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Aula Sobre HDM - Modulo II - O Direito Colonial em Africa
Aula Sobre HDM - Modulo II - O Direito Colonial em Africa
LIÇÕES SUMÁRIAS
Fonte: 1. História Geral da África, VII. A África sob dominação colonial, 1880 –
1935, Coordenador do Volume: A. Adu Boahen, Comité Científico
Internacional para a Redacção de uma História Geral da África (UNESCO) –
Ática/UNESCO, página 44 e seguintes.
Enquadramento:
Terminado o estudo das matérias constantes do Modulo I, referentes ao Direito antes da colonização
portuguesa, no território que é hoje Moçambique iniciaremos assim o estudo do Modulo II que se
seguem conforme o Plano temático da nossa disciplina que nos trás conteúdos atinentes ao Direito,
no seu conceito global, durante o encontro do povo moçambicano com o regime colonial português.
O nosso objectivo com este módulo é trazer durante as nossas sessões de aulas os antecedentes
históricos do Direito positivo Moçambicano, por forma a compreender a história política e
institucional que serve de base de sustentação do Direito que hoje constitui o ordenamento jurídico
moçambicano e sobretudo a ideia de que nenhum Direito se acha isolado do resto do mundo.
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Doutor António Salomão Chipanga, PhD, Professor e Regente da Disciplina de História de Direito
Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
Muitos são os exemplos que podemos enunciar que provam que todos os povos buscam de outros
algo e desenvolvem em seu benefício, pois ninguém nasce a saber de tudo, daí a importante da
cooperação, troca de experiência, solidariedade e parceria que são valores que os povos, desde os
primeiros momentos da sua racionalidade souberam adoptar para a convivência sã, assente em
valores de tolerância, cultura da paz, dialogo, solidariedade, respeito mútuo, igualdade em todas as
circunstancias e oportunidades, não descriminação, em razão da cor, raça, lugar de nascimento,
filiação, religião, língua, opção política ou ideológica, estado civil, habilitações, posição
económica, social ou cultural, entre os Homens em sociedade, entendido este na sua globalidade.
Julgamos importante este módulo, porquanto, nos trás o percurso histórico e vicissitudes por que
passou o nosso Direito e fornece nos ainda os fundamentos e sobretudo as razões de ser e de estar
do nosso Direito hoje e particularmente a simbiose que sustenta a filosofia da construção do Direito
positivo e consuetudinário do nosso Pais, do nosso Estado, ou seja, os usos e costumes do nosso
povo em todo o território moçambicano e a necessidade de cada vez mais preservarmos os valores
culturais em que assenta a afirmação da nossa identidade cultural, as nossas tradições e demais
valores culturais da moçambicanidade que nos torna diferentes de outros povos do planeta terra.
No fim deste módulo esperámos que os estudantes que frequentam esta disciplina de História de
Direito Moçambicano no presente ano sejam capazes de entender e distinguir o que é genuinamente
moçambicano e o que é importado e de que Direito estadual o sistema jurídico recebeu e assim
saber de que forma deve interpretar e aplicar, em cada caso.
Para o efeito mostra-se pertinente que seja identificado o que estuda a disciplina de História de
Direito Moçambicano como parte da História Geral ou Universal dos Povos e qual é o seu objecto:
O objecto da disciplina de História de Direito Moçambicano não é apenas uma mera descrição dos
factos do passado, mas é sobretudo a sistematização dos factos jurídicos relevantes que do passado
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nos esclarece o estágio actual do Direito e nos permite perspectivar a evolução do Direito
Moçambicano.
a) Pré-colonial, que se inicia com a ocupação e sedentarização dos povos bantus do território
que hoje se chama Moçambique, isto é, desde as origens dos povos de Moçambique até a
chegada e dominação política e administrativa colonial portuguesa com a derrota militar dos
reinos dos povos de Moçambique, durante o qual os povos regiam-se do Direito
consuetudinário;
b) Da dominação colonial que decorre de 1498 até 25 de Junho de 1975. Durante este período
o povo moçambicano rege-se por um Direito dualista que compreende o direito
consuetudinário e o Direito colonial português imposto pelo regime colonial português;
O estudo da História do Direito moçambicano habilita nos ainda a perceber a origem, a evolução e
o modo de revelação do Direito até à actualidade da sociedade política e suas instituições e concorre
para capacitar o estudante a analisar e compreender os fundamentos teóricos e doutrinários do
Direito Moçambicano e da influência material e formal do Direito anterior ao Direito actualmente
vigente, cujo domínio é necessário para a compreensão dos regimes jurídicos dos diferentes ramos
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do Direito interno, tanto público como privado, sobretudo a sua interpretação e aplicação no tempo
e no espaço.
Comecemos então o nosso tema com os conteúdos sobre a ocupação do continente africano pelas
potências europeias, para entender que a conquista, dominação e colonização do continente
africano não é uma acção isolada de um País europeu, como é o caso de Portugal em relação ao
território moçambicano, mas sim uma estratégia política, económica, social e cultural global do
Imperialismo com sede na Europa, daí a adopção de uma política, estratégia e métodos comuns de
actuação por parte de todos os países colonizadores sobre os territórios africanos ocupados sem
consentimento dos respectivos povos.
O planeta terra compreende cinco continentes a saber: Europa, América, Austrália, Ásia e África.
Dos cinco continentes, o continente de África foi o último a ser invadido, ocupado e dominado
pelas potenciais europeias.
Do continente africano todos os países que o compõem foram dominados e colonizados pelas
potências colonias europeias, excepto a Libéria, fundada em 1847, por antigos escravos oriundos
dos Estados Unidos da América e até hoje, o Estado mantém o Direito com características norte-
americanas, como sendo o seu sistema jurídico.
A Etiópia foi o que menos tempo de colonização europeia foi submetida e a potência colonizadora
foi a Itália, considerando que foi de 1935 a 1941, ou seja, seis anos sob dominação italiana.
1. Teorias económicas;
2. Teorias psicológicas;
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3. Teorias diplomáticas;
4. Teorias da dimensão de África.
Assim, vamos sumariamente descortinar cada uma das teorias ora anunciadas, sem prejuízo de
outros pontos de vista que justificam a ocupação europeia do continente africano. Cada uma das
teorias deve ser entendida como sendo um ponto de vista e não uma verdade absoluta dos factos
apresentados.
1 – Teoria Económica
Para ele, estava aí “a raiz econômica do imperialismo”. Embora admitindo que forças de carácter
não-econômica desempenharam certo papel na expansão imperialista, Hobson estava convicto de
que,
“mesmo que um estadista ambicioso, um negociante empreendedor pudesse sugerir ou até
iniciar uma nova etapa da expansão imperialista, ou contribuir para sensibilizar a opinião pública
História Geral da África, VII. A África sob dominação colonial, 1880 – 1935, Coordenador do Volume: A. Adu
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Boahen, Comité Científico Internacional para a Redacção de uma História Geral da África (UNESCO) –
Ática/UNESCO, página 44.
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de sua pátria no sentido da urgente necessidade de novas conquistas, a decisão final ficaria com o
poder financeiro”.
Adotando livremente as teses centrais dos social-democratas alemães, assim como Hobson,
V.I.Lênin salientava que o novo imperialismo caracterizava-se pela transição de um capitalismo de
orientação “pré-monopolista”, “no qual predomina a livre concorrência”, para o estágio do
capitalismo monopolista “intimamente ligado à intensificação da luta pela partilha do mundo”
Assim, a superprodução e o excedente de capital, por sua vez, exigiu ou impusera ao sistema
capitalista uma nova estratégia para a comercialização dos seus produtos excedentários o que exigiu
dos proprietários a política da expansão do capital excedentário acumulado para as zonas ou regiões
onde se mostrava insuficiente ou inexistente o que levou o capitalismo a transformar-se em sistema
imperialista, pois a sua principal preocupação era cada vez mais o lucro e a mão-de-obra barata.
Para os teorizantes desta escola, as potências coloniais europeias invadem e ocupam a África com
objectivos economicistas, com a finalidade de expandir o seu mercado nacional e dominar novas
regiões para o desenvolvimento da sua indústria e do comércio resultante.
Por isso, concluem os pensadores na base desta teoria que a invasão e ocupação do continente
africano deve-se a procura da matéria-prima e de novos mercados para a comercialização dos
produtos excedentários do mercado da sua origem.
2 - Teorias Psicológicas
Estas teorias assentam no que comumente se classifica de Darwinismo social, cristianismo
evangélico e ativismo social.
Segundo os defensores destas teorias pela sua ordem de apresentação defendem o seguinte:
2.1. Darwinismo social
A obra de Darwin, sob o título A origem das espécies por meio da selecção natural, ou a conservação
das raças favorecidas na luta pela vida, publicada em Inglês em Novembro de 1859.
A descoberta de Darwin serviu de fundamento de grande suporte científico aos partidários da
supremacia da raça branca em relação a raça negra.
Para os defensores desta teoria a conquista do que eles chamavam de “raças sujeitas”, ou “raças
não evoluídas”, pela “raça superior”, decorrente de um processo inelutável da “selecção
natural”, em que o forte domina o fraco na luta pela existência.
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Desta feita, os defensores desta corrente pretendem afirmar que os Homens de raça europeia são
superiores aos Homens de raça negra do continente africano, daí que na luta pela sobrevivência
prevaleceram os Homens de raça europeia, por estes serem mais fortes que os africanos.
Por oposição ao Darwinismo social surgem a teoria do Cristianismo evangélico que se contrapõe
a supremacia racial.
Segundo esta teoria a partilha de África pelas potenciais europeias se deve a um impulso
“missionário”, em sentido lato, e humanitário, com objectivo de “regenerar” os povos africanos.
O que se pode afirmar como facto irrefutável é que os missionários na verdade foram dos primeiros
homens europeus depois das viagem marítimas designadas de descobertas de caminhos marítimos
a chegarem a vários territórios africanos e pregarem e evangelizar os povos africanos, mostrando-
lhes fé cristã por meio da palavra bíblica e desta forma, os africanos foram sendo baptizados e
atribuídos nomes dos Santos e outros da religião cristã e em troca o imperialismo ocupou as terras
e os africanos ficaram com a Bíblia e a palavra de Deus e eles com as terras e recursos naturais
existentes no continente africano.
No seu raciocínio defende que se trata de um desejo natural do homem: dominar o próximo pelo
prazer de dominá-lo. Essa pulsão agressiva inata seria comandada pelo desejo de apropriação,
próprio do ser humano. O imperialismo seria portanto, um egoísmo nacional colectivo: “a
disposição, desprovida de objectivos que um Estado manifesta de expandir-se ilimitadamente pela
força” para outras terras até então alheias.
O novo imperialismo, por conseguinte, seria de carácter atávico, que quer dizer, manifestaria uma
regressão aos instintos políticos e sociais primitivos do Homem, que talvez se justificassem em
tempos antigos, mas certamente não no mundo moderno.
3 – Teorias Diplomáticas
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Trata-se de teorias que suportam as teorias psicológicas e assentam em factores de natureza política
que justificam a ocupação e partilha de África pelos europeus, com base no egoísmo nacional de
cada Estado invasor decorrente de conflitos militares com outras potencias e na tentativa de
demonstrar a comunidade internacional a sua valentia e a defesa da sua honra em face de avanço
ou superioridade militar de uma outra potencia europeia teriam optado por atacar o continente
africano com objectivos de mostrar a sua superioridade e intimidar os seus inimigos ocupando os
territórios africanos e, tais teorias têm em consideração três factores, designadamente:
A luta entre as grandes potências de então e a procura cada vez mais do prestígio internacional
sobre as demais nações, levou que a Inglaterra, a França, a Espanha e outras potências
colonizadoras, cada uma delas quisesse demonstrar à outra o seu poder político, a sua posição
suprema e a sua influência na comunidade internacional, por um lado e, por outro compensar os
danos morais decorridos de uma ou de outra perda, por exemplo a França procurava compensar as
perdas na Europa por conquistas em África, a Inglaterra as perdas sofridas na guerra com as treze
colonias britânicas nas terras na América, com as conquistas das terras em África.
Esta teoria no essencial refuta as teorias económicas, pois defende que a invasão a África se deve a
tentativa de demonstrar a superioridade e recuperar o prestígio nacional e moralizar os seus
militares e os cidadãos nacionais em geral.
3.2.Equilíbrio de Força
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Desta feita, cada nação europeia, nos territórios africanos apresentava e demonstrava o seu poderio
e capacidade militar no campo de batalha, o que em parte representava uma forma de intimidação,
criando desse modo reservas a outra nação e assim, levando-o a abster-se de mover qualquer ataque.
Os factores que em seguida são enumeradas são de entre os vários aqueles que terão concorrido
para facilitar a conquista e dominação europeia aos povos, Governos e Estados africanos.
1 – Factores Socioculturais:
a) Presença dos missionários antes da penetração dos Estados e dominação dos respectivos
povos. Os missionários jogaram um papel preponderante no processo da conquista e
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dominação dos povos, porquanto, eles chegaram antes e assim tiveram oportunidade de
estabelecer contacto físico com as populações e assim, tiveram acesso as condições de
terreno, a economia e recursos existentes e sua localização, a força e debilidade do Governo
e das contradições ou conflitos entre os membros dos órgãos do Estado em cada território
africano, as ambições pessoais e fraquezas das lideranças.
b) Descoberta de vacinas contra malária e outras doenças típicas do continente africano,
constitui um factor de manutenção da presença europeia em África;
c) Existência de grupos étnicos culturais fortemente divididos por tribos ou etnias no seio das
comunidades e Estados Africanos;
d) Conflitos étnicos;
e) Complexo de inferioridade em relação aos europeus;
f) Analfabetismo acentuado entre as populações e dirigentes dos Estados africanos.
2 – Factores Político-Militares:
a) Falta de unidade e coesão dos povos e dos governos africanos. Em contrapartida, os países
europeus, apesar de rivalidades entre si, por motivos económicos e outros, conseguiram
manter um espirito de solidariedade, não se deixando abalar, prevenindo todas as situações
que poderiam concorrer para uma guerra entre si. Apostaram sempre no diálogo político,
económico e militar culminando com acordos e concessões como medidas para prevenir e
ultrapassar conflitos e no apoio mútuo em todas as situações de ataques por parte dos
africanos ou de outros povos hostis;
b) Inferioridade militar, decorrente de desgaste moral e físico dos militares africanos devido a
lutas intestinais;
c) Superioridade logística e militar dos exércitos europeus;
d) Conflitos étnicos entre as diferentes tribos decorrentes de conquista de mais terras e escravos
para sustentarem o funcionamento do Estado e dos dirigentes da sociedade e do Estado;
e) Traição entre os africanos – alguns membros ou tribos não hesitavam em aliar-se ao exército
estrangeiro para atacar o exército dos Estados africanos, apoiando a invasão do seu próprio
território ou seus vizinhos, por rivalidades decorrentes de interesses particulares;
f) Uso dos próprios africanos pelos europeus para engrossar as fileiras do exército estrangeiro
na ocupação de África;
g) Falta de unidade, solidariedade e cooperação entre os povos africanos, fazendo com que a
maior parte das incursos militares desencadeadas pelos exércitos estrangeiros resultassem
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3 – Factores Económicos:
a) Incapacidade económica de sustentar uma máquina de guerra prolongada com Estado
europeu fortemente armado e com uma indústria capaz de alimentar a aquisição de mais
material de guerra e de sustentar a capacidade física e moral dos soldados
b) Existência de recursos naturais cobiçados pela indústria europeia;
c) Posição e localização geográfica privilegiada dos territórios de africa em especial as
localizadas ao longo do mar e com rios navegáveis para o desenvolvimento do comercio
entre os diferentes povos africanos e outros;
d) Existência de mão-de-obra barata transformada em escravos, resultantes de guerras internas
e étnicas tribais;
e) Potencialidades económicas;
f) Contratos comerciais celebrados com os Chefes de Estado e de Governos Africanos;
g) Fraco desenvolvimento tecnológico.
i) Inferioridade do equipamento militar, porquanto, nos termos da Convenção de Bruxelas de
1890, não era permitido a venda de equipamento militar aos africanos, colocando os estados
africanos na condição de lutar com um exército altamente equipado, usando equipamento
obsoletos e por vezes fora de uso ou sem munições.
j) Contratos políticos que atentam contra a soberania do Estado;
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Foram participantes da Conferência de Berlim, os países europeus que à data muitos deles estavam
em colaboração, tais como o Reino Unido da Grã-Bretanha, a França, Portugal, Noruega, a Bélgica,
os Países Baixos, a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Espanha, a Dinamarca, a Itália, Rússia, Império
Otomano e os Estados Unidos, tendo sido convocada pelo Chanceler Bismarck, depois de consultas
as potências europeias de então, com os seguintes objectivos:
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A Conferência de Berlim, cujas negociações foram sendo realizadas em secreto, termina com o
seguinte:
Por força desta decisão o ocupante de qualquer território costeiro devia estar igualmente em
condições de provar que exercia “autoridade” política e administrativa bastante sobre o território
que reclama estar na sua posse, para fazer respeitar os direitos adquiridos, a liberdade de comércio
e de trânsito nas condições estabelecidas pela conferência.
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Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra – II, Edição revista e actualizada pelo autor, 2.ª edição, Publicações
Europa-América, Portugal, 1991, página 67 e 68.
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Os povos e respectivos governos africanos que ofereceram resistência a esta via de penetração
europeia, as potências invasoras, reagiram com recurso ao uso das suas forças armadas,
promovendo desse modo a invasão militar, com recurso à violência para obrigar a rendição dos
respectivos governos.
Os europeus, porque já antes vinham fazendo a exploração dos locais ambicionados, detinham um
conjunto de informações estratégicas para o domínio das populações e dos governos, através de
missionários que já antes tinham chegada e iniciado a exploração das terras e contacto permanente
com os respectivos povos se dedicavam à pregação da fé cristã e dos comerciantes que procediam
a trocas comerciais com os povos africanos e dos agentes de navegação marítima que ao serviço do
Estado de origem celebraram acordos no quadro de uma acção e estratégia política e diplomática
global, com os governos dos Estados africanos.
A derrota militar e política dos Estados africanos deu espaço á ocupação efectiva dos seus
territórios.
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Terminada a Conferência de Berlim que deu luz verde as potenciais europeias para conquistarem,
e provarem a ocupação efectiva dos territórios africanos que reivindicavam lançaram-se as guerras
de conquista em todas as regiões do continente, marcando a sua presença física, através da
implantação de uma administração colonial que se baseou em algumas ideias e crenças comuns
sobre a “política indígena”.
Entendendo-se que a expressão “política indígena” correspondia a inúmeras definições diferentes
na administração dos “indígenas” – termo geralmente empregado para designar os africanos, ou
seja, indivíduos de raça ou negra, nascidos de pai e mãe negro - , “também se admitia, tanto em
teoria como na prática, que o poder colonial não estaria efectivamente assegurado senão com ajuda
do pessoal e das instituições autóctones, desempenhando uma função complementar ou auxiliar3”
“Consequentemente, de acordo com a ideologia imperialista da época, a finalidade da presença
europeia definia-se em termos de responsabilidade ou de tutela. O informe oficial do governo
britânico, expedido no Quénia em 1923, declarava: “O governo de Sua Majestade considera-se
exercendo, por conta das populações africanas, uma tutela […] cujo objetivo pode ser definido
como a protecção e o progresso das raças indígenas … “. No Célebre estudo La mise em valeur des
colonies francaises.. Albert Sarraut, Ministro francês das colónias, escrevia a propósito da França:
“O único direito que ela quer conhecer é o direito de o mais forte proteger o mais fraco”.
Ambas as declarações evocam esse estado de espírito paternalista, em relação à África colonial, de
que o pensamento europeu se havia inteiramente impregnado e que simultaneamente
internacionalizado e institucionalizado com o sistema de mandatos criado pela Liga das Nações
após a Primeira Guerra Mundial. Como proclamava o artigo 22 do Pacto da Sociedade das Nações,
o empreendimento colonial, sobretudo na África, passaria a ser promovido em nome de uma ideal
superior de civilização e convinha “confiar a tutela desses povos {as populações coloniais} às
nações desenvolvidas”.
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História Geral da África, VII. A África sob dominação colonial, 1880 – 1935, Coordenador do Volume: A. Adu
Boahen, Comité Científico Internacional para a Redacção de uma História Geral da África (UNESCO) –
Ática/UNESCO, página 323.
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Subjacente a essa retórica transparência mais uma vez o sentimento de superioridade cultural e
racial que se formara nos seculos XVIII e XIX e que se expressava na qualificação de “crianças
grandes” ou “não-adultos” aplicada aos africanos. A denominação europeia, que exigia essa
condição social imaginaria, supunha perdurar por muito tempo, prolongando indefinidamente a
colonização da África”.
Vide o texto em PDF - 13, de Raymond F. Betts (Revisão de M. Asiwaju), com Título A
dominação europeia: métodos e instituições
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Segue a matéria sobre a consagração formal do Direito Português no território de
Moçambique:
A ocupação e dominação Portuguesa do território moçambicano e a introdução do Direito
Português - Constituição Portuguesa de 23 de Setembro de 1822
Foi no reinado de D. Manuel I, que governou Portugal, entre 1495 a 1521, sendo este o décimo
quarto Rei de Portugal que se concretizou o grande sonho do Infante D. Henrique, Grão-Mestre da
Ordem de Cristo e de D. João II, que Portugal reúne homens e dinheiro e lança-se na preparação da
empresa que se ocuparia da navegação marítima cujo sucesso deveu-se a inquéritos realizados,
através de espionagens, estudos de geografia, de astronomia, de cartografia e de matemática,
contando para o efeito com esforço de capitães e dedicação dos marinheiros.
Os descobrimentos do caminho marítimo para a India, cuja motivação era de ordem religiosa, de
ordem política, de ordem científica e de ordem económica, começam com Porto Santo e a Madeira
e depois os Açores.
Portugal, na época em que se desenvolve a actividade de navegação tinha interesse em lançar-se na
propagação da fé cristã e contribuir para o alargamento para o cristianismo com a conversão dos
seguidores do Islamismo, que eram qualificados de infiéis.
Politicamente Portugal pretendia desenvolver a sua defesa, proteger a sua soberania e integridade
territorial contra a ameaça muçulmana e desalojar os piratas do mar que tornava difícil a actividade
dos marinheiros portugueses.
O aprofundamento do conhecimento da ciência e da técnica era outro objectivo de Portugal na
época em que se lança no mar e realiza os descobrimentos.
Finalmente, Portugal tinha interesse de ordem económica que se traduzia na necessidade de
controlo do comércio que até então era do monopólio asiático.
Nos interesses portugueses de ordem económica, enquadra-se a viagem de Vasco da Gama,
nomeado capitão-mor pelo Rei D. Manuel I, para dirigir a armada para a Índia, que parte de Lisboa
em 8 de Julho de 1497, dirigindo uma armada composta por quatro navios: “S. Gabriel”, “S. Rafael”
e “Bérrio”, tendo o quarto sido abandonado no caminho e todos estes navios haviam sido preparados
no reinado de D. João II e chega a costa do território hoje chamado Estado Moçambicano, em
Janeiro de 1498.
Vasco da Gama foi confiada a missão de dirigir a armada, pelo Rei por se reconhecer nele
capacidades, não apenas de capitão-mor, mas também de seu embaixador. Ele era fidalgo da casa
real e comendador da Ordem de Santiago, sendo este, o homem mais apto daquele tempo para poder
cumprir a missão tão difícil e delicado, na qual o Rei Manuel I havia investido muito dinheiro.
A armada de Vasco da Gama dirige-se à Índia a busca de especiarias que se tornava raras e muito
caras, tais como canela, gengibre, cravo e pimenta, cujo preço de compra nos venezianos na Europa
incluindo em Portugal era muito elevado devido as dificuldades do seu transporte e distribuição.
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Desta feita, foi a partir do século XV que se regista a chegada e influência na costa oriental de
África, na área que hoje corresponde ao território de Moçambique, a presença de navegadores
vindos da europa, particularmente os de nacionalidade portuguesa.
O próspero comércio de ouro e de marfim que os portugueses encontraram na região que se
desenvolvia entre os povos então habitantes com os mercadores asiáticos, principalmente árabes,
indianos, chineses e indonésios, atraiu a atenção dos portugueses que de imediato pretenderam, por
sua vez, tomarem parte activa nessa actividade4.
Em 1505 é criado o vice-reinado da Índia e são construídas as fortalezas de Sofala, no mesmo ano
de 1505, na ilha de Moçambique, em 1507; em Tete e Sena, em 1530; em Quelimane5, em 1544 e
ainda em Quiloa e Melinde, sendo esta a primeira fase da presença portuguesa na Costa Oriental de
Africa, antes da tomada de posse do Governo da Índia.
Com base nas posições estratégicas acima identificadas situadas na costa oriental os portugueses
iniciaram e desenvolveram os contactos com as aristocracias das formações políticas locais e
recorrendo aos missionários evangelistas gradualmente introduziram a religião cristã6 no seio das
comunidades e nos seus dirigentes fazendo desta forma o laço matrimonial entre a espada e a cruz,
tal como nos ensina o Doutor Eduardo Mondlane no seu livro “Lutar por Moçambique”, revelando-
nos a natureza e a subtileza dos métodos subversivos de conquista colonial utilizados pelos
europeus dos recursos dos povos africanos:
“Quando os brancos chegaram ao nosso país, nós tínhamos a terra e eles a Bíblia, agora nós temos
a Bíblia e eles a terra”7.
A partir das Fortalezas então construídas por ordem do Rei D. Manuel I de Portugal, os mercadores
portugueses promovem o comércio com as populações moçambicanas, juntando-se aos demais
mercadores provenientes do Golfo Pérsico, da Península Arábica que já vinham desenvolvendo esta
actividade entre os séculos IX e XIII, baseado na troca de tecidos de origem indiana, porcelanas de
vidro, missangas de vidro colorido, loiça de vidro e garrafas por marfim, escravos, ouro e outros
metais, entre outros artigos de troca com estes povos com objectivo de acumular riquezas a favor
da aristocracia e em troca de produtos por produto entre si8 por parte das populações locais.
O sucesso da intervenção religiosa junto das comunidades e da aristocracia, os Portugueses
conseguiram lograr vitórias conquistando pela sua influência política e acção militar territórios do
Império de Monomotapa durante a primeira metade do século XVII e estabeleceram em tais
territórios ocupados por cedência voluntária ou por via da força militar as primeiras formas de
colonização por via dos prazos da coroa no Vale do Zambeze9.
4
Departamento de Historia, Historia de Moçambique, vol. I.
5
Capela, José, Donas, senhores e escravos, Porto: Afrontamento, 1995, página 47.
6
Marime, Benedito, Arquidiocese do Maputo: sessenta anos de história, 1940-2000, Maputo: CEGRAF, 2002, 28
7
Mondlane, Lutar por Moçambique, página 31.
8
História de Moçambique, Vol. I, Departamento de História, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2000.
9
Departamento de Historia, Historia de Moçambique, vol. 1; Mazula, 82; Papagno, Giuseppe, Colonialismo e
feudalismo: A questão dos prazos da coroa em Moçambique nos finais do século XIX, Lisboa: A Regra do Jogo, 1980,
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Os prazos da coroa, logo que se estabeleceram nos territórios locais não só se identificaram com a
cultura10 dos povos africanos tornando assim verdadeiros “chefes africanos degenerados” como
passaram a dedicar-se ao comércio de captura e venda de escravos11 e são estes prazeiros que vieram
dar origem aos Estados militares do Vale do Zambeze12.
A actividade comercial desenvolvida pelas populações do território de Moçambique nesta época,
ao nível das comunidades, a partir da sua costa marítima com mercadores estrangeiros em regime
de liberdade de comércio realizava-se à luz de determinadas regras de conduta, não documentadas,
com instituições criadas no seio das comunidades para dirimir eventuais litígios, nomeadamente
Muáve – uma beberagem tóxica que se acreditava poder mostrar a culpabilidade de alguém num
determinado delito ou numa acusação de feitiçaria -, o culto dos espíritos, e a invocação da chuva13.
Em relação ao comércio marítimo com os mercadores estrangeiros, os actos de comércio
desenvolviam-se à luz das normas de conduta dos Estados de origem dos mercadores, por
conseguinte, estavam relacionadas com o comércio marítimo e sujeito a leis muito variadas, sem
prejuízo da Liberdade de comércio que nesta época havia. Fácil se compreende que nesta época
prevalecia o respeito pelas convenções das partes e pela boa-fé e confiança entre os sujeitos.
As situações descritas nos parágrafos anteriores não são típicas de comércio em Moçambique.
Ocorreram também na Itália a partir do século XI quando verificou-se uma certa estabilização
militar e a subsistência do Império de Bizâncio, tal como nos ensina o Professor Menezes Cordeiro,
“os mercadores, por via consuetudinária ou através dos seus organismos, criaram e aperfeiçoaram
normas próprias para reger a sua profissão e os seus interesses14”.
O Estado da Índia, com sede em Goa, surge em parte em consequência da intensificação do
comércio na costa de África, assume o controlo político administrativo de todos os territórios da
Ásia e África Oriental sob domínio Português.
Em cada uma das terras sob domínio da colonização portuguesa, como é o caso de Moçambique,
havia um capitão assistido de numerosos funcionários nos castelos, fortalezas e cidades onde se
achava outros capitães ou alcaides-Mores e Feitores. Administração das comunidades estava na
alçada dos agentes da autoridade os tanadores.
Os capitães do Estado da Índia gozavam de uma larga autonomia, o que limitava o Governador-
geral do Estado ao exercício de competências que se circunscreviam a gerência dos negócios do
distrito de Goa e a um simples comando militar.
Este facto, levou o Rei D. Sebastião, que esteve no reinado de Portugal de 1557 a 1578, no ano de
1571 a desdobrar o Estado da Índia em três Estados, surgindo assim o Estado de Moçambique que
compreendia a Costa Oriental da Africa sem prejuízo do capitão independente em Sofala, Primeiro
Governo Português para Africa Oriental, nomeado em 1505 com sede na primeira fortaleza
portuguesa, o Estado de Goa que abrangia as terras desde o Cabo Guadafui até Ceilão; e o Estado
de Malaca, que assumia a administração das restantes terras do Império português.
10
Mondlane, Lutar por Moçambique, página 49.
11
Capela, José, As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico da escravatura, 1810-1842, Porto: Afrontamento:
1979
12
Isaacman, Allen, Isaacman, Allen, A tradição de resistência em Moçambique: o vale do Zambeze, 1850-1921, Porto:
Afrontamento, 1979, 55-56; Papagno, Colonialismo e feudalismo
13
Idem, História de Moçambique, pág. 60.
14
Idem, Menezes Cordeiro, pág. 29.
20
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15
Marcello Caetano, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra, 1994, pag. 501.
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O artigo 20.˚ determina o espaço físico geográfico que é pertença da Nação Portuguesa que se
define como sendo uma união de todos os portugueses de ambos hemisférios, sendo o território
designado de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves com a estrutura que o artigo citado indica,
nos números I, II, III e IV.
O artigo 21.º, por sua vez, define-nos quem possui a qualidade de cidadão português. Trata-se da
indicação dos princípios da territorialidade e da consanguinidade do cidadão português, ou seja,
quem pode ser considerado cidadão de nacionalidade portuguesa.
O artigo 25.º, define-nos a religião Católica Apostólica Romana, como sendo a Religião oficial da
Nação Portuguesa.
O artigo 29.º, por sua vez, determina a forma de Governo Português que é Monarquia constitucional
hereditária.
O artigo 31.º dispõe sobre a dinastia reinante e identifica quem é o Rei de Portugal, o Senhor D.
João VI, fixando-se assim a eternidade ou o regime vitalício do Rei.
O artigo do artigo 32.˚ e seguintes estabelece o poder legislativo ou das Cortes e particularmente a
eleição dos deputados de Cortes. Na parte referente as eleições dos representantes do povo no órgão
legislativo são relevantes os artigos 37.º e 38, n.º IV.
O artigo 121.˚ Refere-se a autoridade do Rei que provém da Nação, sendo considerado de
indivisível e inalienável e finalmente, o artigo 141.˚ dispõe sobre a sucessão do Rei D. Joao VI, no
exercício do cargo.
Historicamente, a ocupação efectiva dos territórios do continente africano tem como fundamento a
Conferência de Berlim que tem lugar em 1884 e termina em 1885.
Foi a Conferência de Berlim que legitima e serve de fundamento para a ocupação efectiva e
montagem da máquina administrativa colonial em cada um dos territórios por parte das potências
europeias.
Com este argumento, qual é o fundamento legal do Estado Português que se pode apresentar para
justificar a ocupação e a montagem da administração do Estado Português no território de
Moçambique, a partir do ano de 1498, ano da chegada do primeiro grupo de navegadores
portugueses?
O que terá proporcionado ou criado o ambiente para os portugueses dominarem e ocupar
efectivamente contra um povo, um território e contra um Estado soberano, sem respeitar qualquer
norma de Direito Interno ou Internacional?
Na Dinastia de D. Manual I será que há algo que orienta os navegadores a exercerem o direito de
invadir e ocupar Estados alheios ou a missão era de identificar o caminho marítimo para a India
com fins comerciais.
Não havendo nenhum norma de Direito Interno ou de Direito Internacional nada temos como
fundamento que, declarar que a ocupação do território e dominação do povo moçambicano pela
Dinastia Portuguesa reinante em 1498 foi um acto bárbaro, ilegal e sem qualquer fundamento, mas
sim de exercício de força militar contra um povo e Estado soberano de Moçambique.
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Assim, para Moçambique, a Conferência de Berlim em relação a Portugal não é fonte de aquisição
do fundamento para ocupação efectiva, mas sim para legalizar um acto ilegal que já haviam
cometido e necessitaram da Conferência Internacional que se realiza na Alemanha para evitar a
censura e condenação internacional em face da integração das terras africanas na sua primeira
Constituição a de 23 de Setembro de 1822 e encontrar uma mediação internacional credível para
resolver os conflitos que Portugal tinha na época com a potencia europeia, o Reino Unido da Grã-
Bretanha que por sua vez, ocupava a maior parte das terras da região oriental, tais como as terras
actualmente denominadas por Zimbabwe, Zâmbia, Malawi, Suazilândia, Africa do Sul e Lesotho e
com Portugal havia disputa de terras sobretudo no centro de moçambique, caso de Malawi e no sul,
caso da Baia de Lourenço Marques, actual Maputo.
16
Publicado no Diário do Governo, I Série, número 156, de 8 de Julho de 1930.
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da vida política, económica, social e cultural do povo Moçambicano, à luz do Direito Português,
em vigor por força da Constituição e das leis especiais aplicáveis:
1. Código Civil Português, aprovado por Carta de Lei de 1 de Julho de 1867 e tornado
extensivo ao ultramar por Decreto de 18 de Novembro de 1869, veio a ser alterado pelo
Decreto n.˚ 19126, de 16 de Dezembro de 1930;
2. Estatuto17 Político, Civil e Criminal dos indígenas de Angola e Moçambique, Decreto n.˚
12.533, de 23 de Outubro de 1926 (tornado extensivo aos Indígenas d Guiné e da Companhia
de Moçambique pelo Decreto n.˚ 13.968, de 30 de Maio de 1927;
3. Código do Trabalho dos indígenas nas Colónias Portuguesas de Africa, aprovado por
Decreto n.˚ 16.199, de 6 de Dezembro de 1928;
4. Estatuto Político, Civil e Criminal dos “indígenas, Decreto n.˚ 16.473, de 6 de Fevereiro de
1929;
5. Diploma Orgânico das Relações de Direito Privado entre Indígenas e não Indígenas,
Decreto n.˚ 16.474, de 6 de Fevereiro de 1929;
Os diplomas que acima se indica a sua vigência cada vez mais afastam o individuo, natural do
território do Estado Moçambicano dos cidadãos comuns do Estado colonial português, por este ser
considerado indígena e, por isso, com o direito de se reger por um Direito especial.
O regime colonial estabeleceu para os indivíduos considerados de indígenas, o Direito Português
com vigência obrigatória sobre o Direito que os povos de Moçambique estavam sujeitos, instituído
pelos usos e costumes e pela Constituição material a que estavam sujeitos, enquanto membros de
uma comunidade politica organizada, sob forma de Estado ou Império e em vigor à data da entrada
em vigor do novo Direito imposto por força das armas pelo Regime colonial Português, após a
queda dos reinos e governos dos Estados de Moçambique em todo o território que hoje constitui na
plenitude o Estado Moçambicano.
O Direito Português veio sobrepor-se a um Direito de que os povos de Moçambique vinham
seguindo e o referido Direito, jamais desapareceu e sobreviveu até a presente data, pese embora as
leis então aprovadas, o ensino ministrado aos indivíduos de raça negra tivessem como objectivo
principal liquidar a história e o Direito dos povos de Moçambique. Por isso, em todo o período
colonial, os moçambicanos apenas deviam estudar a vida e a heroicidade do povo português e nunca
saber nada do seu território – Moçambique e do seu respectivo povo.
A luta heroica desencadeada pelo povo moçambicano, unido do Rovuma ao Maputo e do Zumbo
ao Indico não só se destinou a libertar a terra e os Homens, mas sobretudo a resgatar o Direito do
povo Moçambicano que durante séculos de dominação e administração praticada por um Governo
de um Estado Português estrangeiro, resistiu.
A prova material da luta pela reconquista do Direito Moçambique de que constitui até hoje um dos
grandes objectivos e pilares do povo Moçambicano, tal como consta do artigo 11, al. i) da
Constituição da República, nos seguintes termos:
17
Publicado no Boletim Oficial n.˚ 48, de 27 de Novembro de 1926.
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Desta norma, o Direito moçambicano mantém-se em vigor no mesmo ordenamento com o Direito
Português e outros Direitos de origem estrangeira que no nosso País ainda persistem, tal como ao
longo das aulas teremos oportunidade de verificar a influência, de Direito estrangeiro em vários
domínio da vida política, económica, social e cultural.
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O Direito aplicável consagrado nos instrumentos normativos dos territórios ultramarinos e no Acto
Colonial destina-se tão-somente aos indígenas portugueses e é um Direito que não se estende aos
cidadãos portugueses e estrangeiros residentes nas coloniais, conforme se estipula no artigo 4. o do
mesmo diploma legal.
Aos cidadãos portugueses e estrangeiros residentes nos territórios colonizados são garantidos os
direitos concernentes à liberdade, segurança individual e propriedade, nos termos da lei, conforme
o artigo 4.º do Acto Colonial, enquanto que aos indígenas, não lhes é reservado a liberdade e
segurança individual, matéria que fica a cargo do Estado, conforme se estipula no artigo 15.º do
Acto Colonial e não do gozo individual como se reserva para o cidadão português, conforme o n.˚
18.˚ do artigo 8.˚ da Constituição Portuguesa de 1933.
Por conseguinte, o indígena não tem nos termos da lei constitucional portuguesa capacidade de se
proteger e auto defender-se e muito menos a capacidade de reger a sua pessoa e bens, surgindo o
Estado a assumir o papel de tutor, (Ministério Público) como de menor, incapaz ou ausente se
tratasse.
Em caso de ameaça, agressão ou perigo que esteja a correr, o indígena tem de exigir do Estado a
sua protecção e defesa. O mesmo já não sucede com o nacional (cidadão português não indígena)
e ao estrangeiro que por lei têm a liberdade de se proteger e garantir a sua segurança individual, em
legítima defesa conforme determina o §18.˚ da Constituição, podendo no gozo dos seus direitos
civis interpelar o agressor e interpor uma acção judicial.
A pessoa do indígena é considerada um bem do Estado, uma coisa, nos termos do artigo18 202.˚ do
Código Civil, e, por isso, o negro merecia a total protecção do seu senhorio, o Estado, entidade com
capacidade de proteger e defender os seus bens, vide artigo 15.o, reservando-se exclusivamente para
o Estado a faculdade de compelir os indígenas para os trabalhos do Estado, conforme o artigo 20.o
cujo texto integral transcreve-se: “O Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em
obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam,
em execução de decisões judiciárias de carácter penal, ou para cumprimento de obrigações
fiscais”.
Aos indígenas não se reserva nenhum direito ou liberdade, mas sim garantias constitucionais, tal
como consta dos artigos, 17.o, com excepção do artigo 21.o em que se reconhece o direito a justo
salário e assistência e a liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, vide artigo
23.o do Acto Colonial.
Ao abrigo do acto Colonial, a população moçambicana foi sujeito aos maus tratos, humilhação,
repressão, tortura, ofensa a sua integridade moral e física e exploração contínua da sua força física e
intelectual.
Todo o povo negro de Moçambique foi-lhe negado os direitos civis e políticos, por aplicação do
Estatuto Politico e Civil dos Indígenas de 1930, com excepção de uma minoria que se tornou
assimilado e de mulatos, que podiam gozar de certos privilégios do sistema colonial português,
mediante a negação perante as autoridades portuguesas da sua identidade socio cultural.
18
Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.
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Ao nível de ensino, o Estado português assumiu a intervenção directa, criando um sistema capaz
de habilitar o “indígena” para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial
moçambicano.
A negação aos direitos civis e políticos aos cidadãos de raça negra, a exploração do cidadão
moçambicano como testemunha o artigo 20.º do Acto Colonial, cujas normas são consideradas
matéria constitucional, aprovado em conformidade com o artigo 132.º da Constituição Portuguesa
de 11 de Abril de 1933, constitui um dos maiores factores da repulsa e condenação do regime
colonial português.
Na vigência do Acto colonial de 11 de Abril de 1933, o Estado Português promulgou um conjunto
de instrumentos normativos que materializam o Direito especial para o individuo de raça negra das
colonias portuguesas, sendo de destacar os seguintes diplomas legais:
1. Carta Orgânica do Império Colonial Português, aprovada por Decreto-Lei n.˚ 23.228, de 15
de Novembro de 1933;
3. Lei Orgânica do Ultramar Português, Lei n.˚ 2.066, de 27 de Junho de 1953, alterada pela
Lei n.˚ 2076, de 25 de Maio de 1955;
5. Código Penal Português, publicado por força do Decreto de 16 de Setembro de 1886, com
alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.˚ 39.688, de 5 de Junho de 1954;
6. Estatuto dos Julgados Municipais das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, Decreto
n.˚ 39.817, de 15 de Setembro de 1954, rectificado no Diário do Governo, I série, de 10 de
Outubro de 1954 (O julgado Municipal de Dio rege-se também pelas disposições deste
diploma);
7. Reforma Prisional do Ultramar. Designa-se por este nome o Decreto-Lei n.˚ 39.997, de 29
de Dezembro de 1954, que torna extensivo ao ultramar, com as alterações deles constantes,
o Decreto-Lei n.˚ 26.643, de 28 de Maio de 1936 (Reorganização dos Serviços Prisionais)
e o Decreto-Lei n.˚ 39.688, de 5 de Junho de 1954 (que introduz profundas alterações no
Código Penal.
Deste conjunto de diplomas é relevante para a nossa aula, a apreciação do Direito imposto ao
individuo de raça negra, natural das colónias de Angola, Guiné e de Moçambique sendo este último,
hoje nosso Pais e Estado independente.
Decreto-Lei n.º 39:666, de 20 de Maio de 1954 - Estatuto dos Indígenas Portugueses das
províncias da Guiné, Angola e Moçambique.
Em 1954, no dia 20 de Maio, o Governo Português publicou na I Série do Diário do Governo, n.º
110, o Decreto-Lei n.º 39:666, de 20 de Maio de 1954 - Estatuto dos Indígenas Portugueses das
províncias da Guiné, Angola e Moçambique.
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Neste diploma legal, prescreve-se no artigo 2.º o seguinte “Consideram-se indígenas das referidas
províncias os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo
habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e sociais
pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses.
§ Único. Consideram-se igualmente indígenas os indivíduos nascidos de pai e mãe
indígenas em local estranho àquelas províncias, para onde os pais se tenham
temporariamente deslocados.
Artigo 3.º “ Salvo quando a lei dispuser doutra maneira, os indígenas regem-se pelos usos e
costumes próprios das respectivas sociedades”
Por força desta norma, o Estado Português reconhece e estimula os usos e costumes indígenas
próprios das respectivas sociedades, criando assim condições morais, sociais, culturais e politicas
para uma clara e nítida separação etnolinguística do povo moçambicano, que até hoje se faz sentir,
enquanto que para os cidadãos portugueses o Direito Português relevava a língua portuguesa como
meio de vinculação de todo o povo português.
Outra disposição que promoveu no seio das populações moçambicana, o factor de separação é o
disposto no § 3.˚ do artigo 3.˚ do Decreto-Lei n.˚ 39.666 que determina o seguinte: “A medida de
aplicação dos usos e costumes indígenas será regulada tendo em conta o grau de evolução, as
qualidades morais, a aptidão profissional do indígena e o afastamento ou integração deste na
sociedade tribal.”
São ainda relevantes os artigos 4.˚ e 6.˚ do mesmo decreto que se vem citando.
O regime de indigenato durante o período colonial foi o Direito a que se sujeitou aos moçambicanos
que mais se destacou na descriminação dos seres humanos e foi a arma mais utilizada por todas as
potenciais coloniais europeias em todos os países do continente africano.
O indigenato para além de ser um regime de opressão, discriminatória e humilhante e sobretudo de
manifesta falta de respeito e consideração para com um ser vivo por este ter nascido em áfrica,
ofende gravemente os Direitos Humanos de todas as pessoas do continente africano.
O Acto Colonial de 11 de Abril de 1933 cujas normas são qualificadas de normas constitucionais e
assim, Constituição política Portuguesa para os seus destinatários, que são exclusivamente os
indígenas das colónias da Guiné, Angola e Moçambique, determina no seu artigo 2.˚ o seguinte:
“É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e
colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se
compreendam, exercendo também a influência moral que se lhe é adstrita pelo Padroado do
Oriente.”
Nesta disposição são evidentes as seguintes palavras-chaves a ter em conta no papel de Portugal
em relação aos territórios então colonizados:
1. função histórica;
2. possuir;
3. colonizar;
4. civilizar as populações indígenas;
5. exercer a influência moral.
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Por conseguinte, os indígenas considerados nativos, ou seres vivos que se encontram ainda em
determinado grau inferior de civilização, assumia também a designação de “Kafre” que quer dizer
“infiel19” requereu do Governo colonial português o estabelecimento de um regime jurídico
adequado à possibilidade de efectivação de poderes e deveres dos Indígenas perante a Ordem
Jurídica Portuguesa tendo em conta que são indivíduos que não têm nos termos da lei constitucional
portuguesa personalidade jurídica própria abrangente, pois, não lhes são reconhecido a dignidade
da pessoa humana e muito menos capacidade de se proteger e auto defender-se nem a capacidade
de reger a sua pessoa e bens, surgindo o Estado a assumir o papel de tutor, (Ministério Público)
como de menor, incapaz ou ausente se tratasse.
Os nativos são assim, em geral, conforme o Decreto-Lei n.˚ 39.666, perante a ordem jurídica então
estabelecida gente especial, por conseguinte são sujeitos que pertencem ao que tecnicamente
podemos designar de uma posição jurídica que os afasta da posição de outros indivíduos não
indígenas e assim, constituem em si um “estado” (status) ou situação jurídica própria que se traduz
numa qualidade jurídica que não pode ser equiparada aos cidadãos portugueses não indígenas, que
gozam na plenitude de todos os direitos dos cidadãos da Nação portuguesa.
Os indígenas ou Kafres, por serem indivíduos especiais devem ter um tratamento adequado ao seu
estatuto de indígenas, tal como nos comportamentos quando diante de nós está uma pessoa que
goza de um estatuto especial, por exemplo, de Membro do Governo, das Forças de defesa e
segurança, de um individuo com estatuto de académico, de casada, de idoso, etc.
As pessoas de estatuto especial são tratados conforme o seu estatuto não sendo permitido violar o
gozo pleno dos seus direitos, decorrentes do seu direito e regalias reconhecidas por lei e pela
sociedade.
O estatuto de indígena é um estado individual, que só diz respeito ao sujeito que seja qualificado
de indígena e nestes termos estamos perante uma situação jurídica individual que corresponde “a
posição da pessoa titular dum poder ou dever com conteúdo próprio, definido segundo as suas
condições particulares, recorrendo as lições do Professor Marcello Caetano20.
Desta forma, o indígena deve ser tratado e considerado, em todos os momentos de indígena, em
toda a ordem Jurídica Portuguesa e, aquele que violar tais ditames da lei incorre numa infracção,
por não respeitar o estatuto de indígena, nos precisos termos que a lei prescreve.
Em caso de ameaça, agressão ou perigo que esteja a correr, o indígena tem de exigir do Estado a
sua protecção e defesa. O mesmo já não sucede com o nacional (cidadão português da metrópole)
e ao estrangeiro que por lei têm a liberdade de se proteger e garantir a sua segurança individual, em
legítima defesa, podendo no gozo dos seus direitos civis interpelar o agressor e interpor uma acção
judicial.
A pessoa do indígena é considerada um bem do Estado, uma coisa, nos termos do artigo21 202.˚ do
Código Civil, e, por isso, o negro merecia a total protecção do seu senhorio, o Estado, entidade com
capacidade de proteger e defender os seus bens, vide artigo 15.o, reservando-se exclusivamente para
o Estado a faculdade de compelir os indígenas para os trabalhos do Estado, conforme o artigo 20.o
cujo texto integral transcreve-se: “O Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em
19
Nome dado pelos árabes, que atribuíam a generalidade dos africanos, não convertidos ao Islamismo.
20
Manuel de Direito Administrativo, 4.ª edição, da página 172 a 173.
21
Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.
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obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam,
em execução de decisões judiciárias de carácter penal, ou para cumprimento de obrigações
fiscais”.
Aos indígenas não se reserva nenhum direito ou liberdade, mas sim garantias constitucionais, tal
como consta dos artigos, 17.o, com excepção do artigo 21.o em que se reconhece o direito a justo
salário e assistência e a liberdade de consciência e o livre exercício dos diversos cultos, vide artigo
23.o do Acto Colonial.
Vejamos o critério adoptado para a fixação do conceito de indígena dos territórios da Guiné, Angola
e Moçambique:
a) São indígenas, os indivíduos de raça negra ou seus descendentes, estamos perante um
critério racial ou étnico;
b) Que não possuam ainda ilustração, (falar correctamente português, ter bom comportamento
e ter adquirido a ilustração e os hábitos pressupostos para a integral aplicação do Direito
público e privado dos cidadãos portugueses, vide artigo 56, al. b) e d), possuir o 1.˚ ciclo
dos liceus ou habilitação literária correspondente, artigo 60, al. c), do Decreto que aprova o
estatuto do indígena. Trata-se do critério cultural;
c) Consideram-se igualmente indígenas os indivíduos nascidos de pai e mae indígena, § único
do artigo 2.˚ do Decreto-Lei que se vem citando, é o critério de ius sanguinis;
d) Consideram-se indígenas das referidas províncias….. tendo nascido …… nelas…, critério
de ius solis
e) Consideram-se indígenas das referidas províncias os indivíduos………. nascido ou vivendo
habitualmente nelas, critério ius domicilii.
Pela definição legal do cidadão indígena o regime jurídico que se lhe aplica, o acompanha e o segue
onde quer que esteja, quando o § Único do artigo 2.˚ do diploma que temos citando. Determina:
Consideram-se igualmente indígenas os indivíduos nascidos de pai e mãe indígenas em local
estranho àquelas províncias, para onde os pais se tenham temporariamente deslocados
Da interpretação desta disposição fica claro que o regime de indigenato só pode cessar no individuo
que seja titular desse estatuto não pela deslocação dos seus progenitores ou dele próprio para outro
lugar ainda que não seja território do Estado português, pelo cumprimento dos disposto no artigo
56.˚ do decreto que se vem citando, onde estão elencados os pressuposto para a extinção do estado
de indígena.
Artigo 3.º “ Salvo quando a lei dispuser doutra maneira, os indígenas regem-se pelos usos e
costumes próprios das respectivas sociedades”
Artigo 56.º “Pode perder a condição de indígena e adquirir a cidadania o indivíduo que prove
satisfazer cumulativamente aos requisitos seguintes:
a) Ter mais de 18 anos;
b) Falar correctamente a língua portuguesa;
c) Exercer profissão, arte ou ofício de que aufira rendimento necessário para sustento
próprio e das pessoas de família ao seu cargo, ou possuir bens suficientes para o mesmo
fim;
d) Ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração e os hábitos pressupostos para a
integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses;
e) Não ter sido notado como refractários ao serviço militar nem dado como desertor.
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O Estatuto do Indígena da Guiné, Angola e Moçambique foi antecedido pela Lei orgânica do
ultramar22, a Lei n.˚ 2.066, de 27 de Julho de 1953. Este instrumento estabelece vários preceitos
que se dirigem aos indígenas daqueles territórios ultramarinos para além das bases especialmente
epigrafada, sob o título “Das Populações Indígenas”, temos o n.˚ V da Base LXV, sobre o
julgamento das questões gentílicas, e o n.˚ II da base LXIX, sobre a extensão dos sistemas penal e
penitenciário.
A Lei n.˚ 2.066, de 27 de Julho de 1953, designada de Lei orgânica do Ultramar, com a sua vigência
veio exigir que alguns dos princípios consagrados em leis anteriores que se dispunham sobre os
Indígenas fossem ajustados para a sua harmonia com a nova normação sobre o regime que vincula
os indígenas dos territórios já identificados. São as seguintes as leis que deveriam ser adequados a
nova lei:
Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, aprovado pelo Decreto n.˚ 16.473, de 6 de
Fevereiro de 1929;
Diploma Orgânico das Relações de Direito Privado entre Indígenas e não Indígenas,
aprovado pelo Decreto n.˚ 16.474, de 6 de Fevereiro de 1929;
Código de Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de Africa, aprovado pelo
Decreto n.˚16.199, de 6 de Dezembro de 1928;
Devido a necessidade do ajustamento da lei às normas então em vigor foi aprovado o Decreto n.˚
35.461, de 22 de Janeiro de 1946 que se dispõe sobre o casamento entre os Indígenas.
Ao abrigo do acto Colonial, a população moçambicana foi sujeito aos maus tratos, humilhação,
repressão, tortura, ofensa a sua dignidade, integridade moral e física e exploração contínua da sua força
física e intelectual.
Todo o povo negro de Moçambique foi lhe negado os direitos civis e políticos, por aplicação do
Estatuto Politico e Civil dos Indígenas de 1930, com excepção de uma minoria que se tornou
assimilado e de mulatos, que podiam gozar de certos privilégios do sistema colonial português.
Ao nível de ensino, o Estado português assumiu a intervenção directa, criando um sistema capaz
de habilitar o “indígena” para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial
moçambicano. São disposições relevantes para a educação do indígena, o disposto no artigo 6.˚ do
Estatuto do Indígena, que se deve combinar com a secção IV da Lei n.˚ 2.066 – Lei orgânica do
ultramar português, página 890 do referido diploma legal.
Desta secção é de destacar o que se determina na Base LXXXII
I. O ensino especialmente destinado aos indígenas, nas províncias onde ainda vigora o
regime de indigenato, deverá, nos locais em que já estiverem estabelecidas as missões
católicas portuguesas, ser inteiramente confiado ao pessoal missionário e aos auxiliares.
Nos locais em que essas missões não possam exercer a função do ensino continuará esta
a cargo do Estado;
II. O ensino dos indígenas em escolas particulares deve subordinar-se à mesma orientação
geral a que é submetido quando ministrado pelo Estado;
22
Publicado no Diário do Governo, I Série, de 27 de Julho de 1953, n.˚ 135.
32
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III. No ensino dos indígenas visar-se-ão, além dos fins previstos no n.˚ IV da base anterior, a
sua perfeita nacionalização e moralização e aquisição de hábitos e aptidões de trabalho, de
harmonia com os sexos, condições e conveniência das economias regionais;
IV. No ensino dos indígenas é autorizado o emprego dos idiomas nativos como instrumento
de ensino da língua portuguesa.
O ensino primário dirigido ao cidadão de raça negra, o indígena, no período da dominação colonial
havia sido declarado de carácter obrigatório, sendo a instrução primária dividida em 1.˚ e 2.˚ grau,
cada um com duas classes, estando todo o ensino à responsabilidade das missões católicas, sendo a
seguinte a estrutura do sistema escolar para os africanos de raça negra, os qualificados de indígenas:
Primeiro nível – ensino rudimentar, compreende a iniciação, a 1.ª e 2.ª classe;
Segundo nível – ensino primário, compreende: a 3.ª, 4.ª e admissão que se destinava a preparar o
aluno para o seu ingresso ao ensino secundário.
Desta feita, o cidadão para concluir o ensino primário da 1.ª a 4.ª classe, no ensino oficial destinado
aos cidadãos portugueses devia levar seis anos, enquanto que o cidadão português da metrópole
precisa apenas de quatro anos.
O ano de ingresso ao ensino para o indígena é 7 (sete) anos completos e para o ensino secundário a
idade mínima era de 12 anos. Portanto, o melhor estudante de raça negra só podia concluir o ensino
primário na melhor das hipóteses aos 13 anos de idade, já com um ano a mais para ingressar na
escola secundária, gorando-se desse modo a possibilidade do individuo considerado de indígena
continuar os seus estudos depois de concluir a 4.ª classe. Este facto é o que explica que depois da
independência de Moçambique, em 25 de Junho de 1975, a população moçambicana era de 10
milhões e 170 mil habitantes e destes, 97% era analfabeta, ou seja, apenas 3% sabia ler e escrever.
A idade de ingresso era fixado com objectivo intencional de impedir que os filhos dos africanos
pudessem aceder a níveis superiores de formação em relação aos cidadãos genuinamente
portugueses e assim se colocam tais barreiras.
Desta feita, os filhos dos indígenas dificilmente podiam frequentar um liceu, mas sim escolas
técnicas elementares ou ensino técnico profissional, industrial ou comercial, salvo se o filho fosse
de um assimilado que podia ser admitido nas condições reservadas aos filhos dos cidadãos
metropolitanos, mas mesmo assim, em número muito reduzido, sendo a maioria seleccionado para
as escolas comerciais e industriais, tal como nos revela o Brazão Mazula23. “Todavia, os alunos das
escolas missionárias podiam, em teoria, ingressar ou concluir o ensino primário nas escolas oficiais.
Essa possibilidade, no entanto, não dependia dos próprios alunos. Eles eram previamente
seleccionados pelas escolas das missões, dentre aqueles alunos que lhes pereciam melhores. Sob
que critério?
O processo exigia um certo fluxo de “indígenas” para engrossar as fileiras de “assimilados”. Pois,
esses alunos eram vistos diferentemente dos outros indígenas, mas sempre discriminados em
relação aos alunos europeus. Em vez da Caderneta Indígena, passavam a ser identificados pelo
Cartão de Identidade Indígena e somente quando filho confirmado de pais “assimilados”, pelo
Bilhete de Identidade de cidadão português Todavia, em nenhum dos casos, lhes era garantido o
23
Mazula, Brazão e Buedia Gomez, Miguel. A Educação em Moçambique: mudanças e desafios. São Paulo, 1992.
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ingresso automático nos liceus ou no ensino superior. Geralmente eram encaminhados para as
Escolas Industriais e Comerciais, de nível secundário ou complementar.
Muitos dos filhos dos indígenas para poderem frequentar o ensino secundário com a idade exigida
de ingresso só podia agir alterando a idade real do filho ou a sua identidade, fazendo assim um outro
registo distinto do que haviam feito no acto de baptismo, que constava na caderneta Indígena,
passando assim a usar um outro nome diferente a do primeiro registo. Por vezes, na mesma família
cada filho tinha o segundo, terceiro ou apelido diferente a dos restantes irmãos, tudo isso para poder
continuar a estudar.
O ensino missionário dirigido exclusivamente aos negros era considerado ensino particular e
realizava-se nas escolas pertencentes às missões católicas e ministrado por professores formados e
indicados pelos eclesiásticos.
Porém, o regime colonial português em cumprimento dos objectivos da colonização à luz do acto
Acto Colonial e do Estatuto do Indígena impunha-se o estabelecimento de um ensino público que
não só podia ministrar programas da moral e religião cristã, mas também e sobretudo os valores da
cultura e da história portuguesa, sendo este um pré-requisito para a assimilação da civilização
europeia, em particular a portuguesa.
Relativamente aos objectivos fixados pelo regime colonial português para o ensino são claramente
anunciados pelo Freire de Andrade, Governador-Geral de Moçambique que esteve em exercício
entre 1906 a 1910, quando nos elucida nos seguintes termos: “a única educação a dar ao africano
é aquela que faça dele um trabalhador” e para o Mouzinho de Albuquerque24, na mesma esteira de
pensamento esclarece: “Quanto a mim, o que nós precisamos fazer para educar e civilizar o
indígena é desenvolver-lhe de forma prática as habilidades para uma profissão manual e
aproveitar o seu trabalho na exploração da província”.
Na Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e no respectivo Acto Colonial, aprovado nos
termos do artigo 132.º da Constituição, que considera matéria constitucional as disposições do Acto
Colonial a ser aprovado pelo Governo, o território
de Moçambique continuou25, conforme se estabelece no artigo 1.º, sendo considerado província de
Moçambique uma região autónoma da República Portuguesa, dotada de personalidade jurídica de
direito público interno e usando a designação honorífica de Estado, por força do Decreto 26 n.º
545/72, de 22 de Dezembro, que definia o Estatuto Político-Administrativo da Província de
Moçambique.
A negação aos direitos civis e políticos aos cidadãos de raça negra, a exploração do cidadão
moçambicano como testemunha o artigo 20.º do Acto Colonial, cujas normas são consideradas
matéria constitucional, aprovado em conformidade com o artigo 132.º da Constituição Portuguesa
de 11 de Abril de 1933.
24
Sistemas de Educação em Moçambique, Ministério da Educação e Cultura, Maputo, 1980, página 21.
25
O artigo 5.º da referida Constituição prescreve: “ O Estado português é uma República unitária e corporativa,
baseada na igualdade dos direitos dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos beneficiários da
civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.”
26
Publicado no Boletim Oficial de Moçambique, Suplemento, I Série, de 30 de Dezembro de 1972.
34
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b) Processos relativos a crimes contra a propriedade comercial cometidos por indígenas, a que
corresponda pena correcional, e relativos aos restantes crimes, quando réus e ofendidos
sejam indígenas.
O Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, aprovado pelo Decreto n.˚ 16.473, de 6 de
Fevereiro de 1929, que se manteve em vigor na vigência do Estatuto dos Indígenas clarifica melhor
a questão da descriminação do Homem negro em relação o Homem de raça branca, quanto ao
Direito de acesso à justiça.
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É relevante neste diploma o seu preâmbulo que vale a pena revisitar para melhor compreender a
essência do regime colonial e sobretudo as raízes discriminatórias do Direito então vigente que em
parte mantêm alguns resíduos no quotidiano da vida sociocultural no Moçambique de hoje.
O Diploma que se cita, procura fundamentar as razões que leva o sistema a estabelecer um Direito
especialmente destinado aos indígenas.
“…...................
Viu-se cada vez mais que o fim geral de civilização e de nacionalização que se pretendia atingir,
com sujeição aos princípios de comunidade da natureza humana, apenas seria conseguido por uma
organização que atendesse às próprias condições de existência do indigenato. Agora o Governo,
indo mais além na compreensão positiva dessa necessidade reconhecida essencialmente pelas
nações, deseja estabelecer estatuto político, civil e penal dos indígenas de Angola e Moçambique,
as duas grandes colónias onde o problema tem maior amplitude e exige mais cuidados.
……………………………………………………………………………………………………..
Um tal sistema, justo, prático e eficaz, envolve o respeito desses mesmos usos e costumes, em tudo
o que não colide com os direitos individuais de liberdade e de existência, com os princípios de
humanidade e com a soberania de Portugal. Daqui resultam logicamente importantes
consequências, que representam em especial a essência ou a matéria do Estatuto.
Não se atribuem aos indígenas, por falta de significado prático, os direitos relacionados com as
nossas instituições constitucionais. Não submetemos a sua vida individual, doméstica e pública, se
assim é permitido dizer, às nossas leis políticas, aos nossos códigos administrativos, civis,
comerciais e penais, à nossa organização judiciária. Mantemos para eles uma ordem jurídica
própria do estado das suas faculdades, da sua mentalidade, de primitivos, dos seus sentimentos,
da sua vida, sem prescindirmos de os ir chamando por todas as formas convenientes à elevação,
cada vez maior, do seu nível de existência.”
Pelo artigo 14.˚ do Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, aprovado pelo Decreto n.˚
16.473, de 6 de Fevereiro de 1929, a Administração da Justiça aos indígenas rege-se por foro
privativo, independente da organização judiciária portuguesa.
Artigo 15.˚. Em cada circunscrição administrativa, de regime civil ou militar, haverá um tribunal
privativo dos indígenas com jurisdição em toda a área, constituído pelo administrador, intendente
ou chefe da circunscrição, que servirá de presidente, por vogais com voto deliberativo e dois
assessores com funções de mera informação, servindo de escrivão um dos funcionários da
circunscrição, de preferência o secretário.
Vide ainda o regime que se estabelece nos artigos subsequentes desta secção da Administração da
Justiça, do Decreto n.˚ 16.473, de 6 de Fevereiro de 1929.
O diploma seguinte que vem complementar o decreto sobre o Estatuto Político, Civil e Criminal
dos Indígenas é o Decreto n.˚16.474, de 6 de fevereiro, atinente a Relações de Direito Privado entre
“indígenas e não Indígenas.
Nas disposições orgânicas, prestemos atenção ao artigo 3.˚ - As questões de natureza civil e
comercial entre indígenas e não indígenas são julgadas ex aequo et bono (significa de acordo com
a equidade; juízo de equidade) pelos juízos de direito e processadas nos termos do presente diploma.
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Artigo 4.˚ Nas questões a que se refere o artigo 3.˚, a participação será feita à autoridade
administrativa do respectivo concelho ou circunscrição, verbalmente se o autor for indígena, e por
escrito não o sendo.
Vide os artigos seguintes, quanto ao tratamento do processo, o artigo 5.˚ e 7.˚, do mesmo diploma
que estamos a citar.
Dando seguimento a nossa explanação, à luz da legislação colonial decorrente do acto colonial as
empresas agrárias funcionavam na base de uma mão-de-obra barata recrutada coercivamente
para realizar trabalho forçado, o chamado xibalo;
É de notar que esta acção coerciva, deliberada, do Governo colonial praticada pelas entidades
patronais constitui em si uma actividade com cobertura legal, nos termos da política global do
regime colonial e fascista de Portugal, a coberto do Código do Trabalho dos Indígenas nas colonias
portuguesa de Africa, aprovado por Decreto n.˚ 16.199, de 6 de Dezembro de 1928.
As relações de produção estavam baseadas no trabalho forçado nas plantações e no trabalho migratório
e nas obras públicas. Relativamente ao gozo dos direitos, vivia-se a situação da negação do direito
comum a todos os cidadãos portugueses, principalmente aos nativos, a educação, a saúde, a habitação
condigna, o direito a uma profissão a uma cultura que não seja a europeia de origem portuguesa, a
descriminação política, social do cidadão moçambicano, o desprezo pela dignidade e valor do homem
e da mulher moçambicana e inacessibilidade do cidadão moçambicano a uma justiça27 em pé de
igualdade com o cidadão português de origem Europeia, levou parte dos moçambicanos a optar pelo
abandono do seus familiares, da sua terra pátria e refugiar-se nos países vizinhos como sejam a
Tanganyka, Malawi, Rodésia do norte e sul, África do sul, Suazilândia, Quénia e outros, a procura da
paz, reconhecimento da sua pessoa e dignidade que todo Homem diante de outro deve merecer,
independentemente da sua da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de
instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.
A migração forçada de parte dos cidadãos moçambicano para países vizinhos não só foi para viver
em paz na terra do outro, mas sobretudo para encontrar formas de lutar contra a ocupação e
dominação colonial.
Em resposta o sistema colonial, reforçou a máquina de repreensão, fazendo caça a todos os
Moçambicanos que se manifestava contra o regime colonial e fascista de Salazar.
A actuação repressiva das forças de protecção do regime colonial caracterizava pelas seguintes
manifestações contra o cidadão moçambicano:
Detenções arbitrárias efectuadas pela Polícia secreta conhecida por PIDE/DGS28;
Deportações para fora do país de todos os moçambicanos que fossem considerados perigosos
para o sistema;
Tortura dos nacionalistas que se opunham ao sistema político;
Eliminação física dos presos políticos.
27
vide Código Penal dos Indígenas da Colónia de Moçambique e ainda Formulário Geral de Processos dos
Tribunais Privativos dos Indígenas para uso dos funcionários Administrativos da Colónia de Moçambique na
sua qualidade de autoridades judiciais Indígenas, de 1944.
28
Polícia Internacional de Defesa do Estado, mas tarde Direcção Geral de Segurança.
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Todos estes actos de repressão colonial intensificam o ódio contra o sistema colonial e elevam a
consciência dos moçambicanos sobre a necessidade de luta para vencer o colono, expulsá-lo do seu
território e recuperar a soberania do Estado, instaurar o Direito e o ordenamento jurídico moçambicano.
O fim da Segunda Grande Guerra mundial em 1945 e na sequência da Carta das Nações Unidas de
1945 e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, surgem na Europa Ocidental uma
expansão dos regimes democráticos pluralistas.
Sobre Portugal resultam fortes pressões no sentido de este País tal como outros Estados modernos
agirem em conformidade com a Carta das Nações Unidas em relação aos artigos 1.º, n.º 2 e 55.º da
relativamente aos Direitos Humanos, o colonialismo e a autodeterminação dos povos,
considerando-se que era o momento de o Estado Novo dar lugar a uma democracia pluralista.
Portugal sob Governo de Salazar temendo que uma tal abertura para o seu povo surgiria
movimentos esquerdistas, inclusivamente socialistas-democráticos e socialistas-comunistas, e os
direitos concedidos certamente teriam que se estender para o Ultramar, o que tornaria impossível
manter a integridade do Conjunto Português - Metrópole e Ultramar - , mesmo dentro da Solução
Portuguesa e da Política Ultramarina Portuguesa e consequentemente, Portugal de imediato ou a
curto prazo, perderia o seu Ultramar, pondo em causa a politica económica do seu Governo.
Assim, a solução política que o Governo Português de António de Oliveira Salazar teve que adoptar
foi de a nível externo lutar contra as pressões internacionais e internas em causa, procurando fazer
aceitar internacionalmente a continuação do Estado Novo com as características que tinha.
Desta forma, Portugal, obtém o reconhecimento, pela Comunidade Internacional Civilizada, do seu
regime político constituindo um grande triunfo do Estado Novo e da política externa de Salazar.
O Presidente Salazar, comprometido com o seu projecto político de manter Portugal um Império
na conjuntura politica internacional vigente, assumiu, progressiva e firmemente, a qualidade de
estadista pleno e em seguida concebe a evolução do Conceito Ultramarino Português, criando uma
fórmula portuguesa, da aplicação dos princípios actuais decorrentes da Carta das Nações Unidas e
da declaração dos direitos do Homens e dos povos, surgindo assim, uma Solução Portuguesa dos
direitos do Homem e uma Política Ultramarina Portuguesa, cujas bases dessa solução e dessa
política são as que se seguem com a finalidade de obter um elevado grau de desenvolvimento
integral e global do Estado Português:
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Assim, alguns direitos civis e políticos dos povos qualificados de indígena são reconhecidos em
1972, com aprovação do Decreto n.º 545/72, de 22 de Dezembro, publicado no Boletim Oficial n.º
152, de 30 de Dezembro, Suplemento.
.....................................
........................................
Com este novo conceito de ultramar, o Governo colonial Português estava convencido que iria
anular e parar por completo a consciência moçambicana de autodeterminação e foi com fundamento
nesta política e conceito que o Estado Novo teve a grande missão de manter a decisão e defendê-
la, a todo o custo, por forma a garantir a integridade do Conjunto Português, pretendia ainda
demonstrar ao Mundo um exemplo de conveniência sã no plano étnico-social de um grande Estado.
Porém, o projecto de Salazar e sobretudo o novo Conceito Ultramarino Português e à grandeza da
decisão de defender a todo o custo o Conjunto Português situou-se no plano teórico, pois na sua
implementação vários erros foram cometidos resultando num grande fracasso. A apontam-se alguns
dos erros cometidos pelo Governo de Salazar:
a) O plano não foi totalmente assumido pelo Estado na sua globalidade, mas sim pelo líder, o
Salazar e obviamente por um pequeno grupo que o rodeava:
b) A personalidade de Marcello Caetano que ascende ao poder após a morte de Salazar em
1968 embora em alguns aspectos haja convergência e outros havia divergências de
concepção e de carácter de personalidade;
c) O povoamento das colónias portuguesas pelas populações de raça branca oriundas da
Metrópole não foi intensiva tal como havia sido concebido para garantir o desenvolvimento
da sociedade multirracial;
d) A integração económica do Conjunto Português considerado um forte factor da
consolidação da unidade política;
e) A ineficácia da PIDE/DGS em face da acção política dos nacionalistas que se traduziu na
falta de preparação contra-subversivo;
29
Publicado no Boletim Oficial de Moçambique, Suplemento, I Série, de 30 de Dezembro de 1972.
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A PIDE/DGS estabeleceu uma relação de colaboração com a polícia secreta da África do Sul, o que
dificultou todo o movimento de luta por Moçambique, devido a forte vigilância desenvolvida pela
polícia sul-africana naquele país e na Suazilândia.
Em 16 de Junho de 1960, em Cabo Delgado no planalto de Mueda, ocorre o massacre de Mueda por
ordem do Governador colonial da Província de Cabo Delgado, onde muitos dos cidadãos
moçambicanos são barbaramente assassinados, com recurso a tiros e baioneta, culminando a reunião
convocada pelo Administrador local, numa autêntica chacina e brutalidade contra um povo que
pacificamente, por intermédio dos seus representantes seguindo a experiencia de outros povos das
colonias Inglesas na região reclamava um direito internacionalmente reconhecido, a autodeterminação.
A actuação brutal das autoridades coloniais portuguesas criou na população indígena de Cabo Delgado
e em todas as partes onde a notícia chegou um repúdio, reforçou o ódio contra o sistema colonial e
fascista de Salazar e sobretudo a elevação da consciência nacionalista de que não havia outra
alternativa que desencadear uma luta politica e militar contra o sistema colonial português, pois o
diálogo que se pretendeu desenvolver teve como resposta a prisão dos porta-vozes e o massacre as
populações indefesas.
Foi contra esta realidade política estabelecida pelo regime colonial que o povo de Moçambique com
apoio e solidariedade da comunidade internacional organiza-se politicamente e desencadeia uma
luta de libertação com vista a reconquistar a soberania do seu território, a sua dignidade, a sua
personalidade jurídica e o respeito pelo valor humano, conforme os Estatutos que a FRENTE De
Libertação de Moçambique, aprovou em conferência constitutiva em 25 de Junho de 1962, em Dar-
es-Salaam, na Tanganhika.
40
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A luta contra o sistema colonial português foi desencadeada em 25 de Setembro de 1964 e durou
dez anos tendo terminado em 7 de Setembro de 1974, com assinatura do Acordo de Lusaka30, entre
o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique, movimento político nacionalista
reconhecido pela comunidade internacional e pelo Governo Português como sendo o representante
legitimo do povo moçambicano, culminando assim a dominação e o regime colonial português no
território moçambicano, libertando-se desta forma o povo e o seu respetivo território.
Segue as matéria sobre:
1. O despertar da África negra – o nacionalismo e a consciência africana;
2. A NESAM
3. A Consciência nacionalista moçambicana e os movimentos políticos pela independência de
Moçambique;
4. A formação e Constituição da Frente de libertação de Moçambique – FRELIMO;
5. A organização política e administrativa nas zonas libertadas durante a luta de libertação
6. Módulo III – A independência nacional e o Direito Moçambicano: a construção do
paradigma socialista de regulação social
30
Conhecido por "Acordo de Lusaka " Celebrado na cidade de Lusaka, na Zâmbia, sob moderação do então Presidente
da República da Zâmbia, Kenneth David Kaunda, em 7 de Setembro de 1974, entre o Estado Português e a Frente de
Libertação de Moçambique.
41
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O despertar da consciência e do nacionalismo dos africanos constitui naquela época um desafio que
os filhos de áfrica, vencendo o medo e a timidez decidiram individual e colectivamente desafiar o
seu colonizador enfrentado a sua musculatura, visando resgatar a sua personalidade e dignidade de
pessoa humana afirmando-se perante as autoridades políticas e administrativas do regime colonial
opondo-se ao poder político, económico, social e cultural estabelecido pelo regime colonial,
capitalista e imperialista europeu de opressão.
Os povos africanos jamais assumiram a derrota militar infringida pelos exércitos europeus muito
bem equipados e modernos que se aproveitaram da obsolência em parte do equipamento militar dos
exércitos africanos e das fragilidades e da falta da união dos respectivos governos, para se imporem
e fazerem valer o seu Direito, contra todas as manifestações políticas, económicas, sociais e
culturais dos africanos.
Contudo, a identidade cultural africana e o seu nacionalismo nunca morreu, apenas perante o regime
colonial foi esmagada e domesticada por força do Direito suportada pelas armadas do poderio do
colonizador, transformando-se em luta continuada pelos africanos sob diversas formas, sendo de
referir, revoltas, manifestações, greve, poesia, musica, arte, escultura, etc.
Os povos dos territórios africanos, na sua globalidade, com excepção da Libéria31 que nunca foi
submetida a nenhuma colonização estrangeira e a Etiópia, que contudo sofreu alguma ocupação
colonial visando a sua dominação e colonização pelo regime italiano no Governo fascista de
Mussolini, de 1935 a 1941, todos estiveram sob domínio colonial, capitalista e imperialista, desde
chamado o período das descobertas e da partilha de África até a proclamação da independência,
depois da segunda Guerra Mundial em 1945.
31
Fundada em 1847, pelos antigos escravos africanos, que foram libertados nos Estados Unidos e restabelecidos em
África, através de uma sociedade anti esclavagista americana.
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Independentemente do pais europeu de que o território e o respectivo povo africano estava sob sua
alçada, tinham de comum:
Face a situação da política cruel da colonização, resultando daí a opressão, humilhação e tratamento
desumano a que todos os povos africanos, particularmente os da África negra, a que estavam
submetidos, os filhos de África não se identificando com a submissão e sobretudo com a negação
dos seus Direitos e liberdades fundamentais e perante o movimento cada vez mais crescente oriundo
da Europa, América e Asia viram-se influenciados da acção política de outros povos em situação
idêntica, sendo de destacar as seguintes causas relevantes para o nosso tema:
Causas:
II Guerra Mundial
De 1939 a 1945 o mundo viveu a maior guerra sangrenta e destruidora de vidas humanas e de bens
materiais, como são as cidades, vilas e povoações, sem falar das infraestruturas completamente
destruídas, que no mundo inteiro é conhecida na história como a II Guerra Mundial que envolveu
em especial os países europeus e o palco, ou seja, o centro dos combates foi o continente europeu,
cuja guerra foi movida pela Alemanha Nazi contra todos os países daquele continente e contra as
potências coloniais de então.
Os Estados soberanos e as potências europeias que viram seus territórios invadidos agindo em
defesa da soberania e honra conjuntamente envolveram-se na guerra contra o inimigo comum e
seus aliados. A Inglaterra, a França, a Espanha, Portugal e Bélgica, incluindo a própria Alemanha
Nazi, para além dos seus próprios países europeus, recrutaram e treinaram, os cidadãos de raça
negra que depois de formados e já na qualidade de soldados integraram as fileiras do exército dos
soldados europeus, combatendo lado a lado com os soldados de raça branca provenientes da Europa.
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Nos combates, as balas e bombas inimigas não faziam selecção de quem era branco ou negro. As
doenças, fome e a sede atingiam todos sem descriminação na base da cor, raça ou lugar de
nascimento ou grau de instrução, religião ou posição social dos pais.
Pese embora, nos combates que o exército travava com os militares do lado do inimigo, na linha da
frente, em geral era constituída por soldados de raça negra recrutados em África que eram colocados
em posição tal que se tornam mais vulneráveis e obviamente vítimas das balas do inimigo, em
primeira linha.
As duas situações ocorridas no terreno das operações levou os soldados negros recrutados nos
vários territórios africanos a ganharem consciência de que apesar da descriminação a que estavam
sujeitos ao serem colocados na primeira linha de fogo e quando perdessem a vida, o tratamento que
se dava ao seu corpo não era igual ao que se dava a um soldado europeu de raça branca, que tinha
um enterro condigno na sua terra natal, salvo excepção, enquanto que os soldadas de raça negra,
eram em geral sepultados em valas comuns fora da sua terra de proveniência, perceberam que em
relação ao campo de batalha eram todos iguais, brancos e negros, tanto em valor como em
dignidade, pelo que o medo e o temor que os africanos poderiam ter não se justifica, pois o homem
branco é tao igual ao homem negro.
“Centenas de milhares de negros participaram nela em teatros de operações tao variados como a
Líbia, a Itália, a Normandia, a Alemanha, o Médio Oriente, a Indochina, a Birmânia, etc
………………………….…..
….520.000 Soldados coloniais tinham participado na guerra de 1914 – 1918. Em 1940 havia
127.320 atiradores da África Ocidental Francesa, 15500 da África Equatorial Francesa e 34000,
de Madagáscar. Quando do armistício, faltavam 24.271 “senegaleses” e 4350 malgaxes.
Foi essa, para centenas de milhares de negros, a ocasião de uma descoberta brutal do homem
branco, na sua verdade, sem máscara imperial nem ouropéis proconsulares. Os Brancos
trabalhavam com as suas mãos. Suavam. Tinham relações carnais. Atormentava-os a fome e a sede
como a qualquer outro. Havia os que tremiam de medo, os que torturavam, os que traiam e os que
matavam uns aos os outros com raiva. Certos deles eram heróis. “Os Negros não são melhores
nem piores que os homens das outras regiões do globo”, escrevia com serenidade David
Livingstone.
44
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
E esta simples frase, revolucionária no século XIX, tomava em 1942 um sentido límpido e cru para
milhões de africanos. Os brancos, confundidos em África na dominação e na superioridade
colonial, revelavam-se assim verdadeiros lobos uns para os outros. E no desprezo bestial em que
Hitler englobava os brancos não germânicos e os Negros descobriam estes subitamente o seu
próprio valor e atingiam ao mesmo tempo a estatura e o estatuto dos cavaleiros de uma causa que
traçava a verdadeira linha de demarcação entre os homens: a linha da dignidade. Os soldados
africanos foram os grandes artesãos da emancipação africana. Tanto aqueles que foram tragados
pela tormenta como aqueles que regressaram, mutilados ou não, alguns dos quais tomarão parte
activa nos movimentos políticos mais avançados dos seus países. Muitos, infelizmente, haviam
deixado os ossos nas terras frias do Norte32.”
As lições que se podem tirar sobre o papel da II Guerra Mundial para o continente africano e seus
respectivos povos são de que o mito secular semeado pelos conquistadores, colonizadores e
inimigos da igualdade e da liberdade dos Homens na terra sobre a superioridade do Homem branco
em relação ao Homem negro caiu por terra, porquanto, a acção da guerra fez compreender aos
africanos e aos próprios brancos que todo o Homem independentemente da sua raça, cor ou sexo é
por natureza igual ao outro em relação a vida, saúde, dor, sofrimento, sede, fome, doença, amor e
medo e crença.
A lição tirada da guerra lhes permitiu também compreender que na esteira da igualdade de direitos
e oportunidades, ninguém nasce para dominar o outro ou ser dominado pelo outro e que todos têm
a mesma oportunidade de se auto afirmar e auto organizar-se.
32
Joseph Ki-Azerbo, História da África Negra II, Edição revista e actualizada pelo autor, 2.ª Edição, Publicações
Europa-América, página 158.
45
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Nações Unidas
Em Maio de 1945, na cidade de São Francisco nos E.U.A. é criada a Organização das Nações
Unidas (ONU) e aprovada a Carta das Nações Unidas onde no artigo 1.º é proclamado o princípio
de autodeterminação dos povos, nos seguintes termos ”Os objectivos das Nações Unidas são:
1. …..
2. Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade
de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento
da paz universal.”
Com fundamento na carta das Nações Unidas, os povos ainda não libertos e sob dominação ou
administração de um outro Estado estrangeiro passam a usar a sede e os órgãos desta organização
internacional o lugar privilegiado para dar denunciar as atrocidades de que eram vítimas nos seus
territórios ocupados, fazendo pressão para que a ONU possa exercer o seu papel para pressionar o
Estado estrangeiro a conceder a independência do território que ocupa.
“Muito depressa se tornará a ONU uma tribuna mundial para os porta-vozes dos povos
colonizados, começando pelos naturais dos países sob tutela, e isso no quadro da Comissão de
Tutela da organização Internacional. Caixa de ressonância sem precedentes para atingir a opinião
publica do mundo inteiro, o edifício da Organização tornar-se-á uma espécie de altifalante que
amplificava a vos dos fracos33ª
Os E.U.A. historicamente surgem da luta de libertação promovida pelas 13 colonias inglesas então
constituídas nas terras americanas contra a potência colonizadora dos territórios da América, a
Inglaterra e ainda com base na sua própria experiência de relacionamento e dominação por parte do
Reino Unido da Grã-Bretanha a que estivarem sujeitos, isto é, “…da tradição anticolonial e
democrática das suas próprias origens políticas34”… “os Estados Unidos têm interesse evidente
em pedir a manutenção da porta aberta tanto na Etiópia como nos outros territórios africanos”.
33
Ibidem, página 162.
34
Ibidem, página 159.
46
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Os E.U.A. considerando a sua história política quanto a luta que travou contra o colonizador o
Reino Unido da Grã-Bretanha e a conquista da sua independência – soberania, e, sobretudo a
vontade política prevalecente de que a terra deve ser usada pelos legítimos filhos, sem prejuízo da
necessária cooperação com as demais nações do mundo e em especial os interesses económicos
decorrentes dos Estados independentes, assume um papel relevante na defesa da descolonização
dos territórios africanos e de todos os povos até então dominados por um Estado estrangeiro e
influência a política diplomática a todas as potências colonizadoras de territórios do continente
africano, promovendo uma política que tem por finalidade conceder independência aos respectivos
territórios que dominam, em respeito ao disposto no artigo 2, n.˚ 1 e 4 todos da Carta das Nações
Unidas.
Por conseguinte, os interesses que os EUA tinham ao defender a descolonização eram basicamente
uma oportunidade de ordem económica que com a defesa dessa política teriam com as novas
autoridades estaduais dos países então libertados pelas potências europeias colonizadoras.
Tratou-se naquela época de uma Estratégia política coroada de êxito, pois para os africanos, os
EUA, que já eram uma grande potência mundial e vencedora da parte ocidental da Europa contra a
invasão imperialista desencadeada pelas forças da Alemanha Nazi e seus aliados são vistos como
os grandes defensores da libertação do continente africano das garras do colonialismo europeu,
amigos e promotores da independência dos países africanos.
Na verdade, os Estados Unidos pelas lições da história o seu principal interesse era para com os
novos Estados assumirem compromissos de serem eles os privilegiados nas relações económicas e
na exploração de recursos naturais.
35
Ibidem, página 159.
47
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De referir ainda que os E.U.A. no final de II Guerra Mundial qualificam-se de líder dos países
ocidentais que ganharam a II Guerra Mundial.
Política da U.R.S.S.
A U.R.S.S. (União das Repúblicas Sociais Soviéticas) sob a direcção de Vladimir Lenine que
ascende ao poder através de uma revolução de camponeses de 17 de Outubro de 1917, implantou
um novo Estado que se funda nos princípios e fundamentos do marxismo, desenvolvido pelo Karl
Max, na grande obra deste “O Capital”, Lenine por sua vez, desenvolveu o marxismo e fez nascer
o leninismo no seu país.
Recorrendo as lições da história da África negra do Historiador Joseph Ki-Azerbo que temos vindo
a citá-lo “A política anticolonial da URSS assenta em bases ideológicas mais sólidas. Já Karl Marx,
fazendo-se eco dos doutrinários da Convenção Francesa, havia declarado que “um povo que
oprime outros povos não se pode considerar livre36”……………………………………………………
…………………….
“Em África, a influência comunista exerce-se essencialmente, de início, por intermédio dos
partidos comunistas dos países colonizadores e dos sindicatos e associações de obediência
marxista. Com a emancipação política, a presença soviética afirmou-se por vezes de maneira muito
nítida, seja deitando a espada na balança, como em 1956, quando do desembarque franco-
britânico após a nacionalização do canal de Suez por Nasser, seja ocupando o vazio deixado pela
retirada voluntária ou forçada do país colonizador. O anticolonialismo soviético é apresentado,
36
Ibidem, página 161.
48
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não apenas com uma tarefa de libertação, mas também como uma contribuição para a paz
mundial37”
A U.R.S.S. participou activamente na segunda guerra mundial e no final desta grande Guerra
Mundial venceu a Alemanha e seus aliados na parte Oriental, proclamando-se, por sua vez, de líder
dos países do leste que com eles venceu a guerra desencadeada pela Alemanha Nazi.
Surgem desta forma, no final da II Guerra Mundial, dois líderes: os EUA em relação aos países
ocidentais e a URSS quanto aos países do Leste, que ambos embora com interesses e fundamentos
diferentes têm de comum a defesa da descolonização dos territórios ocupados pelos países da
europa.
Ásia
Na II Guerra Mundial, uma das grandes potências da Ásia, o Japão que se aliou a Alemanha Nazi
fica militar, económica, politica e moralmente abalada com o lançamento da bomba atómica pelos
E.U.A. em 1945 sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaki sentindo-se obrigado a proceder a sua
rendição face ao avanço das forças aliadas e em consequência o Japão dá um recuo ao imperialismo
e concede independência a todos os povos que na região controlava, como são os casos da Birmânia
em 1948, colonia inglesa que de 1942 a 1945 foi ocupada por Japão e a Indochina Francesa, em
1945 que compreendia os territórios de Vietname, independente em 1945, Camboja, independente,
em 1953 e Laos, independente em 1945 do Japão que durante a segunda guerra mundial havia
ocupado de 1941 a 1945. Foi reocupado pela antiga potência colonial, a França que em 1949
concedeu uma autonomia e em 1953 a independência efectiva, nascendo o Estado de Laos, sendo
hoje a República Democrática Popular de Laos.
37
Ibidem, página 161.
49
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“Os dois gigantes da Ásia, cujo peso demográfico constitui um terço da humanidade (a India e a
China), vão também exercer um papel de primeira plana no nacionalismo negro-africano. A
independência da Índia (1947), apesar das circunstâncias deploráveis que a rodearam e das chacinas
da sua divisão, irá influenciar fortemente os africanos, sobretudo os anglófonos. A personalidade
de maatma Gandhi, cuja força moral fez ceder o leão Britânico, popularizou nos trópicos as técnicas
da luta politica não violenta. A China de Mao Tsé-Tung, pelo contrário, reinterpretando a teoria de
Marx para mobilizar o mais espantoso formigueiro humano, ia reeditar numa escala superior o
milagre económico alcançado no Japão por vias capitalistas. Era o segundo país subdesenvolvido a
realizar este feito. Após ter repelido Chang Kai Cheque para o reduto da formosa em 1949, a China
Popular tomava logo posições de anticolonialismo militante, que não foram desmentidas desde
então.
A Indonésia de Ahmed Sukarno adoptava uma atitude análoga. Foi neste pais que entre 18 e 24 de
Abril de 1955 se reuniu a Conferência Afro-asiática de Bandung, que deve ser considerada um acto
que fundou o movimento que veio a ter grandes repercussões no comunidade internacional,
relativamente a dominação estrangeira e colonização europeia dos estados africanos, asiáticos e
latino americanos. Eram os primeiros “Estados Gerais” dos povos oprimidos, 29 países, (um bilião
e meio de homens) que até ai haviam sido meros objectos e que pretendiam, muito simplesmente,
ser senhores do seu destino. Povos antigos e altivos, que aspiravam a “levantarem-se de novo e a
voltarem a desempenharem um papel nas actividades humanas”. Entre os delegados, discretos e
cortês, circulava Chu En-Lai, vestido com uma túnica sóbria e clara, “ouvindo pacientemente todos
os argumentos e apresentando a outra face quando recebia uma bofetada ideológica”. Bandung
lançava as bases de uma tradição, que ainda perdura38.”
38
Ibidem, página 163.
50
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
Para além do que já nos referimos atrás quanto ao ambiente criado na conjuntura nacional e
internacional sobre as origens da consciência africana é de extrema importância o papel
desempenhado pelos sindicatos africanos, pelos intelectuais, pelos movimentos estudantis, pelas
igrejas, pelos partidos políticos, pelos jovens e pelas mulheres africanas de todo o nosso continente,
na denuncia e na luta contra o Direito estrangeiro e contra a presença, governação e administração
imposta pelos colonialistas.
Neocolonialismo
plano os interesses particulares e, com recurso a instigação dos seus compatriotas nacionais fazem
eco ao projecto colonial de continuar a dominar e explorar os recursos do País.
São os próprios nacionais sob mando das grandes potenciais ocidentais que favorecem a criação de
um ambiente turvo no seio do povo que resulta na divisão da comunidade e dos agentes políticos e
estes com apoio dos cidadãos menos esclarecidos e antipatriótico, com o recurso ao tribalismo e
regionalismo, conseguem pôr em causa a unidade nacional e fragmentar os povos africanos,
surgindo assim ideias de criação de pequenos Estados regionais politicamente enfraquecidos que
vão alimentar os interesses capitalistas com a exploração de recursos naturais do território africano,
em troca de enriquecimento pessoal de uma pequena camada de políticos e pobreza cada vez mais
do povo e do respectivo Estado que fica desprovido de meios que garantem o bem-estar social,
económico e cultural da maioria dos cidadãos nacionais.
Politicamente alguns africanos nos cargos do poder político ou administrativo, adoptam as leis, os
regulamentos e os modelos de organização e administração colonial em contrariedade directa e
imediata da realidade do seu próprio país e do seu próprio povo, mesmo cientes de que foi por
virtude dessas leis e modelos de vida e de organização e administração pública que se desencadeou
a luta pela independência nacional, que tanto provocou luta e sofrimento dos nacionais.
No campo social e cultural, alguns dos dirigentes e cidadãos fortemente assimilados do Direito da
potência colonial, no seu modo e no seu estilo de vida adoptam o modelo seguido pelos antigos
colonizadores, quer na indumentária, na gastronomia, quer na música, na arte, na língua e no
relacionamento com as pessoas, manifestando em consequência o desrespeito, a humilhação e o
desprezo dos seus próprios compatriotas ou concidadão.
52
Doutor António Salomão Chipanga, PhD, Professor e Regente da Disciplina de História de Direito
Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
As atitudes antinacionais e compatriotas acima descritas são em si uma doença contaminada pelos
agentes da potência colonial que se tornaram modelo de vida e de estar de alguns dos nossos
nacionais ora libertados da dominação e colonização europeia e com tais atitudes se afastam da
orientação e da identidade cultural dos povos de que são oriundos, a comunidade africana de que
são filhos legítimos e compatriotas.
Sobre este nosso tema e em jeito de encerrar é relevante a reflexão do Kwame Nkrumah que em
seguida fazemos a sua integral transcrição:
“Actualmente, quando o mundo inteiro (à excepção dos racistas inveterados) admite que a
libertação da África é um facto inelutável, certos meios esforçam-se por obter acordos nos termos
dos quais as populações locais adquirem uma liberdade teórica e os laços que as ligam à “mãe-
pátria” se mantém tão apertados como anteriormente.
Este tipo de arranjos faz do território africano uma aparência de nação, mas deixa a substancia da
soberania nas mãos da potência metropolitana. Esta envia uma espécie de ajuda para enganar o
povo e dar a impressão de que alguma coisa se está a fazer por ele. O objectivo é desviar a atenção
da exigência nascente de uma mudança de governo que envolva uma independência mais positiva
e um programa dirigido para o bem-estar do povo. As potências pretendem utilizar os novos Estados
africanos, assim condicionados, como fantoches através dos quais poderão estender a sua influência
a Estados que preservam a sua independência e a sua soberania. A criação de vários Estados fracos
e instáveis deste tipo em África, assegurará, segundo esperam, a continuação da dependência desses
territórios face às antigas potências colonizadoras em matéria de ajuda económica, e impedirá a
realização de unidade africana.
……………………………………………………………………………………………………
Na África actual há vários Estados aparentemente independentes que, conscientemente ou não,
aceitam esta situação e servem os interesses do novo imperialismo, que procura salvar alguma coisa
do naufrágio do imperialismo antigo. O Mercado Comum Europeu é exemplo flagrante: a nova
ameaça que esta organização faz pesar sobre a unidade africana, embora imperceptível, é
extremamente grave.
No que respeita ao Gana, não nos opomos a qualquer tipo de contrato que as nações europeias
possam estabelecer entre si para conseguir uma maior liberdade de comércio na Europa; mas
opomo-nos decidida e firmemente a qualquer tipo de arranjo que utiliza a união da Europeia
53
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
ocidental como pretexto para perpectuar os privilégios coloniais em África. Protestamos portanto,
logicamente, contra qualquer grupo económico ou político de potências europeias que procure
exercer, neste domínio, uma pressão sobre os jovens países africanos, ou que pratique medidas
discriminatórias contra os países que não aceitem participar nesses contratos exclusivos e
desleais39.”
39
Kwame Nkruma, A África deve unir-se, 3.˚ Mundo e Revolução, Série Dois, n.˚ 1, Ulmero, Lisboa, página 203 a 205.
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Ao nível do continente africano, em 1960, um total de 17 países tornam-se independentes das suas
potências coloniais e na Africa do sul o ANC é banido e em 12 de Março ocorre o massacre de
Sharpeville.
Todos estes acontecimentos criam nos moçambicanos a consciência cada vez mais de se
envolverem na luta contra o regime colonial e fascista português.
1. NESAM
O Doutor Eduardo Chivambo Mondlane40, com base na experiência que tinha sobre o
associativismo obtido na sua vida religiosa na Igreja Presbiteriana de Moçambique e na sua vida
estudantil na África do Sul, onde militava na Liga Juvenil do Congresso Nacional Africano, ANC,
durante a sua visita de férias a Lourenço Marques, actual cidade de Maputo, vindo de Nova Iorque
cidade dos Estados Unidos da América, quando era alto funcionário das Nações Unidas, criou no
início de 1949, o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique, abreviadamente
conhecido por NESAM, congregando estudantes africanos de Moçambique que frequentavam o
ensino secundário na cidade de Lourenço Marques, a única41 cidade do território moçambicano em
que os estudantes negros podiam continuar com os seus estudos, depois de concluirem o ensino
primário.
A NESAM42, funcionava ligado ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique (CAN), ex-
Instituto Negrófilo, não colheu simpatia do sistema político colonial, pelos objectivos que
prosseguia, nomeadamente: desenvolver espírito de solidariedade e camaradagem entre os jovens
estudantes africanos para melhor servir a sua comunidade, dai, que a PIDE ficou preocupada43 com
esta associação.
40
Matusse, Renato, 2004, Guebuza: A Paixão pela Terra, MACMILLAN Moçambique, Lda., Maputo, p. 28, - o Núcleo
dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM) foi formado por Eduardo Mondlane em princípios
de 1949 durante a sua estadia de férias em Lourenço Marques.
Mondlane trazia consigo a experiência dos mintlava da Igreja Presbiteriana de Moçambique, e o associativismo, quer
estudantil quer político, da África do Sul, uma vez que lá já militava na Liga Juvenil do Congresso Nacional Africano, o
ANC.
41
Tembe, 2014, p. 17.
42
Os membros desta organização juvenil e parte deles, na pessoa de Mariano Matsinha, quando certa vez foram
chamados pelo Administrador do 1.º Bairro da cidade de Lourenço Marques, sobre os objectivos desta associação e sua
irrelevância em face da Mocidade Portuguesa para onde deveriam se filiar e extinguir a NESAM disse defendendo a
sua continuidade que a associação visava prestar apoio aos outros irmãos negros na sua superação escolar, pois não
possuíam meios financeiros para custear os seus estudos ou pagar explicadores e na associação encontravam meios de
superar a falta, com recurso aos estudantes que se encontravam em níveis superiores.
43
Tembe, 2014, p. 19, - O NESAM constituia uma grande preocupação das autoridades coloniais, que amiúde
obrigavam os seus membros a se integrarem na Mocidade Portuguesa. Não obstante esta tendência colonial, os
jovens não cessavam de se incorporar no NESAM que se foi transformando em uma organização nacionalista
55
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Foi a NESAM que congregando vários nacionalistas moçambicanos, desenvolveu uma consciência
nacionalista, de luta contra a dominação colonial, da negação dos direitos ao povo moçambicano,
estimulou a consciência da autodeterminação44, e anticolonialismo bem como o espírito de luta
pela conquista da liberdade, forjou a solidariedade entre os moçambicanos e sobretudo o espírito
da unidade nacional e luta clandestina contra a ocupação colonial portuguesa.
A NESAM45 é uma associação estudantil que despertou a consciência política dos jovens
moçambicanos e formou muitos dos dirigentes que mais tarde foram integrar a FRELIMO na luta
de libertação nacional de Moçambique.
São exemplos disso, personalidades como Eduardo Mondlane, o fundador, Joaquim Chissano e
Armando Guebuza que ambos se tornaram Presidentes do Núcleo, em resultado de um processo
eleitoral para o efeito organizado ao nível da Associação, Mariano Matsinhe, Pascoal Mucumbi,
Angelo Azarias Chichava, Albino Magaia, Lina Magaia, Josina Machel, Luis Bernardo Honwana,
Cristina Tembe e outros.
Esta associação de estudantes não só teve uma actuação centrada na cidade de Lourenço Marques,
mas também na cidade de Xai-Xai46, na província de Gaza, donde eram oriundos muitos dos
estudantes que frequentavam o ensino em Lourenço Marques e desenvolveu muitas actividades
políticas em outras partes do País a coberto de actividades sociais, culturais, desportivas, recreativas
embrionária. Perante esta ameaça política, que o NESAM representava, as autoridades coloniais, através da PIDE,
decidiram encerrá-lo, em 1965.
44
Moreira, 1995, p. 342 e segs, - a teoria dos direitos humanos tem como uma das premissas fundamentais a
reivindicação da liberdade de grupo a que o individuo pertence. Foram as sociedades párias, ou por motivos religiosos,
ou por motivos étnicos, que primeiro reivindicaram o direito à identidade. (…).
Mas foi o princípio das nacionalidades que definitivamente introduziu na problemática política a relação entre a
identidade do grupo e a sua independência política. Porque é que foi o conceito de nação, e não qualquer outro,
como a identidade religiosa ou a identidade étnica, que se tornou politicamente operante é uma questão que apenas
tem resposta histórica regional. No Ocidente, foi a nação que se tornou relevante, mas não aconteceu assim em todo
o globo.
Mesmo no Ocidente, e não obstante a existência antiga de fenómenos estaduais enquadrados por um sentimento
nacional, só no século XIX é que o princípio se transformou numa base da organização política ocidental.
45
Matusse, 2004, p. 28, - Mondlane sublinha que a PIDE não se mostrou favorável à ideia da criação do NESAM e ele
foi “detido para um interrogatório” (Mondlane 1969:113). O Major-General na Reserva, Mariano Matsinha, que
chegou a Secundo Secretário d Associação e foi mais tarde membro sénior da FRELIMO, sublinha que mesmo o termo
“africano” perturbava os portugueses que defendiam a sua redundância, uma vez que os membros da NESAM “eram
portugueses”. Revela também que certa vez uma delegação da NESAM foi convidada a um encontro com o
administrador do 1.˚ Bairro, Ferraz de Freitas “Malalanyane”. Ele insistia, no encontro, que deveriam abandonar a
NESAM e integrarem-se na Mocidade Portuguesa. Porém, o Major-General na Reserva, Mariano Matsinha diz que
“nós contrapusemos, dizendo que a nossa associação tinha em vista apoiar outros irmãos negros na sua superação
escolar pois os que não tinham recursos não teriam, de outro modo, acesso a um explicador.
46
Tembe, 2014, p. 18.
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A acção política nacionalista da NESAM foi influenciando um pouco por todo o território
moçambicano, a formação de organizações associativas hostis ao regime colonial que se tornam
“mais radicais ao longo das décadas de 1940 e 1950. O exemplo é o do Centro de Moçambique
onde Sixpence Simango e Colombus Kamba Simango, com ligações com a American Board Mission
(ou, pelo menos, influenciados por esta Missão durante a sua formação académica), criaram o
Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala, nos princípios da década de 1940. Estabelecidos na Beira,
este Núcleo, tal como o NESAM no sul do País, tornar-se-ia num destacável movimento de cariz
nacionalista no centro de Moçambique. Outra Contribuição importante na zona centro, foi da
Igreja de Cristo de Moçambique de Tapera Nkomo, Samuel Simango e Arão Nguenha, nas regiões
de Buzi, Machanga e cidade da Beira, que estimulou o desenvolvimento de actividades políticas
clandestinas entre os moçambicanos. O pastor Nguenha chegou a ser preso pela PIDE. Uma das
maiores revoltas rurais da década de 1950, a revolta de Machanga (1953), contou com a
colaboração do Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala. Outra Ligação importante com este
movimento reivindicativo em Sofala, foi o papel mobilizador da Igreja protestante independente, a
Igreja Evangélica. Foi neste contexto que emergiu uma juventude com uma profunda consciência
nacionalista como, por exemplo, Uria Simango, Silvério Nungo, Filipe Magaia, Feliciano
Gundana, Manuel António, entre outros, que seriam membros activos da UDENAMO e mais tarde,
da FRELIMO. Deste grupo, Uria Simango seria mais notável ao associar o seu trabalho religioso
com a consciencialização dos jovens, quer na igreja ou através da escola e associações culturais,
em Moçambique e depois na Rodésia do Sul, sob perseguição constante da PIDE47”.
A Associação48 preparou jovens para a luta e criou as bases políticas e ideológicas para a fase
seguinte que se traduziu na formação do movimento político de luta contra o colonialismo
Português, a FRELIMO, em 1962.
47
Tembe, 2014, p. 19 e segs.
48
Mondlane, Eduardo, 1976, Lutar por Moçambique, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, p. 121, - A eficácia do
NESAM, como a de todas as organizações dos primeiros tempos, era estritamente limitada pelo pequeno número dos
seus membros, neste caso, restrita aos estudantes negros da escola secundária. Mas, pelo menos de três maneiras,
deu um importante contributo para a revolução. Comunicou ideias nacionalistas à mocidade negra instruída.
Conseguiu certa revalorização da cultura nacional, que contra-atacou as tentativas dos Portugueses para levarem os
estudantes africanos a desprezarem e abandonarem o seu próprio povo. Deu a única oportunidade de estudar e
discutir Moçambique sem ser como apêndice de Portugal. E, talvez o mais importante de tudo, cimentou contactos
pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que se formou entre gente de todas as idades, e
que podia ser utilizada por um futuro movimento secreto. Por exemplo, quando a FRELIMO se instalou na região de
Lourenço Marques em 1962 e 1963, os membros da NESAM foram os primeiros a serem mobilizados e constituíram
uma estrutura para receber o partido.
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Foi a NESAM que no quadro da sua actividade política desenvolveu e estimulou a luta de libertação,
o desafio contra as forças policiais ao serviço do colonialismo, a ideia da independência nacional e
excitação a resistência da actuação da polícia política.
A NESAM resistiu às perseguições e conseguiu fundar uma Revista pela qual divulgava as suas
ideias e modos de luta contra o regime colonial Português, o Alvor.
O NESAM, tal como as demais associações dos negros em Moçambique, era organização que
integrava número muito pequeno de moçambicanos, pois não podiam ser numerosos, devido à
actuação da Polícia sobre tais associações, por um lado e por outro porque eram constituídas pelos
intelectuais negros ou mulatos, que naquela altura eram em número bastante reduzido.
Foi o NESAM que permitiu, pela primeira vez, cimentar a ideia da unidade nacional, discutir
assuntos de Moçambique desligado da realidade de Portugal, estabelecer contactos individualizados
entre os moçambicanos, transmitir o sentimento de luta de resistência contra a cultura colonialista
e valorização da cultura moçambicana, desenvolver uma dinâmica de luta clandestina, usando
métodos e estilo de actividade secreta no combate ao colonialismo tendo aparecido mobilizar
jovens adultos para uma luta de resistência contra o colonialismo e ofereceu garantias de que os
moçambicanos podiam desenvolver uma luta vitoriosa contra o colonialismo.
Os membros do NESAM foram aqueles que em 1964 receberam e instalaram a FRELIMO nas suas
bases, na cidade de Lourenço Marques após a sua fundação em 1962, tal como iremos em seguida
observar, para além de que a maioria dos membros fundadores da FRELIMO são provenientes do
NESAM.
De referir que parte dos membros do NESAM fundaram em 1963, a UNEMO (União dos
Estudantes de Moçambique) que foi parte da FRELIMO e se ocupou de organizar os estudantes
moçambicanos com assistência da FRELIMO durante a luta armada.
Devido a sua actuação e hostilidade ao regime colonial e sobretudo os seus objectivos e visão
nacionalista49, “O NESAM constituía uma grande preocupação das autoridades coloniais, que
amiúde obrigava os seus membros a se integrarem na Mocidade Portuguesa. Não obstante esta
tendência colonial, os jovens não cessavam de se incorporar no NESAM que se foi transformando
em uma organização nacionalista embrionária.
A polícia secreta, ou a PIDE, também percebeu isto e proibiu o NESAM; em 1964, prendeu alguns dos seus membros
e forçou outros a partirem para o exílio.
49
Tembe, 2014, p. 19.
58
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Perante esta ameaça política, que o NESAM representava, as autoridades coloniais, através da
PIDE, decidiram encerrá-lo, em 1965”.
É na NESSAM que encontramos a consciência nacionalista da democracia representativa, em que
as liderenças da associação estudantil resultam de um processo de escolha livre por parte dos jovens
associados, sendo este, para nós no presente estudo, o embrião do sufrágio universal que hoje se
encontra consagrado no artigo 73 da CRM.
O processo eleitoral de escolha livre dos representantes dos estudantes nos cargos de direcção do
Núcleo foi sendo conduzido pelos próprios estudantes que no acto se tornam eleitores, exercendo o
seu direito de voto e de ser votado.
Sobre o processo de designação dos titulares de cargos de direcção do Núcleo ilucida-nos Renato
Matusse50, “Joaquim Alberto Chissano deixa a Direcção do NESAM em 1959 porque, como ele
próprio sublinha, {queria concentrar-me nos estudos para conseguir concluir o 7.˚ ano e seguir, no
ano seguinte, para Portugal para fazer medicina.
No NESAM eu dava o meu melhor, dinamizando, entre outras actividades, a cultura, o desporto e
o Jornal Alvor, que conseguia que tivesse um elevado número de leitores fora de Lourenço
Marques}. Para seu sucessor, o NESAM elege sucessivamente Filipe Nhancale e Jaime Mathe. Os
mandatos para a direcção do NESAM coincidiam com o início das aulas em Setembro e tinham a
duração de um ano, segundo Magno Hunguana.
Os que ansiavam por um regresso ao status quo ante, dos tempos de Joaquim Alberto Chissano,
tinham que apostar em novo sangue, quando fosse a vez das eleições no Núcleo.
A aposta dos que queriam mudanças e da maior inserção e relevância do Núcleo para os estudantes
viria a recair sobre Armando Emílio Guebuza51, em 1963. Para além de granjear muita simpatia no
seio dos membros do Núcleo, Guebuza era também, admirado pela nova direcção “revolucionária”
do Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique.
***
50
MATUSSE, 2004, p. 31 e seguintes.
51
Tembe, 2014, p. 18, - Nos anos de 1957/1959 nos tempos de estudantes no Liceu em Lourenço Marques, Joaquim
Chissano e Pascoal Mocumbi que chegaram a dirigir o NESAM, como Presidente e Vice-Presidente, respectivamente.
Já sob a liderança de Armando Guebuza a partir de 1963, o núcleo era também conhecido por NEAM, defensor de
ideias emancipadoras, foi possível abrir uma representação do NESAM em Xai-Xai apesar da constante vigilância da
PIDE.
59
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Filipe Mussongue Júnior e João Daniel foram investidos nos cargos de Presidente e Vice-
Presidente do Centro, em Março de 1963. Filipe Mussongue Júnior interpretando as expectativas
do eleitorado é citado pela edição do dia 4 de Abril da Voz Africana, desse ano, a dizer que “a nossa
eleição já foi um desejo seu [dos associados] e tudo o que realizarmos serão os anseios já conhecidos
da longa data”.
E não desapontou, pois o “dinâmico” Presidente que revolucionou a vida do Centro [ …] foi
reeleito” por “uma percentagem de cerca de 95% “, segundo a edição de 8 de Fevereiro de 1964
da Voz Africana. Alberto Massavanhane foi eleito Vice-Presidente.”
As lições sucessivas que se podem extrair desta associação estudantil são de que apesar da
juventude que pairava sobre cada um dos associados, as lideranças deveriam surgir por voto
exercido por cada um dos membros e o acto se realiza no fim do mandato do anterior eleito,
legitimando assim o titular do cargo estatutáriamente previsto e nesta fase há porconseguinte, a
noção clara do mandato e o respeito pelo estilo e programa de liderança de cada um. Esta foi assim
a experiência e cultura política que se foi capitalizando ao longo dos anos e processos que se
seguiram, sobretudo na constituição e funcionamento da FRELIMO, conforme iremos ver em
seguida.
1.1.Fundação da UDENAMO
52
Tembe, 2014, p. 32 e segs.
53
David Mabunda, Paulo Gumane, Mulendze Kandauele, David Chambale, Daniel Malhalela, Bombata Matata Tembe,
José Nkovane, Lourenço Matola, Simão Mapangue Aníbal Chilengue, José Nkovane e Henrique Mandlate, aos quais
se juntam outros trabalhadores da cidade de Salisbúria, hoje Harare, chefiados por Lopes Tembe Ndelane e José Bila.
60
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
Muitos moçambicanos ingressaram neste movimento que depois passaram integrar a FRELIMO
com a sua criação sendo de destacar, o Marcelino dos Santos que foi representante da UDENAMO
na 1.ͣ Reunião da CONCP54 (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias
Portuguesas), em Casa Blanca, Marrocos, de 18 a 20 de Abril de 1961.
A associação que deu origem a UNAMI era constituída pelos cidadãos da região de Tete e tinha
por objectivo a defesa dos interesses dos seus associados, entrando depois na clandestinidade em
virtude de não reconhecimento oficial por parte do Governo colonial.
54
Pretendia ser uma entidade coordenadora dos diversos movimentos independentistas das colónias Portuguesas em
Africa. Dos seus princípios básicos estabelecidos em Outubro de 1965 são de destacar a referência a necessidade da
luta armada como meio de alcançar a independência e a necessidade de dsenvolver a consciência de massas no que
tocava à construção e consolidação da unidade nacional.
55
Tembe, 2014, p. 34 e segs.
61
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A UNAMI com sede na antiga Niassalândia, actual República do Malawi, cidade de Blantyre, tem
como líder, o Baltazar da Costa Changonga e conta com apoio das populações de Tete. Integrava
ainda no seu elenco Inácio Nunes, Jaime Kamba e outros moçambicanos provenientes
maioritariamente da província de Tete e parte da província da Zambézia.
Mais tarde, a UNAMI transferiu sua sede do Malawi para Dar-es-Salaam na Tanganyika, em 1961
onde se juntou a MANU e a UDENAMO que também já tinha sua sede naquela cidade, a partir do
mesmo ano, trabalhando contudo em separados, pese embora sobre o mesmo objecto a libertação
de Moçambique do regime colonial Português, contando ainda com outros nacionalistas
moçambicanos e de movimentos nacionalistas da África Austral.
56
Tembe, 2014, p. 36 e segs.
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Este partido que nas suas fileiras integrava ainda Sauli Diancale e Daúde Atupali, entre outros, teve
um papel muito importante na união de moçambicanos trabalhadores nas plantações de sisal na
Tanganyika e na defesa dos seus interesses perante o patronato, agindo como se de sindicato dos
trabalhadores se tratasse.
O MANU desenvolveu uma forte aliança com a TANU que lhes prestava apoio e solidariedade em
vários domínios na causa da sua luta e lhes concedeu muitas facilitades incluindo escritórios para a
sua instalação e funcionamento no território tanzaniano.
A Tanganyika e Zanzibar, “tinham fortes ligações com o norte de Moçambique, donde grande parte
dos moçambicanos partiam para procurar trabalho ou até educar os seus filhos. A zona fronteiriça
do Rovuma é também partilhada por populações Makonde dos dois lados da fronteira, tornando as
relações entre os dois povos de grandes afinidades etno-culturais e linguisticas. Mesmo Zanzibar
tinha grandes laços com as populações islamizadas do norte de Moçambique.
Estas ligações sócios culturais tornavam a partilha de valores políticos de solidariedade muito forte,
com uma grande distribuição de redes clandestinas de apoio à MANU em Cabo Delgado. A MANU
tranformar-se-ia no principal movimento representantivo de luta em Moçambique na Tanganyika57.
Foi entre a MANU e a UDENAMO que iniciaram os primeiros contactos para a internacionalização
conjunta do movimento nacionalista de Moçambique, quer através da CONCP e, também, com as
praticipações nas conferências nacionalistas organizadas pelo Presidente Kwame Nkrumah do
Gana58”.
Em contra partida, os movimentos políticos da época, dos territórios britânicos como a TANU, de
Julius Nyerere na Tanganyika, e KANU, de Jomo Kenyatta, no Quénia, apresentam-se com uma
melhor organização, bem estruturados e com um projecto de luta mais consistente.
57
Tembe, 2014, p. 36 e segs.
58
Ibidem, p. 36.
63
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Entre os moçambicanos que abandonaram o País para continuar os estudos no estrangeiro figura o
Doutor Eduardo Chivambo Mondlane, que vivendo nos Estados Unidos da América onde era alto
funcionário das Nações Unidas e afecto no Departamento da descolonização, decide interromper o
seu vínculo jurídico-laboral com aquela organização internacional e lança-se na luta pela
descolonização do seu País, do colonialismo português, associando-se aos três movimentos já
criados que, entretanto, o convidaram para se integrar e desenvolverem a luta contra o ocupante
estrangeiro.
Do contacto e amizade política que firma com Eduardo Mondlane, prometeu a este que
quando proclamar a independência do seu País, prestaria total apoio na criação de condições
para a concentração e desenvolvimento da luta de libertação de Moçambique do
colonialismo português;
b) A Casa dos Estudantes do Império, com sede em Lisboa, onde os estudantes provenientes
de todas as colonias portuguesas do ultramar se juntam e trocam experiências da vida
política de cada um dos seus Países de proveniência, foram criadas bases objectivas para o
surgimento da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
(CONCP) que é fundada entre 18 e 20 de Abril de 1961, em Casablanca, no Reino de
Marrocos e o moçambicano nacionalista, Marcelino dos Santos é eleito Secretário-Geral.
Na Conferência constitutiva da CONCP conclui-se que há necessidade da unidade e
coordenação na luta dos movimentos de libertação das colonias portuguesas, assim como o
combate ao racismo, tribalismo e regionalismo. Na mesma conferência constata-se que há
ausência de unidade entre os nacionalistas de Moçambique.
64
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
59
Ibidem, p. 38 e segs. – Eduardo Mondlane, através da ONU em visita a Moçambique, no primeiro semestre de 1961,
produziu um relatório circunstanciado sobre a situação sócio-económica e política de Moçambique, em Maio do
mesmo ano. Este relatório foi submetido a John Kennedy, Presidente dos EUA, que serviria para persuadir ou induzir
o governo colonial português a introduzir reformas políticas nas colónias, incluindo Moçambique. No Gana, Marrocos,
Egipto e no Tanganyika, crescia o apoio aos movimentos políticos de Moçambique. Particular acção de formação
política foi oferecida por Gana através de Conferências e cursos organizados pelo Kwame Nkrumah Ideological
Institute. Ainda na mesma linha a UDENAMO submeteu uma petição às Nações Unidas, em Outubro de 1961, na qual
denunciava os actos de intimidação, a “brutalidade selvagem” e as “atrocidades cruéis” que um dos membros da
organização, de Portugal, infligia aos moçambicanos.
Foi neste contexto que foram promulgadas as reformas de Setembro de 1961 pelo então Ministro do Ultramar de
Salazar, Adriano Moreira. Estas reformas jurídicas e administrativas incluíam toda uma série de medidas dentre as
quais se podem mencionar a abolição da cultura obrigatória do algodão, a revogação do estatuto do indiginato, a
regulação de concessões de terrenos, o fim do trabalho forçado e a criação de Juntas Provinciais de Povoação (de
Angola e Moçambique), com o objectivo de povoar as colónias com o excedente da população rural de Portugal. As
medidas de Adriano Moreira incluíam reformas educacionais e o desenvolvimento de políticas de fenómeno industrial
e de construção de várias infra-estruturas.
Porém, estas reformas não mereceram uma preparação prévia uma vez que foram promovidas para responder às
crescentes pressões internacionais que exigiam a descolonização das suas colónias. Por isso, não admira muito que a
sua aplicação não tenha sido satisfatória.
A abolição do estatuto de indiginato pode ser visto, em teoria, como uma das medidas mais radicais. A partir desta
abolição, todos os habitantes dos impérios portugueses (incluindo os das “províncias ultramarinas” como
Moçambique) tinham o mesmo estatuto. Na prática, havia dois grupos – os que viviam sob o direito consuetudinário
e os que estavam sujeitos ao direito civil português. Os africanos podiam optar, de forma voluntária, pelo direito civil
e a sua decisão era considerada irrevogável e aplicável aos seus descendentes. Seja como for, o impacto político
destas mudanças foi significante devido ao facto de o direito de voto depender da posse do bilhete de identidade que
estava condicionado aos rendimentos, aos bens e às habilitações literárias e, praticamente, se circunscreviam às zinas
urbanas e deviam ser em torno do Partido Nacional num contexto de ausência de princípios democráticos. Por esta
razão, grande maioria da população (africana) ficava fora da participação nos sufrágios eleitorais. Portanto, este é um
dos exemplos da situação de diferenças entre a aprovação d leis e a aplicação, típica do colonialismo português em
Moçambique, mesmo nas décadas de 1960 e 1970. (…).
As medidas que o regime vinha promulgando, incluindo as reformas de Adriano Moreira, não foram suficientes para
reduzir as restrições políticas, principalmente, a ferocidade da PIDE em Moçambique e o mesmo em países vizinhos.
No norte de Moçambique, por exemplo, os principais alvos eram os Makondes de Mueda, os anglicanos de Niassa, e
os muçulmanos. Estes últimos, sobretudo, os dignatários religiosos e os régulos e apiya-mwene, foram alvos
preferenciais por serem grupos com ligações tradicionais, históricas, culturais, religiosas e de parentesco com os
muçulmanos de Tanganyika e Unguja e, por isso, considerados os que facilmente comunicavam com os muçulmanos
destes territórios, através de quem sofriam influência de TANU e de Nyerere. As autoridades coloniais acreditavam
também que eles tinham fortes laços com os imigrantes moçambicanos em Tanganyika e Unguja e, por conseguinte,
podiam facilmente integrar-se ou apoiar a MANU, e mais tarde, a FRELIMO.
65
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Em Fevereiro de 1962, pelos estudantes moçambicanos exilados na França foi criada em Paris 60 a
União Nacional dos Estudantes de Moçambique, (UNEMO), Estes estudantes estabeleceram
contacto com os nacionalistas Eduardo Mondlane e Marcelino dos Santos procurando através deles
tomar contacto com o movimento da luta pela conquista da independência e inserirem-se numa
frente de luta contra a colonização e dominação do seu País tal como ocorre em muitos Países
dominados pela França no norte de África.
Em Maio de 1962, Joaquim Chissano foi a Dar-Es-Salaam, em nome da UNEMO, e, por sua vez,
tentou persuadir os dois movimentos de libertação sedeadas naquela cidade para a sua união 61 e
desencadeamento de uma luta global contra o regime colonial português, apelando à unidade dos
patriotas moçambicanos em torno dos objectivos do movimento de libertação.
60
Tembe, 2014, p. 46 e segs.
61
Tembe, 2014, p. 38 e segs.
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62
Independente desde 9 de Dezembro de 1961. Ex-colónia da Alemanha desde a década de 1880 até 1919 e colónia
Britânica entre 1919 e 1961.
63
Data em que a República da Tanganyika, parte continental e a parte adjacente ou marítima a Ilha de
Unguja, (Hoje Zanzibar), os dois Estados se unificaram e formaram uma só Nação e um só Estado, a
República Unida da Tanzânia, com capital Dodoma.
64
Tembe, op cit., p. 48 e segs., - Depois desta visita a Moçambique, Eduardo Mondlane foi à Rodésia do Sul, onde
conheceu os nacionalistas moçambicanos, dentre os quais Uria Simango e Adelino Gwambe. É dele o seguinte
relato:
Quando passei por Salisbúria, ido de Moçambique, no início de 1961, encontre vários grupos de trabalho que por
vezes, cooperavam entre si e, por outras, se distanciavam. Ao falar com vários destes grupos, sugeri que se
organizassem num movimento unificado, o qual estaria ligado às forças nacionalistas em Moçambique e aos grupos
que trabalhavam no exílio. Um dos oficiais do partido UDENAMO, o Sr. Adelino Gwambe, de 23 anos de idade decidiu
jogar a sua sorte com os nacionalistas e aceitou ser enviado a Dar-es-Salaam, Tanganyika, a fim de entrar em contacto
com os membros da MANU e ver as possibilidades de formação de uma frente comum. Mas tarde, Baltazar Chagonga,
presidente de um outro partido moçambicano, juntou-se a eles como representante de um grupo estabelecido no
Nyasalan (Malawi), cujo nome era Mozambique National Independence Party (UNAMI) (partido para a Independência
Nacional de Moçambique).
67
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65
Tembe, 2014, p. 43 e segs., - A necessidade de participação do movimento nacionalista moçambicano em
conferências internacionais, sobretudo na Conferência de todos os movimentos nacionalistas Africanos, em 1962, no
Gana, acelerou a aproximação entre os líderes da MANU e da UDENAMO, até que, entre Fevereiro e Maio de 1962,
se materializava a criação de uma Frente Unida entre a UDENAMO e a MANU sob pressão de Kwame Nkrumah. O
documento fora assinado pelos líderes da UDENAMO, Adelino Gwambe e Calvino Mahlayeye e da MANU, Mateus
Mmole e Lourenço Milinga. Esta Frente seria uma antecipação ao trabalho já em curso visando a unificação dos
movimentos, servindo desta maneira como embrião da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), criada a 25
de Junho de 1962, integrando também a UNAMI, onde foi eleito como primeiro presidente, Eduardo Chivambo
Mondlane.
66
Ibidem, p. 47 e segs. – Em Maio de 1962, Eduardo Mondlane finalmente chega Dar-es-Salaam perante a alegria dos
moçambicanos, muitos deles cheios de curiosidade para conhecer o Doutor moçambicano negro que até os
portugueses o temiam, pois alguns moçambicanos presos pela PIDE eram advertidos ou troçados pelos agentes
daquela polícia portuguesa, referindo-se ao nome do Doutor Mondlane. Para alguns nacionalistas, aquilo que parecia
um mito se tornava a realidade. Eduardo Mondlane iria jogar um papel fulcral na unificação dos movimentos em
torno da Frente de Libertação de Moçambique. A sua chegada era resultado de uma grande vontade própria de se
juntar ao movimento, estimulado pelas várias cartas recebidas a convite dos vários grupos e também dos presidentes
do Gana e, em particular, de Tanganyika. Eduardo Mondlane havia-se informado o suficiente sobre a natureza dos
partidos e suas lideranças, e possuía um profundo conhecimento da situação colonial portuguesa em Moçambique.
Agora pretendia dialogar com cada moçambicano ali presente para melhor perceber as suas percepções e
perspectivas sobre a luta de libertação. As conversas com Adelino Gwambe e Baltazar Chagonga já iniciadas antes,
em encontros preliminares ou através da troca de correspondência, seriam aprofundadas ao mesmo tempo que
iniciava os contactos com a direcção da MANU.
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Nos Estatutos e programa que então se aprova, cuja cópia se junta em anexo, fixa-se o seguinte:
Definição: A FRELIMO é uma organização política constituída por moçambicanos, sem distinção
de sexo, de origem étnica, de crença religiosa ou de lugar de domicílio.
XII - O círculo é a organização de base da FRELIMO, e existe nos lugares de trabalho e de residência. O
Círculo tem um SECRETARIADO.
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XIII - Os Comités de Província, Distrito e Localidade são eleitos respectivamente, pela Assembleia de
Delegados de Província, Distrito e Localidade.
XV - O Conselho Nacional é eleito pelo Congresso e o Comité Central é eleito pelo Conselho Nacional.
XVIII - A estrutura da FRELIMO é baseada no centralismo democrático e o método de trabalho dos seus
órgãos é orientado pelos princípios seguintes;
a) - espírito democrático
b) - espírito colectivo
c) - unidade de acção
d) - espírito de responsabilidade
e) - crítica e auto-crítica
f) - ajuda mútua
Estatuto e Programa da FRELIMO versus Direito Constitucional dos moçambicanos
Partindo da percepção de que o poder constituinte é o poder de elaborar as normas constitucionais. É
o poder conferido ao povo de definir as grandes linhas de orientação política, económica, social e
cultural do seu futuro, tal como podemos aferir dos artigos 2, n.º 1 e 2, artigos 73, 293 e 292, todos da
CRM.
Podemos concluir ainda que é o poder mais elevado que um povo tem de por si só decidir sem
qualquer impedimento de ordem interna, exercer o poder político. É a expressão mais alta da
soberania de um povo, por meio do qual determina a sua opção global quanto ao futuro.
Qualquer sociedade humana necessita de instituições políticas que agindo como árbitro asseguram a
manutenção da Ordem, evitam ou previnem a conflitualidade social e definem rumos colectivos,
garantindo ainda uma distribuição equitativa ou razoável das riquezas disponíveis, segundo as regras
e critérios validamente aceites em cada época.
As instituições políticas de qualquer sociedade necessitam de estar investidos de um poder para que
possam eficazmente realizar o fim almejado e o poder requerido tem a designação de poder político
que se define como seja a “possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria
conduta ou de traçar a conduta alheia”67
67Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, Reimp., Coimbra, 1996,
pág. 5.
70
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Outros autores ainda como seja o Prof. Adriano Moreira68, escreve que poder político é “a capacidade
de obrigar os outros a adoptar certo comportamento”
Por conseguinte, o poder de elaborar o instrumento jurídico de que estamos a falar visa constituir,
criar e positivar, normas jurídicas de valor constitucional, ou seja, normas jurídicas superiores a
todas as outras normas de ordenamento jurídico.
Os estatutos e programa aprovada pela FRELIMO no seu primeiro Congresso, constitui um acto de
soberania plena, quando o Primeiro Congresso definiu para o povo moçambicano manifestando a
expressão mais alta da liberdade, da autodeterminação de um povo, um estatuto político do movimento
onde se acham consagrados:
Em sentido material, um conjunto de normas que define e regula o estatuto jurídico do movimento
ou, doutro prisma, o estatuto jurídico do político, nos seus aspectos fundamentais; estrutura o
movimento em termos de definir quais são os órgãos que dirigem a organização, suas competências,
mandato, o relacionamento institucional entre os órgãos, o direito que rege o referido movimento e
finalmente, define os direitos, deveres e garantias fundamentais dos militantes juridicamente
vinculados ao movimento e ao Território Moçambicano, sob jurisdição da FRELIMO;
A consciência politica que os moçambicanos tiveram em 1962 de sob os ideais e direcção da
FRELIMO realizar o Primeiro Congresso do movimento e sagrar os objectivos fixados, em nosso
entender, representa um acto politico de dimensão politica elevada que se consubstancia num poder
constituinte material do movimento de libertação nacional, por meio do qual, a FRELIMO revelou
diante do povo moçambicano e da comunidade internacional possuir um poder ou a capacidade de
auto-organização e auto-regulação que só pode ser um poder constituinte.
Foi um poder original e próprio do movimento, na medida em que se propõe que antes dele não
existe nem de facto, nem de direito, qualquer outro direito, com igual capacidade, daí que se afirma
que é um poder inicial.
O poder constituinte material do movimento exprime a soberania do povo moçambicano na ordem
interna e externa, acto confirmado pela comunidade internacional quando em 1965, a FRELIMO
merece o reconhecimento internacional das Nações Unidas.
Através do poder constituinte, manifestado pela FRELIMO em 1962, pretende-se a revelação
internacional de valores jurídicos que visam a fundamentação da estrutura da organização e
funcionamento da FRELIMO na luta pela conquista da independência nacional do território de
Moçambique.
Na base do mesmo raciocínio e na busca da génese do constitucionalismo moçambicano chega-se
ao sentido formal dos Estatutos, que é o complexo de normas formalmente qualificadas de
estatutárias e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas editadas pelo
movimento, atribuída pelo Congresso, definido como “órgão supremo da FRELIMO”, única
entidade do movimento com a faculdade de atribuir tal forma e tal força jurídica a certas normas
pelo seu valor e dignidade.
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
O sentido formal das normas, pressupõe a existência do poder constituinte formal, procedimentos
definidos para a emanação das normas com valor e dignidade de um estatuto do movimento,
hierarquia superior as demais normas;
Do que constatamos dos estatutos e programa da FRELIMO em 1962, não são mais do que as linhas
fundamentais de organização do povo moçambicano, em torno do seu movimento, matéria que é
consagrada numa Constituição.
O Congresso ao traçar os objectivos, definir os órgãos de decisão, as suas atribuições e articulação, os
direitos, os deveres dos membros do movimento e o estatuto da FRELIMO no plano interno e externo
está a traçar o modo de vida dos moçambicanos no presente e no futuro fora da dominação e do sistema
politico instituído pelo regime colonial português.
Os moçambicanos através dos Estatutos e Programa do Movimento de libertação definem o regime
pelo qual se propõe guiar os seus ideais e consequentemente negam a subordinação política à
Constituição da República Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e estabelecem a sua própria Constituição
politica que doravante regerá o seu modo de vida.
A Constituição Portuguesa, no território moçambicano, qualquer que seja é ilegítima e a sua validade
jurídica foi sempre assegurada pelo uso da força das armas, instituídas pelo sistema político então
vigente.
O povo de Moçambique em nenhum momento da sua história política reconheceu a
Administração colonial português e muito menos a sua Constituição politica.
A história revela-nos que o sistema colonial de dominação subsistiu no território moçambicano mercê
do uso ilegítimo da força policial, tribunais judiciais e força militar e não obstante a todo estes
instrumentos incluindo a lei, desde sempre encontrou resistência, desobediência e condenação no plano
interno e internacional.
Nesta perspectiva, os Estatutos e Programa da FRELIMO aprovados em 1962 surgem como primeiro
instrumento politico que são adoptados pelo povo moçambicano, após longos anos de luta de
resistência sem uma forma de organização politica, coesa, com objectivos bem claros e devidamente
elaborados, a serem alcançados a curto, médio e longo prazo.
Em reconhecimento deste crescimento político do povo, são as instituições e a organização politica
adoptada pela FRELIMO que passa a regular os moçambicanos a partir da aprovação dos seus
Estatutos e do seu programa, nas zonas sob sua influência política, mormente, as zonas libertadas.
O cidadão moçambicano, não obstante, juridicamente e por força da lei constitucional ser cidadão
português, artigo 1., § 3. conjugado com o artigo 3., ambos da Constituição portuguesa, na área da
jurisdição da FRELIMO, subordina-se as regras estabelecidas pelo movimento nos seus Estatutos e
realiza as actividades fixadas no seu programa e não o que consta da Constituição portuguesa de 1933
e das leis decorrentes, nomeadamente do Acto Colonial, aprovado pelo Decreto-Lei n. 22465, de 11
de Abril de 1933.
As autoridades obedecidas pelos membros filiados na FRELIMO, seus simpatizantes e pelo povo em
geral que reconhece a FRELIMO como a força politica organizada criada para dirigir politicamente o
povo moçambicano na luta contra o sistema colonial são as que foram designadas segundo as regras
procedimentais fixadas nos Estatutos do movimento de libertação, a FRELIMO.
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Doutor António Salomão Chipanga, PhD, Professor e Regente da Disciplina de História de Direito
Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
Esta conquista histórica que simbolizou o primeiro acto de exercício da democracia em Moçambique,
da aprovação de um instrumento politico que consagra os direitos e deveres dos militantes da
FRELIMO, numa assembleia nacional, tipo Parlamento, denominada Congresso, participada por
representantes eleitos pelo povo nas zonas de dominação da FRELIMO e outros vindos de toda a parte
do território de Moçambique colonial, representou um duro golpe para o regime de Salazar que negava
os direitos civis e políticos dos cidadãos e a Constituição de facto de um poder constituinte material,
com a legitimidade popular.
A luta de libertação nacional é desencadeada em 25 de Setembro de 1964 e durante o seu percurso, as
forças populares de libertação de Moçambique (FPLM), em várias zonas do território nacional, as
autoridades politicas e administrativas coloniais foram sendo expulsas pelo avanço da luta feroz dos
guerrilheiros e tais zonas69 eram imediatamente ocupadas e administradas pelas FPLM que
implementavam uma política estabelecida pela FRELIMO aprovada pelo Congresso e formalmente
consagrada no seu Estatuto.
Nas zonas libertadas a FRELIMO estabelecia as autoridades políticas do movimento que se regiam
segundo as normas fixadas no Estatuto da FRELIMO e as actividades politicas, administrativas,
económicas, sociais e culturais que se desenvolviam são as que constam do Programa da FRELIMO,
segundo a visão política do movimento.
A FRELIMO, nas zonas sob sua administração cria tribunais populares, constrói e põe em
funcionamento as escolas e hospitais, fomenta a criação e funcionamento de centros e unidades de
produção colectiva, serviços administrativos, de registos e identificação civil, transportes e
comercialização dos produtos excedentários,
Portanto, nas zonas libertadas a FRELIMO tem os Estatutos e Programa como uma Lei fundamental,
neste sentido, como Constituição em sentido formal, o território sob sua administração como sua
área de jurisdição onde cria implanta um poder politico que se exerce através dos seus órgãos políticos,
administrativos e judiciários, como se de Estado soberano se trata-se, nomeadamente, o Comité Central
da FRELIMO que age como se de órgão legislativo fosse, pois compete a este órgão, no intervalo das
sessões do Congresso, deliberar sobre as questões básicas da politica interna e externa do movimento.
Os cidadãos residentes nas zonas ocupadas pela FRELIMO e seus membros e militantes são o substrato
humano que representa o povo que justifica a existência de qualquer Estado.
A FRELIMO, tem na sua área de dominação politica, os seus símbolos e a entidade suprema que
representa a Organização no plano interno e internacional, o Presidente da Frente de Libertação de
69
tornando-se zonas libertadas do sistema politico administrtivo colonial. As zonas libertadas surgem no início
do ano de 1966.
73
Doutor António Salomão Chipanga, PhD, Professor e Regente da Disciplina de História de Direito
Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
Por conseguinte, os cidadãos que se identificavam com a luta do povo moçambicano sob a direcção
do movimento de libertação nacional, a FRELIMO, desde 1962 até a aprovação da Lei que
desintegrou o território de Moçambique do Estado Português em 1974 não seguiam a Constituição
portuguesa de 11 de Abril de 1933 e muito menos o Estatuto do Indígena, em muitos os seus
aspectos reguladores e nem sequer reconheciam a sua existência politica.
Todos os membros e guerrilheiros da FRELIMO nada tinham a ver com a Constituição Portuguesa
de 1933, mas sim com os Estatutos e Programa da FRELIMO.
As normas de conduta que vigoravam eram as estabelecidas pelos órgãos competentes do
movimento de libertação e assegurada a sua implementação pelos diferentes órgãos da FRELIMO.
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Moçambicano, leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
A Carta das Nações Unidas - ONU é para todos os efeitos jurídicos, o instrumento principal da
descolonização, sendo importante para o nosso tema os artigos 1.º, n.º 2 e 55.º, relativos aos Direitos
Humanos, o colonialismo e a autodeterminação dos povos. Assim, com base neste instrumento a
consciência política internacional foi cada vez mais contundente quanto à necessidade de uma
descolonização dos povos dominados, através de uma luta pacífica de libertação nacional, sem
implicar necessariamente recurso a violência armada70, com implicações no âmbito internacional.
A Assembleia Geral das Nações Unidas em conformidade com o artigo 73.º da Carta, aprovou a
Resolução n.º 1514 (XV), de 14 de Dezembro de 1960, com a qual a ONU consagra a Declaração
sobre a concessão da independência aos Países e aos povos coloniais.
A Declaração sobre a concessão da independência constitui a verdadeira Carta ou declaração
universal da descolonização dos povos colonizados para as Nações Unidas e insere-se no
cumprimento dos Direitos Fundamentais do Homem, ao abrigo da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948.
A Declaração sobre a concessão da independência afirma expressamente que «todos os povos têm
o direito de livre determinação e visou o “fim do colonialismo … sob todas as suas formas e em
todas as suas manifestações”, porquanto, por virtude deste direito, os povos sujeitos à dominação
estrangeira determinaram livremente o seu estatuto político e prosseguem livremente o seu
desenvolvimento económico-social e cultural»;
O espírito da Declaração sobre a concessão da independência entende que “a sujeição dos povos à
subjugação, ao domínio e à exploração estrangeiras constitui uma negação dos direitos
fundamentais do Homem, é contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a causa da paz e
cooperação mundiais” e a própria segurança internacional;
A Declaração sobre a concessão da independência pretende a “liberdade” para “todos os povos
dependentes”. A liberdade aludida na Declaração presta-se a obtenção da independência “absoluta”
total e completa do território sob domínio estrangeiro.
Mais adiante, a Declaração que temos vindo a citar afirma que “todos os povos têm o direito de
autodeterminação” e devem escolher “livremente a sua Constituição política”;
Foi esta Declaração que doravante orientou a actuação das Nações Unidas em relação a
descolonização, resultando da sua aplicação a independência de vários Países africanos na década
de 60 e mais tarde de Moçambique em 1975.
Para dar corpo a declaração sobre a concessão da independência aos Países e povos coloniais, a
Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou pela Resolução 1542 (XV), de 15 de Dezembro de
1960, a lista de povos que nos termos do artigo 73 da Carta das Nações Unidas, são territórios não
autónomos no sentido do capítulo XI da Carta, sob administração de Portugal, com a denominação
de “províncias ultramarinas” do Estado metropolitano. Fazendo parte o território de Moçambique.
Por força desta resolução Portugal ficou obrigado a prestar informações ao Secretário-Geral, de
70
Moreira, 1995, p. 356, - Também se afirma na mesma Resolução que «será posto fim a toda a acção armada e a
todas as medidas de repressão, qualquer que seja a sua espécie, dirigidas contra os povos dependentes, para permitir
a esses povos exercerem pacifica e livremente o seu direito à independência completa, e a integridade do seu
território nacional será respeitada».
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acordo com as disposições do capítulo XI da Carta, particularmente o artigo 73, alínea e) sobre a
situação nos territórios colocados sob a sua administração.
No ano de 1965 a Assembleia Geral das Nações Unidas, pela Resolução n. 2105 (XX) reconheceu
a legitimidade da luta dos povos sob dominação colonial.
Na esteira desta resolução, que ocorre sob influência do movimento anti-colonialista posterior à II
Guerra Mundial, as Nações Unidas reconheceram a luta de libertação nacional desencadeada pela
FRELIMO em Moçambique, pela OLP na Palestina, pelo ANC (African National Congress of
South África) na África do Sul, pela SWAPO (South War African People’s Organization) na
Namíbia, pelo MPLA, em Angola, pela ZANU, na Rodésia do Sul, e pelo PAIGC, na Guiné-Bissau
e Cabo Verde, um estatuto especial pelo qual estes movimentos nacionalistas de guerrilha passaram
no plano internacional a gozarem de direito de participar, com estatuto de observador, sem direito
a voto, nas actividades dos órgãos das Nações Unidas, particularmente na Assembleia Geral,
podendo fazer-se representar e intervir nas sessões da Assembleia Geral.
Os movimentos de libertação que se beneficiária do reconhecimento internacional são aqueles que
reuniam os seguintes requisitos:
Enraizamento no território pelo qual luta;
Lutar pela libertação do seu povo, do território e da independência nacional;
Gozar no plano interno de um consentimento pacífico do povo que se propõe libertar e pelo
qual luta.
A luta de libertação que desencadeia enquadra-se no princípio da autodeterminação dos povos que
corresponde ao direito de os povos escolherem, por si mesmos, uma forma de organização política
e o seu relacionamento com outros povos, no quadro da materialização da Carta das Nações Unidas
e da declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Compete a cada um dos povos de forma livre escolher um sistema de governo que pressupõe a:
Independência do Estado; ou
Associação com outros povos em Estados Federados ou
Ainda a assimilação do seu Estado com outro.
O reconhecimento dos movimentos de libertação nacional de que estamos a falar foi proferido pela
ONU, organização internacional e não pelos Estados membros, cuja acção é de natureza individual.
1. Rumo a vitória final sobre o Direito colonial português
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económica de Moçambique, por parte de muitos cidadãos que viveram no exterior do País durante
muitos anos e se filiaram nas organizações políticas que antecederam a constituição da FRELIMO.
O segundo Congresso da FRELIMO, com base nas aspirações do povo e da experiencia de vida nas
zonas libertadas definiu e clarificou a razão da luta, as condições para o seu desenvolvimento rumo à
vitória final contra o regime colonial português, os objectivos da luta revolucionária de que a luta
armada se havia transformado, com a sua extensão e envolvimento activo e engajamento da mulher,
dos jovens e de todas as camadas da sociedade, consolidou e desenvolveu a sua política em todos os
domínios, a sua estratégia de luta, os Estatutos e o respectivo programa de acção política consagrando
a experiência da implementação dos Estatutos e do Programa aprovados antes do desencadeamento da
luta armada e da guerra contra o exercito colonial português.
O avanço da luta de libertação nacional foi reafirmado e declarado que só terminaria com a vitória
final sobre o colonialismo português e recorrendo as palavras do Doutor Eduardo Mondlane, então
Presidente da FRELIMO, no final do segundo Congresso realizado de 20 a 25 de Julho de 1968, em
Madgedge, na província de Niassa, “a luta continua!
As decisões do segundo Congresso não foram do agrado da totalidade dos militantes e pacificamente
aceites e reconhecidas por todas as partes, membros, militantes e dirigentes da FRELIMO, o que em
parte agudizou algumas divergências no seio da FRENTE que vieram a resultar na morte instantânea,
por assassinato, do Doutor Eduardo Mondlane, na manha do dia 3 de fevereiro de 1969, aos 48 anos
de idade, na residência de amigo onde normalmente se acolhia para realizar o seu trabalho, vítima de
uma explosão resultante de uma bomba colocada no livro que ele próprio abriu, vindo de Lourenço
Marques, hoje Maputo, que havia sido preparado pela PIDE/DGS.
Após o funeral de Eduardo Mondlane, o então Vice-Presidente da FRELIMO, Reverendo da Igreja
Presbiteriana, Uria Timoteo Simango, convocou uma reunião do Comité Executivo, onde anunciou
que em virtude da morte do Presidente da FRELIMO na qualidade de Vice-Presidente da
FRELIMO assume automaticamente a presidência interina do movimento até a realização das
eleições.
A declaração unilateral de vontade de Uria Simango não foi assumida pelos membros do Comité
Central e demais membros do movimento e na sua terceira sessão realizada de 11 a 21 de Abril de
1969 depois da análise cuidada da situação político-militar do movumento e particularmente das
causas e circunstâncias que levaram a morte violenta do Presidente Mondlane foi criado o Conselho
da Presidência da FRELIMO composta por Uria Simango, Samora Machel (Chefe do Departamento
da Defesa) e Marcelino dos Santos, Secretário para as Relações Exteriores.
71
Datas e Documentos da História da FRELIMO, Armando Pedro Muiuane, de 1960 a 1975 – Ano da Independência,
3.ª Edição, Maputo, 2006, página 129, “O Comité Central da FRELIMO reunido depois do assassinato do Camarada
Eduardo Mondlane, Primeiro Presidente da FRELIMO reconhece e declara publicamente a existência de duas linhas
opostas no seio da FRELIMO: uma revolucionária, orientada na defesa intransigente dos interesses do povo; e outra
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irresponsabilidade, concluiu que ele não reúne qualidades nem sequer para ser membro
da FRELIMO e decidiu expulsá-lo da nossa organização74.”
OPERAÇÃO NÓ-GÓRDIO
A operação nó-górdio foi o nome atribuído pelo General Kaulza de Arriaga à campanha militar
desencadeada pelo exército colonial português, que teve o seu início em Junho de 1970 contra a
guerrilha desenvolvida pela FRELIMO contra o regime colonial português.
O nome nó-górdio76 reflecte o quanto a luta contra as Forças Populares de Libertação de Moçambique
(FPLM) constituiam para o regime colonial português, um problema de cuja solução era insolúvel ou
impossível de resolver, daí o nome de nó-górdio que quer dizer aquele que conseguir desactar o nó
que até ao momento por ninguém foi conseguido terá o triunfo contra a revolução.
O general fez o desafio para ser ele a consegiuir vencer a luta revolucionária, com um só golpe eliminar
a guerra considerada subversiva desencadeada pelos terrorristas da FRELIMO, tal como os
guerrilheiros eram desigandos pela tropa colonial.
De notar que a operação é lançada pelo exercíto colonial no momento em que a FRELIMO acabava
de perder o seu líder político e militar, o Doutor Eduardo Mondlane a nova direcção estava na fase da
sua inserção no seio das populações e no seio dos militares e o movimento no seu todo estava a
enfrentar um ambiente de divisao com a expulsão de ex-Vice-Presidente, Urias Sinango, com todas as
consequencias que daí ocorrem sempre que facto desta natureza ocorrem nas instituições políticas.
Pretendia o regime colonial encontrar a direcção e os guerrilheiros fragilizados e completamente
desmobilizados com a morte do seu presidente e expulsão do seu Vice-Presidente e assim, sem um
comando coeso, forte e enraizado no seio dos destinatários e desta forma, um ambiente de total
descontentamente, confusão e descrédito, corte de ligação entre a direcção e o povo, entre o comando
e as forças de guerrilha.
Infelezmente não foi o que aconteceu. A morte violenta de Eduardo Mondlane e o momento em que o
facto ocorreu constituiu no seio dos guerrilheiros, do povo e dos militantes de FRELIMO um factor de
coesão, de unidade e de clareza sobre o inimigo e assim o ódio e a contestação contra o regime colonial
74
Datas e Documentos da História da FRELIMO, Armando Pedro Muiuane, de 1960 a 1975 – Ano da Independência,
3.ª Edição, Maputo, 2006, página 132.
75
Datas e Documentos da História da FRELIMO, Armando Pedro Muiuane, de 1960 a 1975 – Ano da Independência,
3.ª Edição, Maputo, 2006, página 132
76
Trata-se de uma antiga lenda grega, segundo a qual Górdio foi uma cidade ocupada por Alexandre Magno quando
da sua viagem de conquista através da Asia. Nessa cidade, Alexandre ter-se-ia refugiado com os seus soldados no
período em que se aproximava o inverno, no ano de 333, a.c.
Segundo a lenda, havia nessa cidade um nó fortíssimo que prendia diversos objectos e o oráculo tinha assegurado que
quem conseguisse desfazer o nó seria o conquistador de toda a Ásia. Alexandre Magno desafiou o nó e cortou o com
um simples golpe de espada e construiu assim, um grande império no continente Asiático.
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português e todas as suas formas de manifestação e meios da sua defesa e manutenção no poder ganhou
mais força no seio das populações.
O regime colonial português para levar a cabo a operação contou com o apoio militar em vários
domínios da NATO e dos seus membros e ainda da experiência militar dos Estados Unidos da América
na luta contra a guerrilha no Vietname.
Cabo Delgado foi a província seleccionada pelo exército colonial português para o desencadeamento
da operação que tinha em vista acabar com a luta de libertação e envolveu a mobilização de enormes
quantidades de meios humanos (soldados do exército português) vindos de portugal e das demais
colonias ultramarinas, meios áereos, marítimos e terrestres, com a utlização simultanea da maquinaria
de guerra mais moderna na época concentrada no exército português com apoio de estrategas militares
da NATO e dos respectivos paises membros.
As populações que viram as escolas, sua produção nas machambas, suas aldeias, seus centros de saúde
e o seu trabalho de longos anos a serem destruido pela aviação militar e suas vidas aniquiladas pelos
bombardeamentos constantes solicitaram a FRELIMO treino militar e porte de arma para sua própria
defesa e dos seus bens. Foi desta forma que todo o povo nas zonas libertadas optou por ficar no
territorio e particpar na luta armada e realizar emboscadas à tropa colonial, transportar o material dos
guerrilheiros e fazer contra-ataque.
A operação nó-górdio foi derrotada pelas forças de guerrilha com a participação do povo na luta e em
Dezembro de 1970 a situação estava totalmente sob o controlo das FPLM e de 1971 em diante as
tropas coloniais deixaram de fazer ofensiva e passaram a defensiva e a FRELIMO cada vez mais a
intensificar a luta e abrir novas frentes de combate em Tete, Niassa e avançar para as provincias de
Sofala e Manica, onde a abertura da luta teve lugar a 25 de Julho de 1972, o que destruturou e
desmoralizou cada vez mais o regime colonial e a tropa colonial respectivamente.
Assim, com a derrota da ofensiva nó-górdio, a partir de 1972, o governo colonial, o exército e a polícia
achou-se incapaz de conter o avanço da luta contra as FPLM, passando o exército a estar confinado
junto dos quartéis, desmoralizado e inseguros.
Os oficiais superiores do exército colonial (Generais), sendo de destacar o General António de Spinola,
Governador Geral e Comandante-em-Chefe colonial na Guiné-Bissau e o General Costa Gomes, então
Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Portugal, entre outros, em face das vitórias
sucessivas e continuadas das forças revolucionárias contra a máquina de guerra colonial começaram
a admitir que a luta armada jamais poderia ser vencida por via militar, pelo que se devia encontrar
outras formas e procedimentos para o fim da guerra que estava a seifar vidas humanas e concorrer para
a destruição das infra-estrutrutas económicas, sociais e culturais do Estado. Porém o Governo de
Marcello Caetano não via essa opção como sendo a solução política para as colonias ultramarinas,
optando pela contínua luta contra a guerrilha.
80
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77
Publicada no Suplemento do Diário do Governo, I Série, n.˚ 112, de 14 de Maio.
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O Governo Provisório português constituído após o golpe de Estado, sob a liderança do General
António de Spinola, pretendia retardar o início de negociações visando a independencia das colonias
e criar condições para o estabelecimento de um modelo neocolonialista, com base num figurino de
Estado Federado constituído por Portugal como centro e as colonias como Estados federados com
autonomia, mas não independentes da sede/Lisboa.
Para dar corpo a esta estratégia maquiavélica a Junta Militar de Salvação Nacional do Movimento das
Forças Armadas de Portugal aprovou a Lei n.˚6/74, de 24 de Julho78, que estabelece um regime
transitório de Governo para os Estados de Angola e Moçambique.
Por força desta lei, Moçambique passou a ter um Governo provisório, denominado Junta Governativa,
que veio exercer as funções que antes eram exercidas pelos Governadores-Gerais.
Fora de todo o contexto político nacional e internacional e das expectativas criadas pelo Golpe de
Estado, em Moçambique a PIDE/DGS não foi desmatelada, mas sim transformada em Polícia Militar
de Informação e assim, continuou a actuar nos mesmos moldes que actuava antes do derrube do
Governo fascista, o exército continuava a fazer ataques as bases da FRELIMO nas zonas de guerra e
a Rádio Clube em Lourenço Marques continuava a elaborar e difundir progrmas de contéudo colonial
visando manter o regime colonial, com uma nova veste, como se existe-se um colonialismo
democrático ou vice-versa.
É desenvolvido um ambiente de negação ao movimento de libertação do País que durante dez anos
lutou contra o exército colonial português pela independência total e completa de Moçambique e nesta
sequência, começa então a surgir em Moçambique vários partidos políticos que reinvindicam o direito
à formção de um Governo moçambicano à luz da Constituição Portuguesa e do Programa do
Movimento das Forças Armadas de Portugal. São de destacar os partidos promotores e defensores
desta visão política, o Grupo Unido de Moçambique, - GUMO, liderado por Dr. Máximo Dias e Dra.
Joana Simião, FUMO, do Dr. Domingos Arouca, a União Nacional Africana da Rumbézia – UNAR
que defendia a integração da Faixa Norte, entre os Rios Rovuma e Zambézia no território de Malawi.
A ideia da criação de um Estado Federal de Portugal no quadro de um sistema neocolonial
precomizado por António de Spinola ganha seguidores no seio de capitalistas portugueses e dos
partidos políticos então repetinamente constituidos em Moçambique sustentando assim, o corpo do
Movimento Federalista Português que propunha a unificação das colónias portuguesas ao capital
Português e Brasileiro.
Paralelamente surgem outros grupos de contéudo racista que estimulam a divisão dos cidadãos em
razão da sua cor e raça, sendo de destacar a Frente Independente de Continuidade Ocidental ou Ficar
convivendo – FICO que era constituida por cidadãos de raça e de cor branca. Do lado dos negros é
criado o Movimento da Continuidade Negra de Moçambique – MOCONEMO, que defendia os
cidadãos de raça negra na governação do País.
Os movimentos políticos não pararam de surgiram em defesa de um sistema neocolonial, atarvés da
criaçao de um Estado Português Federal e contra a luta pela independência total e completa de
Moçambique desencadeada pela FRELIMO.
No quadro do movimento neocolonialismo e pró-federalismo muitos moçambicanos que durante a
luta de libertação assumiram outros rumos refugiando-se em outros paises, desligando-se da luta
armada regressam ao País e juntam a este movimento contra o ideal da FRELIMO e favoráveis ao
78
Publicada no Suplemento do Diário do Governo, I Série, n.˚ 171, de 24 de Julho
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Comité Revolucionário de Moçambique, criado em Julho de 1963, pelos desertores da FRELIMO, após a sua
fundação.
80
Fundada em 1963, denominada Frente Unida Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique.
81
Publicada no Suplemento do Diário do Governo, I Série, n.˚ 174, de 27 de Julho.
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Política de 11 de Abril de 1933, que por sua vez, vem do §III do artigo 20.˚ da Constituição da
República Política Portuguesa de 23 de Setembro de 1882, que determinava o seguinte:
A Nação Portuguesa é a união de todos os Portugueses de ambos hemisférios.
O seu território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e algarve, e compreende:
I – Na Europa, o Reino de Portugal, …..
II – Na América, o reino do Brasil, ….
III – Na África Ocidental, Bissau e Cacheu, na Costa de Mina, o forte de S. João
Baptista de Ajudá, Angola, Benguela e suas dependências, Cabinda e Molembo, as
Ilhas de Cabo Verde, e as de S. Tomé e Príncipe e suas dependências, na Costa
Oriental, Moçambique, Rio Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane e as Ilhas de Cabo
Delgado;
IV – Na Ásia, ….
A Lei n.˚ 7/74, de 27 de Julho, veio assim, derrogar o disposto no § 3.˚, do artigo 1.º da
Constituição de 11 de Abril de 1933, cuja redacção é a seguinte:
Artigo 1.º
O território de Portugal é o que actualmente lhe pertence e compreende:
1.˚ - Na Europa: o Continente e Arquipélago da Madeira e dos Açores;
2.˚ - Na África Ocidental: Arquipélago de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e
suas dependências, S. João Baptista de Ajudá, Cabina e Angola;
3.˚ - Na África Oriental: Moçambique;
4.˚ - Na Asia: Estado da Índia e Macau e respectivas dependências;
5.˚ - Na Oceânia: Timor e suas dependências.
A Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, finalmente reconhece no quadro do Direito internacional, a
Resolução n.º 1514 (XV), de 14 de Dezembro de 1960 – Declaração sobre a concessão da
independência aos países e povos coloniais, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em conformidade com o artigo 73.º da Carta das Nações Unidas, que apelava ao rápido fim do
colonialismo em todas as suas formas.
Mais ainda a Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, culminou o processo em que Portugal era obrigado a
prestar informações regulares sobre o território de Moçambique, ao abrigo da Resolução 1542
(XV), de 15 de Dezembro de 1960, da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovou a lista de
povos que nos termos do artigo 73 da Carta das Nações Unidas, são territórios não autónomos no
sentido do capítulo XI da Carta, sob administração de Portugal, com a denominação de “províncias
ultramarinas” do Estado metropolitano.
Em cumprimento das disposições da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e o respectivo
Acto Colonial82, então em vigor foram revogadas pelas leis constitucionais emanadas pelo
Conselho de Estado no quadro da Revolução de 25 de Abril de 1974, desencadeada pelo Movimento
82
Publicado no Diário de Governo de 11 de Abril de 1933, nos termos do Decreto-Lei n.º 22.465 desta data.
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das Forças Armadas Portuguesas, designadamente o Programa do Movimento das Forças Armadas
constante da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.
A Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, reveste de grande importância política na medida em que com a
derrogação do artigo 1.º, §3.º da Constituição Política Portuguesa de 1933, o território de
Moçambique ficou desintegrado do Estado Português e abriu-se o espaço político para a ascensão
a independência e proclamação do Estado Moçambicano.
A Lei n.º 7/74, de 27 de Julho foi assim, a garantia suprema para a realização de negociações políticas
visando a celebração de um acordo para a transferência dos poderes de soberania de Moçambique para
os legitimos cidadãos do Estado Moçambicano e constitui em si a derrota e o fim da estratégia política
da criação do Estado Português Federal que integrasse o território português e as colonias ultramarinas,
bem como dos partidos políticos que foram surgindo apelidadaos de promotores da democracia e a
FRELIMO aprovou um regime de partido único, tal como veio formalmente consagrado na
Constituição da República.
Efeitos jurídicos da Lei 7/74, de 27 de Julho
Da entrada em vigor da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, à data da assinatura do Acordo de Lusaka, em
7 de Setembro de 1974 e entrada em vigor a partir do dia 9 de Setembro do mesmo ano, decorreu
um período de tempo que compreendeu cerca de 45 (quarenta e cinco) dias em que o território de
Moçambique formalmente não se rege pela Constituição da República Portuguesa de 11 de Abril
de 1933 nem por qualquer outra Lei emanada pelo poder político português.
E, porque no ordenamento não há vazio político ou legal, o território de Moçambique foi se regendo
pelas normas e autoridades políticas administrativas portuguesas que se acham presentes em
situação residual, por um lado e pela força política do movimento da luta de libertação a FRELIMO,
inspirando no seu Estatuto e Programa, por outro, que entretanto iniciava a sua entrada triunfal no
território nacional de forma aberta, pois antes era considerado movimento “terrorista”.
Porém, a derrogação do artigo 1.o, da Constituição Politica Portuguesa não abre espaço para um
vazio legal como se o território estivesse numa situação de tábua rasa. Na vigência da Constituição
Portuguesa muitas foram as leis emanadas que por Lei, Decreto-Leis, Decretos e Portarias foram
mandados publicar e vigorar no território ultramarino denominado Moçambique.
A derrogação tem validade jurídica para o futuro, as leis, salvo excepção fixada pelo legislador
vigoram para o futuro não cobrindo as situações do passado, quer dizer, a lei portuguesa não produz
mais eficácia no território moçambicano a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.
Assim, as leis emanadas pelos órgãos competentes do poder político colonial mantém se em vigor
até que sejam revogadas ou modificadas.
Com a derrogação do artigo 1.o da Constituição Portuguesa de 1933, pela Lei n.º 7/74, de 27 de
Julho, o território de Moçambique já não é português e logo os seus habitantes não podem assumir-
se como cidadãos de nacionalidade originária portuguesa. Neste sentido a questão que se coloca é
a relativa a nacionalidade dos cidadãos nascidos no território moçambicano sob domínio colonial
português e dos que nasceram fora do território moçambicano ainda sob domínio da Constituição
Portuguesa, sendo filhos de pai ou mãe nascido em Moçambique. Qual é a nacionalidade destes
cidadãos? Portuguesa ou Moçambicana.
Não podem ser Portugueses, por força da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, que a partir da sua entrada
em vigou derrogou a integração do território moçambicano no Estado Português.
85
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Não podem ser Moçambicanos porque a nacionalidade é o vínculo jurídico que estabelece a ligação
entre o cidadão e o Estado. Moçambique entre 27 de Julho a 25 de Junho de 1975 não é um Estado
soberano, no conceito da definição do artigo 1.º da Convenção83 de Montevideu sobre os Direitos e
Deveres dos Estados de 26 de Dezembro de 1933, que define como elementos essenciais para um ente
público qualificar-se de Estado, quando reúne os seguintes elementos:
I. Território definido ou determinado;
II. População permanente;
III. Poder político;
IV. Governo constituído;
A Convenção refere-se ainda a capacidade de o Estado poder estabelecer relações com outros Estados.
Moçambique, nos termos desta Convenção não pode ser ainda qualificado de Estado soberano.
Em nosso entender, a situação dos cidadãos com laços ius solis ou consanguíneos com o território
de Moçambique neste período de transição, tem de ser vista no plano do costume internacional em
relação a matéria de sucessão de Estados.
Assim e nesta conformidade, a regra geral é de que havendo uma mudança de soberania sobre o
território há perda automática da antiga nacionalidade por parte dos cidadãos que habitam o
território e a consequente aquisição da nacionalidade do Estado sucessor. Cabe ao Estado que
sucede, estabelecer por Lei de ordem interna, os procedimentos para aquisição da nacionalidade
originária e adquirida, a partir da data da proclamação da independência nacional ou outra que for
fixada pelo órgão legislativo competente.
É com base neste entendimento que em matéria da nacionalidade o legislador constituinte na data
da elaboração e aprovação do texto constitucional fixou também a lei da nacionalidade em
instrumento separado do texto constitucional, valendo contudo com a mesma força e dignidade
constitucional, considerando que o regime da nacionalidade foi elaborado e aprovado na mesma
sessão e tornada publica no mesmo instrumento84 que publicitou a Constituição da República.
O regime estabelecido na lei da nacionalidade, tanto para os cidadãos que hajam nascidos em
território moçambicano como os que tenha nascido noutro espaço territorial, mas domiciliados em
Moçambique, têm o prazo de 90 (noventa) dias a contar a partir da data da proclamação da
independência para declarar que não querem ser moçambicanos. Findo o prazo são moçambicanos
todos aqueles que optaram pelo silêncio.
ACORDO DE LUSAKA
De 5 a 7 de Setembro de 1974, a delegação Portuguesa chefiada pelo Ernesto Augusto Melo Antunes85,
Ministro sem Pasta do Governo provisório de Portugal, acompanhado pelo Mário Soares86, Ministro
dos Negócios Estrangeiros e demais membros do mesmo goveno em Portugal e em Moçambique e da
FRELIMO pelo seu Presidente, Samora Moises Machel.
As negociações duraram três dias consecutivos na cidade de Lusaka, durante os quais o povo
moçambicano manifestando a sua alegria, apoio incondicional a independência total e completa e o
reconhecimento da FRELIMO como seu representante legitimo concentrou-se particularmnente no
83
Inter americana.
84
Publicada no Boletim da República, 1.ª Série, n.˚ 1, de 25 de Junho de 1975.
85
Oficial das forças armadas portuguesa de orientação Política de esquerda defensor da luta dos povos e da sua
auto determinação.
86
Foi quem chefiou a delegação Portuguesa nas negociações de 5 e 6 de Junho de 1974 que não tiveram sucesso.
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último dia no Estadio da Machava, em Maputo onde foram exibidas cançoes, danças, hinos e musicas
tradicionais da luta armada em reconhecimento da sua alegria e apoio a assinatura do acordo entre o
Estado português e a FRELIMO.
Foram assinados dois acordos, sendo um o de reconhecimento do direito a independência total e
completa e transferência dos poderes de soberania para o Estado Moçambicano e outro sobre a
cooperação militar que se manteve secreto, por razões da segurança.
O Acordo de Lusaka, traduziu uma solução jurídica de um conflito internacional em que estiveram
envolvidos interesses de um Estado e de outros Estados estrangeiros, nomeadamente, os membros
da NATO de que Portugal era membro para além de outros.
Há duas partes a considerar no Acordo de Lusaka, nomeadamente, o Estado Português e um
movimento de libertação nacional, a FRELIMO. Este documento que na prática é constituído por
dois documentos, está na base do exercício de poder constituinte em Moçambique pela FRELIMO.
O Acordo de Lusaka celebrado pelo Estado Português em cumprimento da Lei n.º 7/74, de 27 de
Julho ficou na história do país como sendo "Acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação
de Moçambique"87 celebrados na cidade de Lusaka em 7 de Setembro de 1974, por meio do qual a
FRELIMO, adquiriu a legitimidade de elaborar a Constituição da República de Moçambique,
conforme se dispõe no referido Acordo de Lusaka, sobretudo no seu ponto 18, onde se lê:
"18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena
e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e
escolhendo livremente o regime político e social que considerar adequado aos
interesses do seu povo."
Nesta cláusula 18, fica claro que Moçambique obteve do Estado Português, através do Acordo de
Lusaka a restituição da soberania plena e completa do território de Moçambique, no plano interno e
internacional e a faculdade de estabelecer por si próprio as instituições políticas e escolher livremente
o regime político e social que considerar adequado aos interesses do seu povo. É preciso ainda notar
que há Estados que são soberanos como é o caso de Moçambique e há outros que o não são, apesar de
terem a categoria de Estado88.
Estrutura orgânica e governativa do Estado Moçambicano no regime transitório
Para a implementação do teor do Acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação de
Moçambique celebrado em Lusaka em 7 de Setembro de 1974, o Conselho de Estado de Portugal
aprovou a Lei n.˚ 8/74, de 9 de Setembro89, pela qual estabelece a estrutura política e organizativa
do Estado no território de Moçambique até a proclamação da independência nacional, em 25 de
Junho de 1975, conforme fixou-se no Acordo de Lusaka.
87
Publicado no Boletim Oficial n.º 117, de 10 de Outubro de 1974, I Série.
88
O território de Moçambique foi qualificado de Estado em 1972, pelo Governo Português, tentando confundir a
Comunidade Internacional.
89
Publicada no 2.˚ Suplemento do Diário do Governo, I Série, n.˚ 210, de 9 de Setembro de 1974.
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Sendo declarativo, o Acordo de Lusaka produziria efeitos jurídicos como se de uma pré-
constituição se trata-se, pois entender-se-ia que o território de Moçambique à data da celebração do
Acordo possuiria todas as características de um Estado, nos termos definidos no artigo 1.º da
Convenção90 de Montevideu sobre os Direitos e Deveres dos Estados de 26 de Dezembro de 1933,
reúne os elementos essenciais para a formação do Estado no plano internacional, designadamente
V. Território definido ou de terminado;
VI. População permanente;
VII. Poder político;
VIII. Governo constituído;
90
Inter americana.
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2). Protocolo anexo, documento operativo militar, que inclui os acordos sobre o cessar-fogo que
por sua vez, contém duas partes, designadamente:
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Há dois aspectos fundamentais a reter nos Acordos de Lusaka que tem relevância para o nosso
tema:
1). Consagração jurídica do princípio da independência e da transferência do poder do
Governo Português para a FRELIMO, legitimo representante do povo moçambicano.
desde 1991. A Constituição definitiva da África do Sul veio a ser aprovada em 1996 e teve de ser
confrontada com a Constituição provisória pelo Tribunal Constitucional.
É no Acordo de Lusaka onde se acha o fundamento jurídico da transferência dos poderes do
Governo Português para a FRELIMO.
Apesar de ser no Acordo de Lusaka onde se acham os órgãos do Estado, seu relacionamento,
hierarquia e competências de cada um, assim como os princípios fundamentais do exercício da
soberania, no intervalo da sua vigência até a aprovação do texto constitucional em sentido formal,
mas este não preenche os requisitos formais para ser uma pré-constituição. É sim uma lei ordinária
com valor reforçado em face de outras normas do ordenamento jurídico, não podendo contudo ser
alterado ou derrogado por normas posteriores que não tenham valor idêntico a do Acordo entre as
partes.
1. Legitimidade do poder político da FRELIMO e o poder constituinte
O poder constituinte, procede a criação de normas jurídicas de natureza constitucional, que são
normas jurídicas consideradas superiores a todos os outros do ordenamento jurídico, que tendem
para objectivação de conteúdos jurídicos que tem a ver com a organização do Estado.
Através do poder constituinte pretende-se a revelação internacional de valores jurídicos que visam
a fundamentação da estrutura da organização e funcionamento do Estado.
Estamos perante um impulso constituinte que nas sociedades modernas, cabe às forças políticas e
sociais, confissões religiosas, forças militares e mesmo à Constituição material.
Esse impulso constituinte pode afirmar-se através de várias formas ou procedimentos que em
determinadas sociedades são essas formas ou procedimentos que atestam a legitimidade desse
mesmo poder constituinte. Portanto, o poder constituinte, é um poder inicial autónomo e
omnipotente. Sendo estas as características do poder constituinte na teoria clássica de Sieyes.
É um poder inicial, na medida em que se propõe que antes dele não existe nem de facto, nem de
direito, qualquer outro direito.
É um poder autónomo, na medida em que se trata da afirmação de uma autoridade suprema. A ele
e só a ele compete decidir como, quando dar uma Constituição.
E, é um poder omnipotente, porquanto, não está condicionado a qualquer outra forma pré-
estabelecida. Não está subordinado a qualquer a qualquer regulamento de forma ou de fundo.
Posto isto, devemo-nos interrogar, qual é pacífico, porque traduz uma polémica entre as várias
pessoas da sociedade.
Em resposta à questão, diremos que a base jurídica sobre a qual assenta o poder político em
Moçambique está nos Acordos de Lusaka, assinados entre o legítimo dignatário do povo
moçambicano e o Estado Português.
Os Acordos de Lusaka, traduzem uma solução jurídica de um conflito internacional em que
estiveram envolvidos interesses de um Estado e de outros Estados estrangeiros e está na base do
exercício de poder constituinte em Moçambique.
A nível internacional, os requisitos necessários para o reconhecimento de um movimento de
libertação são:
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O movimento que requer apoio e reconhecimento internacional deve ter raízes no território
pelo qual luta;
O movimento a beneficiar do apoio externo deve lutar pela libertação do seu povo, do
território e pela independência nacional;
O movimento de libertação deve ainda gozar no plano interno de um consentimento pacífico
do povo que se propõe libertar e pelo qual luta.
Este princípio define-se como sendo o direito de os povos escolherem por si mesmos uma forma de
organização política e o seu relacionamento com outros povos. A escolha pode ser:
É importante sublinhar que a ONU desempenhou um papel preponderante na libertação dos povos
colonizados, porquanto, na sequência da interpretação do princípio da autodeterminação das nações
e povos, aprovou um conjunto de instrumentos legais de Direito Internacional Público, das quais
pela sua importância no presente tema vamos destacar a declaração sobre a concessão da
independência aos países e povos colonizados, de 1960. Esta declaração foi depois incorporada em
muitos outros instrumentos jurídicos internacionais.
Em 1965 numa outra Resolução, Res. n.2105 (XX) a Assembleia Geral das NU, reconhece a
legitimidade da luta dos povos sobre o Governo colonial para exercer o seu direito a auto -
determinação e independência.
Na mesma resolução, a Assembleia Geral convidava todos os Estados a darem a assistência material
aos movimentos de libertação nacional nos territórios coloniais.
Em seguida, a Assembleia Geral das NU, concedeu o estatuto de observador aos movimentos de
libertação nacional junta daquela organização internacional.
Foram movimentos beneficiários deste estatuto: o ANC, ZANU, ZAPU, FRELIMO, entre outros.
Quanto ao Segundo aspecto, temos a dizer que nos termos das cláusulas dos Acordos de Lusaka,
assistimos que a repartição das funções de soberania e das funções de governação entre o Governo
Português e a FRELIMO, nos termos destes acordos, coube ao Governo Português, o exercício das
funções de soberania, no plano interno e externo, nomeadamente a defesa da integridade territorial
do país.
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“……….”
“Queremos dizer com isto que, em Moçambique, nós – FRELIMO, Comité Central, Comité
Executivo, Governo – formamos um bloco homogéneo e coeso. Só assim teremos o pensamento
comum”
“Portanto, que vamos estudar nesta reunião?
Primeiro, teremos que ouvir o relatório do Governo de Transição a partir de 20 de Setembro de
1974 – sobre o trabalho que realizou.
Teremos que discutir a Constituição.
E teremos que discutir o grande tema: como dissemos, as estruturas constituem o instrumento para
aplicação das nossas ideias. Sem estruturas não há trabalho: portanto teremos que estudar as
estruturas governamentais, as relações entre os Ministérios, entre os vários ramos, Repartições ou
Direcções, de cada Ministério até à base a estrutura que deve existir ao nível do Ministério e da
base, ao nível do Governo, onde situar a ligação entre o Governo e a FRELIMO, as estruturas
governamentais e as estruturas políticas, as relações entre o Governo e o Movimento de Libertação
– que deixou de ser movimento de libertação mas continua a ser uma frente larga.
91
Armando Pedro Muiuane, Datas e Documentos da História da FRELIMO, de 1960 a 1975 – Ano da Independência
de Moçambique, 3.ª Edição, Novembro de 2006, ano do 9.˚ Congresso, Maputo, 2006, página 422 e seguintes.
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Segundo esta corrente, os titulares do poder original se não cederem livremente o poder que detém
aos titulares dos órgãos que compõe o Estado, este, ficará desprovido da soberania e
consequentemente, não poderá se manter em exercício.
Associadas a estas correntes filosóficas, surge a teoria de Estado ou teoria Hegeliano, Segundo a
qual, o Estado é o ente supremo, existe independentemente do povo que comanda. É uma teoria
que se opõe a outra que defende que o Estado é a organização mais perfeita da comunidade.
Portanto, não há Estado sem o povo.
Karl Marx, foi um dos filósofos que se inspirou em parte na teoria hegeliana, embora para ele, não
seja fácil determinar os elementos que constitui o Estado.
A presente reflexão é uma nota introdutória, que no entanto não é parte do tema em abordagem
fizemo-la, para mostrar que a opção tomada pelo legislador constituinte moçambicano, não é
pacífica na doutrina constitucional.
A Constituição moçambicana, de 2004, dispõe no seu artigo 2, n.º 1, que a soberania reside no povo,
e, por sua vez, o artigo 135, define os procedimentos que permitem o exercício da soberania pelo
povo. (Ver ainda os artigo 73, 78, 146 e 169, da CRM).
A Constituição da República de Moçambique, define o sistema de representação proporcional no
parlamento, conforme o previsto no n.º 2 do artigo 135 e para o Presidente da República adopta o
sistema de maior dos votos expressos, artigo 147.
O poder constituinte, na sua variante moderna, reflecte uma coexistência das duas filosofias
clássicas: soberania popular e soberania nacional.
Quanto a concepção democrática como património comum da humanidade, vejamos então como
se concretizou.
Supondo que o poder constituinte em Moçambique, o fosse definido nos termos modernos e a
Assembleia resultante, aprovar uma nova Constituição, que prevê uso de métodos coactivos em
contraposição aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Qual seria a reacção da
comunidade?
Obviamente que seria contrária, tendo em conta que tal Constituição, seria contrária aos princípios
universalmente aceites sobre os direitos fundamentais do Homem. Os princípios universais são o
resultado da consciência cada vez mais sobre certos valores da dignidade do homem, que estão
consagrados na ordem jurídica universal.
No dia 25 de Junho de 1975, no fim de uma guerra de libertação nacional desencadeada por um
movimento nacionalista – Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) contra o regime
colonial e fascista português, com vista a conquistar o poder político, restaurar a soberania, a
independência total e completa, o território de Moçambique tornou-se num Estado soberano com a
proclamação solene da sua independência e entrada em vigor de uma nova Lei Fundamental a
Constituição da República Popular de Moçambique, com fundamento na cláusula n.º 18 do Acordo
de Lusaka celebrado em 7 de Setembro de 1974.
A Constituição da República Popular de Moçambique de 1975 constitui para todos efeitos jurídicos,
políticos, económicos, sociais e cultural o nascer do Primeiro Direito Formal Moçambicano,
porquanto foi através deste instrumento jurídico-constitucional que o povo moçambicano viu o seu
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Direito consagrado num instrumento de dimensão nacional e internacional e com valor e dignidade
formal.
A independência de Moçambique, trouxe para o seu povo, a dignidade e soberania que antes não
tinha.
Foi a partir da proclamação da independência que o povo Moçambicano, recuperou a sua dignidade,
passando a exercer seus direitos e a autodeterminar-se.
Desta breve exposição, encontramos a lógica da dignidade do povo moçambicano. Da mesma
forma, podemos encontrar a origem do Direito.
Como se sabe, o Direito define-se como sendo uma ordem normativa que visa organizar, com
emprego de coacção se necessário, os aspectos fundamentais da convivência social, de uma
certa comunidade.
Os jurisnaturalistas sustentam teorias segundo as quais o direito é um fenómeno social que resulta
da vontade individual do agente, isto é, a manifestação de uma vontade natural.
Deste modo, os jurisnaturalistas, opõe-se ao poder constituinte derivado, através da qual, a
Assembleia constituinte, procede a elaboração da Constituição, introduzindo alterações a anterior
legislação.
Quando a Constituição, define os procedimentos formais para a sua revisão e indica o órgão
competente para proceder conforme, estão fixados os meios e definido a quem cabe a legitimidade
e titularidade legal para o estabelecimento de uma Constituição.
Assim, a legitimidade que resulta numa ruptura com o poder constituinte anterior é ilegal, uma vez
que nenhuma Constituição de que país for do mundo, prevê acabar com um regime vigente de uma
forma arbitrária, sem seguir determinados requisitos formais.
O direito de resistência e legitimidade dos movimentos de libertação, na sua luta pela instalação no
país de uma nova ordem jurídica é um fundamento jurídico que justifica a tomada do poder, pelas
armas, a proclamação da independência e instalação de uma nova ordem jurídica, quando
reconhecida pela comunidade internacional, condição sem a qual, o acto é inconstitucional.
Na luta de um movimento de oposição, está subjacente uma filosofia que pretende acabar com o
direito vigente e instauração de uma nova ordem jurídica, o que implica uma mudança jurídica, na
lei fundamental do país.
Qualquer movimento de oposição, reclama junto da comunidade nacional e internacional, a sua
legitimidade e não legalidade, porque só é legal, aquele que detém o poder nos termos
constitucionalmente estabelecido.
Nestas circunstâncias, donde resultará então o poder constituinte, se o movimento apenas declara a
legitimidade e o poder constituinte, provém por um lado da legitimidade e por outro, sobretudo, da
titularidade legal.
Em Moçambique, sucede que o poder legalmente instituído para exercer o título de soberania, que
era o Governo Português, transferiu para a FRELIMO legítimo representante do Povo
moçambicano, a titularidade legal, para constituir o poder constituinte.
O Governo Português, por sua vez, foi-lhe conferido o poder, pela Conferência de Berlim.
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Como sabem, o poder político, para que o seu titular exerça legitimamente, é necessário que a
comunidade internacional reconheçam a titularidade.
A situação moçambicana foi por exemplo, diferente da que se verificou na Guiné-Bissau de Amílcar
Cabral. O PAIGC, sob liderança de Amílcar Cabral, ciente da titularidade legal do Governo
Português, começou por fazer uma ocupação efectiva do terreno e gradualmente montar as
estruturas de governação.
De referir que era um movimento que gozava de legitimidade, junto da comunidade nacional e
internacional. Finalmente, proclamou unilateralmente a independência do país que mereceu o
reconhecimento da comunidade internacional, pois reunia os requisitos necessários, para se tornar
num Estado independente, sob a direcção do PAIGC.
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