico/a:

RASERA, E. F. & FREITAS, E. C. A. A. Sentidos sobre a Ética para Psicólogos que


realizam práticas grupais. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 2 (2), 128 –
140. 2010.

P.128 – Rasera & Freitas (2010) apresentam diversas definições acerca da


palavra ética, explicitando assim que ao modo que a sociedade se desenvolvia, novas
concepções e definições acerca do que viria ser ética foram sendo construídas, isto é,
surgimento de novas atribuições de sentidos frente à palavra ética.
P. 129 – Uma das definições pontuada pelos autores Pelloso e Ferraz (2005)
citado por Rasera & Freitas (2010) diz respeito à compreensão acerca da “ética para
além de ações, na medida em que concebe-se como um movimento produtor da
subjetividade e da realidade psicossocial, realidade esta que se constitui pelo indivíduo e
suas interações sociais, econômicas, linguísticas e culturais” (RASERA & FREITAS,
2010, p. 129).
P. 129 – Deste modo, “A construção de um ser em toda a sua subjetividade e a
forma de reagir perante as situações sociais vão sendo possíveis por meio do
estabelecimento de diversos tipos de relações, as quais são definidas por uma ética
relacional, considerada como um elemento essencial na origem das relações (Depraz,
2005) citado por (RASERA & FREITAS, 2010, p. 129)”.
P. 129 – Ainda nesta perspectiva, os autores citam Gergen (1997) no qual
compreende que “somente quando as pessoas estão em relação é que elas podem
realizar uma ação moral, o que é possível por meio das narrativas partilhadas
socialmente, pois estas permitem situar os indivíduos diante das possibilidades de agir
eticamente”.
P. 129 – Já no que diz respeito ao meio profissional, “tradicionalmente a ética é
definida em uma perspectiva deontológica. Segundo Canãs-Quirós (1998), a
deontologia pode ser definida como um conjunto de comportamentos exigíveis dos
profissionais, especialmente quando tais comportamentos não são regulamentados
juridicamente; e ainda, como a ética profissional das obrigações práticas que têm como
base a ação livre da pessoa e o caráter moral” (RASERA & FREITAS, 2010, p. 129).
P. 129 – “Na prática grupal em contextos psicoterápicos, a conciliação entre
desejos individuais e práticas sociais gera, muitas vezes, uma série de questões éticas.
Gumpert e Black (2006) apresentam questões relativas à comunicação entre os
membros do grupo, especialmente em encontros fora do grupo; aos conflitos entre
interesses individuais e grupais; aos conflitos entre as normas e valores do grupo e da
sociedade; à saída antecipada de algum membro do grupo; à falta de sigilo de membros
do grupo; e à falta de democracia nas decisões. A preocupação com o sigilo é frequente
em diversos estudos, sendo concebida como ponto fundamental para que se possa
respeitar e proteger as informações trazidas durante a terapia de grupo (Pinney, 1996;
Lasky & Riva, 2006)”.
P. 129 – Diante deste contexto os autores pontuam que para tanto o sigilo quanto
qualquer outro dilema ético decorrente da prática grupal, passa ser fundamental que o
terapeuta de grupo apresenta apropriação dos fundamentos em terapia e
desenvolvimento grupal, assim como domínio das ferramentas éticas, sendo assim, os
autores pontuam que a concepção de ética “não pode ser concebida como algo dado,
mas construída por meio da prática diária” (RASERA & FREITAS, 2010, p. 129).
P. 130 – Para Rasera & Freitas (2010) apesar das contribuições de diversos
autores acerca do tema ética no contexto epistemológico e bibliográfico, verifica-se
certa lacuna quando se trata de estudos sobre questões éticas no contexto da atuação
profissional, ainda mais quando se refere a questões éticas no contexto grupal. Com isto,
de acordo com os autores o que se verifica é o predomínio de estudos voltados para o
contexto clínico na qual a questão ética surge atrelada a confidencialidade.
P. 130 – Todavia, “considerando as questões éticas apenas no contexto
organizacional, sem referenciar as práticas grupais, Monteiro, Santo e Bonacina (2005)
apontam o crescimento da preocupação sobre a ética e a moral nas empresas, a prática
comum de criação de um código de ética interno para direcionar as práticas na
organização e o fato da reflexão ética ajudar a manter a coesão organizacional diante
das exigências empresariais da modernidade, como a competitividade e eficiência”.
(RASERA & FREITAS, 2010, p. 130).
P. 130 – “A reflexão sobre os estudos apresentados nos convida a analisar a
relação entre os princípios éticos que sustentam o Código de Ética do Psicólogo e sua
relação com a prática grupal. Sabe-se que o Código de Ética do Psicólogo quase não
traz orientações voltadas para o contexto grupal. O Código é definido como um recurso
que vai além de um conjunto de normas a serem seguidas, ou seja, como um meio de
reflexão, considerando que o Código não prevê todas as situações que permeiam a
prática profissional, mas oferece direcionamentos para isto” (RASERA & FREITAS,
2010, p. 130).
P. 130 – Entretanto, verifica-se na prática segundo os autores que muitos
profissionais sentem-se desamparados e muitas vezes desqualificados para realização de
certos trabalhos relacionados às práticas grupais, visto que, ao se defrontarem com o
cotidiano passam a surgir uma série de questionamentos, dúvidas e indagações frente a
sua atuação, sendo assim, “a tarefa de tradução de tais orientações éticas gerais
presentes no Código para a prática grupal é, muitas vezes, feita de forma isolada e
situacional pelo profissional, dificultando o pleno exercício ético e reflexivo de seu
fazer” (RASERA & FREITAS, 2010, p. 130).
P. 131 – Nesses moldes, considerando a formação ética profissional, Rasera &
Freitas (2010) demonstram em seus estudos que de modo “quase unânime os
profissionais apontam falhas na formação acadêmica ressaltando assim, na ausência de
ligação entre teoria e prática”, deste modo, verifica-se apenas a formação teórica sobre
ética, obtida, por exemplo, em disciplinas de ética, havendo assim, uma não correlação
entre teoria e prática, mas sim uma focalização a conteúdos de cunho teórico. “Nesta
ocasião, pouco se relata sobre as posturas éticas exigidas pela prática de estágios. Tem-
se a impressão da utilização de uma descrição deontológica de ética, na medida em que
esta é percebida como um tratado que implica em um conjunto de deveres, princípios e
normas e que as situações que envolvem a ética são estáticas e imutáveis” (RASERA &
FREITAS, 2010, p. 131).
P. 139 – Sendo assim, os principais entendimentos decorrentes da análise
realizada pelos autores, apontam que “as formações profissionais não são específicas
para a coordenação de grupos, com isto, uma formação ética marcada por uma interação
entre condutas pessoais e profissionais. Por sua vez o sigilo é entendido e compreendido
como um princípio fundamental para a prática grupal, junto a isso, ocorre uma
separação entre a ética que se vive na prática e a ética do Código, favorecendo assim
uma exigência e compromisso ético maiores na condução de grupos”.
P. 139 – “Estes entendimentos incitam a reflexões sobre as dificuldades de se
falar sobre a ética no contexto profissional e a necessidade de construir um discurso
ético, especialmente, sobre a prática grupal. Por um lado, parece haver um
silenciamento discursivo sobre a ética que pode ser associado ao grande tabu que
existiu, e ainda existe, quando o assunto são as posturas éticas profissionais, fomentado
por uma certa cultura psicológica e profissional marcada por uma prática fechada em si
mesma, intimista, individualizante, elitista, que não precisa, e não deve, falar de si,
remetendo-se apenas aos sujeitos envolvidos. Uma implicação dessa cultura acaba
sendo o tratamento das questões éticas como referentes a uma dimensão privada que
apaga e desloca o âmbito político do debate ético, tanto em seus fundamentos sociais,
como na organização da vida em sociedade” (RASERA & FREITAS, 2010, p. 139).
P. 139 – “Por outro lado, esse silenciamento gera uma lacuna na descrição da
prática profissional e na experiência dos psicólogos. Nesse sentido, as dificuldades da
articulação de um discurso sobre a ética nas intervenções grupais parecem ser o efeito
ampliado de um impasse comum ao exercício profissional. Tal efeito é produzido por
certas formas de prática grupal que ameaçam a estabilidade daquela cultura psicológica,
aumentando o conjunto de atores e instituições envolvidos, trazendo diversidade,
diferença e questionamento e a necessidade de outros dizeres. Permanece, assim, o
desafio de construir um discurso que faça pensar a ética nos grupos” (RASERA &
FREITAS, 2010, p. 139).
P. 139 – Nesta perspectiva, passa ser fundamental o reconhecimento da
dimensão situacional, relacional e contextualizada da reflexão ética, haja vista que não
se trata educar psicólogos para melhores ações, pontuações e intervenções éticas, mas
sim, reconhecer à ética, isto é, articulando-a com a prática, com as ações, e com as
especificidades de seu contexto, bem como, “valorizar a flexibilidade e riqueza dos
princípios éticos oferecidos por um Código de Ética, que exige do profissional sua
interpretação para cada momento da relação com o outro, que não lhe dá uma segurança
apaziguadora e inquestionável, mas permite um exercício dialógico que faz a ética viver
em seu fazer profissional”.

Em síntese

Não é raro verificar o desenvolvimento e a consolidação de cursos de graduação


em psicologia cada vez mais com um direcionamento tecnicista, logo desprovido e
esvaziado de potência crítica, isto é, uma negação de saberes e discussões que
contemplam um olhar contextualizado, histórico, social, econômico e político.
Corroborando para apenas a formação profissional, e patrocinando certa mercantilização
do ensino e do saber, isto é, favorecendo para uma formação acrítica, fragmentada e
tecnicista.
Encontramo-nos inseridos em uma sociedade que visa o consumo, a busca pela
apropriação de bens nos diversos segmentos da vida, neste sentido, a educação por estar
inserida neste contexto, também passa a ser visualizada e compreendida como um bem a
ser consumido, isto é, torna-se mercadoria e deste modo, passa a ter um valor no
mercado. Na maioria das vezes, os estudantes passam a ser preparados para tal lógica, e
assim pautando-se suas práticas sob apenas os princípios do mercado, e não visando um
olhar crítico frente à realidade social.
Neste contexto como tem sido a prática de nós psicólogos e estudantes de
psicologia? Que implicações éticas são valorizadas? O discurso, a prática, as
intervenções estão pautadas no cuidado perante o outro? Deve-se entender o cuidado
como prática de relação consigo e com os outros, possibilitando assim uma ética como e
enquanto cuidado, entendido como uma construção em conjunto.
Como tem sido as leituras das questões sociais, do campo organizacional e do
trabalho? Da realidade que o circunda? Fazemos tais questionamentos não pela busca de
uma verdade, até mesmo, pois, sabe-se que não existe uma “verdade única e absoluta”,
entretanto, acreditamos que este exercício possibilita a nos interrogar sobre o nosso
lugar e o lugar do outro, e consequentemente como tem sido construído nossas práticas
e intervenções sejam estas no contexto clínico, escolar ou do trabalho.
Deste modo, acreditamos que passaria a ser imprescindível a desconstrução da
ideia de um código de ética como sendo a única ferramenta para nossas ações e
intervenções em contextos grupais ou individuais. Haja vista, que acreditamos que a
ética no contexto grupal não se concentra apenas como única ferramenta e somente ao
terapeuta (psicólogo/a), mas sim na relação entre terapeuta e grupo, ou terapeuta e
cliente.
Além disto, nossas narrativas produzem efeitos e estes efeitos muitas vezes estão
carregados da conotação sujeito-poder, cabe a nós em nossas práticas diante da
realidade social com suas contradições e crueza que nos afronta e nos exige
posicionamentos contextualizados, com um olhar não só para o indivíduo mas, também
para a classe de fatores que o cerca, sejam estas a organização/trabalho, família,
sociedade, e assim por diante. Exige de nos intervenções, posicionamentos, laudos,
pareceres e projetos de trabalhos que visam à ruptura do controle dos corpos, da
ideologia do diagnóstico, haja vista que estas ações produzem efeitos e
consequentemente marcam a subjetividade do outro.
Sabe-se que este processo não é fácil, mas pensamos que não podemos continuar
compactando com a estabilidade tradicional das práticas no contexto das organizações 1,

1
Práticas na qual não visualiza o trabalhador como apenas um executor de tarefas, resultando assim na
desconsideração de seus sentimentos, sofrimentos, ou seja, da sua fala.
sendo assim, acreditamos na construção de novas práticas e ações sejam elas em
contexto grupal ou individual.
Deste modo, pontuamos na necessidade de estarmos em constante
questionamento, isto é, nos perguntando: Que modos de viver estamos ajudando a
construir através de nossas ações e intervenções? Nossas práticas favorecem a exclusão
e discriminação? Ou a emancipação? Este exercício permiti-nos a compreender que por
mais que possamos executar trabalhos técnicos, ser funcionários exemplares de teorias e
de metodologias, todavia talvez possamos estar consolidando e compactuando com
modalidades competitivas, excludentes, racistas e sexistas.
Todos estes apontamentos e assim como os apontamentos realizados pelos
autores Rasera & Freitas (2010) possibilita o entendimento de que a ética não é externa
a nós, isto é, nossas práticas não são X e a ética Y, mas sim, é relação, substância, ou
seja, estão em constante relação e harmonia.

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