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Doutor António S.

Chipanga, Docente e Regente da disciplina - Sumários da disciplina de Direitos


Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O Sistema de Direitos Fundamentais na Constituição Moçambicana de 2004

O tema de que nos vamos debruçar a partir desta aula e seguintes é sobre a Constituição da
República de Moçambique de 2004 enquadrado no Título III, do Programa Temático do
Curso de Direito na Faculdade de Direito da UEM, que temos vindo a seguir na disciplina
de Direitos Fundamentais e iremos sucessivamente abordar os seguintes itens:

1. A Constituição e os Direitos Fundamentais


2. A divisão sistemática de direitos, liberdades e garantias e direitos económicos e sociais
3. O artigo 56 e o regime dos direitos, liberdades e garantias
4. A interpretação e integração de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
5. A abertura a novos direitos fundamentais
6. Os deveres na Constituição
7. O Estado de Direito
8. O Estado de Direito e proporcionalidade
9. O Estado de Direito Democrático

Introdução

A Constituição é o primeiro instrumento jurídico-normativo de ordem nacional que regula


as relações entre os governados e os governantes, as relações entre os governados entre si,
as relações institucionais entre os órgãos do Estado, as atribuições e competências dos
órgãos do Estado e onde encontramos ainda o estatuto jurídico político do Estado, as
liberdades, direitos, deveres e garantias fundamentais dos cidadãos.

A Constituição é assim, o código constitucional que estabelece as condutas para o Estado,


Sociedade e para o Homem inserido numa Ordem estadual.

A Constituição de um Pais consagra um conjunto de liberdades, direitos e garantias


fundamentais no seu texto normativo, formalmente aprovado pelo poder constituinte
formal. Os direitos, liberdades e garantias que se acham fora do texto constitucional nem
por isso deixam de fazer parte do elenco dos direitos formalmente prescritos na
Constituição, desde que sejam direitos fundamentais naturais por possuírem valor, natureza
e dignidade humana, tal como tivemos ocasião de abordar com base em estudos da doutrina
relevante sobre a matéria nesta perspectiva.
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A sede constitucional dos direitos, liberdades e garantias não está limitado a positivação
do Direito e muito menos a sua aprovação ou reconhecimento pelo poder do Estado. Os
Direitos fundamentais são constitucionais, desde que sejam direitos que têm a ver com a
pessoa humana e constam da Lei que é fonte primária de Direito, independentemente de
constar ou não no texto Constitucional, tal como o legislador Constituinte determina no
artigo 42, da CRM.

A não consagração dos direitos ou de um dos direitos no texto constitucional não se deve
entender como sendo inexistência do direito, liberdade ou garantia, mas sim défice do
regime político, pois tais direitos encontram-se na esfera dos direitos fundamentais do
Homem, sob forma de direito natural e assim, em sentido material, cabendo ao legislador
fazer constar da Lei fundamental ou das leis ordinárias.

Nestes casos, os direitos, liberdades e garantias devem ser identificados em sede do direito
civil, através das leis avulsas, da jurisprudência, do costume e dos instrumentos
internacionais e regionais.

O direito de que temos vindo a falar é o Direito interno infra-constitucional, que por ser
nacional, importa rever a matéria sobre os antecedentes jurídico-constitucional do Estado
Moçambicano.

Já nos referimos atrás que o território de Moçambique foi província ultramarina e parte
integrante da Nação Portuguesa, situado na África Oriental, do território do Reino Unido
de Portugal consagrado na Constituição Portuguesa de 23 de Setembro de 1822, conforme
o disposto no artigo 20.º, §III e continuou sendo território sob domínio colonial português
ao abrigo da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e do respectivo Acto Colonial,
aprovado nos termos do artigo 132.º da Constituição.

O território de Moçambique, província ultramarina, ora dominado por Portugal colonial, a


partir de 1972 foi considerado uma região autónoma da República Portuguesa, dotada de
personalidade jurídica de direito público interno e usando a designação honorífica de
Estado, por força do Decreto1 n.º 545/72, de 22 de Dezembro, que definia o Estatuto
Político-Administrativo da Província de Moçambique.

No dia 25 de Junho de 1975, no fim de uma guerra sangrenta de libertação nacional,


desencadeada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), organização política
constituída por moçambicanos, sem distinção de sexo, de origem étnica, de crença religiosa
ou de lugar de domicílio.

1
Publicado no Boletim Oficial de Moçambique, Suplemento, I Série, de 30 de Dezembro de 1972.
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Os objectivos definidos pela FRELIMO na sua luta visavam a conquista do poder político,
a restauração da soberania nacional, a independência total e completa do território de
Moçambique, a liberdade dos moçambicanos e o reconhecimento da dignidade e valor
humano.

A conquista do poder político ocorreu com a proclamação solene da sua independência e


entrada em vigor de uma nova Lei Fundamental, a Constituição da República Popular de
Moçambique, com fundamento na cláusula n.º 18 do Acordo de Lusaka2 celebrado em 7
de Setembro de 1974, com o seguinte teor:

"18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a


soberania plena e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as
instituições políticas e escolhendo livremente o regime político e social que
considerar adequado aos interesses do seu povo."

O Acordo de Lusaka foi celebrado pelo Estado Português em cumprimento da Lei n.º 7/74,
de 27 de Julho, aprovado pelo Conselho de Estado e assinado pelo Presidente da República
Portuguesa, General António de Spínola, pela qual Portugal reconhece o direito à
autodeterminação, com todas as suas consequências jurídicas, incluindo o reconhecimento
da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte correspondente do
artigo 1.º da Constituição Política de 11 de Abril de 1933.

As disposições da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e o respectivo Acto


Colonial3, então em vigor foram revogadas pelas leis constitucionais emanadas pelo
Conselho de Estado no quadro da Revolução de 25 de Abril de 1974, desencadeada pelo
Movimento das Forças Armadas Portuguesas, designadamente o Programa do Movimento
das Forças Armadas e a Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.

A República de Moçambique de 1975 até a presente data, em sua história, conheceu três
Constituições, sucessivas, designadamente,

 A Constituição de 25 de Junho de 1975, aprovada em 20 de Junho de 1975 – é uma


constituição semi-flexível, nacionalista que se traduziu na apropriação da terra e de
todos os recursos naturais, institui um regime político monopartidário, no quadro das
classificações pode ser considerado de classista por estar a privilegiar uma determinada
classe no exercício do poder político, visando a intervenção na vida política de novas
camadas sociais, designadamente operários e camponeses, de matriz socialista, e com
carácter popular, com uma política económica intervencionista e uma política social
orientada para a realização efectiva dos direitos sociais, isto é, à inserção das pessoas

2
Publicado no Boletim Oficial n.º 117, de 10 de Outubro de 1974, I Série.
3
Publicado no Diário de Governo de 11 de Abril de 1933, nos termos do Decreto-Lei n.º 22.465 desta data.
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na vida social, visando o acesso directo aos bens que satisfaçam as necessidades básicas
– bem-estar da pessoa humana;

 A Constituição de 30 de Novembro de 1990, aprovada em 2 de Novembro de 1990 –


é uma Constituição rígida quanto à sua modificação por vicissitudes constitucionais,
adoptou o princípio da soberania popular, introduziu novo regime politico com um
processo da redemocracia participativa e semidirecta num sistema político
multipartidário, tornou Moçambique um Estado de Direito, democrático e social,
ampliou de forma significativa o conjunto dos direitos fundamentais com um título
específico, considerando os que estavam consagrados na Constituição da República
Popular de Moçambique de 1975, consolidou o principio da separação de poderes, entre
o Legislativo, Executivo e Judiciário, valorizou o poder local com a criação do poder
das Autarquias Locais, numa emenda constitucional ocorrida em 1996, no domínio
económico, introduziu um regime de mercado livre, reconheceu a propriedade privada
e mista e limitou a acção do Estado à regulação e promoção do crescimento e
desenvolvimento económico e social do País e disciplinou a acção da administração
pública, com a consagração do princípio do controlo da legalidade dos actos
administrativos e a fiscalização da legalidade das despesas públicas, através do
Tribunal Administrativo e Inspecções Sectoriais do Estado;

 A Constituição de 16 de Novembro de 2004, que entrou em vigor no dia 20 de Janeiro


de 2005 – Manteve os princípios políticos, jurídicos e filosóficos consagrados na
Constituição de 1990 e desenvolveu alguns conteúdos normativos, reorganizou o texto
constitucional numa outra sistemática e elevou para dignidade e valor constitucional os
direitos das pessoas que se encontravam nas leis ordinárias, ampliou o rol dos direitos
fundamentais, criou ainda a figura de Provedor de Justiça e outras que ao longo da
exposição teremos a oportunidade de apreciar.

A Constituição de 2004, por força da Lei n.˚ 1/2018, de 12 de Junho foi objecto de uma
revisão pontual, por virtude da qual o legislador coinstituente efectuou o reajustamento do
processo de consolidação da reforma democrática do Estado, o aprofundamento da
democracia participativa e a garantia da paz, reiterando-se o respeito aos valores e
princípios da soberania e da unicidade do Estado e desta feita, foi introduzido o regime de
descentralização e a designação dos Governadores de Província e de Administradores de
Distritos por via de sufrágio universal e a designação do Presidente do Conselho Municipal
passou a ser por via do partido político, coligações de partidos políticos ou grupos se
cidadãos que tiver obtido a maioria de votos expressos na urna.

As três Constituições consagram o princípio da igualdade, as garantias de Direito e de


processos penais, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, a liberdade de
expressão, o direito de acesso aos cargos públicos por parte dos moçambicanos, o direito
de propriedade e o direito de petição.
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Das revisões constitucionais ocorridas de 1975 até a presente data, verificamos o


progressivo alargamento do conjunto dos direitos fundamentais formalmente consagrados
na Constituição e a sua extensão aos direitos elencados na lei ordinária.

Sobre a Constituição de 2004, que se encontra em vigor desde 20 de Janeiro de 2005, antes
de fazermos qualquer juízo de valor sobre a eficácia da aplicação dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais consagrados no texto constitucional, importa referir que a evolução
que os direitos, liberdades e garantias consagradas conheceram tiveram como fonte, a
vontade política do povo moçambicano que com base na sua realidade sócio-político, na
experiência e evolução histórica dos direitos do Homem no plano interno, internacional e
regional, o Direito Constitucional Moçambicano, veio então a conhecer uma evolução
qualitativa no domínio dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dando-nos o actual
figurino destes direitos, liberdades e garantias constitucionais.

Ao longo do debate faremos a comparação destes direitos, liberdades e garantias entre as


duas últimas Constituições, além de indicar sumariamente o que de novo se introduziu no
seu texto constitucional, quer no texto original de 2004, quer considerando a revisão
pontual de 2018.

Os sucessivos Programas Quinquenais do Governo, elaborados para cada ciclo


governativo, à luz da CRM que entram em vigor visam substancialmente materializar as
promessas eleitorais em acto governativo e se tornam efectivas após a sua aprovação pela
Assembleia da República, em sessão ordinária convocada para o efeito no início do ano
após a investidura do Presidente da República e ocorre depois de acesos debates e uma vez
aprovado pelo órgão competente de imediato começa a produzir os devidos efeitos, no
plano interno e internacional.

Portanto, com estas lições sumárias não pretendemos tecer comentários, críticas ou
qualquer tido de reparo à Constituição da República em vigor que em nosso entender ainda
se encontra numa fase de aplicação e consolidação tendo em conta que apenas tem
rigorosamente poucos anos de vigência, nem tão pouco nos pronunciar sobre a sua
sistemática ou constitucionalidade das suas normas e muito menos discutirmos o
enquadramento constitucional dos factos ocorridos neste lapso de tempo da sua vigência
ou a regulamentação das normas-jurídico constitucional, em forma de lei ordinária.

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O Carácter aberto dos direitos fundamentais

O disposto no artigo 42 da Constituição de 2004, nos termos do qual, os direitos


fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das
leis, representa uma extensão e sentido dos direitos fundamentais.

Porquanto, tal como nos ensina o Professor Jorge Miranda4 a Constituição adoptou um
princípio de “não tipicidade” dos direitos fundamentais, ou uma “cláusula aberta” de
Direitos Fundamentais, ou seja, a Constituição “...aponta para um sentido material de
direitos fundamentais: estes não são apenas os que as normas formalmente constitucionais
enunciam; são ou podem ser também direitos provenientes de outras fontes, na perspectiva
mais ampla da Constituição material.”

O artigo 3 da CRM, dispõe o seguinte: “A República de Moçambique é um Estado de


Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no
respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.”

Neste preceito constitucional é importante sublinhar o seguinte: “A República de


Moçambique é um Estado de Direito, baseado ………….., no respeito e garantia dos
direitos e liberdades fundamentais do Homem.”

O artigo 4 da CRM dispõe o seguinte: “O Estado reconhece os vários sistemas normativos


e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que
não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição.

Quanto aos valores prosseguidos pelo Estado Moçambicano, a CRM determina o seguinte
nos seus objectivos fundamentais plasmados no artigo 11:

“O Estado moçambicano tem como objectivos fundamentais:


a) …..
b) …..
c) …………
d) ………….
e) a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a
lei;
f) o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social
e individual;
g) a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz;

4
Manual de Direito Constitucional Tomo IV, 3.º edic. Coimbra, 2000, pag. 162 e ss., Vital Moreira e
Gomes Canotilho, “Constituição da República Portuguesa Anotada” cit., pag. 159.
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h) ………….
i) a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores sócio-
culturais;
j) ……………”

Prosseguindo, ainda com as lições do Professor Jorge Miranda, “Não se depara, pois, no
texto constitucional um elenco taxativo de direitos fundamentais. Pelo contrário, a
enumeração (embora sem ser, em rigor, exemplificativa) é uma enumeração aberta, sempre
pronta a ser preenchida ou completada através de novas faculdades para lá daquelas que se
encontrem definidas ou especificadas em cada momento.”

A conjugação do artigo 42 com o artigo 43, sobre a interpretação, constitui um significativo


avanço nas técnicas de interpretação e da integração dos preceitos sobre direitos
fundamentais de harmonia com a Declaração Universal, conforme a prescrição do
legislador constituinte, quando dispõe que “os preceitos constitucionais relativos aos
direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem5 a que se refere é adoptada e proclamada


pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 217-A (III) de 10 de
Dezembro de 1948 e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos é a aprovada
pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul,
Gâmbia em Janeiro de 1981, e adoptada pela XVIII Assembleia dos Chefes de Estado e
Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairobi, Quénia, em 27 de Julho
de 1981.

5
Victor Mendes, Direitos Humanos – Declarações e convenções internacionais, 2002, Vislis,
Editores.
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Não obstante a adopção dos principais instrumentos internacionais de protecção e garantia


dos direitos fundamentais do Homem na ordem jurídica interna tenha ocorrido em
momento posterior a aprovação da Constituição da República6 de 1975, deve-se reconhecer
no entanto, que os instrumentos acima indicados, exerceram desde logo a sua influência na
ordem jurídica nacional, facto confirmado pela lei ordinária que foi sendo emanada à luz
da Lei Fundamental, que em certa medida materializava os princípios plasmados nos
referidos instrumentos internacionais e regionais.

Para além dos instrumentos acima identificados, outros ainda existem que se dispõem sobre
os direitos do Homem, cujo estudo é efectuado na disciplina de Direitos Humanos,
geralmente, leccionada nas Faculdades de Direito, designadamente:

Com a Constituição de 2004, o legislador constituinte moçambicano permitiu que na


República de Moçambique os direitos fundamentais em sentido formal, ou seja, os
formalmente consagrados no texto da Constituição da República, sejam os que aparecem
tanto na Constituição instrumental como os que aparecem nas Leis ordinárias.

Sendo os Direitos fundamentais – os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das


pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material - donde, direitos
fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material7.

Nas três Constituições temos em comum um título dedicado aos Direitos, Deveres,
Liberdades e Garantias Fundamentais, logo depois dos Princípios fundamentais da
República, com excepção da Constituição de 2004, onde o Título relativo aos Direitos,

6
Resolução n.º 9/88, de 25 de Agosto, Ratifica a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos
1. Resolução n.º 10/88, de 25 de Agosto, Ratifica a Convenção sobre a entrega de pessoas
Povos, publicado no BR n.º 34, II Supl. de 25 de Agosto de 1988; condenadas a penas
privativas de liberdade a fim de as cumprirem no Estado de que são cidadãos, publicado
no BR n.º 34, II Supl. de 25 de Agosto de 1988;
2. Resolução n.º 11/88, de 25 de Agosto, Ratifica a Convenção da OUA relativa a aspectos
específicos dos problemas dos refugiados em Africa, de 10 de Setembro de 1969,
publicado no BR n.º 34, II Supl. de 25 de Agosto de 1988;
3. Resolução n.º 12/88, de 25 de Agosto, Ratifica o Protocolo Adicional à Convenção de
Genebra sobre o Estatuto do Refugiado, de 31 de Janeiro de 1967, publicado no BR n.º
34, II Supl. de 25 de Agosto de 1988;
4. Resolução n.º 5/91, de 12 de Dezembro, Ratifica o Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de Dezembro
de 1966, publicado no BR n.º 50, Supl. de 12 de Dezembro de 1991;
5. Resolução n.º 6/91, de 12 de Dezembro, Ratifica o segundo Protocolo Adicional ao Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vista a Abolição da pena de Morte,
publicado no BR n.º 50, Supl. de 12 de Dezembro de 1991;
7
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic., Coimbra,
1998, pág. 7.
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Deveres, Liberdades e Garantias Fundamentais, consta depois da Nacionalidade e antecede


às normas respeitantes à organização do poder político.

A Constituição de 2004 e os direitos fundamentais

O nosso tema a sistemática dos direitos fundamentais na Constituição de 2004.

Fizemos deliberadamente esta resenha com objectivo de proceder ao enquadramento


internacional, regional, histórico, politico, social e jurídico dos direitos fundamentais
consagrados na CRM de 2004.

Com o enquadramento nos domínios que citamos pretendemos mostrar que o que
formalmente vemos consagrado na Constituição instrumental de 2004 constitui uma
continuação e aprofundamento de um processo da evolução na história dos Direitos
Fundamentais em Moçambique, com referência a partir de 1975 e os direitos, liberdades e
garantias devem ser entendidos nesta perspectiva gradualista do nosso legislador
constituinte, tendo como ponto de partida a Constituição Política de 11 de Abril de 1933,
instituído pelo regime colonial Português no território de Moçambique, onde o cidadão
moçambicano não se dispunha de nenhum direito civil, politico, social ou cultural nos
termos previstos nas Convenção Internacionais.

Divisão sistemática de direitos, deveres, liberdades e garantias

A Divisão sistemática de direitos, deveres, liberdades e garantias fundamentais é uma


matéria que tivemos a oportunidade de referir nas aulas anteriores na parte relativa a
preferência pela expressão «direitos fundamentais» versus direitos do Homem ou direitos
humanos e na Classificação dos direitos fundamentais. Na abordagem destes temas falamos
sobre as figuras afins, designadamente Direitos do Homem, Direitos do Cidadão, Direitos
naturais, Direitos políticos, Direitos Humanos, Direitos Subjectivos públicos, Direitos de
Personalidade, Direitos dos Povos, etc. Que são classificações ou tipologias com valor
meramente histórico sobre os direitos fundamentais.

Por razões que se prendem com o fundo do tempo, não iremos retomar o debate e
preencheremos o espaço reservado com a apreciação sumária da sistemática da
Constituição, recorrendo para o efeito a estrutura temática da própria Constituição.

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A Constituição da República apresenta-se com 17 títulos assim distribuídos:

Título I – Princípios Fundamentais;

Capítulo I – República;
Capítulo II – Política Externa e Direito Internacional;

Título II – Nacionalidade;

Capítulo I – Nacionalidade Originária;


Capítulo II – Nacionalidade Adquirida;
Capítulo III – Perda e Reaquisição da Nacionalidade;
Capítulo IV – Prevalência da Nacionalidade e Registo;

Título III – Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais

Capítulo I – Princípios Gerais;


Capítulo II – Direitos, Deveres e Liberdades;
Capítulo III – Direitos, Liberdades e Garantias Individuais;
Capítulo IV – Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política;
Capítulo V – Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais;

Título IV – Organização Económica, Social, Financeira e Fiscal

Capítulo I – Princípios Gerais;


Capítulo II – Organização Económica;
Capítulo III – Organização Social;
Capítulo VI – Sistema Financeiro e Fiscal;

Título V – Organização do Poder Político

Capítulo Único – Princípios Gerais

Título VI – Presidente da República


Capítulo I – Estatuto e Eleição;
Capítulo II – Competência;
Capítulo III – Conselho de Estado;

Título VII – Assembleia da República


Capítulo I – Estatuto e Eleição;
Capítulo II – Competência;
Capítulo III – Organização e Funcionamento;
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Titulo VIII – Governo

Capítulo I – Definição e Composição;


Capítulo II – Competência e Responsabilidade

Título IX – Tribunais

Capítulo I – Princípios Gerais;


Capítulo II – Estatuto dos Juízes;
Capítulo III – Organização dos Tribunais;
Secção I - Espécies de Tribunais;
Secção II – Tribunal Supremo;
Secção III – Tribunal Administrativo.

Titulo X – Ministério Público

Título XI – Conselho Constitucional

Título XII – Administração Pública, Polícia, Provedor de Justiça


Capítulo I – Administração Pública;
Capítulo II – Polícia;
Capítulo III – Provedor de Justiça;
Capítulo IV – Órgãos Locais do Estado

Título XIII – Defesa Nacional e Conselho Nacional de Defesa e Segurança

Capítulo I – Defesa Nacional;


Capítulo II – Conselho Nacional de Defesa e Segurança;

Título XIV – Descentralização


Capítulo I – Disposições Gerais
Capítulo II – Governação Descentralizada
Capitulo III – Autarquias Locais

Título XV – Garantias da Constituição

Capítulo I – Estados de Sítio e de Emergência;


Capítulo II – Revisão da Constituição

Título XVI – Símbolos, Moeda e capital da República

Título XVII – Disposições Transitórios e Finais


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Desta sistemática onde constata-se que a estrutura da Constituição da República de 2004


apresenta-nos título, capítulo, secção8 e artigo9 e a matéria relativa aos direitos
fundamentais figura no Titulo III e parte do artigo 35 até ao artigo 95.

Do tema que temos por dever apreciar nestas lições importa-nos o Titulo sobre os direitos
fundamentais, no qual temos o Capítulo I – Princípios Gerais; Capítulo II – Direitos,
Deveres e Liberdades; Capítulo III – Direitos, Liberdades e Garantias10 Individuais;
Capítulo IV – Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política e finalmente o
Capítulo V – Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais.

O entendimento do Título atinente aos direitos, deveres e liberdades fundamentais e dos


demais importa conhecer os restantes títulos, sobretudo o Título I que dispõe sobre os
Princípios fundamentais, do artigo 1 a 22, porquanto, a Constituição deve ser aprendida,
como um todo, na busca de uma unidade e harmonia de sentido.

A Constituição é um todo e, por isso, deve ser considerada na sua globalidade e na íntegra
e procurar-se sempre a sua harmonia onde se acha haver espaços de tensão entre as suas
normas. As normas constitucionais não são isoladas ou dispersas, mas sim integradas num
sistema interno unitário de normas e princípios.

8
Foi introduzida na CRM de 1990. Na CRM de 1975 não havia.
9
É importante notar que os artigos não se apresentam por graus como era na CRM de 1975.
10
As garantias constitucionais se acham presentes no Juramento nos cargos públicos em que o titular do
cargo de Presidente da República, no acto da sua investidura, presta um juramento em público e perante os
deputados da Assembleia da Republica e representantes dos órgãos de soberania, artigo 150, da CRM

Na vedação aos partidos políticos da prática de actos que preconiza ou recorre à violência para alterar a
ordem política e social estabelecida.
Vide artigo 75, n.º 1, 77 e 52 n.º 3, todos da CRM;
Apenas o Estado tem o monopólio do uso da força. Vide artigo 254, 265, 266.
No estado de sítio, de emergência ou de guerra A Constituição Moçambicana, através do artigo 282, 283
e segs, 72, 161, al. a), c), 268, 269, 179, n.º 2, al. g), 164, 166, al. b), fixa os pressupostos necessários para
a declaração.
Na Perda do mandato e dissolução de órgãos de soberania, são mecanismos de carácter repressivo que
têm por finalidade garantir e salvaguardar a vontade do povo manifestamente expresso no acto eleitoral.
Vide artigos 159, alínea e), 188, art. 2, n.º 1 e 2 e 73 todos da CRM.
A institucionalização de mecanismos de garantia da Constituição é um meio que se entrega a uma certa
entidade Estatal para se ocupar da verificação dos comportamentos se estão ou não em conformidade com
a Constituição.
No nosso ordenamento jurídico temos o Tribunal Supremo que se ocupa das funções jurisdicionais, Vide
artigo 212, 213, 214, 215, 217, 218, 225 da CRM de 2004
O Conselho Constitucional que é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça,
em matérias de natureza jurídico-constitucional, Vide o artigo 241, 244, 245, 246 e 248 da Constituição, onde
se acha consagrado o sistema de fiscalização concentrada.
Em regime de vários órgãos ou entidades, temos o Sistema de Fiscalização Difusa, vide o artigo 69, 70 e
80 que contém uma garantia que se reconhece aos cidadãos em relação aos seus direitos e liberdades
consagrados e ainda os artigos 241, 244, 245, 246 e 248 da Constituição.
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Em seguida apresentamos a matéria objecto dos princípios consagrados na Constituição da


República que são considerados fundamentais por serem os que suportam toda a
Constituição da República e devem estar presentes em todas as disposições normativas da
ordem jurídica e orientarem os titulares dos órgãos do Estado na emanação das Leis, pois
as normas jurídicas emanadas devem ser elaboradas em conformidade com estes princípios
e com o resto das disposições normativas de valor e dignidade constitucional.

Os princípios fundamentais da Constituição da República incidem sobre as matérias


constantes do artigo 1 a 22:

1. República de Moçambique;
2. Soberania e Legalidade;
3. Estado de Direito democrático;
4. Pluralismo Jurídico;
5. Nacionalidade;
6. Território;
7. Organização territorial;
8. Estado Unitário;
9. Línguas nacionais;
10. Língua Oficial;
11. Objectivos fundamentais;
12. Estado Laico;
13. Símbolos nacionais;
14. Resistência Secular;
15. Libertação Nacional, defesa da soberania e da democracia;
16. Deficientes de guerra;
17. Relações Internacionais;
18. Direito Internacional;
19. Solidariedade Internacional;
20. Apoio à libertação dos povos e asilo;
21. Laços especiais de amizade e cooperação;
22. Política de paz.

Dos princípios aqui expostos em relação aos quais se deve entender que são transversais,
na mediada em que todos os princípios gerais e disposições normativas que se acham
dispostos no texto constitucional estão directa e imediatamente subordinadas a estes
princípios fundamentais e desde já, importa ainda tecer algumas considerações de ordem
doutrinária e legal sobre os princípios estruturantes do Estado Moçambicano.

128
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O que são princípios estruturantes: São elementos fundamentais que consagram a


Organização e a filosofia em que assenta o Estado, que de forma expressa ou implícita
define o carácter, o espírito do Estado, a posição jurídica dos cidadãos e dos governantes
em relação ao Estado, os objectivos gerais do Estado, no plano interno e externo.

Os princípios estruturantes numa Constituição podem estar de forma expressa e podem


estar de forma não expressa, o que significa que a sua identificação decorre da conjugação
do articulado, da sistemática e da interpretação das normas constitucionais, por forma a
serem revelados.

São princípios estruturantes que nos definem e nos caracterizam o Estado, ou seja, a partir
dos princípios estruturantes o interprete ou aplicador da norma fica com a ideia
fundamental do tipo de Estado, do Sistema de Governo assim como da forma de Governo.

Os princípios estruturantes são o fundamento e o limite da interpretação das normas


constitucionais. Constituem as balizas do poder político, da sociedade e do cidadão.

São os seguintes os princípios estruturantes da nossa República que por serem


identificadores do Estado merecem de todos nós os sujeitos de Direito, todo o respeito e
consideração em qualquer análise, estudo, interpretação e aplicação de Direito instituído,
por serem o limite e fundamento do Direito Moçambicano:

1- Princípio republicano
2- Princípio do Estado de direito
3- Princípio democrático
4- Princípio pluralista
5- Princípio do Estado social
6- Princípio do Estado unitário
7- Princípio da autonomia das autarquias locais
8- Princípio da laicidade do Estado

I. PRINCIPIO REPUBLICANO

Com este princípio que se encontra plasmado na Constituição entende-se que o Estado é
um bem público que não pertence aos titulares dos órgãos, nomeadamente os constantes
no artigo 133, 135, n.˚3, 138, 140, 141, 236, n.˚2, 239, 254, n.˚1, 256, 264, n.˚ 2, 289, mas
sim um bem público, pertence a toda a comunidade, artigo, 2, n.˚ 2, 248 e artigo 286.

A expressão republica, “Res Publica”, que vem consagrado no artigo 1, da CRM, provém
do latim e significa coisa pública, coisa comum, diferente de res privata que é coisa
particular), coisa que é de todos os seus habitantes.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Por conseguinte, ninguém pode-se arrogar proprietário da coisa de todos. Ninguém tem o
direito ou prerrogativa de se afirmar dono, proprietário do que é de todos. Todos os que
sejam nacionais beneficiam-se dos frutos resultantes do uso da fruição da coisa pública,
em pé de igualdade e sem qualquer descriminação, artigo 35, 36, 39.

O Estado é uma colectividade de cidadãos titulares de direitos civis e de participação


política que estão vinculados a deveres decorrentes do respeito que se deve ter em relação
a coisa de todos, artigo 38;

Este principio tem a sua expressão na Constituição, nos seguintes artigos constitucionais:

Capítulo I do Título I tem por epígrafe “República” e, segundo o artigo 1, “A República


de Moçambique é um Estado...”

Designação do Chefe de Estado por “Presidente da República” (artigo 145, n.º 1).

Por conseguinte, há limitação dos mandatos sucessivos do PR (artigo 146, n.ºs 4 e 5) e da


AR, artigos 170.

O mandato que se fixa para os titulares do poder é a expressão da sua concretização


material, pois quem ascende ao poder desde a tomada de posse fica informado de que é
titular por algum período fixado na lei e não vitaliciamente.

O cargo que ocupa é coisa pública, dai que o seu titular não pode permanecer no cargo
vitaliciamente. O titular do cargo é um gestor de coisa pública e no termo do mandato deve
cessar o exercício, salvo quando por razões que se prendem com o desempenho especial
do titular, seja reconduzido para o cargo pelas vias normais de reeleição ou nomeação para
o mesmo cargo.

A permanência no cargo durante muito tempo, para além do tempo razoável do mandato,
ofende o princípio republicano.

A Constituição moçambicana de 2004 fixa como tempo máximo de permanência no poder


de 5 anos podendo ser renovado nos ternos estritamente previstos na lei.

II. Princípio do Estado de direito

Consiste em exercer o poder em conformidade com o Direito positivo. Aquele Direito que
esteja plasmado na Constituição e na lei, designadamente, nos termos previstos nos artigos
2, n.ºs 2 e 3, no artigo 4 e 213 e com respeito ao disposto no artigo 143.

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O Estado de Direito pressupõe uma ordem jurídica baseada numa Constituição, artigo 2 n.º
3, que tem por objectivo a estruturação do próprio Estado e a garantia das liberdades
fundamentais, artigo 133 e seguintes e artigo 56 e seguintes.

Um Estado que prossegue fins orientados por princípios e regras do Direito e que busca a
realização da justiça, da segurança e do bem-estar social, económico, e cultural, artigo 11,
96 e seguintes.

É o Estado que actua segundo processos e procedimentos jurídicos pré-estabelecidos que


garantem a previsibilidade e segurança jurídica nas relações os cidadãos e a administração.

Por força deste principio impõe-se uma rigorosa e garantia efectiva, no mínimo, dos
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, designadamente o direito à vida e à
integridade física, artigo 40 e a liberdade e segurança física individual da pessoa, artigo
59, o gozo das liberdades de consciência e de religião, artigo 54 (liberdade de
consciência e de religião).

O principio do Estado de Direito, garante ainda o cumprimento da regra da igualdade


jurídica entre as pessoas, tal como se pode constatar dos artigos 35, 36 e 37.

O Estado de Direito prossegue fins racionalmente previstos nos princípios fundamentais


do Estado, do artigo 1 ao artigo 22.

Pressupõe ainda a existência de órgãos de fiscalização da constitucionalidade e da


legalidade dos actos praticados pelos órgãos de poder, conforme os artigos 278, n.º 3, al.
c), 145, n.º 2, 178, n.º 2, al. j), k), 205, 213, 227, 229, 227, n.º 2, 235, 243, n.º 1, al. b), c),
244, 255, 258, 69, 70, 79, 80, 81, 253, n.ºs 2 e 3 e 252 e 259.

No nosso país temos órgãos de fiscalização, sendo de destacar o Conselho Constitucional,


os Tribunais judiciais e Administrativo, o Provedor de Justiça, a sociedade civil, o cidadão
e finalmente o P.R que é o garante da Constituição.

No Estado de Direito todos os actos devem estar conformados com a lei e a Constituição
que se acha numa posição superior ás demais leis, artigo 2, n.˚ 3 e 3 e artigo 38.

São os seguintes os requisitos do Estado de Direito:

O Estado de Direito para a governação do País possuem como característica a Pluralidade,


a independência e a interdependência quanto a sua subsistência e cada uma delas exerce
uma função que é distinta da outra, tal como se pode constatar dos seguintes dispositivos:

 Pluralidade de órgãos de soberania, artigo 133 (PR, AR, Governo, Tribunais e


Conselho Constitucional);
131
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 Princípio da separação e interdependência dos poderes, artigo 134.

 Aos tribunais está-lhes reservado a função jurisdicional, independente e dotados de


garantias de independência dos juízes, artigo 211, 212, 216, 218 e 214.

 A independência dos tribunais é ainda garantida pelo Conselho Superior da


Magistratura Judicial, nos termos do artigo 219.

 Vigora o Princípio da constitucionalidade, concretizado pela fiscalização,


jurisdicional ou jurisdicionalizada que se realiza em conformidade com a própria
Constituição e as leis, nos termos previstos nos artigos

 Artigo 2, n.º 3 - Subordinação do Estado à Constituição);

 Artigo 2, n.º 4 - Prevalência das normas constitucionais sobre as


restantes normas do ordenamento jurídico;

 Artigo 213 e seguintes - Fiscalização jurisdicionalizada da


constitucionalidade e legalidade dos actos normativos dos órgãos do
Estado, através do Conselho Constitucional).

 O Princípio da legalidade de Administração é um dos princípios fundamentais


através do qual, o sistema institui meios de impugnação contenciosa dos actos
administrativos e dos regulamentos, conforme o disposto nos seguintes
articulados jurídicos-constitucionais:

 Artigo 2, n.º 3 - O Estado funda-se na legalidade;

 Artigo 248, n.º 2 - Vinculação da Administração Pública à Constituição


e à lei);

 Artigo 252, n.º 3 - Direito dos cidadãos ao recurso contencioso contra


actos administrativos ilegais lesivos de seus direitos;

 Artigo 228 e seguintes (Tribunal Administrativo, órgão de controlo


da legalidade dos actos administrativos e da aplicação das normas
regulamentares emitidas pela Administração Pública).

 Finalmente, temos no Estado de Direito como corolário, a Responsabilidade civil


do Estado pelos danos causados pelos seus órgãos e agentes.

Esta garantia encontra a sua expressão na Constituição no artigo 58, o Direito à


indemnização e responsabilidade do Estado, nos seguintes termos:

 “1. A todos e reconhecido o direito de exigir, nos termos da


lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados pela
violação dos seus direitos fundamentais.”
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 “2. O Estado é responsável pelos danos causados por actos


ilegais de seus agentes, no exercício das suas funções , sem
prejuízo do direito de regresso nos termos da lei.”

III. Princípio democrático

DEMOCRACIA

Consiste no exercício do poder pela maioria do povo. O que significa que o poder é
efectivamente exercido pelo povo, tem como fundamento o povo, dirige-se ao povo e é do
Povo, segundo a máxima “Democracia“ governo do povo, pelo povo e para o povo”.

O povo exerce o poder segundo as formas estabelecidas na Constituição, conforme o


disposto no artigo 2, n.˚ 1 e 2, 73, 135, n.˚ 1, 146 n.˚ 1, 169, n.˚ 1 e 278, n.˚s 1, 279, n.˚ 2,
282, n.˚1 e artigo 289, n.˚ 2, todos consagram o princípio da Soberania Popular do nosso
Estado.

A democracia é exercida sob duas modalidades.

1. Via directa - que consiste em o povo exercer por si próprio o direito de escolher
livremente os seus representantes para o exercício das funções políticas ou
administrativas do Estado, conforme os artigos 73, 135, n.˚ 1, 146 n.˚ 1, 169, n.˚ 1
e 278, n.˚s 1, 279, n.˚ 2, 282, n.˚1 e artigo 289, n.˚ 2.

2. Por via indirecta - quando os representantes do povo escolhidos, através da 1.ª via
praticam os actos públicos em nome do povo. Ex: os deputados que na A.R
apreciam e aprovam as leis. O P.R é que forma o governo, nomeia e confere posse
as altas individualidades do Estado, artigo 142, 159, 160, 161, 162, 163, 165, 168,
178, 179, 182, 194, 196, 197, 202, 203, 204, 205, 211, 212, 221, 224, 229, 235,
243, 253, 255, 258, 261, 264, 270, 300, 303, 304…..

DEMOCRACIA DIRECTA

O povo directamente escolhe. Há uma escolha directa pelo povo.


Na democracia directa o acto só é válido quando um povo apresenta-se na sua
universalidade. Isto é, quando seja a maioria das pessoas, artigo 147, 135 n.º 2, 136 n.º 6

LEGITIMIDADE POPULAR.

Foi eleito por maioria de voto emitido pelo povo.

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LEGITIMIDADE LEGAL

O acto foi praticado nos termos da lei. Sendo necessário combinar a legitimidade com a
legalidade, para se respeitar a democracia, artigo 2, n.º 2 e 3.

A democracia não se compadece com a anarquia ou ilegalidades. A legitimidade e


legalidade são dois seguimentos que integram a democracia, onde a falta de um põe em
causa a unidade. O que significa que estes dois seguimentos são cumulativos, sendo o
Estado baseado na organização política democrática, artigo 3.

IV. Principio pluralista

O pluralismo significa a existência de uma realidade política, económica, social e cultural


diversa, onde temos uma pluralidade e multiplicidade de situações variadas sobre a mesma
realidade factual.

Com este princípio a ordem jurídica Moçambicana reconhece a existência de diferenças no


pensamento e na ideologia de todos os Moçambicanos. Reconhece-se ainda pontos de
vistas diferentes no domínio económico, social, cultural e políticos.

A ordem jurídica moçambicana, prevê assim no domínio político o sistema multipartidário


artigo 53, 74, 75, 77, 51 e 52.

Ainda no domínio politico, pluralismo significa existência e livre formação dos partidos
políticos, por serem eles a expressão do pluralismo político, nos termos do artigo 74 e 75,
as associações e grupos de pressão e comunicação de diferentes ideologias e correntes
políticas, onde predomina, conforme o disposto nos artigos 3 e 48, “Estado de direito
baseado no pluralismo de expressão” e liberdade de expressão e informação.

Possibilidade de organização dos cidadãos para a crítica dos governantes e para a


sua eventual substituição pacífica, vide artigo 73, 78, 80 e 81.

No domínio social, na família, conforme os artigos 119 e 120. temos ainda a liberdade de
circulação e de habitação, artigo 55 e 91. temos ainda no domínio social, a liberdade
religiosa, artigo 54, o direito de expressão, artigo 3 e 48, com destaque para o n.º 6 do artigo
48, artigo 56, n.º2, a independência dos órgãos de comunicação social, artigo 50, sem
prejuízo do direito de defesa, artigo 49, 62 e 65.

No domínio cultural, artigo 93, 94, 115, 118 e 11, al. i).

No domínio económico, artigo 84, n.º 1 e 2, 82, 86, 87, 96, 97 e seguintes.

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No domínio económico ao Estado cabe-lhe desempenhar a função prevista nos artigos 101,
n.º 1, 102, 103, n.˚2, 105, n.˚2, 106, 107, 108 e 97, al. g).

V. Princípio do Estado social

O princípio de Estado Social, pressupõe a socialização e estadualização da sociedade em


que o Estado deve intervir na sociedade, o que significa que não deve haver rigidez na
separação entre o Estado e a sociedade, pese embora, o regime económico seja de mercado
livre em que o papel do Estado na economia seja de regulador e promotor do crescimento
e desenvolvimento económico e social, vide artigo 97, al. g), pois entende-se que o Estado
está inserido na comunidade e ao serviço do cidadão, conforme os artigos 96, 101 e 203,
n.º 1, al. a).

Assim, o Estado social é aquele em que o Estado intervêm na sociedade e na economia


visando criar a igualdade de oportunidades, redistribuir a riqueza de forma equilibrada,
artigo 96, enfim, realizar a justiça social preconizado no artigo 1, nos artigos 11, relativo
aos objectivos fundamentais do Estado tais como: “edificação de uma sociedade de justiça
social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos” e
no artigo 82 e seguintes da Constituição da República.

A intervenção do Estado na sociedade ao abrigo deste princípio, visa:

- Tornar o Estado de piloto ou condutor do crescimento e desenvolvimento


económico e social da sociedade.
- Identificar em cada momento o que é que o interesse geral determina.
- Planificar o que deve ser feito para a concretização do interesse geral a médio e
longo prazo.
- Promover a produção de produtos não lucrativos, produzindo um conjunto de bens
de interesse geral a um preço acessível ás camadas desfavorecidas.
- Planificar os objectos e meios para executar as tarefas que visa atingir os fins do
Estado.
- Regular com maior rigor a actividade económica através de meios jurídicos
instituídos.
- Praticar uma política de condicionamento de todas esferas da sociedade.
- Fazer a redistribuição dos bens equitativamente por todos membros, de modo a
combater o desequilíbrio económico e social.

Para este efeito, o Estado define uma política fiscal baseada na progressividade dos
impostos, cuja a metodologia consiste em quanto mais rendimento um agente tiver, maior
será o valor do imposto a pagar ao Estado, artigo 45, al. c), artigo 127 e 100.

135
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A fórmula, permite que os agentes que têm rendimentos baixos, paguem menores valores
de impostos, o que beneficia as camadas mais desprotegidas.

Finalmente, o Estado encarrega-se de fazer a redistribuição dos lucros pelos cidadãos,


favorecendo as camadas com menos recursos para subsistência, artigo 96, 97, 100 e 101.
Com fundamento neste princípio, o Estado atribui a propriedade, um valor social, embora
para o proprietário, represente limitações dos seus direitos. Contudo o Estado Social, com
esta acção, não pretende de nenhuma forma, proceder a expropriação do bem, o
proprietário deve usar o seu bem para os fins sociais a que se destina e só em situação
contrária, o Estado reserva-se o direito de impor coactivamente sanções que obrigue o
proprietário a conferir ao bem, uma função social.

Porém, o Estado social não se confunde com:


- Estado Assistencial
- Estado Previdência
- Estado de Bem Estar

O Estado Assistencial, refere-se apenas a um aspecto social que é de dar assistência ás


camadas desfavorecida. O Estado Social de Direito não é só isto. Abrange estas camadas e
todas outras da sociedade.
Estado de Previdência, não pode ser, pois a previdência social destina-se a salvaguardar os
direitos económicos e sociais decorrentes dos serviços efectivamente realizados pelo
cidadão, no futuro, enquanto que o Estado social de direito garante os direitos económicos
e sociais no presente e no futuro.
O Estado do Bem Estar, significa que os membros da sociedade atingiram na globalidade
uma situação económica e social que garante a cada um, um bem-estar social.
Portanto, o Estado Social de Direito, implica uma intervenção directa na sociedade,
ocupando as funções de planificador, produtor, gestor, controlador, redistribui dor, etc.
Para este efeito, o Estado Social de Direito, reserva-se o direito de intervir na esfera
patrimonial dos cidadãos de modo a obter os recursos sem os quais não pode garantir a
igualdade.

A promoção positiva das liberdades é a garantia a favor do Estado de um mínimo de


subsistência na sua manutenção.

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O objectivo final desta intervenção visa garantir que os cidadãos possuam condições
materiais para gozo efectivo dos seus direitos. Pois reconhece-se que não os cidadãos não
podem estar sob ameaça de fome, doença, nudez, em resumo, pela pobreza absoluta, para
o efectivo gozo dos direitos fundamentais plasmados na Constituição. O cidadão só pode
ser útil para a sua sociedade, quando tiver instrução e formação, habitação, emprego,
transporte, etc. Sem estas condições mínimas, ao seu dispor não é possível garantir-se a
concretização dos seus Direitos Fundamentais.

VI. Princípio do Estado unitário

É o Principio que se contrapõe ao Estado composto ou federal. Simboliza ou significa que


o carácter unitário do Estado Moçambicano adoptado pelo país, consiste numa
Organização politica com um poder centralizado, dotado de unidade do poder soberano
com jurisdição sobre todo o território nacional, sem prejuízo do principio da
descentralização que se traduz na governação descentralizada e na existência de poder local
que são as autarquias locais, artigo 267 e seguintes e nas demais pessoas colectivas que
prosseguem fins de interesse público, artigo 97, al. d), e), 74, 75, 54, n.˚3 e artigo 78,
gozando contudo de personalidade própria como seja sociedades comerciais, associações
e fundações.

O poder central do Estado, artigo 138, no quadro da sua aplicação admite a desconcentração
das competências do Estado, artigo 140. Assim, temos na ordem jurídica do Estado
unitário, a figura de Secretário de Estado na província e no distrito que assegura a
realização das funções exclusivas e de soberania do Estado, artigo 141, n.˚ 3 e 5, os órgãos
de governação descentralizada que também se situam na província e no distrito, que ao
nível do território estadual gozam da autonomia administrativa, financeira e patrimonial,
conforme o artigo 269, prosseguem os objectivos fixados no artigo 267, respeitando
contudo os limites determinados no artigo 270, com as atribuições previstas no artigo 276
dentro da sua área de jurisdição.

A concretização constitucional deste princípio consta fundamentalmente dos seguintes


artigos:
 Art. 8: “A República de Moçambique é um Estado unitário...”
 Artigo 7: Organização territorial em circunscrições meramente
administrativas (províncias, distritos, postos administrativos, localidades e
povoações).
 Existência de um único sistema de órgãos de soberania que se constituem
em órgãos centrais do Estado (artigos. 133, 138 e 139) com representação
ao nível local, através do Secretário de Estado na Província e no Distrito,
artigo 141.
 Artigo 267 e 276: Órgãos de Governação descentralizada que agem na
qualidade de entes administrativos descentralizados.
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VII. Princípio da autonomia dos órgãos de governação descentralizada incluindo


as autarquias locais

Vejamos em primeiro plano em que consiste a governação descentralizada cuja a existência


tem como finalidade prosseguir os fins previstos no artigo 267, onde também se acha
inseridas as autarquias locais, conforme se determina no artigo 268, al. b).

A Governação descentralizada compreende:

a) Os órgãos de governação descentralizada provincial e distrital;


b) As autarquias locais.

Sem prejuízo da autonomia dos órgãos de governação descentralizada, o Estado mantém


nas entidades descentralizadas as suas representações para o exercício de funções
exclusivas e de soberania do Estado, artigo 270 e fá-lo através do Secretário de Estado
Provincial ou distrital, artigo 141.

As autarquias locais são pessoas colectivas públicas, dotadas de personalidade jurídica


própria, de população e território que organizam e promovem a participação dos cidadãos
na solução dos problemas da sua comunidade que habita a área de jurisdição, vide artigo
286.

Há dois tipos de autarquias locais, artigo 287:

a) os municípios que correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas;


b) as povoações que correspondem à circunscrição territorial da sede dos postos
administrativos.

O legislador constituinte entendeu municipalizar o país observando o gradualismo, que


consiste em criar municípios tendo em conta os seguintes factores11:

a) factores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e


administrativos;
b) interesses de ordem nacional ou local em causa;
c) razões de ordem histórica e cultural;
d) avaliação da capacidade financeira para a prossecução das atribuições que lhe
estiverem cometidas.

Com base nestes factores, o processo de criação das autarquias locais vai ser lento e longo.

11
Artigo 7, da Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto.
138
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Actualmente, estão definidos como municípios 53 autarquias.

A opção por apenas municípios tem a ver com a inexistência ou insuficiência de condições
económicas e sociais necessárias e indispensáveis para a implantação e funcionamento da
administração autárquica.

Nas vilas, onde o poder local ainda não foi estabelecido, o poder é exercido pelos
Administradores de Distritos ou pelos Chefes de Postos administrativos, de nomeação dos
órgãos do Estado.

As Autarquias locais não se confundem com os Órgãos de Governação descentralizada


que também se situam ao nível territorial, província e distrito, designadamente os órgãos
executivos de governação descentralizada provincial e distrital, anteriormente designados
de órgãos Locais do Estado, previstos nos artigos 267 a 285, todos da CRM.

Os órgãos de governação descentralizada de nível provincial, regulamentadas pela Lei


n.˚4/2019, de 31 de Maio12, são pessoas colectivas de direito público, com personalidade
jurídica, dotada de autonomia administrativa, patrimonial e financeira, sem prejuízo dos
interesses nacionais e da participação do Estado aqueles que têm como objectivo organizar
a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade,
promover o desenvolvimento local, o aperfeiçoamento e a consolidação da democracia no
quadro da unicidade do Estado Moçambicano, respeitando os limites fixados no artigo 270,
da CRM.

A área de atribuições dos órgãos de governação descentralizada ao nível da Província situa-


se em toda a esfera de competências que não cabe exclusivamente as autarquias locais nem
ao Secretário do Estado na respectiva província, por determinação do disposto no artigo
276 da CRM e do artigo 18 da Lei n.˚4/2019, de 31 de Maio.

Os órgãos de governação descentralizada ao nível da Província e as autarquias locais


dispõem de um poder regulamentar próprio, em conformidade com a Constituição da
República, das leis e dos regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar, artigo
271, da CRM, o que significa que no quadro do exercício do poder regulamentar, as suas
decisões não estão investidos das características de lei, constitucionalmente previstas no
artigo 168, n. ˚ 2, da CRM, nem são qualificados de actos do Estado, enumerados no artigo
142 e dotados da eficácia prevista no artigo 143, todos da CRM, sendo assim actos de
natureza meramente administrativa com efeito sobre os destinatários concretos ao nível da
Província da jurisdição circunscrita e sujeitos a tutela13 administrativa, nos termos do artigo
276 da CRM.
12
Publicada pela I Serie do BR, n.˚ 105, de 31 de Maio de 2019.
13
Regulamentada pela Lei n.˚ 5/2019, de 31 de Maio, publicada no I Série do BR n.˚ 105, de 31 de Maio de
2019.
139
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Ao nível da Província são órgãos da governação descentralizada, os seguintes:

a) A Assembleia Provincial;
b) O Governador de Província;
c) O Conselho Executivo Provincial.

A Assembleia Provincial14 é o órgão de representação democrática eleita por sufrágio


universal, directo, igual, secreto, pessoal, periódico e de harmonia com o princípio de
representação proporcional, cujo mandato tem a duração de cinco anos.

Na sua esfera de actuação compete a Assembleia provincial, as atribuições que constam do


artigo 278, n.˚ 2 da CRM e das previstas na sua Lei orgânica, a Lei n.˚ 6/2019, de 31 de
Maio.

São órgãos executivos de governação descentralizada na província:

 O Governador de Província;
 O Conselho Executivo Provincial.

O Governador de Província é o órgão executivo de governação descentralizada que dirige


o Conselho Executivo Provincial.

É declarado Governador de província pelo Conselho Constitucional, o cabeça de lista do


partido político, coligação de partidos políticos ou grupos de cidadãos eleitores que na
eleição obter a maioria de votos expressos nas eleições para Assembleia Provincial.

O Conselho Executivo Provincial é o órgão executivo da governação descentralizada


provincial, responsável pela execução do plano e orçamento de governação, aprovada pela
Assembleia Provincial respectiva.

O Conselho Executivo Provincial é composta por:

a) O Governador de Província, que dirige;


b) O Director do Gabinete do Governador;
c) Directores Provinciais, nomeados pelo Governador de Província.

14
Regulamentada pela Lei n.˚ 6/2019, de 31 de Maio, publicada no I Série do BR n.˚ 105, de 31 de Maio de
2019.
140
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A representação do Estado ao nível da Província e Distrito é exercida pelo Secretário de


Estado na Província ou Distrito, conforme os casos e, desempenham as funções previstas
no artigo 141, n.˚ 3 e 4, da CRM.

Ao Nível da Província são órgãos de representação do Estado, o Secretário de Estado na


Província e os Serviços de Representação do Estado, nos termos do 22 da Lei15 que
estabelece o quadro legal sobre a organização e o funcionamento dos órgãos de
representação do Estado na Província.

A Representação do Estado na Província assegura a participação dos cidadãos, das


comunidades locais, das associações e de outras formas de organização que tenham por
objecto a defesa dos seus interesses.

São competências do Secretário do Estado na Província:

a) Representar o Estado na Província;


b) Representar o Governo Central na província;
c) Dirigir o Conselho dos Serviços provinciais do Estado na Província;
d) Orientar a preparação do plano económico e social e o respectivo balanço de
execução nas áreas de representação do Estado na Província;
e) Dirigir a execução e controlo do plano e orçamento dos serviços de representação
do Estado na Província;
f) Apresentar relatórios periódicos ao Governo central sobre o funcionamento dos
serviços de representação do Estado na Província;
g) Implementar, ao nível da Província, acções e actividade de cooperação
internacional, no quadro da materialização da estratégia da política externa e de
cooperação internacional do Estado Moçambicano;
h) Praticar actos administrativos e tomar decisões indispensáveis, sempre que
circunstâncias excepcionais de interesse público o exijam, devendo comunicar
imediatamente ao órgão competente;
i) Intervir e recomendar medidas pertinentes no âmbito da preservação da ordem e
segurança públicas;
j) Exercer outras competências determinadas por lei.

O Secretário do Estado é de nomeação, exoneração ou demissão do Presidente da


República, artigo 141, n.˚ 2, conjugado com o n.˚ 2 do artigo 159, alínea e), da CRM.

O Secretário do Estado ao nível do território provincial na sua actuação no quadro da


representação do Estado na Província, age em obediência à Constituição da República e
demais leis, dentro dos limites e fins atribuídos por lei.

15
Lei n.˚ 7/2019, de 31 de Maio.
141
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Por conseguinte, realiza as tarefas16 do Estado no território em que se situam por delegação
dos órgãos Centrais do Estado, em obediência ao princípio da desconcentração, previsto
no artigo 140 da CRM, que consiste na determinação de transferência originária ou
delegação de poderes dos órgãos superiores da hierarquia da Administração Pública para
os órgãos inferiores do Estado ou para os funcionários ou agentes subordinados, artigo 12
da Lei n.˚ 7/2019, de 31 de Maio.

A delegação de competências centrais do Estado decorre do n.º 1 do artigo 140 e do n.º 3


do artigo 141, ambos da CRM e enquadra-se no sistema da desconcentração, que diz
respeito à organização administrativa de uma pessoa colectiva pública, sobretudo o Estado.

A desconcentração é o versus da concentração das competências conferidas e trata-se da


organização vertical dos serviços públicos, em que se reparte entre os órgãos centrais do
Estado com os órgãos locais do Estado o poder de decisão que cabe ao Estado no exercício
das competências conferidas.

Para efeitos de supervisão e superintendência está em funcionamento o Conselho dos


serviços provinciais de Representação do Estado, cuja organização e funcionamento é
regulamento pelo Conselho de Ministros.

O Conselho dos Serviços Provinciais de representação do Estado integra:

a) O Secretário de Estado na Província que dirige;


b) O Director do Gabinete do Secretário do Estado na Província;
c) Os Directores ou dirigentes dos Serviços provinciais do Estado.

O Director de Serviço Provincial é nomeado centralmente, ouvido o Secretário do Estado


na Província onde é colocado e subordina-se ao Secretário do Estado, n.º 1 e 2 do artigo
34, da Lei n.º 7/2019, de 31 de Maio.

Os órgãos executivos de governação descentralizada de nível provincial não se devem


confundir também com a autoridade tradicional ou comunitária, prevista no artigo 118
da CRM de 2004 que resulta da valorização das tradições e costumes do povo
moçambicano, conforme o artigo 115 e 11, alínea i) da Constituição de 2004.

16
Que são os órgãos de soberania, o conjunto dos órgãos governamentais e as instituições centrais a quem
cabe garantir a prevalência do interesse nacional e a realização da política unitária do Estado, artigo 138 da
CRM.
142
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A autoridade tradicional compreende os chefes tradicionais, de cujo poder é da emanação


natural e assumem a chefia de acordo com as regras tradicionais da respectiva comunidade,
os secretários de bairro ou de aldeia que assumem a chefia por escolha feita pela população
do bairro ou aldeia a que pertençam e outros lideres legitimados como tais pelas respectivas
comunidades locais, devido ao reconhecimento geral que decorre do seu papel na vida
social, económica, religioso ou cultural, cujo regime jurídico consta do Decreto n.º15/2000,
de 20 de Junho, regulamentado pelo Diploma Ministerial n.º 107-A/2000, de 25 de Agosto
e pela Directiva de 23 de Janeiro de 2002.

Os órgãos de governação descentralizada de nível provincial distingue-se ainda dos demais


poderes locais pelo seu modo de constituição.

As autarquias locais resultam da eleição por sufrágio universal, directo, igual, secreto e
pessoal dos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da autarquia, segundo
o sistema de representação proporcional, tratando-se de Assembleia Municipal, artigo 289,
n.˚ 2 e é proclamado Presidente do Conselho Municipal o cabeça de lista do partido
politico, coligação de partidos políticos ou de grupo de cidadãos eleitores que obtiver
maioria de votos nas eleições para Assembleia Autárquica, artigo 289, n.ºs 5 da CRM,
materializado pelas Leis que se indicam em nota de rodapé17.

Por remissão do comando constitucional, dos números 8 e 9, ambos do artigo 289, nos
termos do artigo 20, da Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto, o mandato dos órgãos autárquicos
e dos seus titulares é de cinco anos.

As autoridades comunitárias são constituídas obedecendo as regras da respectiva


comunidade sendo na maioria dos casos, por via de sucessão, tratando-se de chefes
tradicionais ou por escolha ao nível do bairro ou aldeia, por residentes presentes na data da
prática do acto segundo critérios da respectiva comunidade local ou grupo social, artigos 8
e 9 do Diploma Ministerial n.º 107-A/2000, de 25 de Agosto.

Resumindo entre os órgãos de governação descentralizada e outros poderes locais há


distinção quanto a legitimidade popular, porquanto, os titulares dos órgãos de governação
descentralizada, quer os de âmbito provincial, quer os das autarquias locais goza de maior
legitimidade democrática popular que os demais.

17
Lei n.˚ 8/2014, de 12 de Março, que altera e republica a Lei n.˚ 5/2013, de 22 de Fevereiro, BR n.º 21, I
Série, de 12 de Março, que estabelece o quadro jurídico do recenseamento eleitoral sistemático para a
realização de eleições;
Lei n.˚ 14/2018, de 18 de Dezembro, BR n.º 246, I Série, de 18 de Dezembro – Altera e republica a Lei n.˚
7/2018, de 3 de Agosto, atinente a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais;
Lei n.˚ 6/2018, de 3 de Agosto, que altera a Lei n.˚ 2/97, de 18 de Fevereiro, BR n.º 152, I Série, de 3 de
Agosto - estabelece o quadro jurídico-legal para a implantação das autarquias locais;

143
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A legitimidade dos órgãos de representação Estado na Província ou no distrito emana da


lei e dos órgãos competentes centrais do Estado.

O quadro das atribuições para os órgãos de governação descentralização e das autarquias


locais é limitado.

Nos termos constitucionais, artigo 267, os órgãos de governação descentralizada e das


autarquias locais tem como objectivo:

a) organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua


comunidade;
b) promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da
democracia, no quadro da unidade do Estado moçambicano.

Os órgãos de governação descentralização e das autarquias locais apoia-se na iniciativa e


na capacidade das populações e actua em estreita colaboração com as organizações de
participação dos cidadãos.

No quadro do exercício das atribuições18 próprias cabe as autarquias locais, de acordo com
os recursos financeiros ao seu alcance e no respeito aos interesses próprios, comuns e
específicos das populações respectivas, promover o seguinte:

a) desenvolvimento económico e social local;


b) meio ambiente, saneamento básico19 e qualidade de vida;
c) abastecimento público20;
d) saúde;
e) educação;
f) cultura, tempos livres e desporto;
g) polícia da autarquia;
h) urbanização, construção e habitação.

Na realização dos interesses locais das populações respectivas, as autarquias não


prejudicam nem afastam os interesses nacionais ou a participação do Estado prosseguido
pelos órgãos de Governação descentralizada ou directamente pelo Estado, nomeadamente:

18
Artigo 8, da Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto.
19
Incluindo limpeza.
20
Em água e energia.
144
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

a) a representação do Estado ao nível local21 para administração e desenvolvimento


do respectivo território;
b) a integração e unidade nacional;
c) a realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse
local e nacional, como sejam:;

Daqui se compreende que na área da autarquia há assuntos da competência mista,


nomeadamente a educação, saúde, vias públicas, segurança pública, transporte,
comunicação, energia.
Todas estas áreas de intervenção e incidência local ou autárquica são também de âmbito
nacional ou dos órgãos de governação descentralizada, requerendo assim, articulação e
harmonização dos planos e programas de cada um dos órgãos no território comum.

A epidemia ou quaisquer outras calamidades públicas não tem fronteiras geográficas, as


estradas atravessam o bairro, localidade, vila, cidade, distrito e província.

O crime não se limita numa determinada área geográfica.

A língua, a cultura e os usos são também do país e não de uma certa autarquia.

Já é diferente em relação ao mercado, saneamento, drenagem ou limpeza que são tarefas


específicas de uma certa zona habitacional.

Por se reconhecer este facto, as áreas comuns são da competência exclusiva dos órgãos
centrais do Estado, nomeadamente: a normação das matérias do âmbito da lei, a definição
das políticas nacionais, a representação do Estado, a definição e organização do território,
a defesa nacional e ordem pública, a fiscalização das fronteiras, a emissão da moeda e as
relações diplomáticas, artigo 139, da CRM.

Os órgãos centrais do Estado têm a sua sede na cidade de Maputo, capital da República de
Moçambique.

A sede dos órgãos de governação descentralização e das autarquias locais é na cidade


capital da província, distrito ou na vila do Posto Administrativo, conforme os casos.

Os Municípios correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas.

As povoações correspondem à circunscrição territorial da sede do posto administrativo.

21
A área da autarquia local está integrada no território da província cujo representante da autoridade
central da administração do Estado é o Governador da Província ou do Administrador distrital, conforme os
casos.
145
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Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Órgãos das autarquias locais

1. O Presidente do Conselho Municipal

Uma vez declarado o cabeça de lista do Partido Político, coligação de partidos Políticos ou
grupos de cidadãos eleitores que na eleição da Assembleia Municipal obteve a maioria dos
votos expressos na urna, pelo Conselho Constitucional, os munícipes consideram-no como
o principal responsável pela execução da política de governação municipal, com base nas
competências conferidas pelo artigo 62, da Lei n.º 13/2018, de 17 de Dezembro22 .

O Presidente do Conselho Municipal escolhe livremente e nomeia os seus colaboradores,


os denominados vereadores, artigo 52, com a limitação imposta pelo artigo 53, ambos da
Lei n.º 13/2018, de 17 de Dezembro.

Competem ao Presidente do Conselho Municipal definir as tarefas, os limites e


competências dos vereadores.

2. O Conselho Municipal

É constituído pelos Vereadores e pelo Presidente do Conselho Municipal que o dirige.

É o órgão executivo municipal que, em certas tarefas coadjuva o Presidente do Conselho


Municipal, não obstante possuir competências próprias que limitam os poderes do
Presidente.

A existência de Vereadores provenientes da Assembleia Municipal torna este órgão de


independente em relação ao Presidente que escolhe livremente os vereadores e de ter visões
próprias.

3. A Assembleia Municipal

A Assembleia exprime o pluralismo político consagrado no artigo 74, da CRM.


É neste órgão onde se manifesta de forma inequívoca o sistema político multipartidário do
nosso país, ao nível das populações locais.

Altera e republica a Lei n.˚ 6/2018, de 3 de Agosto, publicado na I Serie do BR n.˚ 245, de 17 de
22

Dezembro de 2018
146
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A Assembleia Municipal no exercício das suas competências promove debates de nível


político-ideológico, delibera aprovando os instrumentos essenciais com os quais o
executivo governa o município e efectua o controlo da actividade governativa e o
cumprimento do Manifesto e Programa de governação municipal do partido Político,
coligações de partidos políticos ou grupos de cidadãos eleitores que tiver ganho a eleição,
representado no cargo pelo Presidente do Conselho Municipal.

VIII. Princípio da laicidade do Estado

O sistema colonial português durante séculos em que esteve a dominar e colonizar


Moçambique serviu-se da religião católica fazendo desta o meio, ou seja, instrumento de
dominação espiritual tal como consta no artigo 2 do Acto Colonial. Exercer influência
moral.

Assim a Igreja católica de então é usada pelo regime colonial português como o meio de
dominação.

É assim parte do sistema colonial, coube a Igreja garantir a instrução e a educação moral
dos indígenas no território de Moçambique.

Os tratamentos cruéis a que o povo foi submetido a humilhação e todo o resto que ofendia
o valor e a dignidade humana foi sempre abençoada pela Igreja católica em nome de Deus.
Assim a luta de libertação de Moçambique definiu o inimigo principal - o colonialismo
português, incluiu também todas as formas de dominação e sua manifestação.

Em 1975 ano da proclamação da independência a lei fundamental promulgada em 25 de


Junho consagrou o princípio da separação absoluta do Estado e das confissões religiosas
em respeito ao princípio da igualdade e não discriminação.

Assim, a Igreja católica perdeu os privilégios que foi usufruiu durante a vigência do
governo colonial no território de Moçambique.

A Constituição Moçambicana consagra o princípio segundo o qual as confissões religiosas


devem respeito à Constituição e a Lei. O Estado reconhece e valoriza a religião que no
quadro legal prossegue os fins para os quais foi constituída.

Entre o Estado e a religião há uma separação, sendo assim o Estado Moçambicano laico,
artigo 12 e 54 da CRM 2004.

Laicidade significa que o Estado na prossecução dos seus fins, não se orienta por princípios
religiosos e ainda há separação entre o poder político e o poder religioso.

147
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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A laicidade do Estado Moçambicano vem consagrado no artigo 12 e a liberdade religiosa


e de consciência e culto, no artigo 54.

Principais diferenças entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais nas duas


Constituições de Moçambique (1990 e 2004)

Em seguida, vamos apresentar as principais diferenças entre os direitos, liberdades e


garantias fundamentais nas duas Constituições de Moçambique (1990 e 2004).

O levantamento que se segue não é exaustivo é apenas exemplificativo, pois o presente


trabalho não pretende limitar nem tão pouco revelar-se completo. É apenas um exercício
académico inicial que deve ser prosseguido e revestido dos devidos comentários e análise
jurídica.

Desde logo, a consagração dos seguintes órgãos, na CRM de 2004:

1. Provedor de Justiça, artigo 255 e ss., órgão que tem como função a garantia dos
direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da
Administração Pública, é eleito pela Assembleia da República, por maioria de dois
terços dos deputados, pelo tempo que a lei vai determinar.

O Provedor de Justiça é independente e imparcial no exercício das suas funções, devendo


observância apenas à Constituição e às leis.

O Provedor de Justiça irá submeter uma informação anual à Assembleia da República sobre
a sua actividade.

No quadro das suas competências irá apreciar os casos que lhe são submetidos, sem poder
decisório, e produz recomendações aos órgãos competentes para reparar ou prevenir
ilegalidades ou injustiças.

Se as investigações do Provedor de Justiça levarem à presunção de que a Administração


Pública cometeu erros, irregularidades ou violações graves, informa à Assembleia da
República, o Procurador-Geral da República e a Autoridade Central ou Local com a
recomendação das medidas pertinentes.

Mais ainda, o Provedor de Justiça pode solicitar ao Constitucional a declaração de


inconstitucionalidade das leis ou de ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado,
artigo 244, n.º 1, al. f), da CRM de 2004.

Na Constituição da República de 1990 constava para efeitos de fiscalização e controlo da


legalidade, a Procuradoria da República, artigo 176.
148
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Porém, entre as duas figuras há diferença quanto à natureza, criação e funções que
desempenha na ordem jurídica.

O Provedor de Justiça é mais uma das garantias graciosas23 que o Direito moçambicano
passou a oferecer ao cidadão, tendo em conta que o nosso ordenamento jurídico possui
vários outros mecanismos de garantia dos direitos particulares, previstos na Constituição e
nas leis ordinárias, nomeadamente, as garantias petitórias e as garantias impugnatórias.

Com a introdução desta figura de Provedor de Justiça, também conhecido por


“ombudsman”, o “defensor do povo” ou o “defensor do cidadão” pela primeira vez no
nosso país, os moçambicanos já poderão ter uma figura para quem irão dirigir as suas
queixas contra administração pública, sempre que não se conformarem com os actos
praticados pelos seus agentes.

O Provedor de Justiça é uma alta autoridade administrativa, imparcial, independente do


Poder Político e da Administração.

A sua eleição na Assembleia da República, por uma maioria de dois terços dos deputados,
tem a ver com as suas qualidades pessoais, de Homem de todos, de prestígio, de respeito,
de grande consideração e, por isso, de pessoa de consenso dos titulares dos órgãos que
detém o poder político e da oposição representada na Assembleia da República.

A sua função essencial é receber queixas dos particulares contra a actuação da


Administração Pública e usar a sua influência, prestígio e poder de persuasão para levar as
autoridades Administrativas a reparar as injustiças, irregularidades e ilegalidades que tiver
cometido, alterando assim, a decisão que havia proferida sobre um caso em concreto de
um certo cidadão.

A Administração Pública vê-se na contingência de acatar as recomendações do Provedor


da Justiça, pois tem uma sanção política do eleitorado.

A experiência do funcionamento desta figura em outros países do mundo moderno, indica-


nos que não é do interesse dos titulares do poder político que o Provedor dirija-se ao
Parlamento ou aos órgãos de comunicação social para apresentar uma questão em relação
a qual a Administração Pública foi notificada pela Provedoria para reparar e manteve a
decisão não obstante ser injusto e ilegal nos termos da Lei.

23
são as garantias que se efectivam através da actuação dos próprios órgãos da Administração activa.
149
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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2. Assembleias Provinciais, artigo 278, são órgãos de representação democrática,


eleitas por sufrágio universal, com competências de pronunciar-se e deliberar, no
quadro das atribuições dos órgãos executivos da governação descentralizada
provincial, sobre assuntos e as questões de interesse para o desenvolvimento
económico, social e cultural da Província, à satisfação das necessidades colectivas
e à defesa dos interesses das respectivas populações, fiscalização e observância de
princípios e normas constitucionais e legais, bem como das decisões do Conselho
de Ministros, referentes à respectiva província, aprovar o programa e o orçamento
anual do Conselho Executivo provincial, fiscalizar e controlar o respectivo
programa.

3. Conselho de Estado, artigo 163, é o órgão político de consulta do Presidente da


República. Compete-lhe em geral aconselhar o Presidente da República no
exercício das suas funções sempre que este o solicite e ainda pronunciar-se
obrigatoriamente sobre a:
a) dissolução da Assembleia da República;
b) declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência;
c) realização do referendo, nos termos da alínea c) do artigo 159;
d) convocação de eleições gerais.
4. Comissão Nacional de Eleições, artigo 135, n.º 3, órgão independente e imparcial
ao qual cabe a supervisão do recenseamento, referendo e dos actos eleitorais, no
quadro da aplicação do princípio de sufrágio universal, directo, igual, secreto,
pessoal e periódico, regra geral de designação dos titulares dos órgãos electivos de
soberania, das províncias e do poder local.
5. Conselho Superior da Comunicação Social, artigo 50 e ss., é um órgão de
disciplina e de consulta, que assegura à independência dos meios de comunicação
social, no exercício dos direitos à informação, à liberdade de imprensa, bem como
dos direitos de antena e de resposta.

No exercício das suas competências, emite parecer prévio à decisão de licenciamento pelo
Governo de canais privados de televisão e rádio e intervém na nomeação e exoneração dos
directores gerais dos órgãos de Comunicação Social do sector público, nos termos da lei.

Tribunal Supremo, artigo 224, este órgão jurisdicional perdeu a sua supremacia na ordem
jurídica, tendo lhe sido reservado a função de órgão superior da hierarquia dos tribunais
judiciais, nomeadamente a matéria cível e criminal e a uniformização da Lei nesta esfera
de jurisdição.

150
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Tribunal Administrativo, artigo 227, este tribunal com a revisão constitucional ganhou
uma fatia considerável da esfera jurisdicional ao lhe ser conferido o estatuto de órgão
superior da hierarquia dos Tribunais Administrativos, Fiscais e Aduaneiros, tornando-se
desta forma num Tribunal Supremo administrativo e no mesmo nível que o tradicional
Tribunal Supremo. Com esta modificação constitucional profunda na área judicial, o
Estado Moçambicano passa a contar com dois tribunais supremos, sendo um para a matéria
comum e outro para Administrativo, Fiscal e Aduaneiro.

Tribunais Militares, quando haja sido decretado estado de guerra, o artigo 223 permite a
constituição de tribunais militares para julgar os crimes de natureza estritamente militar.

Tribunais Comunitários. A ordem jurídica interna efectuou uma grande revolução ao


introduzir na Constituição da Republica o disposto no artigo 4 – Pluralismo Jurídico e o
artigo 222 n.° 2 que se refere aos Tribunais Comunitários, reconhecidos em 1992 através
da Lei n.° 4/92, de 6 de Maio.

O Conselho Constitucional, artigo 240 e ss. é o órgão de soberania desde a CRM de 1990,
surge nesta nova lei fundamental com poderes reforçados, porquanto, no novo texto
constitucional é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça,
em matérias de natureza jurídico-constitucional, verifica previamente a constitucionalidade
dos referendos, a morte e a perda de mandato do Presidente da República.

Aprecia em ultima instância a decisão da constituição de partidos políticos e coligações,


bem como a legalidade das suas denominações, siglas, símbolos, bem ainda a ordenação
da sua extinção nos termos da Constituição e da lei.

Julga as acções de impugnação de eleições e de deliberação dos órgãos dos partidos


políticos.

Finalmente, julga as acções que tenham por objecto o contencioso relativo ao mandato dos
Deputados e as acções que tenham por objecto as incompatibilidades previstas na
Constituição e na lei.

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Nos Direitos e Liberdades Fundamentais

Temos no artigo 35, o princípio da universalidade e igualdade, onde o legislador


acrescentou a “opção política”. Assim, o cidadão não pode ser discriminado em razões da
filiação política.

A norma constitucional relativa a direitos e liberdades individuais, artigo 56, foi


aperfeiçoado por forma a consagrar claramente:

a) a vinculação de entidades públicas e privadas;


b) garantia que deve ser oferecida pelo Estado;
c) a restrição ao exercício de acordo com os casos expressamente previstos na
Constituição;
d) a obrigatoriedade de as restrições serem de carácter geral e abstracto e não poderem
ser retroactivas.

A suspensão temporária das liberdades e garantias individuais, artigo 72, passa a ser
regulada nos termos da Constituição, de acordo com o regime que o próprio texto
constitucional define para estado de sítio e estado de emergência (artº 290), enquanto antes
o seu regime jurídico era estabelecido pela lei ordinária, portanto, do critério da legalidade
ou para um critério da constitucionalidade.

Restrição das liberdades individuais, as liberdades individuais dos cidadãos,


ocorrendo situações que impõem estado de sítio ou de emergência podem ser restringidos
nos termos previstos no artigo 295. Não se trata de ditadura, mas sim de medidas com vista
a tornar eficaz as medidas especiais tomadas pelos órgãos competentes do Estado em
situações anormais, o mesmo sucede em relação ao disposto no artigo 296 da CRM.

Direito à indemnização e responsabilidade do Estado, artigo 58, a todos é reconhecido


o direito de exigir indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus
direitos e quando o dano for causado por acto ilegal do seu agente, o Estado assume a
responsabilidade. Esta disposição conjuga-se com a constante no artigo 81 que se refere a
acção popular.

Integridade física e moral, artigo 40, o direito à integridade física foi alargado à
integridade moral, para salvaguardar a dignidade moral do Homem.

Direito à liberdade e segurança, artigo 59, aperfeiçoou-se o comando normativo


acrescentando-se o direito a segurança que determina que nenhum cidadão pode ser julgado
mais de que uma vez pelo mesmo crime, nem punido com a pena não prevista na lei ou
com a pena mais grave do que a estabelecida na lei no momento da prática da infracção
criminal.
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Limites das penas e das medidas de segurança, artigo 61, n.° 3. São garantias que estão
a ser contempladas, pela primeira vez, no texto constitucional de 2004 – proibição de
sanções com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida; a
intransmissibilidade da responsabilidade criminal; a não implicação de perda de direitos
civis, profissionais ou políticos, nem privação do condenado dos seus direitos
fundamentais, salvo os necessários à execução da condenação.

Aqui temos um manifesto exemplo de como os direitos fundamentais dos cidadãos ao


abrigo da Constituição de 2004, foram amplamente alargados, requerendo para a sua
implementação uma revisão de um conjunto de leis ordinárias, entre elas a lei eleitoral na
parte que se refere a capacidade eleitoral activa.

Acesso aos tribunais, artigo 62, n.° 2, o arguido tem o direito de escolher livremente o seu
defensor para assistir em todos os actos do processo e nos casos em que não possa constituir
advogado por razões económicas, será assegurada a adequada assistência jurídica e
patrocínio judicial.

Mandato judicial e advocacia, artigo 63, n.° 2, 3 e 4 o Estado assegura a quem exerce o
mandato judicial, as imunidades necessárias ao seu exercício.

São invioláveis os documentos, a correspondência e outros objectos que tenham sido


confiados ao advogado pelo seu constituinte. As buscas, apreensões ou outras diligências
similares no escritório ou nos arquivos do advogado só podem ser ordenadas por decisão
judicial e devem ser efectuadas na presença do juiz que as autorizou.

A materialização desta diligencia requer, no nosso entender, uma regulamentação urgente,


na medida em que se numa audiência judicial o Juiz entende que se deve promover uma
busca aos escritórios de um Advogado que se encontra a assistir um determinado
constituinte, por o considerar estar em conluio com o seu constituinte no quadro de crime
organizado na pratica de actos ilícitos e esse mandatário judicial possuir o seu escritório
fora da área de jurisdição do tribunal judicial que julga o caso, numa interpretação literal
da norma que autorizar a diligencia teria que se deslocar para a área onde se situam os
escritórios do Advogado.

Finalmente, o advogado tem o direito de comunicar pessoal e reservadamente com o seu


patrocinado, mesmo quando este se encontre preso ou detido em estabelecimento civil ou
militar.

Prisão preventiva, artigo 64, estão consagradas garantias de informação das razões de
prisão ou detenção bem como a necessária comunicação a parente ou pessoa de confiança
do detido, vide artigo 64, n.° 3 e 4.

153
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Princípio do processo criminal, artigo 65, n.° 3 e 4 são fixados constitucionalmente, as


garantias do processo criminal: direito de defesa e julgamento, audiências públicas (salvo
nos casos previstos na Constituição e na lei), nulidade de provas obtidas através de práticas
violadoras de Direitos Fundamentais.

As provas obtidas por meio de tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da
pessoa, abusiva, intromissão na sua vida privada e familiar, no domicilio, na
correspondência ou nas telecomunicações são consideradas inexistentes e não tem valor
jurídico, por serem nulas.

O mesmo artigo, no seu n.°4 Proíbe o desaforamento, em estreita observância do princípio


consagrado no n.° 3 do artigo 217 relativo a independência dos Juízes.

Detenções. O artigo 296 fixa os princípios que devem ser observados as detenções que
ocorrem na vigência do estado de sítio ou de emergência com vista a prevenir situações
irregulares cometidas por motivações políticas, como seja desaparecimento de pessoas
suspeitas de prática de crimes.

Habeas corpus, artigo 66, n.° 2 é constitucionalmente fixado, o prazo máximo de 8 (oito)
dias para a decisão do tribunal.

Extradição, artigo 67, o novo texto constitucional define as condições em que não é
permitido a extradição - proibição absoluta de extradição por crimes, a que corresponda,
segundo o Direito do Estado requisitante, pena de morte, prisão perpétua ou penas cruéis
ou degradantes.

Inviolabilidade do domicílio e da correspondência, artigo 68, n.° 2 e 3, a CRM de 2004,


alarga o âmbito das garantias: a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só
pode ser ordenada pela autoridade judicial competente; proibição de entrada no domicílio
durante a noite sem consentimento do próprio, mesmo com o mandato judicial de busca.

Imunidades, artigo 174 o legislador por via desta disposição oferece garantias da liberdade
de expressão prevista no artigo 48, n.°1, aos deputados.
Particular atenção deve ser dispensada ao n.°2 e 3 desta disposição.

No n.°2, impõe-se que o deputado quando esteja na condição de arguido só pode ser ouvido
em audiência por um Juiz Conselheiro que como sabemos temos esta figura no Tribunal
Supremo, situado geograficamente na cidade de Maputo.

154
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Por conseguinte, se um deputado for surpreendido a espancar/ agredir fisicamente sua


esposa ou outra pessoa ou ainda a praticar um acto contrário a lei em situação de flagrante
delito e for detido num posto policial numa das localidades da província de Niassa ou em
qualquer outra província, por forca desta disposição não poderá ser ouvido pelo Juiz da
instrução do Tribunal da área de Jurisdição do local onde praticou a acção. Ele tem de
esperar pela vinda do Juiz Conselheiro de Maputo, para lhe ouvir em audiência.

Em nosso entender, é um atraso ao processo e o gozo do direito constitui um prejuízo ao


deputado que por motivos meramente protocolares concorre para o incumprimento do
principio da celeridade processual, além de ser uma norma impraticável para a nossa
realidade actual, vide ainda o n.° 3 da mesma disposição.

Nas imunidades temos ainda o artigo 210 aplicável aos membros do Conselho de Ministros.
Porém, a mesma disposição constitucional exclui os Vice-Ministros, pois, na actual
Constituição, nos termos do artigo 200, n.°1, não fazem parte da composição do Conselho
de Ministros, participando apenas nas sessões deste órgão quando convidados, n.° 2 do
artigo 200. Na esteira deste entendimento, os Vice-Ministros não podem
constitucionalmente assistir o Primeiro-Ministro na Assembleia da Republica por
designação deste, nos termos do artigo 205, n.°2 e não estão abrangidos pelo disposto nos
artigos 207 e 208, ambos da CRM.

Direitos e regalias do Deputado. Se é verdade e nós acreditamos que assim é, a


Constituição de 2004 constitui um avanço significativo na conformação da Constituição
Moçambicana a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos, ao Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e aos
demais instrumentos internacionais em vigor sobre os Direitos do Homem, os direitos e
regalias do deputado, nos termos do artigo 175, n.° 2, são no nosso entender um retrocesso,
pois não faz sentido condicionar a intervenção do deputado em processo judiciais como
perito ou testemunha a autorização prévia da Assembleia da Republica ou da sua Comissão
Permanente.

Nos casos em que este órgão legislativo entender não autorizar, o deputado que terá
assistido, acompanhado ou de qualquer das formas estar em condições de prestar
declarações em instancia judicial a favor ou contra uma das partes, não poderá exercer esse
direito constituindo assim uma limitação ao exercício dos seus direitos constitucionalmente
consagrados ao cidadão moçambicano, quando podia, se não fosse deputado.

155
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Utilização da informática, artigo 71, contempla: proibição de utilização de meios


informáticos para registo de dados relativos a convicções políticas, filosóficas, religiosas,
partidárias, sindicais e da vida privada; estabelece a regulação legal da protecção de dados
pessoais; nega o acesso e a transferência dos mesmos a terceiros, salvo nos casos
estabelecidos por lei ou decisão judicial; garante o acesso e a rectificação dos dados aos
próprios.

Liberdade de expressão e informação, artigo 48, desaparecem os imperativos de política


externa e defesa nacional como limitadores do exercício destes direitos; a Constituição
passa a garantir a expressão e o confronto de ideias na comunicação social do sector
público; passa a garantir também a isenção dos meios de comunicação social do sector
público, bem como a independência dos jornalistas perante o Governo, a Administração e
demais poderes políticos.

Direitos de antena, de resposta e de réplica política, artigo 49 estabelece-se o direito de


antena para os partidos políticos, organizações sindicais, profissionais e representativas das
actividades económicas e sociais, segundo critérios fixados na lei; estabelece-se o direito
de resposta e réplica política, através do direito de antena, para os partidos com assento na
Assembleia que não façam parte do governo; estabelece-se o direito de antena para os
períodos eleitorais, nos termos da lei.

Liberdade de consciência, religião e culto, artigo 54, o texto constitucional de 2004


estabelece garantias de não discriminação por convicção ou prática religiosa; assegura a
protecção aos locais de culto; garante o direito à objecção de consciência.

Direito de reunião e manifestação, artigo 51, o texto constitucional de 2004 acrescenta o


direito de manifestação.

Liberdade de associação, artigo 52, passam a ser proibidas as associações armadas de tipo
militar ou paramilitar bem como as que promovam a violência, o racismo, a xenofobia ou
fins contrários à lei.

Direito de acção popular, artigo 81, é consagrado o Direito de acção popular nos termos
previstos na CRM.

Retribuição e segurança no emprego, artigo 85, o texto constitucional de 2004 acrescenta


a garantia de reforma para os trabalhadores.

Liberdade associação profissional e sindical, artigo 86, institui-se os princípios de


organização e gestão democráticos, a sua independência face ao patronato, ao Estado, aos
partidos políticos, às igrejas e confissões religiosas.

156
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Direito a greve e proibição lock-out, artigo 87, acrescentou-se a figura da segurança


nacional como limite ao exercício à greve.

Direitos dos consumidores, artigo 92, os direitos são incluídos no texto constitucional de
2004 e contemplam: qualidade de bens e serviços, formação e informação, protecção da
saúde, da segurança dos seus interesses económicos, reparação de danos; proíbe a
publicidade indirecta ou enganosa; reconhece legitimidade processual às associações de
consumidores e cooperativas (pressupõem-se “de consumo”).

Habitação e Urbanização, artigo 91, garante-se o empenhamento do Estado, de acordo


com o desenvolvimento económico nacional, para a criação de condições institucionais
com vista ao exercício do direito de habitação condigna; incumbe o Estado de fomentar e
apoiar as iniciativas das comunidades, autarquias e populações para a construção privada
e cooperativa, bem como no acesso a casa própria.

Direito ao ambiente, artigo 90, o texto constitucional de 2004 alarga as garantias ao


incumbir o Estado, as autarquias locais e as associações ambientais na adopção de políticas
de defesa do ambiente e no respeito pela utilização racional dos recursos naturais.

Família, artigo 119, o texto constitucional de 2004 reconhece a família como base da
sociedade, garante e protege o casamento, consagra o princípio do livre consentimento no
casamento, remete para a lei as formas de valorização do casamento tradicional e religioso.

Paternidade e maternidade, artigo 120, Dignifica e protege a maternidade e a


paternidade; responsabiliza a família pela educação das novas gerações nos valores morais,
éticos e sociais; co-responsabiliza a família e o Estado pela formação das crianças nos
valores da unidade nacional, amor à pátria, igualdade entre homens e mulheres, respeito e
solidariedade social; responsabiliza os pais e as mães pela assistência aos filhos nascidos
dentro e fora do casamento.

Direitos da Criança, artigo 47 e 121, ambos, estabelecem o direito à protecção das


crianças pela família, pela sociedade e pelo Estado; à sua liberdade de expressão nos
assuntos que lhes dizem respeito, em função da sua idade e maturidade; protecção especial
às crianças órfãs, portadoras de deficiência e abandonadas; princípio da não discriminação
em razão do nascimento; proibição de maus tratos; proibição do trabalho infantil.

Juventude, artigo 123, incumbe ao Estado que adopte uma política que vise o
desenvolvimento harmonioso da personalidade dos jovens, a promoção pelo gosto da livre
criação, a solidariedade e a sua integração na vida activa.

157
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Portadores de deficiência, artigo 37 e 125 alargam as garantias do Estado:


- criação de condições para aprendizagem e desenvolvimento da linguagem gestual;
- criação de condições para a integração económica e social;
- em cooperação com as associações, estabelecimento de uma política para a reabilitação
e integração; evitar o isolamento e marginalização social; prioridade de atendimento pelos
serviços públicos e privados; facilidade no acesso a locais públicos; encorajamento da
criação de associações de portadores de deficiências.

Terceira Idade, artigo 124, estabelece o direito de protecção especial dos idosos pela
família, pela sociedade e pelo Estado, nomeadamente nas condições de habitação, no
convívio familiar e comunitário e no atendimento em instituições públicas e privadas; o
Estado é obrigado à criação de uma política de terceira idade que contemple acções de
carácter económico, social e cultural com vista ao seu envolvimento na vida da
comunidade.

Direito à Educação, artigo 88, 113, 114 e 115, o texto constitucional de 2004 alarga o
âmbito do direito de educação à formação profissional contínua e à igualdade de acesso de
todos os cidadãos ao gozo deste direito e de acesso ao ensino superior com base ma
igualdade e equidade de oportunidade e no campo cultural, o Estado é incumbido de
promover o desenvolvimento da cultura e da personalidade nacionais e garante-se a livre
expressão das tradições e valores da sociedade moçambicana.

Considerando que a Constituição é a Lei Fundamental que por si só é a parcela da ordem


jurídica que regula o Estado (Estado-Comunidade e Estado Poder), sendo, por isso,
conjunto de normas fundamentais que define:
 A Estrutura, os fins, os órgãos, as funções e os actos Estado;
 A posição dos indivíduos e os grupos uns perante os outros;
 A posição dos indivíduos e os grupos uns perante o Estado-Poder.
E, consequentemente comporta normas que revestem a forma de Constituição, urge que
fique claro que as normas do ordenamento jurídico que não forem conforme à Constituição
de 2004, terão que ser revistos por forma a serem adequadas aos preceitos constitucionais,
sob pena de estarem feridas de inconstitucionalidade superveniente24.

24
Aquela que ocorre quando uma norma infra-constitucional criada ao abrigo de um preceito constitucional,
torna-se inconstitucional a partir do momento em que uma revisão constitucional atinge o preceito que serviu
de fundamento ou de suporte da norma infra-constitucional e se revela incompatível com o novo texto
constitucional.
158
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Por isso, a Constituição sendo a Lei regulador do político, é considerado tronco da ordem
jurídica do Estado: O tronco donde arrancam os ramos da grande árvore que corresponde
a essa ordem jurídica, tais como Direito Civil, Direito Criminal, Direito Eleitoral, Direito
Administrativo, Financeiro, Direito Fiscal, Direito do Trabalho, Direito Comercial, etc.
É a Constituição que estabelece os pressupostos de criação, vigência e execução das
normas do resto do ordenamento jurídico, determinando, de forma ampla, o conteúdo das
normas do restante ordenamento jurídico.
As matérias que acabamos de enumerar constituem o regime especial do exercício dos
direitos, liberdades fundamentais dos cidadãos e caracteriza-se por possuir regras e
princípios – orgânicos e materiais que oferecem garantias aos cidadãos perante o Estado.
No Capítulo V, do regime Especifico dos direitos, Liberdades e garantias, falaremos com
uma certa profundidade de cada um destes regimes.

O ARTIGO 56 DA CRM E O REGIME DOS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS

O ARTIGO 29.º, N.º 2 DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO


HOMEM

Artigo 29.º

1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível
o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.

2. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está


sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente
a promover o reconhecimento e o espírito dos direitos e liberdades dos
outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública
e do bem-estar numa sociedade democrática.

3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos


contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

O dispositivo legal consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem


consubstancia a limitação ao exercício dos direitos fundamentais, tal como nos ensina o
Prof. Jorge Miranda25.

25
Manual de Direito Constitucional Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª edic. Coimbra, 1998, pag. 264 e
seguintes.
159
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Na cláusula geral constante no artigo 29.˚ da Declaração Universal, não só se afirma que o
individuo tem deveres para com a comunidade, como também, “fora da qual não é possível
o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”, como se prescreve que no gozo
dos direitos e das liberdades “ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas
pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o espírito dos
direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da
ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática” e se acrescenta que, em
caso algum, os direitos e as liberdades poderão ser exercidos “contra os fins e os
princípios das Nações Unidas “

Ora, na medida em que o artigo 43 da Constituição moçambicana manda interpretar os


preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a
Declaração Universal, não pode deixar de entender-se que tal regra vale plenamente, hoje,
no nosso ordenamento jurídico e se aplica não apenas aos direitos fundamentais como – a
todos os demais direitos, ensina-nos o Prof. Jorge Miranda26.

É nesta conformidade que o legislador constituinte moçambicano de 2004, acolheu a norma


e fê-la constar no artigo 56 que em seguida citamos:

Artigo 56 (Princípios gerais)

1. Os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as


entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos
no quadro da Constituição e das leis.

2. O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da


salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.

3. A lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos


expressamente previstos na Constituição.

4. As restrições legais dos direitos e das liberdades devem revestir carácter


geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo.

Os casos previstos na Constituição para a limitação dos direitos, liberdades e garantias


constam dos artigos 56, n.˚ 2, 72, 290, 293, 295, 296, 187, 302 e 156 e decorrem dos
poderes constitucionalmente conferidos nos artigos 265, al. a) e al. b), 264, 165, al. b), 160,
al. a), 158, al. e), e c), e 178, n.° 2. al. g), todos da CRM.

26
Idem pag. 265.
160
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Porém, em todos os casos de limitação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais,


não é permitido: limitar ou suspender os direitos à vida, à integridade pessoal, à capacidade
civil e à cidadania, a não retroactividade da lei penal, o direito de defesa dos arguidos e a
liberdade de religião, conforme o artigo 294 da CRM.

Recorrendo as lições do Prof. Gomes Canotilho27, são os seguintes os traços


caracterizadores do regime estabelecido no artigo 56 da Constituição da República de
Moçambique:
i. Aplicabilidade directa das normas que os reconhecem, consagram ou garantem;
ii. Vinculatividade de entidades públicas e privadas;
iii. Reserva da lei para a sua restrição;
iv. Princípio da autorização constitucional expressa para a sua restrição;
v. Princípio da proporcionalidade como princípio informador das leis restritivas;
vi. Princípio da generalidade e abstracção das leis restritivas;
vii. Principio da não retroactividade de leis restritivas;
viii. Princípio da salvaguarda do núcleo essencial;
ix. Limitação da possibilidade de suspensão nos casos de declaração do estado de
guerra, do estado de sítio e estado ou de emergência, artigo 72, n.º 1.
x. Garantia do direito de resistência, artigo 81;
xi. Garantia da responsabilidade do estado e demais entidades públicas, artigo 58;
xii. Garantia perante o exercício da acção penal e da adopção de medidas de policia,
artigo 61;
xiii. Garantia contra “leis de revisão” restritivas do seu conteúdo, artigo 301 e 156, n.º
1.
Relativamente aos deveres para com a comunidade, temos da CRM os artigos 44 e 45 que
também citamos:

Artigo 44 (Deveres para com os seus semelhantes)

Todo o cidadão tem o dever de respeitar e considerar os seus semelhantes, sem


discriminação de qualquer espécie e de manter com eles relações que permitam
promover, salvaguardar e reforçar o respeito, a tolerância recíproca e a
solidariedade.

27
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, Almedina, 1999, pag. 411 e seguintes
161
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Artigo 45 (Deveres para com a comunidade)

Todo o cidadão tem o dever de:


a) servir a comunidade nacional, pondo ao seu serviço as suas capacidades
físicas e intelectuais;
b) trabalhar na medida das suas possibilidades e capacidades;
c) pagar as contribuições e impostos;
d) zelar, nas suas relações com a comunidade pela preservação dos valores
culturais, pelo espírito de tolerância, de diálogo e, de uma maneira geral,
contribuir para a promoção e educação cívicas;
e) defender e promover a saúde pública;
f) defender e conservar o ambiente;
g) defender e conservar o bem público e comunitário.

O artigo 29, n.° 2 da Declaração Universal contempla condições gerais que incidem sobre
todos os direitos e que têm a ver com o seu exercício. Dai que o Prof. Jorge Miranda
entende que não é, pois, nova fonte de restrições de direitos, liberdades e garantias, mas a
manifestação do espírito que presidiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A limitação dos Direitos do Homem não só é objecto da Declaração Universal como


também é referência do Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, tal como se demonstra:

Artigo 12.°, n.° 3, 14.° n.° 1, 18.° n.°3, 19.° n.° 3, al. b), 21.° e 22.° n.° 2, todos do Pacto.
Os artigos 6.°, n.°1, 8.°, n.° 2, 9.° n.° 2, 10.°, n.° 2 e 11.°, n.° 2, todos da Convenção
Europeia.

Finalmente, temos também a limitação consagrada no artigo 2.° do seu 4.° Protocolo
Adicional.

162
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Trabalho dos estudantes. Pesquisa individual ou em grupo de estudo

Dissertar sobre:

a) O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus Protocolos


Adicionais;
b) Pacto Internacional e dos Direitos Económicos Sociais e Culturais
c) Outras Convenções Internacionais

Ainterpretação e a integração de harmonia com a Declaração Universal e da Carta


Africana dos Direitos do Homem e dos Povos

As regras constantes do artigo 9.° do Código Civil, relativas a interpretação da lei, são as
aplicáveis na interpretação de qualquer norma constitucional, embora não tenham
formalmente valor e dignidade constitucional, mas nenhuma outra norma da ordem jurídica
interna as repugna.
A Constituição é uma Lei Fundamental do Estado que foi emanada pelo poder constituinte
com vista a tornar-se modelo/padrão de conduta dos sujeitos da norma no Estado.
Relativamente as normas que se dispõem sobre os direitos fundamentais, o legislador
constituinte entendeu fixar outras regras a serem aplicadas na sua interpretação que não
sejam apenas as constantes no artigo 9.° do Código Civil.

Para o efeito, o artigo 43 da Constituição da República de 2004, dispõe o seguinte “Os


preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados
de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos”.

A força jurídica desta disposição constitucional coloca os direitos fundamentais na


República de Moçambique num contexto mais vasto e mais sólido que o da Constituição
em sentido instrumental e situa-os no contexto da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, tal como afirma o Prof. Jorge Miranda28 em relação ao artigo 16, n.° 2 da
Constituição da República Portuguesa de 1997 com teor idêntico a de Moçambique.

28
Manual de Direito Constitucional Tomo IV, Direitos Fundamentais, Coimbra, 1998, pag. 146 e seguintes.
163
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Por conseguinte, nos termos do artigo 43, a interpretação das normas relativas a direitos
fundamentais com vista a identificar a “rácio legis” da norma, ou seja, o sentido jurídico
da norma a aplicar, o interprete ou aplicador da norma tem que recorrer ao regime jurídico
estabelecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos e é no quadro, no contexto e/ou espírito destas normas de
direito internacional que deve ser entendida.

Neste sentido, o legislador moçambicano elevou o cidadão moçambicano a um nível que


o torna igual em direitos e oportunidades a qualquer Homem, independentemente do
Estado onde seja cidadão, da cor, raça, sexo, origem étnica, língua, lugar de nascimento,
religião, grau de instrução, posição social, fortuna, estado civil dos pais, profissão ou opção
política, ou de qualquer outra situação política, económica, social, ou cultural.

Os direitos fundamentais do cidadão moçambicano são os que se acham formalmente


escritos no texto constitucional e ainda os que estão consagrados:

 Nas leis ordinárias aprovadas pelos órgãos competentes da República de


Moçambique;
 Na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta Africana dos Direitos
do Homem e dos Povos.

Por força do artigo 60.° e 61.° da Carta Africana dos Direitos dos Humanos e dos Povos,
são também direitos fundamentais invocáveis na ordem jurídica moçambicana,

 os direitos do Homem que se acham prescritos nas disposições de diversos


instrumentos adoptados pelas Nações Unidas e pelos países africanos no domínio
dos direitos humanos e dos povos,
 nas disposições de diversos instrumentos adoptados no seio das agencias
especializadas das Nações Unidas de que são membros as Partes da Carta Africana.

Neste sentido, referimo-nos a título de exemplo, os direitos que se acham consagrados nos
seguintes textos normativos de Direito internacional, sem prejuízo dos demais não
taxativamente elencadas na lista que se segue:

1. A Carta das Nações Unidas;


2. Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, sociais e culturais;
3. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966
4. Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
5. Carta Social Europeia;
6. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;
7. Convenção sobre os direitos da Criança;

164
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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8. Declaração dos Direitos da Criança;


9. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de descriminação contra as
mulheres;
10. Convenção n.˚ 100 da OIT relativa à Igualdade de remuneração sobre a mão de obra
masculina e a mão de obra feminina em trabalho de valor igual;
11. Convenção sobre o consentimento para matrimónio, a idade para casamento e registo
de casamentos;
12. Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de descriminação
racial;
13. A Convenção para a prevenção e Repressão do crime de genocídio de 1948;
14. Convenção de Genebra de 1949 sobre a protecção das Vitimas de conflitos bélicos;
15. Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950;
16. Pacto internacional de Direitos Humanos de 1966;
17. Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969;
18. Convenção relativa à protecção do Património Mundial, cultural e natural de 1972;
19. Convenção sobre o Direito do Mar;
20. Convenção sobre a diversidade Biológica de 1992;
21. Estatuto do Tribunal penal Internacional de 1998;

Como meios auxiliares são ainda atendidas:

 as outras convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam


outras regras expressamente reconhecidas pelos Estados membros da União
Africana,
 as práticas africanas conformes às normas internacionais relativas aos direitos
humanos e dos povos,
 os costumes geralmente aceites como constituindo o direito,
 os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações africanas, assim como
 a jurisprudência e a doutrina.

Com este leque de direitos que se determina a partir da interpretação e integração dos
direitos fundamentais de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e
da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o legislador moçambicano adoptou
uma Constituição moderna e aberta quanto aos direitos fundamentais, e, mais, elimina
quaisquer dúvidas de interpretação e aplicação, supera as divergências de localização ou
de formulação dos textos normativos, propicia perspectivas mais ricas do que,
aparentemente, as perspectivas oferecidas pelo direito interno que se limita ao regime
jurídico estabelecido no artigo 9.˚ do Código Civil e no disposto no artigo 4 da CRM.

165
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Neste sentido interpretativo os direitos fundamentais são imensuráveis e interplanetários,


pela sua abertura a ingresso de novos direitos qualificados de fundamentais, pela sua
dignidade e valor humano.

Os deveres na Constituição

Já nos referimos atrás de que nenhuma sociedade ou Estado pode sobreviver se os seus
membros não têm dever para com a comunidade em geral e para a família em especial.

Os deveres são uma situação jurídica passiva que coloca o sujeito numa posição de acatar
o que se impõe, quer seja pelo Estado, (dever cívico), pela entidade patronal, (dever
disciplinar ou profissional), quer seja pelo dever social, cultural ou moral, casos de uma
mãe, de um pai, de um irmão, de um chefe tradicional ou de um chefe religioso em relação
aos seus filhos, irmãos, comunidade ou crentes, respectivamente.

O primeiro dever fundamental é o de respeitar a Constituição, artigo 38, n.˚ 1 e o de


defender a pátria, através da participação em serviço militar e cívico, artigo 263, n.˚ 1 e de
contribuir para a defesa do País, nos termos do artigo 46 que no seu número 2, determina
que “Todo o cidadão tem, ainda, o dever de cumprir as obrigações previstas na lei e de
obedecer às ordens emanadas das autoridades legítimas, emitidas nos termos da
Constituição e com respeito pelos seus direitos fundamentais.”

A Constituição no seu artigo 44 impõe aos cidadãos os deveres para com os seus
semelhantes, nos seguintes termos: “Todo o cidadão tem o dever de respeitar e considerar
os seus semelhantes, sem discriminação de qualquer espécie e de manter com eles relações
que permitam promover, salvaguardar e reforçar o respeito, a tolerância recíproca e a
solidariedade.”

No artigo 45, temos os deveres para com a comunidade, em que determina o seguinte:

“Todo o cidadão tem o dever de:


a) servir a comunidade nacional, pondo ao seu serviço as suas capacidades físicas e
intelectuais;
b) trabalhar na medida das suas possibilidades e capacidades;
c) pagar as contribuições e impostos;
d) zelar, nas suas relações com a comunidade pela preservação dos valores culturais,
pelo espírito de tolerância, de diálogo e, de uma maneira geral, contribuir para a
promoção e educação cívicas;
e) defender e promover a saúde pública;

166
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

f) defender e conservar o ambiente;


g) defender e conservar o bem público e comunitário.

Na família, temos no plano constitucional, o dever dos pais para com os seus filhos, artigo
12, n.º3, da própria família no seu todo, artigo 121.

O dever da família estende-se em relação aos idosos, artigo 124 e em relação aos portadores
de deficiência, artigo 125 n.˚ 1.

O dever de trabalhar artigo 84, n.˚ 1, o dever de promover e defender a saúde pública, artigo
89, o dever de defender o ambiente, artigo 90, n.˚ 1, o dever de escolaridade básica
(educação) artigo 88, n.˚ 1, o dever pagar as contribuições e impostos, artigo 45 alínea c),
o dever.

Sobre os deveres importa que se consulte ainda o Professor Jorge Miranda29 e temos a
referir que no plano dos Direitos Fundamentais, por razões históricas dá-se relevância aos
direitos do que aos deveres, dai que nenhum político na luta pelo poder ousa escrever no
seu manifesto eleitoral que durante o seu mandato irá fazer valer o dever de cumprir com
a lei, o dever de pagar o imposto, o dever de defender a pátria e de prestar serviço militar,
o dever de dar assistência ao Estado gratuitamente, o dever de votar para a reeleição dos
governantes, o dever de consentir sacrifício pelo aumento do custo de vida, o dever de
prescindir dos seus direitos e liberdades em caso de agressão ou ameaça ao país.

Nas relações interpessoais de Homem e Mulher nenhuma das partes, enquanto se


pretendem, diz ao outro parceiro que durante o namoro ou vida em comum, vai zangar,
desrespeitar, impor sacrifícios, obrigar a praticar um acto com o qual não está de acordo
nem consente a sua prática. Nada disto pode ser dito, pese embora depois de conseguir o
estabelecimento da relação a verdadeira face ou as reais intenções não tardarão vir a
superfície.

O Estado de Direito Democrático e Social e a proporcionalidade

O tema sobre o Estado de Direito Democrático e Social e a proporcionalidade leva-nos


a rever o processo de interpretação e aplicação do conceito de Estado de Direito, nas suas
diversas dimensões e numa única expressão, pretendemos falar da rematerialização do
Estado de Direito no contexto do constitucionalismo moderno.

29
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª ediç, Coimbra,
1998, pagina 161.
167
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Trata-se de uma concepção que supera o Estado de Direito liberal que se formou após a
Revolução Burguesa, da qual, houve diversos tipos de interpretação contrários ao seu
sentido e alcance, entre os quais, os regimes totalitários da Itália, Alemanha, Rússia e
África de Sul do Apartheid, na nossa região de África Austral.

A Rematerialização é um estado superior do Estado de direito Liberal e que se exprime no


Estado de Direito Democrático e Social, uma fórmula adoptada pelo Estado
Moçambicano, conforme a Constituição da República de Moçambique de 1990 e a de 2004,
no seu artigo 1 e 3.

Artigo 1 - (República de Moçambique)

A República de Moçambique é um Estado independente, soberano,


democrático e de justiça social.

Artigo 3 - (Estado de Direito Democrático)


A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no
pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito
e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.

A fórmula de Estado de Direito Democrático e Social, adoptado por Moçambique não é


uma criação, uma experiência exclusiva de Moçambique nem tão pouco uma formula
originária de um só povo. É um conceito que teve a sua origem na França e foi variando na
sua formulação e sentido de Constituição em Constituição e de autor para autor, sendo os
mais destacados os seguintes:

- Estado de Direito Democrático e Social;

- Estado Social, Democrático de Direito;

- Estado Democrático e Social de Direito.

Em rigor, todas estas expressões, têm os mesmos conteúdos, exprimem o mesmo sentido e
alcance, variando apenas a forma de conjugação.

A fórmula de Estado de Direito, Democrático e Social tem a sua história, não muito antiga
mas que provém do início do nosso século e foi sendo adoptado pelos diferentes Estados,
incluindo influenciação nas denominações de movimentos e Partidos Políticos.

168
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Apareceu pela 1.ª vez, com a Constituição Francesa de 1848 que culminou com o
estabelecimento da 2.ª República (Presidencialista, depois da tentativa de república
democrática e socialista), como um conceito operacional de referência à Revolução
francesa que provocou a queda da Monarquia Burguesa de Luís Filipe e a constituição da
2.ª República Francesa, dirigida pelo sobrinho do Imperador Napoleão Bonaparte, o
Príncipe Luís Napoleão Bonaparte, eleito Presidente por sufrágio universal e directo, por
quatro anos, Chefe do Estado e do Governo.

A revolução de 1848 foi desencadeada pelo movimento operário francês em resposta a uma
crise jamais vivida, bastante intensa e que consequentemente criou uma classe operária
explorada e mal paga, que vivia na miséria e em condições piores do que antes de 1789,
além de um desemprego generalizado, provocando assim, uma instabilidade social sem
precedente na história do povo Francês.

Os operários reivindicavam melhores condições de trabalho, maior dignidade e mais


igualdade social. O movimento socialista dos operários desta época constitui em parte a
génese do movimento socialista de Karl Marx que foi culminar com o Manifesto
Comunista.

Com o culminar da revolução, houve uma espécie de aliança entre a classe operária e a
burguesia que havia patrocinado o movimento reivindicativo de operários, que desta vez
se apresentaram mais forte que nunca, estabelecendo deste modo o pacto entre:

- Os Partidos Liberais Democráticos;


- Os representantes do movimento operário da época.

Para a concretização da referida aliança e compatibilização das diferentes correntes


ideológicas que exprimem os distintos interesses, várias obras foram escritas por
pensadores da época, sendo de destacar, os escritos de Louis Blanc, considerado o teórico
do conceito de Estado de Direito Democrático e Social que engloba e concilia as várias
correntes e tendências da época.

O Governo saído da revolução de 1848, um dos primeiros diplomas legais que aprovou foi
o decreto que introduziu o sufrágio universal e directo: todos os cidadãos com condições
mínimas de idade (21 anos) e instrução tiveram o direito de votar para eleger os deputados
à Assembleia Nacional Constituinte.

Os deputados da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de Maio de 1848, aprovaram a


Constituição Francesa de 4 de Novembro de 1848, onde consta o seguinte no seu
preâmbulo “na presença de Deus e em nome do povo francês”, proclama os seus princípios
fundamentais, onde as afirmações democráticas e uma ou outra concessão feita ao
socialismo se casam com reivindicações burguesas.
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Vejamos ainda o IV artigo da referida Constituição: a república “...tem por princípios a


Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade; tem por base a Família, o Trabalho, a Propriedade
e a Ordem pública”.

Porém, a expressão de Estado de Direito, foi usada principalmente por Robert Owen e
Louis Blanc usou-a como guia de acção nomeadamente para:

 consagração do Direito ao trabalho como um direito fundamental dos cidadãos;


 permitir a mudança do sistema político vigente;
 promoção da auto gestão dos empresários outrora geridas por privados, passando
para as mãos dos próprios empregados;
 criação de cooperativas de produção;
 eliminação da propriedade privada dos meios de produção.

Durante muitos anos que se seguiram, estas ideias mantiveram-se sem que produzissem
efeitos práticos no sistema politico francês.
Foi após a 1.ª guerra mundial que o conteúdo das expressões surge com mais força,
concretizado primeiro na Constituição Mexicana de 1917 e depois maior desenvolvimento
na Constituição Alemã de Weimar de 1919.

Weimar é nome de uma cidade Alemã, onde se realizou a sessão onde o poder constituinte
alemão reuniu e aprovou a referida Constituição. O poder constituinte realizou a sessão em
virtude de na cidade capital do pais, Berlim não haver condições nem atmosfera política
para o efeito.

No final da segunda guerra mundial a Alemanha viveu uma situação de crise jamais vista,
em que as instituições políticas estavam completamente destruídas, a situação social em
situação extrema, com as forças da lei e ordem profundamente desmoralizadas e a esquerda
radical a lutar fortemente para a tomada de poder através dos Conselhos de operários e
soldados, com base na experiência dos Soviets ao estilo dos Bolchevique na União das
Repúblicas Soviéticas (URSS), de Lenine.

O poder constituinte Alemão elaborou para o povo Alemão a uma Constituição


Republicana, a qual para o nosso tema releva a Parte II, onde consta:

Direitos e deveres fundamentais dos alemães. A primeira secção desta parte é dedicada ao
indivíduo, a segunda, à vida social, a terceira, à religião e sociedades religiosas, a quarta, à
instrução e estabelecimentos de ensino e a quinta, à vida económica.

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O importante nesta Constituição é o facto de surgir pela prime3ira vez na história um novo
espírito que se traduz na expressão “social” em todas as suas secções incluindo nas
liberdades.

Dos aspectos eminentemente sociais que avultam na Constituição a que nos estamos a
referir podemos destacar as normas sobre o casamento, a juventude, a obrigatoriedade da
instrução escolar, a previsão de estabelecimentos públicos.

A Constituição vai mais além quando na sua última secção destaca o seguinte:

 Sujeição da propriedade à função social, determinando que a propriedade acarreta


obrigações, tanto que o seu uso deve visar o interesse geral;
 Repartição das terras (reforma agrária);
 Possibilidade da socialização de empresas;
 A protecção ao trabalho;
 O direito de sindicalização;
 A providência social e a co-gestão de empresas.

Este novo modelo de Constituição com predominância nos direitos sociais torna-se assim,
num modelo que apaixonou vários países da Europa como é o caso da Constituição
Espanhola de 1931 onde adoptou o mesmo modelo.

A Constituição Brasileira através da Carta de 1934.

Relativamente a expressão Direitos sociais as Constituições citadas são na verdade


históricas, por terem sido as primeiras a constituírem inovação das anteriores.

À medida que estas experiências foram sendo aplicadas nos diferentes países, as
Constituições do tipo Weimar foram sendo alteradas no seu conteúdo, já que na sua forma
original, confundia-se com a do sistema de Ideologia Socialista, mas que com a evolução
histórica associada a vários factores de natureza política económica, social e cultural, foram
mais tarde absorvidas pela acção e força da economia de mercado.

Assim, a Constituição do “Tipo Socialista” por via de concessões de ambas partes, sofreu
alterações políticas relevantes, ou seja, profundas.

As alterações verificadas na Constituição foram graças as concessões feitas pelo


movimento operário de cada um dos países Europeus, com excepção dos países do Leste
Europeu que optaram pela via da ditadura do operariado, de acordo com a doutrina
Marxista-Leninista.

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O movimento operário Europeu optou pela via reformista do sistema político, aceitando:

 a participação ou tomada do poder por vias dos sistemas parlamentares, através do


sufrágio universal e directo;
 manutenção e desenvolvimento da economia de mercado;

Por seu turno, os Liberais Democráticos, aceitaram:

- intervenção do Estado na economia de forma a regular a sua actividade;


- alargar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

Porém, a Constituição de Weimar teve uma duração curta e foi abolida pelo regime Nazi,
após a tomada do poder por Adolfo Hitler. Durante a sua vigência, a Alemanha conheceu
momentos de grande crise económica, social e instabilidade, para além da resistência
enorme dos sectores mais conservadores da sociedade alemã.

Do ponto de vista histórico e político, foi uma Constituição muito interessante porque se
situava na fronteira entre as concepções radicais do tipo socialista e as concepções liberais
dos Democráticos que deram origem ao constitucionalismo moderno de caris liberal.

Weimar foi uma Constituição que dava grande relevo:

- aos direitos fundamentais dos cidadãos;


- previa uma expropriação das unidades de produção;
- e auto gestão das empresas pelos seus próprios empregados.

Portanto, não era uma Constituição simpática ao sistema vigente.


O Adolfo Hitler, tomou o poder pelas formalidades constitucionais da Constituição
Weimar e uma vez no poder, introduziu a sua ideologia, contrária a Constituição e para a
prossecução do seu programa aboliu a Constituição Weimar e introduziu o sistema Nazi.

Após a 2.ª guerra mundial, com o desmantelamento do regime Nazi, de novo se retomou o
Conceito de Estado de Direito Democrático e Social e numerosas Constituições elaboradas
na Europa, consagraram os conteúdos do conceito do Estado de Direito Democrático e
Social.

Porém, várias foram as diversas formas de concretização, que resultam dos diferentes tipos
de interpretação do conceito. Alguns países, utilizavam-no para resolver as situações
específicas dos seus Estados.

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Outros utilizam-no numa forma mista, em que conciliavam o sistema político do tipo
socialista com o capitalista, por processos reformistas do sistema.

Portanto, o conceito, pode ter vários segmentos comportando diferentes formas de


interpretação, tais como:

- Estado Social de Direito;


- Estado Democrático de Direito;
- Estado Liberal de Direito,

Cada um destes segmentos existe autonomamente e como sistema político, sobrevive


independentemente do outro.

A fórmula de Estado de Direito Democrático e Social engloba os três segmentos distintos


que cada uma pode existir na forma autónoma ou mista.

Ao fazermos o resumo e conclusão da parte introdutória do tema sobre a Rematerialização


do Estado de Direito, vimos três conceitos derivados do Estado de Direito, Democrático e
Social que engloba realidades distintas, mas no estado puro.

Isto, quer dizer, que quando não estão separados têm um gosto próprio o mesmo quando
estão separados e independentes uma da outra.

Ao prosseguir o nosso estudo importa agora falar de um dos segmentos do conceito, o


Estado Social de Direito que nos transmite a ideia de Estado Social de Direito.

Na concepção liberal de Estado de Direito, a ideia de separação de Estado e Sociedade, não


é mais ou menos rígida. É um pressuposto teórico.

Com o aparecimento das ideias de Estado Social de Direito, esta concepção é posta em
causa, porque o Estado Social de Direito, pressupõe a socialização e estadualização do
Estado em que o Estado deve intervir na sociedade, o que significa que não deve haver
rigidez na separação entre o Estado e a Sociedade, pois entende-se que o Estado está
inserido na Sociedade.

Para a nossa análise, interessa sobretudo a forma como a sociedade se estadualiza, ou seja,
como o Estado intervém na sociedade.

O conceito de Estado Social de Direito não é exclusivamente uma ideia só do século XIX.

Há escritas antigas onde podemos encontrar exemplos de sociedades cujas ideias e


fundamentos filosóficos traduzem este conceito.
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A ideia de socialização está também patente nos sistemas de orientação liberal do Estado
de Direito.

Na Alemanha de Bismark, nota-se de uma forma latente a ideia social. Bismark praticava
uma política de concepção social, idêntica a defendida pelo Partido Social Democrático
Alemão da época.

Na Revolução Francesa de 1789, em vários documentos jurídicos da época, encontramos


direitos sociais que hoje se chamam direitos económicos, sociais e culturais.

Não obstante a este passado próximo, pode-se dizer contudo que o Estado Social de Direito
só foi praticado depois da 1.ª guerra mundial e verdadeiramente concretizado depois da 2.ª
guerra mundial em que constituições tais como de Weimar consagraram o conceito de
Estado Social de Direito, embora seja ainda no seu estado primitivo não desenvolvido e
por outro lado, não teve um carácter normativo, em que efectivamente praticável e eficaz.

Estamos perante uma Constituição normativa30 quando as suas normas são realmente
respeitadas pelo poder político. Acontece porém, em relação à Constituição de Weimar que
alguns dos direitos consagrados com uma natureza social não eram concretizados, isto é,
ninguém se beneficia delas e assim, a Constituição tornava-se nominal.

A concretização só foi possível depois da 1.ª guerra mundial, em que em vários documentos
constitucionais se consagrou o conceito, pois as condições políticas, económicas e sociais
estavam já suficientemente criadas e capazes de ultrapassar as crises económicas que
assolaram os países europeus após a guerra.

30
As Constituições modernas podem ser normativas, nominais e semânticas.
As normativas, são aquelas cujas normas dominam o processo político, aquelas em que o processo do
poder se adapta ou se conforma às normas constitucionais e se lhes submete.
As Constituições classificadas de normativas limitam efectivamente o poder político.
As nominais, são aquelas que não conseguem adaptar as suas normas à dinâmica do processo político, pelo
que ficam sem realidade existencial, mas com a finalidade de limitar o poder político, embora o não
limitam;
As Semânticas, são aquelas cuja a realidade ontológica não é senão a formalização da situação do poder
político existente em benefício exclusivo dos detentores de facto desse poder.
Trata-se das Constituições que apenas servem para estabilizar e eternizar a intervenção dos
dominadores de facto na comunidade.
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A crise económica de mercado, não só tinha a sua justificação na 1.ª guerra mundial
devastadora, como também se fundamentava nas razões internas de gestão, ora vejamos:

 Segundo a concepção Liberal, a economia não requeria a intervenção do Estado,


devendo o Estado manter-se numa posição neutral de mero espectador, pois o
sistema por si só regeneraria-se tal como uma ferida no organismo vivo que se cura
só com acção biológica das células do corpo.

Neste contexto as crises económicas no sistema de economia de mercado livre,


ultrapassam-se sem intervenção externa.

 O capitalismo existente no período pós guerra, não era desenvolvido ao ponto de


por si só poder superar as crises ainda que fosse possível.

Era um capitalismo em que não havia concorrência por haver grandes grupos económicos
que absorviam toda a esfera praticando o monopolismo económico. Cabia a este grupo
definir a oferta e a expansão do mercado.

Assim estava-se numa situação contrária a que foi idealizada pela burguesia liberal no
início do século XIX que preconizava uma mentalidade do Estado, livre concorrência dos
agentes económicos portadores do poder para o desenvolvimento da economia em função
da procura e oferta.

 A economia era portanto regida por monopolistas que planificavam em função dos
seus interesses egoístas e individualistas.

A situação prevalecente, obrigou o Estado a fazer uma intervenção directa, decretando um


regime de economia de guerra para encontrar meios através dos quais se ultrapassaria a
crise existente. Nestes termos, o Estado devia:

- Passar a exercer o controlo da economia de modo a satisfazer as necessidades


impostas pela guerra.

O Estado levaria para si esta função como medida correctiva com vista a centralizar
os resultados da economia para fazer face às consequências da guerra.

- Restringir as liberdades individuais nomeadamente o direito à propriedade por ser


incompatível com o regime da economia de guerra pois este direito de acordo com
os princípios liberais da organização política confere ao titular o direito de fazer o
que bem entender da sua propriedade, podendo alienar ou explorar.

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A economia de guerra impunha certos deveres e obrigações aos titulares de propriedades


privadas.

Outro factor que contribuía para a crise era,

 a existência de uma população activa, resultado da racionalização da economia que


se tornou vítima da crise que são os desempregados e ex-proprietários de unidades
de produção falidas, que a não ser tomada em conta permitiria a queda da burguesia
porque no início do século XX, alargou-se o sufrágio universal o que conferia a esta
camada o direito à voto, caso houvesse eleições, a situação da crise poderia
influenciar a população levando-a a votar contra o partido no poder e apoiarem os
partidos que fossem a favor das suas reivindicações que exijam a resolução dos seus
problemas que eram de desemprego e falta de meios de subsistência.

Em resumo a crise trouxe para o Estado:

- medidas de racionalização da economia que veio a reduzir a acção do mercado;


- medidas normativas de uma economia de guerra;
- trouxe desemprego.

A saída desta situação, imponha a tomada de uma alternativa entre as duas seguintes:

- Aceitar uma revolução desencadeada pelas massas populares ou então,


- O Estado por si só devia evoluir para a resolução da crise, abandonando a ideologia
liberal e transformar-se num Estado Social, o que implicava o abandono do conceito
meramente formal de igualdade e assumisse uma postura que considera e concretiza
o conceito materialmente, garantindo e protegendo a igualdade e justiça entre todos
os cidadãos.

Se assim for, o Estado, devia deixar de ser neutral segundo a ideologia liberal que não
permitia a intervenção do Estado na economia e na moral, ou seja, nas relações económicas
nem na consciência dos cidadãos. Devia então, tornar-se num Estado intervencionista,
agindo como polícia, tal como sucedia no Estado Absolutista.

No Estado Social de Direito, a intervenção do Estado é diferente da intervenção feita pelo


Monárquico no Estado Absoluto.

No conceito de Estado Social de Direito, a intervenção visa:

- Tornar o Estado de piloto ou condutor da sociedade.


- Identificar o que o interesse geral determina.
- Planificar o que deve ser feito para a concretização do interesse geral.
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- Tornar-se produtor de produtos não lucrativos, produzindo um conjunto de bens de


interesse geral a um preço acessível ás camadas desfavorecidos.
- Planificar os objectos e meios para executar as tarefas que visa atingir os fins do
Estado.
- Regular com maior rigor a actividade económica através de meios jurídicos
instituídos.
- Praticar uma política de condicionamento de todas esferas da sociedade.
- Fazer a redistribuição dos bens equitativamente por todos membros, de modo a
combater o desequilíbrio social.

Para este efeito, o Estado define uma política fiscal baseada na progressividade dos
impostos, cuja a metodologia consiste em quanto mais rendimento um agente tiver, maior
será o valor do imposto a pagar.

A fórmula, permite que os agentes que têm rendimentos baixos, paguem menores valores
de impostos, o que beneficia as camadas mais desprotegidas.

Finalmente, o Estado encarrega-se de fazer a redistribuição dos lucros pelos cidadãos,


favorecendo as camadas com menos recursos para subsistência.
Como se pode notar, os Direitos que outrora eram considerados ilimitados, sofrem
limitações. O Direito à propriedade no liberalismo é um Direito absoluto pois o seu
exercício, permite ao titular o direito de destruir, alienar ou explorar. Faz o que bem
entender.
No Estado Social de Direito passou a entender se como sendo uma propriedade social.

Neste Estado a propriedade, adquiriu o valor social embora para o proprietário, represente
limitações dos seus direitos. Contudo o Estado Social, com esta acção, não pretende de
nenhuma forma, proceder a expropriação do bem, o proprietário deve usar o seu bem para
os fins a que se destina e só em situação contrária, o Estado reserva-se o direito de impor
coactivamente sanções que obrigue o proprietário a conferir ao bem, uma função social.
Alguns autores, para se referirem ao Estado Social de Direito, muitas vezes, utilizam
conceitos que não correspondem ao verdadeiro sentido. Confundem o Estado social de
direito com os seguintes conceitos:
- Estado Assistencial
- Estado Previdência
- Estado de Bem Estar

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O Estado Assistencial, refere-se apenas a um aspecto social que é de dar assistência ás


camadas desfavorecida. O Estado Social de Direito não é só isto. Abrange estas camadas e
todas outras da sociedade.
Estado de Previdência, não pode ser, pois a previdência social destina-se a salvaguardar os
direitos económicos e sociais decorrentes dos serviços efectivamente realizados pelo
cidadão, no futuro, enquanto que o Estado social de direito garante os direitos económicos
e sociais no presente e no futuro.
O Estado do Bem Estar, significa que os membros da sociedade atingiram na globalidade
uma situação económica e social que garante a cada um, um bem-estar social.
Portanto, o Estado Social de Direito, implica uma intervenção directa na sociedade,
ocupando as funções de planificador, produtor, gestor, controlador, redistribuidor, etc.
Em muitos Estados este conceito, surge sozinho sem que esteja ligado a outras realidades
políticas.
Porém, existem várias correntes que defendem ideias, segundo as quais o conceito de
Estado Social de Direito não é compatível com a do Estado de Direito, pois são Estados
que possuem características próprias e diferentes uma da outra.
Por isso, não é correcto atribuir-lhes o mesmo valor. A agir desta forma, cometer-se-ia uma
grande confusão.
Compatibilização dos conceitos Estado de Direito com o Estado Social de Direito

Entre os conceitos Estado de Direito e Estado Social de Direito, há uma grande polémica
que data a anos. As discussões giram à volta de saber se Estado de Direito é ou não é
compatível com o conceito de Estado Social de Direito.

A Constituição Alemã que temos vindo a fazer referência, designada de lei fundamental de
Bona, consagrou a fórmula Estado Social de Direito, diversos juristas alemãs preocuparam-
se muito com a fórmula, tendo iniciado um processo de investigação com vista a determinar
o significado exacto do conceito.

Para uns, não tinha significado relevante e para outros, tinha, razão pela qual, estava
inserido no documento.

Entre os juristas que defendia a ideia de possuir um significado relevante, destaca-se o


Alemão Forsthoff que para ele, o conceito tinha significado relevante incompatível com o
conceito de Estado de Direito de caris liberal, que visa a protecção e garantia dos Direitos
fundamentais, o que pressupõe que o Estado não deve intervir na esfera económica, social
e moral dos particulares. Enquanto que o Estado Social de Direito, implica entre outras
funções, uma redistribuição dos bens com objectivos de atenuar as desigualdades sociais
entre os membros de comunidade.
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Para este efeito, o Estado Social de Direito, reserva-se o direito de intervir na esfera
patrimonial dos cidadãos de modo a obter os recursos sem os quais não pode garantir a
igualdade.

Para este jurista e seus seguidores, há uma incompatibilidade entre os dois conceitos.

Se se pretender conjugar ambos numa mesma fórmula, terá de haver uma hierarquia em
que nos casos de conflitos, uma deverá sobrepor-se ao outro, permitindo a sua relevância.

O autor desta corrente, considerado Conservador Liberal, a sua finalidade é minimizar os


efeitos da conjugação dos conceitos e concebe o Estado de Direito como um meio de
manutenção de um certo “statu quo ante”.

Porém, o Estado de Direito não tem só esta finalidade, embora contribua para este fim.

A finalidade do Estado de direito, é de proteger e garantir os direitos fundamentais e em


2.º plano contribuir para a conservação e manutenção “statu quo”.

Mas a concretização do 2.º plano é um acidente.

Os objectivos do Estado de Direito são a garantia e protecção dos direitos fundamentais.


Toda a sua acção, concorre para a manutenção apropriada e desenvolvimento desta sua
finalidade.

Assim se pode concluir que o Estado Social de Direito e Estado de Direito, ambos têm os
mesmos objectivos, os de garantir e proteger os direitos fundamentais.

Ensina-nos o Professor Jorge Miranda31, que “Estado do Direito é o Estado em que, para
garantia dos direitos dos cidadãos, se estabelece juridicamente a divisão do poder e em
que o respeito pela legalidade (seja a mera legalidade formal, seja – mais tarde – a
conformidade com valores materiais) se eleva a critério de acção dos governantes”.

A questão que se coloca agora, é como agir para atingir esta finalidade. O sentimento
jurídico do sec. XX, sustenta que a garantia dos Direitos dos cidadãos que estão no vulto
do Estado de Direito, tanto exige a proibição da invasão ilegítima da esfera dos cidadãos
como também a promoção positiva das liberdades.

A promoção positiva das liberdades é a garantia a favor do Estado de um mínimo de


subsistência na sua manutenção.

31
Manual de Direito Constitucional Tomo I, 5.ª edic. , Coimbra, 1996, pag. 86.
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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O Estado do Direito, que não é em simultâneo um Estado Social, não preenche de nenhuma
forma, as finalidades do Estado Social de Direito. Por conseguinte, não garante de certa
maneira os direitos fundamentais dos cidadãos.

Para que isso aconteça, é necessário, que os cidadãos possuam condições materiais para
gozo efectivo dos seus direitos. É necessário que não estejam ameaçados pela fome,
doença, nudez, em resumo, pela pobreza absoluta. O cidadão só pode ser útil para a sua
sociedade, quando tiver instrução e formação, habitação, emprego, transporte, etc. Sem
estas condições mínimas, ao seu dispor não é possível garantir-se a concretização dos seus
Direitos Fundamentais.

Segundo o sentimento jurídico da nossa época, não é possível garantir-se os direitos


fundamentais sem que estejam criadas estas condições. Para este efeito torna-se necessário
e imprescindível conjugar as características do Estado de Direito com os do Estado Social.

A ideia do Estado Social de Direito, quando ligado ao Estado de Direito não deve se
traduzir na ideia de alteração do conceito de Estado de Direito. Deve ser entendido como
um aperfeiçoamento recíproco. Os dois conceitos, quando desligados traduzem uma outra
realidade que nenhuma poderá levar avante e atingir o objectivo final de protecção da
personalidade e dignidade humana, porque o indivíduo em causa, não reúne condições para
o gozo pleno dos seus direitos.

NOVOS ELEMENTOS JURÍDICOS, INTRODUZIDOS PELO CONCEITO DE


ESTADO SOCIAL DE DIREITO.

NO PLANO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1) Os chamados direitos económicos sociais e culturais passaram a fazer parte do


pacote dos direitos fundamentais.

2) Os direitos tradicionais como é o caso do Direito à propriedade, passa a ser


encarado segundo uma nova perspectiva, que lhes confere uma função social.

3) Muitos dos direitos que antes eram oponíveis ao Estado ou ao cidadão, passam a
ser invocados perante outros concidadãos. Assim, várias constituições passaram a
consagrar correntes segundo as quais os direitos fundamentais, podem ser usados
contra o próprio Estado ou outros concidadãos.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

NO PLANO DA DIVISÃO DOS PODERES

A concepção tradicional da superação de poderes de natureza organo funcional, sofre um


revezo e consequentemente, deixa de fazer sentido e passa a existir numa separação
tendente a distribuição dos poderes pelos vários órgão de Estado, nomeadamente:

1) A fronteira entre o poder legislativo e o poder executivo se dilui. O executivo passa


a exercer amplos poderes legislativos e por sua vez, o poder legislativo, passa
também a exercer funções que antes eram da exclusiva função do executivo.
Intervêm na fiscalização dos actos do executivo.
2) O executivo, torna-se o verdadeiro motor do sistema político, para além de deter o
poder legislativo. A luz destes poderes, os governos passam a elaborar leis, o que
provoca em certa medida, a proliferação de normas, por tudo e por nada
distinguindo-se do período anterior ao nosso século.
3) Descentralização do poder por entidades que não são do aparelho do Estado,
nomeadamente autarquias ou municípios que exerce o poder por meio de
administração constitutiva prestadora.

Esta limitação de poderes, utiliza novas formas de administração que adopta no seu
exercício as chamadas leis medida.

Estas novas formas, surgem pelo facto de o Estado Social de Direito, ser obrigado a
usar leis que não são objectivas mas sim abstractos, é o caso praticado por actos da
administração constitutiva.

4) O princípio da legalidade reforça a actividade estatal que passa a estar sujeita ao


controlo e fiscalização do Tribunal Administrativo. Assim, todos os actos de
administração executiva, são judicialmente fiscalizados pelos tribunais.
5) Cresce de alguma forma o aparelho de Estado burocrático que leva a exigir a criação
de novos departamentos e admissão de mais pessoal.

Uma das consequências é o facto do aparelho de Estado, adquirir um dinamismo


próprio que não permite aos órgãos políticos a sua interferência.

A outra consequência de relevo é o empadecimento do parlamento que perde a sua


estrela, o seu peso a favor do executivo a quem passa defender, o que significa que no
Estado social, o parlamento perde perante o executivo as suas faculdades legislativas.

Finalmente, assiste-se um reforço das instâncias no controlo dos actos administrativos


do executivo.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Hans kelsem, foi um autor muito importante na ciência jurídica. Foi um dos defensores
da teoria do controlo e fiscalização dos actos da administração.

A ideia da criação do Tribunal Constitucional é da sua autoria e, apesar de ter surgido


tarde em certos Estados, torna-se forte no século XX. Ele foi o patrocinador dos
Tribunais Constitucionais após a revisão constitucional austríaco de 1929, de onde
surgiu o primeiro Tribunal Constitucional. Portanto, o reforço do controlo e
fiscalização do Estado é imprescindível para disciplinar a sua actividade e defender a
legalidade dos seus actos.

Deste modo, conclui-se que o Estado de Direito, só consegue atingir com eficácia os
objectivos pelos quais luta, quando complementar com uma certa preocupação os
objectivos do Estado Social de Direito.

Porque a questão da justiça material e igualdade de direitos a sua concretização é


sempre difícil tanto para o Estado Social de Direito como para o Estado de Direito, uma
vez que os recursos a distribuir por todos estão em poder de uma minoria e a sua
expropriação, significa invasão a esfera da propriedade individual do cidadão, lesando
deste modo um dos direitos fundamentais, protegido pelo Estado de direito.

No prosseguimento do nosso estudo, vamo-nos ocupar do tema Estado Democrático


de Direito um dos três seguimentos de que se subdivide o Estado social democrático
de direito.

Há correntes que sustentam ideias segundo as quais não é possível haver um Estado de
Direito sem que contemple as características do Estado Democrático de Direito.

A mesma teoria, fundamenta a sua concepção afirmando que o Estado de Direito por
um lado e o Estado Democrático por outro, quando cada um autonomamente concretiza
os seus objectivos e finalidades, as soluções que separadamente obtém, são diferentes
e em certos casos contraditórios.

Vejamos então alguns exemplos destas contradições

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Hipótese I

O executivo de um certo Estado democrático, decide realizar um plebiscito para


Revisão da Constituição sem que no entanto o acto esteja revestido do fundamento
jurídico legal.
A comunidade política aprova maioritariamente a revisão por meio do referendo. Nota-
se aqui uma contradição. O acto de consulta por plebiscito à população não está previsto
na Constituição.

Por isso, viola os princípios do Estado de Direito, mas em contrapartida o povo


maioritariamente decidiu fazer a revisão, o que satisfaz os princípios do Estado
Democrático.

Hipótese II

Suponha que os cidadãos num certo Estado, pluralista decidem por maioria, dar a um
partido político concorrente, cujo o programa contém acções que prevêem um
tratamento discriminatório, as minorias éticas.
Democraticamente o partido foi-lhe conferido poderes de concretizar o seu programa.
Só que a concretização, põe em causa o princípio da igualdade de direito entre os
cidadãos. Como se pode notar, a ideia de democracia com a ideia de Estado de Direito,
contradiz-se mutuamente.
Hipótese III

Suponha que no referendo legalmente convocado nos termos da lei, um sector da população
que é uma minoria, decide através do voto rejeitar o alargamento universal dos direitos
fundamentais, de modo a abranger a maioria da população.
O acto da rejeição por parte de uma minoria, é contrário aos princípios do Estado
democrático de direito, embora legal, nos termos da lei, uma vez detentor do poder político.
Caso típico da Republica da África de Sul, em relação ao voto sim /não ao Apartheid, feito
a minoria branca, se tivesse a minoria optado por não, contraria os princípios do Estado
democrático por um lado e por outro, o princípio da igualdade no Estado de Direito.
Todas estas hipóteses, provam-nos que nos conceitos de Estado de Direito e Estado
Democrático separados têm resultados incompatíveis e quando unificadas, completam-se
mutuamente.
Esta análise, leva-nos também, a crer que quer um Estado como outro devem conjugar as
suas finalidades e actuarem dentro de uma esfera com parâmetros definidos, com
objectivos que visam a protecção de valores da personalidade e dignidade humana.

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O Estado de Direito, pressupõe a existência de direitos fundamentais que são garantidos e


protegidos pelo Estado, numa sociedade onde há pluralismo político que permite: eleições
livres para a escolha dos titulares dos órgãos do poder e das individualidades a titular dos
cargos colegiais, a livre circulação e actividade de todos os partidos políticos que exprimem
diferentes tipos de correntes ideológicas em defesa de interesses próprios;

O Estado de direito, consagra o sufrágio universal, a igualdade de direito o que contraria


concepções discriminatórias de todas as espécies (religiosa, étnica, cor, raça, idade,
profissão, politico, formação, etc).

Em contrapartida, o Estado democrático, tem limitações. Não permite o exercício do poder


pelas minorias, independentemente da fundamentação jurídico-legal que possa existir.
Assim se conclui que é necessário que haja uma conjugação dos três conceitos: Estado
Social, Estado de Direito e Estado Democrático, pois temos:
- Protecção e garantia dos Direitos fundamentais, meio através da qual se garante o
desenvolvimento da personalidade e dignidade humana;
- A distribuição do poder pelos diversos órgãos do Estado, no âmbito da separação
de poderes com vista a limitar o seu exercício em defesa dos Direitos Fundamentais;
- O mínimo de condições materiais para a concretização dos direitos fundamentais
abrangendo deste modo a prestação de serviços económicos e sociais por parte do
Estado;
- A igualdade de todos cidadãos.

PRESSUPOSTO JURÍDICOS DO ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE


DIREITO PARA A CONCRETIZAÇÃO DAS SUAS FINALIDADES

1) Definição rigorosa e garantia sem restrição dos Direitos fundamentais inerentes à


personalidade e dignidade do homem, nomeadamente o Direito à vida, a integridade
física, pensamento, igualdade e a consciência, são os direitos fundamentais que
devem estar consagrados de forma restrita em todas as Constituições, sem
condições nem limites do sem exercício.

O Direito à consciência, possibilita a cada um, o poder de definir os seus próprios


critérios morais que são internos.
2) Dos direitos fundamentais, os que se seguem, são todos aqueles que devem ser
garantidos sob uma condição e sujeitos a limites intrínsecos.
São entre outros, a liberdade de expressão. A limitação legal deste direito destina-
se a evitar que o exercício deste Direito não ofenda o direito do outro.
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3) Garantias de um mínimo de subsistência social no âmbito do exercício aos


seguintes Direitos:

a) Emprego
b) Estabilidade no emprego
c) Educação mínima
d) Assistência médica
e) Assistência nos casos de desemprego
f) Assistência à reforma em caso de invalidez

4) Existência de uma pluralidade de órgãos governativos que na sua actividade se


limitam mutuamente através da separação de poderes, devendo o parlamento,
conservar o poder legislativo, embora não seja único a exercer.
5) Reservar para os tribunais, o poder jurisdicional, devendo caber aos órgãos
judiciais, o exercício e aplicação da justiça duma forma independente e imparcial.
6) A Constituição deve ser de carácter normativa, isto é, devendo as regras contidas,
serem rigorosamente cumpridas e duma forma efectiva.
Para este efeito, deve haver um mecanismo que permite o controlo e fiscalização
da sua constitucionalidade.
7) O princípio da legalidade dos actos de administração.
Todos actos dos órgãos de administração devem ser fiscalizadas, sejam elas de
natureza normativa ou de administração.

ESTADO POST – SOCIAL

É um conceito que algumas correntes classificam de Estado Moderno.


Os defensores desta corrente, afirmam que visa substituir o Estado Social Democrático de
Direito uma vez que se perspectiva a sua extinção.
A causa e origem do conceito
Alguns autores da nossa época, ficaram impressionados com uma certa crise que se
avizinha e que tem como objecto, o Estado Social Democrático de Direito.
A crise torna-se visível, a partir do estudo de factos que se manifestam ao longo da
evolução das sociedades modernas, notando-se que ao nível de Estado quer ao nível da
sociedade há sinais que revelam que o actual Estado, está em via de ser ultrapassado e em
sua substituição, uma nova organização política, qualitativamente superior ao Estado
actual, se instalará.

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Como se manifesta a crise.


Trata-se de uma crise fiscal.
Fazendo um estudo fiscal do Estado, constata-se que até ao fim da década 1970, as receitas
fiscais particularmente na Europa, conheceram um crescimento gradual, representando
uma maior arrecadação das receitas.
A tendência, é cada vez mais crescente, não obstante a existência de pessoas singulares ou
colectivas (empresa de produção de bem e de consumo) que abandonam ou reduzem a sua
produção, alegando que quanto mais rendem, maiores serão os impostos a pagar.
Os contribuintes ao concluírem que as receitas que enviam ao Estado, supera de certa
maneira os seus lucros e influenciados pelos grupos ainda minoritários que se abstém a
produzir de acordo com as suas capacidades para evitar pagar mais impostos, poderão
revoltar-se contra o Estado, deixando de produzir nas quantidades desejáveis e
consequentemente, haverá baixa produção e o capital bruto será afectado.
Deste modo, o Estado, tornar-se-á incapaz de satisfazer as necessidades cada vez mais
crescentes da sociedade. Não será capaz de prestar assistência social e económica aos
necessitados.
A acontecer isto, será inevitável a revolta da população afectada devido ao custo de vida
que é cada vez maior e o Estado não consegue superar a subida dos preços dos produtos
basicos o que origina por sua vez, uma crise social e consequentemente instabilidade
política. É desta análise, que surge a ideia de desestadualização da sociedade, que passa
pela redução da intervenção e influência do Estado na sociedade.
Outra característica, desta vez, a nível da actual sociedade que merece atenção, é o facto
de na sociedade contrariamente a épocas passadas, não se poder falar de classes ou de
camadas sociais.
Actualmente existem grupos ou comunidades que se identificam pela defesa de interesses
específicos de natureza política, económica, social cultural, artístico, profissionais,
especializações, religiosa ou em relação ao meio ambiente.
A estratificação da sociedade, tem tendência a desaparecer e permanecer entres grupos ou
comunidades com interesses por vezes conflituosos entre si.
A ideia do interesse geral, está de certa maneira a diminuir e o Estado é obrigado a agir a
favor dos interesses desses grupos isoladamente, sempre que conseguem apresentar
argumentos que convence o Estado.

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Assim, o Estado deixa de assumir a sua função de promotor e regulador do


desenvolvimento social e económico. Se não for convencido, ou seja, influenciado, tornar-
se-á neutro, o que significa que o Estado, tende para o período liberal, só que desta vez,
com objectivos diferentes pois pretende evitar que seja instrumentalizado pelos diferentes
grupos em defesa dos interesses específicos e visa manter a sua posição de árbitro, de
comando da sociedade, conjugar os interesses de todos.
Desta forma, o Estado assume a posição receptiva e de espectador. Outra característica,
ainda da sociedade.
A sociedade moderna, é de comunicação. Os meios existentes, permitem o acesso à
informação imediata proveniente de todas esferas do globo, em tempo recorde.
A televisão, rádio, imprensa escrita e a internet mantêm o cidadão a par de todos
acontecimentos públicos ou privados ao nível do Estado, o que o habilita a estar
devidamente munido de informações e capacidade de questionar o que lhe parece injusto,
irregular ou discriminatório.
Com o pluralismo político o Estado, está-se tornando num “Estado de partidos”. Hoje em
dia, não são os deputados que representam o povo, mas estes, representam os partidos a
que são militantes e estes por sua vez, representam o povo.
Assim podemos afirmar que a ideia de representação do povo pelos deputados, é ficção.
Os partidos políticos, pela conquista de votos, muitas vezes, manipulam o eleitorado,
fazendo promessas que não cumprem quando já estiverem no exercício do poder. “é um
mal necessário “.
Não se conhece de momento, um outro método que supere este.
Para finalizar, temos ainda no Estado, a difusão das faculdades legislativas.
Hoje em dia, a sociedade está proliferada de leis vindas de vários órgãos do poder e das
comunidades reconhecidas, para além de entidades privadas que definem normas por meio
de contratos de trabalho.
Todas estas características, por enquanto, são ainda exercidas pelo Estado Social
Democrático de Direito e o novo modelo, ainda não é conhecido.
1) O Estado de Direito pode ser classificado de Estado de dominação.
2) A consagração dos Direitos Fundamentais no Estado Soviético que significado tem
em relação ao Estado de Direito.
3) Quais as causas do desaparecimento da U.R.S.S.
4) A queda do “ Bloco socialista “ é o fim do socialismo?

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CRITICAS AO ESTADO SOCIAL DE DIREITO

Há em relação ao conceito de Estado Social de Direito, criticas feitas por correntes


favoráveis ás tendências liberais que põem em causa o conceito.
Tais correntes, sustentam o regresso ao Estado Clássico do Direito.

Há Estados como EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha Federal que tentaram


implementar, nas suas políticas governativas, o conteúdo das críticas das correntes
contrárias ao Estado Social de Direito, os chamados neo-liberais.

As críticas que se apresentam, são as seguintes entre outras:

1. O Estado Social é um Estado injusto, porque defende ideias segundo as quais, para
garantir a igualdade e fazer uma distribuição equitativa dos recursos, o Estado deve
retirar dos ricos os bens acumulados por estes e redistribuí-las pelas camadas
desprotegidas (pobres).

É um princípio que não é concretizável porque num Estado de economia de


mercado livre, a classe sobrecarregada não é a dos ricos, mas sim a média que inclui
médicos, doutores, professores, engenheiros, arquitectos e empresários que
possuem rendimentos elevados e conseguem fugir aos impostos.

A classe do chamado operariado que está por conta de outrem é a que suporta os
encargos relativos aos impostos.

2. A politica de progressividade dos impostos desintensiva o trabalho e a produção e


leva a que os que ganham mais, sejam obrigados a pagar mais, levando-os a reduzir
a sua produção para fugir ao pagamento de impostos o que afecta novos
investimentos.

3. A pouca eficácia do Estado a nível da produção.

As empresas privadas produzem mais do que as estaduais. As empresas estaduais


têm quase sempre prejuízo mais quando se privatizam, conseguem obter lucros que
supera as estatais.

4. Os benefícios sociais, desincentiva o trabalho, nomeadamente o subsídio ao


emprego é um encargo que para o Estado não tem conjugação.

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Por outro lado, quando o Estado garante que as pessoas tenham estabilidade nos seus
empregos, os empresários reduzem os seus investimentos, deixando de admitir mais
pessoal por temer ficar com os trabalhadores, sem poder despedir quando estiverem em
prejuízo ou quando houver qualquer problema.

5. O Estado social, implica por um lado, uma grande proliferação legislativa. Pois
quase que diariamente se publica uma nova legislação, diferente da anterior,
chegando a ser contraditório no seu espírito. Esta situação, provoca anarquia,
confusão e banalização da lei, porque as pessoas passam a entender que a lei é algo
normal que pode ser alterado no dia seguinte quando não for adequada ao que se
pretende atingir naquele momento. Esta atitude, traduz-se na quebra da disciplina.

6. Há aumento de serviços públicos e consequentemente do pessoal burocrático. As


pessoas empregadas praticam exagero e defendem que o seu trabalho é importante
e como tal deve existir.

De que modo se manifesta a materialização dos conteúdos apreendidos nestas lições em


relação à Constituição Moçambicana, quanto aos direitos fundamentais.

Pressupostos do Estado Social de Direito;


Pressupostos do Estado Democrático de Direito;
Pressupostos do Estado de Direito.

Finalizada esta matéria, segue a Parte II do nosso Programa temático com o título I sobre
Regime comum dos direitos fundamentais, capítulo I, da atribuição dos Direitos e iremos
falar sucessivamente:

1. Do princípio da universalidade;
2. Princípio da universalidade e pessoas colectivas;
3. A igualdade em geral;
4. O princípio da igualdade no Direito positivo moçambicano;
5. Sentido da igualdade;
6. Os destinatários do princípio da igualdade.

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REGIME DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A matéria de que nos vamos debruçar daqui em diante é relativa ao regime dos direitos
fundamentais que no programa temático que temos vindo a seguir corresponde a Parte II
com o título Regime comum dos Direitos Fundamentais, sendo o primeiro capítulo o
atinente a atribuição dos Direitos.

Do capítulo I temos como primeira matéria a tratar, o “princípio da universalidade” e


sucessivamente falaremos do (da):

7. Princípio da universalidade e pessoas colectivas


8. Igualdade em geral
9. Princípio da igualdade no Direito positivo moçambicano
10. Sentido da igualdade e finalmente,
11. Destinatários do princípio da igualdade

I. Princípio da universalidade

Recorrendo as lições do Professor Jorge Miranda32 “o primeiro princípio comum aos


direitos fundamentais e também aos demais direitos existentes na ordem jurídica ……é o
da universalidade: todos quantos fazem parte da comunidade política fazem parte da
comunidade jurídica, são titulares dos direitos e deveres ai consagrados; os direitos
fundamentais têm ou podem ter por sujeitos todas as pessoas integradas na comunidade
política, no povo”.

No plano constitucional, o princípio está consagrado no artigo 35 com a epígrafe Princípio


da universalidade e igualdade com o seguinte texto normativo ”Todos os cidadãos são
iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres,
independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau
de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.”
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o princípio vem expresso nos artigos 2.˚
e 7.˚, nos seguintes termos:

˝Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na


presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna,
de nascimento ou de qualquer outra situação.

32
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª edição , Coimbra,
1998, pagina 193.
190
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Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse pais ou território
independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação

Artigo 7.˚

Todos os cidadãos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção
da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer descriminação que viole a
presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Na Carta Africana dos direitos Humanos e dos Povos, o princípio consta dos artigos 2
e 3, tal como se transcreve:

˝Toda a pessoa tem o direito ao gozo dos direitos e liberdades reconhecidos e garantidos
na presente Carta, sem nenhuma distinção, nomeadamente de raça, de etnia, de cor, de
sexo, de língua, de religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem
nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

˝Artigo 3.˚

1. Todas as pessoas beneficiam-se de uma total igualdade perante a lei.


2. Todas as pessoas têm direito a uma igual protecção da lei.˝

O princípio da universalidade em qualquer um destes instrumentos legais incide sobre as


pessoas, na sua totalidade, pelo simples facto de serem pessoas titulares de direitos e
deveres fundamentais.

Todas as pessoas dotadas de personalidade jurídica são sujeitos constitucionais de direitos


e deveres.

O princípio é aplicável para todos os cidadãos moçambicanos no território nacional ou fora


deste e a todos os cidadãos estrangeiros em serviço, com domicílio temporário ou
permanente no território nacional ou na esfera de jurisdição do Estado Moçambicano.

Os cidadãos estrangeiros e os apátridas que se encontram por qualquer circunstância a


residir no território de Moçambique, beneficiam-se dos direitos reservados aos cidadãos
nacionais.

191
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O legislador Moçambicano adoptou a fórmula “todos os cidadãos” e nós entendemos que


a expressão todos os cidadãos não tem qualquer sentido restritivo. Pretende em nosso
entender exprimir genericamente a universalidade das pessoas jurídicas (pessoas físicas e
pessoas colectivas. No conjunto das pessoas singulares ou pessoas físicas, abrange
cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros, residentes no território moçambicano com o
sem laço jurídico de nacionalidade originária ou derivada.

A expressão pretende apenas referir as pessoas abrangidas pelas normas de Direito


Moçambicano. Por conseguinte, o legislador moçambicano usa indistintamente a
expressão todos os cidadãos em diferentes fórmulas normativas, mas sempre pretendendo
exprimir o comando para a universalidade das pessoas sujeitas ao Direito Moçambicano,
senão vejamos:

Artigo 35, 38, 44, 48, 51, 53, 55, 79, 81, 89, 90, 91, 94, 95.
Por vezes, o mesmo legislador usa a expressão “todo o cidadão”, vide artigos: 40, 41, 45,
46.

Outras vezes ainda usa a expressão: os cidadãos ou o cidadão: artigo 52, 54, 69, 70 e 80.
Todas estas expressões têm o mesmo valor e sentido jurídico, salvo os casos em que o
sentido é nos dados pelo contexto ou própria natureza específica do direito em que a
qualificação terá necessariamente um significado diferente quer para o direito, quer para o
dever em causa, como são os casos previstos nos artigos 147, n.˚ 2 al. b), que é
especialmente para pessoa física, o candidato ao cargo de presidente da República, artigo
24, n.˚ 2, que só se refere a cidadãos com nacionalidade originária em virtude de terem
nascido no território moçambicano, o artigo 85 quando se refere ‘todo o trabalhador” ou o
trabalhador, os artigos 86 e 87 com a expressão “ os trabalhadores”. Trata-se de fórmulas
cujo sentido é específico a pessoa humana, o trabalhador, sujeito de direito na ordem
jurídica.

O mesmo se diz em relação as expressões “crianças”, nos artigos 47 e 121. A expressão


mulher, artigo 122, juventude, artigo 123, velhice ou idoso, artigo 95 e 124 e portadores de
deficiência nos artigos 37 e 125.

Todos estes artigos dispõem sobre a pessoa humana segundo a sua própria natureza e
categoria na classificação dos direitos fundamentais.

O princípio ora anunciado é um conceito quantitativo, tal como se pode notar na expressão
“todos” o que significa que abrange a totalidade dos cidadãos que integram a comunidade
política de um Estado.

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A este princípio, conforme o preceituado no artigo 35, o princípio da igualdade que na


esteira deste entendimento diz respeito ao conteúdo do direito e nesta perspectiva é um
conceito qualitativo.

O princípio da universalidade compreende o regime comum dos direitos fundamentais e


acha-se consagrado no artigo 35.

Feitas as considerações prévias sobre o entendimento que temos sobre as expressões usados
pelo legislador neste dispositivo normativo vejamos agora os segmentos que encontramos
no mesmo artigo 35:

a) Todos os cidadãos “são iguais perante a lei”;


b) Todos os cidadãos ….“gozam dos mesmos direitos”;
c) Todos os cidadãos…. “estão sujeitos aos mesmos deveres”.
A cada um dos três segmentos acresce-se independentemente da cor, raça, sexo, origem
étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos
pais, profissão ou opção política.

Porém, o princípio da igualdade que diz respeito a qualidade do sujeito, levou o legislador
a restringir o sentido e alcance do princípio da universalidade, não se aplicando a todos os
casos de sujeitos de direito com o mesmo sentido e alcance.

Em relação aos nacionais, estabelece-se na Constituiçao da República de Mocambique dois


regimes de aplicaçao directa do principio da universalidade.

a) Os cidadãos de nacionalidade originária, que preenchem os requisitos previstos nos


artigos 23, 24 e 25 da CRM gozam na plenitude dos direitos fundamentais
consagrados na constituiçao em sentido formal e material, artigo 42 e 43;
b) Os cidadaos de nacionalidade moçambicana adquirida, que preenchem os requisitos
previstos nos artigos 26 a 29 da CRM gozam na plenitude dos direitos fundamentais
consagrados na Constituição em sentido formal e material, artigo 42 e 43, com
excepçao dos artigos 30, 146, n.˚ 2 al. b) e 46.
Nesta conformidade, os cidadaos moçambicanos com nacionalidade adquirida não podem:
a) ser deputados,
b) membros do Governo,
c) titulares de órgãos de soberania e
d) não têm acesso à carreira diplomática ou militar.

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Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A Constituição vai mais longe quando estipula que a lei define as condições do exercício
de funções públicas ou de funções privadas de interesse público por cidadãos
moçambicanos de nacionalidade adquirida.

O desvio do princípio da universalidade combinado com o princípio da igualdade não só


se verifica em relação aos cidadãos de nacionalidade adquirida como também em relação
a outros cidadãos devido a sua condição física ou moral, como são os casos previstos nos
artigos 73, portadores de deficiência ˝… e estão sujeitos aos mesmos deveres com ressalva
do exercício ou cumprimento daqueles para os quais, em razão da deficiência, se encontrem
incapacitados.˝.

Vide ainda os artigos:

Artigo 47 (Direitos da criança)

1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar.

2. As crianças podem exprimir livremente a sua opinião, nos assuntos que lhes dizem
respeito, em função da sua idade e maturidade.

3. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por
instituições privadas, têm principalmente em conta o interesse superior da criança.

Artigo 121 (Infância)

1. Todas as crianças têm direito à protecção da família, da sociedade e do Estado, tendo


em vista o seu desenvolvimento integral.

2. As crianças, particularmente as órfãs, as portadoras de deficiência e as abandonadas, têm


protecção da família, da sociedade e do Estado contra qualquer forma de discriminação, de
maus tratos e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

3. A criança não pode ser discriminada, designadamente, em razão do seu nascimento, nem
sujeita a maus tratos.

4. É proibido o trabalho de crianças quer em idade de escolaridade obrigatória quer em


qualquer outra.

Artigo 122, (Mulher)

1. O Estado promove, apoia e valoriza o desenvolvimento da mulher e incentiva o seu papel


crescente na sociedade, em todas as esferas da actividade política, económica, social e
cultural do país.
2. O Estado reconhece e valoriza a participação da mulher na luta de libertação nacional,
pela defesa da soberania e pela democracia.

194
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Artigo 123 (Juventude)

1. A juventude digna, continuadora das tradições patrióticas do povo moçambicano,


desempenhou um papel decisivo na luta de libertação nacional e pela democracia e
constitui força renovadora da sociedade.

2. A política do Estado visa, nomeadamente o desenvolvimento harmonioso da


personalidade dos jovens, a promoção do gosto pela livre criação, o sentido de prestação
de serviços à comunidade e a criação de condições para a sua integração na vida activa.

3. O Estado promove, apoia e encoraja as iniciativas da juventude na consolidação da


unidade nacional, na reconstrução, no desenvolvimento e na defesa do país.

4. O Estado e a sociedade estimulam e apoiam a criação de organizações juvenis para a


prossecução de fins culturais, artísticos, recreativos, desportivos e educacionais.

5. O Estado, em cooperação com as associações representativas dos pais e encarregados de


educação, as instituições privadas e organizações juvenis, adopta uma política nacional de
juventude capaz de promover e fomentar a formação profissional dos jovens, o acesso ao
primeiro emprego e o seu livre desenvolvimento intelectual e físico.

Artigo 124 (Terceira idade)

1. Os idosos têm direito à protecção especial da família, da sociedade e do Estado,


nomeadamente na criação de condições de habitação, no convívio familiar e comunitário e
no atendimento em instituições públicas e privadas, que evitem a sua marginalização.

2. O Estado promove uma política de terceira idade que integra acções de carácter
económico, social e cultural, com vista à criação de oportunidades de realização pessoal
através do seu envolvimento na vida da comunidade.

Artigo 125 (Portadores de deficiência)

1. Os portadores de deficiência têm direito a especial protecção da família, da sociedade e


do Estado.

2. O Estado promove a criação de condições para a aprendizagem e desenvolvimento da


língua de sinais.

3. O Estado promove a criação de condições necessárias para a integração económica e


social dos cidadãos portadores de deficiência.

4. O Estado promove, em cooperação com as associações de portadores de deficiência e


entidades privadas, uma política que garanta:
a) a reabilitação e integração dos portadores de deficiência;
b) a criação de condições tendentes a evitar o seu isolamento e a marginalização
social;
195
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

c) a prioridade de atendimento dos cidadãos portadores de deficiência pelos serviços


públicos e privados;
d) a facilidade de acesso a locais públicos.

5. O Estado encoraja a criação de associações de portadores de deficiência.

II. Princípio da igualdade em geral

O princípio da igualdade significa pensar na justiça e com justiça entre os membros da


mesma comunidade política. Requer que sejam tratados de igual modo todos os casos que
se encontram nas mesmas condições e circunstâncias, sendo desvio de aplicação tratar de
forma diferente o que é igual. A igualdade deve ser apreciada de ponto de vista de sujeito
e de conteúdo.

Os sujeitos iguais merecem tratamento igual, sucedendo o mesmo em relação a assuntos


de conteúdo iguais.

A este propósito o Professor Bacelar Gouveia33 ensina o seguinte:

O princípio da igualdade desenvolve-se sob duas linhas fundamentais:

 o tratamento igualizador: tratar igualmente o que é materialmente igual, proibindo-


se o tratamento discriminatório, positivo e negativo, que se funda em razões que
não são objectivamente admissíveis; e
 o tratamento diferenciador: tratar diferentemente o que é materialmente desigual,
o qual se justifica no facto de haver razões substanciais que o explique.
Assim, não se pode tratar da mesma maneira, alegando o princípio da igualdade de
tratamento, o pai e o filho, o trabalhador e o empregador, o pároco e o crente, o governante
e o governado.

As pessoas são tratadas igualmente conforme a sua qualidade e especificidades. Os


estudantes devem ter um tratamento igual enquanto forem iguais, os trabalhadores, os
militares, os agentes da polícia, os políticos, os funcionários públicos, os doentes, as
crianças, os jovens, os adultos, as mulheres, os idosos, etc.

A diferenciação a que nos referimos tem a ver com valores sócio-culturais que são
prosseguidos pelas comunidades e reconhecidos pela ordem constitucional, nos termos do
artigo 11, al. i). Descorar ou ignorar esta realidade equivale a protelar a igualdade
igualitária que é contrário ao princípio da igualdade.

Manual de Direito Constitucional, Volume II, Almedina, 1955 – 2005, pagina Manual de Direito
33

Constitucional, Volume II, Almedina, 1955 – 2005, pagina 1075.


196
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Em todos estes casos e outros os respeitantes a idade das pessoas para aquisição ou gozo
de direitos como seja o direito de eleger e ser eleito a cargos públicos, o direito de casar,
de conduzir, de trabalhar, da liberdade religiosa ou de praticar qualquer outra acção no
domínio político ou civil, o princípio da universalidade e de igualdade são válidos e
aplicados.

Corolário do princípio da igualdade

No sentido em que temos vindo a debruçarmo-nos sobre o princípio da igualdade temos


como corolário:

 o preceituado no artigo 73, o exercício do poder politico pelo povo através de


sufrágio universal, o referendo e a permanente participação democrática dos
cidadãos na vida da Nação.
 A não retroactividade da lei, só podendo ter efeitos retroactivos quando
beneficiam os cidadãos e outras pessoas jurídicas, artigo 57;
 A igualdade de género, isto é, homem e mulher são iguais perante a lei em todos
os domínios da vida política, económica, social e cultural, artigo 36;
 O direito de antena, de resposta e de réplica, artigo 49;
 O direito ao culto e a religião, artigo 54;
 A igualdade das crianças independentemente de terem ou não nascido na
constância de casamento, artigo 121, n.˚ 3;
 O respeito aos princípios fundamentais da administração pública, artigo 249
 Igualdade de tratamento dos cidadãos enquanto funcionários ou candidatos a
qualidade de funcionário, artigo 251;
 Os direitos e garantias dos administrados, artigo 253.

Limitações ao princípio da universalidade

Os direitos e liberdades fundamentais consagrados na Constituição são exercidos pelos


cidadãos só podendo ser limitados nos termos previstos no artigo 56, n.˚ 2, da CRM.

1. Os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades


públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da
Constituição e das leis.

2. O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros
direitos ou interesses protegidos pela Constituição.
3……
4…….
A limitação do exercício dos direitos só pode ocorrer nos casos previstos nos artigos 72:

197
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Artigo 72 (Suspensão de exercício de direitos)

1. As liberdades e garantias individuais só podem ser suspensas ou limitadas


temporariamente em virtude de declaração do estado de guerra, do estado de sítio ou do
estado de emergência nos termos estabelecidos na Constituição.

2. Sempre que se verifique suspensão ou limitação de liberdades ou de garantias, elas têm


um carácter geral e abstracto e devem especificar a duração e a base legal em que assenta.

A suspensão dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos requer a declaração do


estado de guerra, do estado de sitio ou do estado de emergência e para o efeito, impõe-se o
cumprimento do dispostos nos seguintes artigos da CRM:

Artigo 290 (Estado de sítio ou de emergência)

1. O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em


parte do território, nos casos de agressão efectiva ou eminente, de grave ameaça ou de
perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública.

2. A declaração do estado do sítio ou de emergência é fundamentada e especifica as


liberdades e garantias cujo exercício é suspenso ou limitado.

Artigo 291 (Pressupostos da opção de declaração)

A menor gravidade dos pressupostos da declaração determina a opção pelo estado de


emergência, devendo, em todo o caso, respeitar-se o princípio da proporcionalidade e
limitar-se, nomeadamente, quanto à extensão dos meios utilizados e quanto à duração, ao
estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

Artigo 292 (Duração)

O tempo de duração do estado de sítio ou de emergência não pode ultrapassar os trinta dias,
sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram
a sua declaração.

Durante a vigência do estado de guerra, de sítio ou de emergência poderão ser tomadas


medidas que constam dos artigos 287 e 288, com observância do disposto no artigo 286,
isto é, as limitações ao exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais não
podem abranger ou pôr em causa o direito à vida, à integridade pessoal, à capacidade civil
e à cidadania.

198
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O princípio da universalidade e pessoas colectivas

A Constituição em alguns momentos normativos faz referência a direitos dos cidadãos e a


direitos institucionais, referindo-se neste último caso a pessoas colectivas de Direito
privado, como é o caso das organizações sociais, das associações, dos partidos políticos e
das fundações.

A atribuição dos direitos fundamentais as pessoas colectivas não é uma equiparação, mas
sobretudo a uma limitação de Direitos Fundamentais primordialmente destinados a
pessoais singulares.

A pergunta que se coloca em relação a pessoas colectivas é a seguinte: os direitos,


liberdades, garantias e deveres constitucionais colocam-se em relação a todas as pessoas
jurídicas, como seja a pessoa colectiva ou a apenas as pessoas singulares?

A resposta, em nosso entender é negativa, no sentido de que os direitos, liberdades,


garantias e deveres fundamentais não podem ser aplicáveis as pessoas colectivas da mesma
forma que se aplica as pessoas físicas.

As lições que temos vindo a ministrar revelam que a ordem jurídica reconhece
expressamente a capacidade de gozo de direitos e submissão a deveres às pessoas
colectivas, conforme o artigo 12, 54, n.˚ 3, 52, 78, 74, 75 todos da CRM e artigo 156 e
seguintes e os artigos 33, 34 e 38, todos do código civil de 1966.

A consagração destes dispositivos legais no direito civil supera em grande medida a


concepção de que os Direitos Fundamentais são exclusivamente centradas as pessoas
físicas, ou seja, aos indivíduos.

Na verdade, conforme já tivemos ocasião de nos pronunciar sobre a distinção direitos


fundamentais e direitos humanos, os direitos fundamentais incidem sobre a pessoa jurídica
que inclui pessoa colectiva.

Assim, o que podemos discutir agora é saber se as pessoas colectivas gozam na sua
plenitude dos direitos fundamentais, independentemente da sua natureza específica.

As pessoas colectivas no sentido em que estamos a referir abrangem não só as pessoas com
personalidade jurídica legalmente reconhecida nos termos da lei civil e das Associações,
designadamente Lei n.º 8/91, de 18 de Julho; Lei n.º 10/2005, de 23 de Dezembro; Código
Civil de 1966, Decreto-lei n.º 1/2006, de 3 de Maio e no Diploma Ministerial n.º 68/87 de
3 de Setembro, como também as organizações civis que ainda carecendo de personalidade
jurídica, gozam de protecção jurídica no quadro dos direitos fundamentais, como são as
associações religiosas, artigo 12 e 54, comissões de trabalhadores, associações de
199
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

consumidores, associações de defesa de ambiente e de promoção de democracia,


associações juvenis, organizações de moradores e conselhos comunitários ao nível da base,
artigo 78.

Os direitos fundamentais só têm sentido quando tenham sido fixados para o seu gozo pleno
pelos seus destinatários, o que pressupõe que estes tenham a plenitude de gozo do direito
que lhe foi atribuído. Neste sentido, tal como nos ensina o Professor Jorge Miranda34
“…Não faria sentido em Direito constitucional a separação civilística entre capacidade de
gozo e capacidade de exercício ou de agir, porque direitos fundamentais são estabelecidos
em face de certas qualidades prefixadas pelas normas constitucionais e, portanto, atribuídas
a todos que as possuam.

Rematando sobre esta visão o Professor Jorge Bacelar Gouveia35 ˝…, quem comanda o
Direito Civil é o Direito Constitucional e não o contrário, sendo justo falar, mas do que de
autonomia, de supremacia deste em relação à aquele:….˝

Nos direitos fundamentais (sobretudo nos direitos, liberdades e garantias) o gozo dos
direitos consiste na capacidade de exercício. Os direitos de liberdades são pessoalíssimos
e por conseguinte, insusceptíveis tanto de serem transmitidos por qualquer forma como de
ser exercidos por outrem.”

Todas as pessoas colectivas gozam em princípio dos seguintes direitos fundamentais entre
outros, sem qualquer restrição nem imposição de terem ou não personalidade jurídica
própria:

a) Liberdade de associação, artigo 52;


b) Liberdade de expressão e de informação, artigo 48;
c) Direito de antena, de resposta e de réplica política, artigo 49;
d) Direito à greve tratando-se de associação sindical;
e) Direito de petição, queixa e reclamação, artigo 79;
f) Direito de acção popular, artigo 81;
g) Direito de impugnação, artigo 69;
h) Liberdade de residência e de circulação, artigo 55;
i) Direito à reunião e de manifestação, artigo 51;
j) Direito de recorrer aos tribunais, artigo 70;

34
Jorge Miranda, idem, pagina195.
35
Manual de Direito Constitucional, Volume II, Almedina, 1955 – 2005, página 1072.
200
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

k) Direitos reservados aos administrados, artigo 252;


l) Direito a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, artigo 68;
m) Direito ao ambiente, artigo 90;
n) Direito a habitação e urbanização, artigo 91;
o) Liberdade de criação cultural, artigo 94.
p) O direito de propriedade, artigo 82,

Por esta listagem fácil é de notar que os direitos fundamentais de que as pessoas colectivas
sejam titulares são todos aqueles que sejam compatíveis com a sua natureza específica e a
identificação exaustiva dos direitos próprios só é possível casuisticamente. As pessoas
colectivas só têm os direitos compatíveis com a sua natureza, ao passo que as pessoas
singulares têm todos os direitos, salvo os especificamente concedidos apenas a pessoas
colectivas ou a instituições36, por exemplo, o direito de antena, artigo 49 e os decorrentes
da própria pessoa colectiva conducente à prossecução dos fins para que exista, os direitos
adequados à sua especialidade, artigo 160 do CC com a limitação imposta pelo artigo 157,
também do CC.

Nesta conformidade, parafraseando o Professor Bacelar Gouveia37 a orientação geral que


se obtêm é a de que as pessoas colectivas são titulares de direitos fundamentais, em nome
deste princípio da universalidade, desde que os direitos fundamentais concretamente a
analisar se harmonizem, na protecção concedida, ao sentido existencial da pessoa colectiva
em causa, até podendo haver, no extremo, direitos fundamentais só para pessoas colectivas:
liberdade religiosa individual não se aplica numa sociedade comercial, mas a
inviolabilidade do domicílio já pode ter razão de ser, em nome da protecção de segredos
da actividade económica.

Por este entendimento, não pode ser aplicável a pessoa colectiva, o direito à vida e a
integridade física e moral, artigo 40, o direito à família, artigo 119, o direito a maternidade
e paternidade, artigo 120, o direito a infância, artigo 121, o direito reservado a portadores
de deficiência, artigo 125, o direito a habeas corpus, artigo 66, nem está sujeito a prisão
preventiva, artigo 64 e extradição, artigo 67.

36
Idem, Jorge Miranda, página 197.
37
Idem, página 1073.
201
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

III. Sentido da igualdade

Na senda do que temos vindo a tratar e recorrendo às lições do Professor Jorge Miranda38,
a análise da igualdade tem de assentar em três pontos firmes, acolhidos quase
unanimemente pela doutrina e pela jurisprudência.

São eles:

a) Que a igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou


naturalística;

b) Que a igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção


de justiça;

c) Que a igualdade não é uma “ilha”, encontra-se conexa com outros princípios, tem
de ser entendida – também ela – no plano global dos valores, critérios e opções da
Constituição material.

O sentido do princípio da igualdade é de na verdade negativa, ou seja, o princípio veda


privilégios e qualquer discriminação às pessoas jurídicas, porquanto, gozam da tutela do
Direito.

Assim, “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer


direito ou isento de qualquer dever…”

O princípio de direito deve ser assim entendido como sendo aquele que assegura a todos
os tratamentos igual em iguais circunstâncias, o que afasta concessão de privilégios em
razão da qualidade da pessoa jurídica.

Os privilégios são situações de que dão vantagens não fundadas em nenhum elemento de
base material e correspondem à situações de discriminação ou desvantagem em relação a
outra pessoa semelhante, nas mesmas condições e oportunidade.

Há também neste prisma e no quadro do sentido do princípio da igualdade, a discriminação


que são situações de vantagens fundadas que desaguam nas desigualdades de direito em
consequências de desigualdades de facto, tendentes à superação destas e, por isso, em geral,
têm carácter temporário.

38
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4.ª edic. Coimbra,
2008, pagina 253 e seguintes.
202
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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São exemplos destas discriminações positivas no plano constitucional, as disposições


atinentes à criança, artigos 47 e 121, a mulher artigo122, juventude, artigo 123, terceira
idade, artigo95 e 124, portadores de deficiências, artigos 37 e 125.

A Constituição Moçambicana identifica os factores de desigualdade inadmissíveis como


são os casos previstos nos artigos 39 e 250.

Artigo 39
(Actos contrários à unidade nacional)

Todos os actos visando atentar contra a unidade nacional, prejudicar a harmonia social,
criar divisionismo, situações de privilégio ou discriminação com base na cor, raça, sexo,
origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, condição
física ou mental, estado civil dos pais, profissão ou opção política, são punidos nos termos
da lei.

Artigo 250
(Acesso e estatuto dos funcionários)

1. O acesso à Função Pública e a progressão nas carreiras profissionais não podem ser
prejudicados em razão da cor, raça, sexo, religião, origem étnica ou social ou opção
político-partidária e obedece estritamente aos requisitos de mérito e capacidade dos
interessados.

Todos estes factores não são os únicos que quando praticados promovem privilégios ou
discriminação. Os factores aqui enumerados são a título de exemplo, tendo em conta que
o artigo 42, da CRM apresenta-nos um leque aberto de Direitos Fundamentais e desta forme
temos que entender que os factores de discriminação são também abertos em face do artigo
42.

O legislador arrolou os factores previstos nos artigos 39 e 251 como sendo os mais gritantes
em relação aos quais a ordem jurídica reagem com maior veemência possível dado ao
impacto que eles podem causar na esfera jurídica dos lesados, mas há muito mais factores
que causam privilégios ou discriminação negativa contra a pessoa nos vários domínios da
vida privada ou publica que constam desta enumeração mas que causam danos

É por consciência de todos estes factores que o legislador cautelosamente fixou o disposto
nos artigos 69, 70, 79, 80, 81, 214 e n.˚ 3 do artigo 252, todos da CRM.

A finalidade de todas estas proibições é de assegurar a protecção dos direitos do cidadão e


garantir que de facto os direitos consagrados na Lei fundamental sejam efectivamente os
que deve gozar sem qualquer limitação fora da previsão legal, nos termos do n.˚ 2 do artigo
56, que corresponde ao previsto Na segunda parte do artigo 7 da Declaração Universal dos

203
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Direitos do Homem de 1948 cujo texto se apresenta: “Todos são iguais perante a lei e, sem
distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos. Todos têm direito a protecção igual
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração contra qualquer
incitamento a tal discriminação.˝

O que até aqui temos vindo a tratar sobre este princípio da igualdade é na vertente negativa,
ou seja, em sentido negativo que corresponde a proibição.

Vejamos então o sentido positivo do principio da igualdade que nos parece mais complexo,
tal como nos expõe o Professor Jorge Miranda39 que no sentido em que vínhamos
apreciando.

Neste sentido resulta do princípio da igualdade o seguinte:

a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações


semelhantes);
b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente
desiguais - ˝impostas pela diversidade das circunstancias ou pela natureza das
coisas˝ - e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.
c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou
desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera
faculdade, ora em obrigação;
d) Tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem
existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se,
assim, uma componente activa ao principio e fazendo da igualdade perante a lei
uma verdadeira igualdade através da lei.

O princípio da igualdade não se refere única e exclusivamente as pessoas físicas, mas


sim as pessoas jurídicas, ou seja, as pessoas singulares e pessoas colectivas, dai que
este princípio aplica-se as pessoas colectivas e sobre os grupos não personalizados.

Às regras previstas na lei eleitoral atinentes a igualdade dos partidos políticos, das
coligações de partidos políticos, dos grupos de cidadãos eleitores proponentes e das
candidaturas aplica-se o princípio da igualdade, nos termos em que estamos a estudar
em todas as suas acepções.

O princípio aplica-se às relações entre o Estado e os cidadãos e os cidadãos na sua vida


particular nas instituições públicas e privadas que mantém com as demais pessoas nas
suas famílias, grupos, associações civis, sindicatos partidos políticos, etc.

39
Idem, pagina 255 e seguintes.
204
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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IV. Destinatários do princípio da igualdade

O Dr. Joaquim Madeira, então Procurador-Geral da República, numa das suas intervenções
públicas perante jornalistas nacionais e estrangeiros a propósito de crimes de corrupção,
abuso de confiança e outros cometidos contra os bens públicos por algumas altas entidades
públicas do Estado e agentes da Administração Pública, a dado tempo, disse: “ninguém
está acima da lei.” Todo aquele que cometer um acto qualificado de crime, previsto e
punido nos termos do Código Penal ou em qualquer outra lei avulsa, será submetido a
julgamento e condenado se se provar a sua culpabilidade na prática do acto.

Por conseguinte, o destinatário número um da lei é o próprio órgão que emanou a lei. Quem
elabora e aprova a lei fica directa e imediatamente vinculado a lei que ele próprio aprovou
devendo por isso, cumpri-la na sua íntegra.

A emanação das normas constitucionais em sede do poder constituinte material ou formal


original obedece quer no conteúdo, quer na sua forma à vontade política da nova ideia do
Direito.

Porém, a primeira Constituição dentre as várias disposições normativas, em princípio fixa


os procedimentos jurídico-constitucionais que deverão ser observados sempre que se
pretender proceder à revisão constitucional. Nesta conformidade, o poder constituinte
passa a partir desta primeira Constituição a vincular-se a um comando pelo qual se deverá
subordinar sempre que pretender rever a Constituição.

Assim, o princípio da igualdade consagrado na lei impõe-se a todos os órgãos que tem por
missão elaborar, executar e fazer cumprir a lei, pois na sua actuação têm por dever observar
todos os ditames decorrentes do princípio da igualdade em todas as suas dimensões.

Desta feita, o princípio da igualdade exige tratamento igual a todas as funções dos órgãos
do Estado, bem como a aplicação igual da lei, da norma jurídica em todas as circunstâncias
iguais.

Quando nos referimos a primazia dos destinatários do princípio da igualdade queremos


dizer que para além do órgão legislativo inclui-se os órgãos políticos, como seja o
Presidente da República e o Conselho de Ministros, os tribunais judiciais, o Conselho
Constitucional, o Ministério Público, a Comissão Nacional de Eleições e os órgãos
administrativos.

205
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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Aos particulares o princípio da igualdade não se aplica, em virtude destes gozarem do


princípio da autonomia, salvo quando verifica-se uma descriminação contra a pessoa que
põe em causa a dignidade da pessoa humana ou haja situações de abuso de poder de facto.

Na esfera privada è importante distinguir pessoas físicas das pessoas colectivas. Nas
pessoas colectivas aplica-se o princípio da igualdade em relação aos membros entre si e
nas relações que se estabelecem na sociedade, na associação, na fundação ou no Partido
Politico.

Terminado este tema segue Parte II, regime dos Direitos Fundamentais, título I do regime
comum dos Direitos Fundamentais, capitulo II da Protecção Jurídica Interna em que
iremos nas aulas seguintes tratar sucessivamente da:

1. Protecção jurídica e acesso ao direito;


2. A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais;
3. Actos jurídico-públicos e meios jurisdicionais
4. A tutela graciosa ou não contenciosa dos direitos fundamentais
a) O direito de petição
b) O Provedor de Justiça
5. A responsabilidade civil das entidades públicas e do
6. Movimentos sociais e direitos humanos: o papel dos diferentes actores na protecção
dos Direitos Humanos.

1. PROTECÇÃO JURÍDICA E ACESSO AO DIREITO

A Constituição da República de Moçambique no seu artigo 69 com a epígrafe Direito de


impugnação, dispõe que “O cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos
estabelecidos na Constituição e nas demais leis.”

Ora, a impugnação acto de tutela constitucional pelo qual a pessoa jurídica contesta o
comportamento com o qual não se conforma é um direito fundamental cujo exercício
pressupõe que antes de mais o cidadão ofendido conheça o direito de que é legitimo titular
e em que medida e circunstâncias pode ser exercido.

A Constituição estabelece ainda no artigo 79 o direito de petição, queixa e reclamação


conferindo a todos os cidadãos o direito de apresentar petições, queixas e reclamações
perante a autoridade competente para exigir o restabelecimento dos direitos violados ou
em defesa do interesse geral.

Por conseguinte, o direito consagrado na Constituição representa para o cidadão o padrão


do comportamento que deve ser observado por ele próprio, pelo Estado e demais pessoas
jurídicas.

206
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O comportamento do Estado e das demais pessoas jurídicas em face do Direito consagrado


deve ser conforme a lei – Padrão, a norma constante da Constituição e das demais leis da
Ordem jurídica.

A conformidade do comportamento é assim aferida comparando a lei-padrão com a


conduta manifesta pelo agente e do juízo de valor apura-se a conformidade ou a
desconformidade do comportamento e neste ultimo caso estamos perante uma violação da
norma.

No caso vertente, quando do direito de que seja titular o cidadão não se tem conhecimento
ou quando se conhece não se sabe em que condições pode ser gozado, nesse caso, o cidadão
não pode de forma alguma identificar a sua obstrução e muito menos determinar em que
circunstâncias foi-lhe denegado ou limitado o gozo do seu direito.

O Professor Jorge Miranda a este propósito afirma: “A primeira forma de defesa dos
direitos é a que consiste no seu conhecimento. Só quem tem consciência dos seus direitos
tem consciência das vantagens e dos bens que pode usufruir com o seu exercício ou com a
sua efectivação, assim como das desvantagens e dos prejuízos que sofre por não os poder
exercer ou efectivar ou por eles serem violados”40.

Não foi por acaso que os regimes colonialistas que dominaram vários povos de África,
Ásia e América Latina, pautaram sempre por uma mesma doutrina de nunca dar acesso ao
conhecimento aos povos dominados, tal como se pode notar do regime jurídico
estabelecido no Acto Colonial, norma constitucional destinado exclusivamente a
população negra das colónias portuguesas.

Em Moçambique o regime colonial Português aplicou a mesma doutrina e assim, os povos


considerados indígenas não lhes foi permitido o acesso ao ensino, à ciência e à tecnologia.
O ensino ministrado para estes povos foi predominantemente o religioso limitado ao ciclo
primário e quanto muito até ensino secundário básico e fora deste o sistema
consuetudinário em conformidade com os usos e costumes dos povos considerados
indígenas, aos quais não se reconhecia direitos de cidadania.

Os poucos moçambicanos instruídos à data da independência nacional em 25 de Junho de


1975 tiveram que emigrar para fora das terras de domínio português onde conseguiram
acesso ao ensino e a frequência ao nível superior.

O direito de que um cidadão é titular só pode ser exercido integralmente quando o seu
titular tenha conhecimento sobre ele e saiba quais os seus contornos.

O direito a informação, previsto no n.˚1 do artigo 48 é, pois o complemento e suporte


jurídico do gozo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais de que os cidadãos sejam
titulares e a este acresce-se o direito à educação previsto no artigo 113 e o direito ao ensino
consagrado no artigo 114, todos da CRM.

40
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª edição, Coimbra
editora, 1998, página 229.
207
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O acesso ao direito e à informação, bem como ao conhecimento constitui normas


preceptivas, imediatamente invocáveis em salvaguarda dos direitos fundamentais.

Os cidadãos não só têm o direito à informação como têm o direito de serem informados,
nos termos do n.˚ 1 do artigo 252 e n.˚ 1 do artigo 92 (direito dos consumidores).

O povo moçambicano é ainda constituído por um número significativo de população


analfabeta, na ordem de 50,4% do universo de 23.049.621 habitantes em 2011 e com as
instituições públicas com uma capacidade limitada de tornar público o conjunto dos
direitos fundamentais de que os cidadãos sejam titulares. Algumas ordens jurídicas em
África já consagram na Constituição instituições que se encarregam de educação cívica dos
cidadãos visando promover e dar a conhecer os direitos de que o cidadão é titular, trata-se
da Comissão da Educação Cívica prevista na Constituição da República de Ghana de 1992.

A Constituição Moçambicana desde 1975 que consagra um vasto leque de direitos


fundamentais, mas quantos e quais os moçambicanos têm conhecimento dos direitos que a
lei fundamental proclama a seu favor.

O Presidente da República, a Assembleia da República, o Conselho de Ministros, os


Tribunais, o Conselho Constitucional, os Ministros, os Governos provinciais ou distritais,
os municípios ou outras entidades públicas emanam normas que implementam e
desenvolvem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas que mecanismos existem
instituídos na ordem jurídica que levam tais comandos ao conhecimento directo e imediato
do cidadão, de modo a beneficiar-se deles ou a exercer qualquer dos direitos previstos nos
artigos 70, 79, 80, 81 e n.º 3 do artigo 252, todos da CRM.

A Constituição prevê no artigo 62, o direito de acesso aos tribunais, a defesa e ao direito
de assistência jurídica e patrocínio judiciário e fá-lo por intermédio do Instituto de
Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).

Independentemente das atribuições conferidas a este Instituto público, o seu âmbito é


nacional, mas a sua abrangência encontra muitas limitações em termos de recursos
humanos, materiais, financeiros e capacidade de realização, o que não lhe permite estender
a sua representação para todos os 161 distritos e mais de 380 Postos Administrativos e
muito menos para onde se situa o cidadão, no seu local de residência habitual ou de trabalho
nas mais de 1042 localidades e povoados, vilas e 53 cidades municipalizadas.

Neste momento, o IPAJ situa-se fundamentalmente em todas as capitais provinciais e em


alguns distritos onde haja tribunais judiciais e procuradorias gerais da República em
funcionamento.

Mas o acesso ao direito não se circunscreve tão-somente a matéria criminal, civil ou


laboral. O Direito é muito mais vasto e quanto mais os direitos fundamentais que não
encontram o seu limite, nos termos do artigo 42 da CRM.

O IPAJ tal como muitas das instituições públicas situam-se ao nível da capital do país, da
província, do distrito e não onde o cidadão tem a sua residência habitual, no bairro ou aldeia
ou no seu local de trabalho.
208
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O Cidadão no seu local de residência ou de trabalho carece de informação sobre os direitos,


liberdades e garantias de que seja titular e desconhecendo-os nada poderá dizer sobre o seu
cumprimento por parte do Estado ou não em conformidade com a Constituição e demais
leis.
A falta de conhecimento sobre os seus legítimos direitos torná-lo-á agente passivo em face
de uma violação, por desconhecimento do direito que o assiste em cada circunstância e
momento.

O artigo 38 determina que todos os cidadãos têm o dever de respeitar a ordem


constitucional, mas em nenhum outro dispositivo consagra-se de que modo os cidadãos
devem tomar conhecimento da ordem constitucional a respeitar e muito menos são
indicados os mecanismos de acesso ao direito que não sejam por via dos tribunais aos quais
cabe exercer as funções previstas no artigo 212 e seguintes.

Todas as normas jurídicas emanadas na Ordem Jurídica apresentam-se em língua


portuguesa, qualificada nos termos do artigo 10 da Constituição de língua oficial.

Porém, a maioria dos cidadãos nacionais falam línguas nacionais consideradas como
património cultural e educacional que promovem o seu desenvolvimento e utilização
crescente como línguas veiculares da nossa identidade, conforme o artigo 9 da CRM.

Pese embora esteja consagrado na lei fundamental a necessidade de uso das línguas
nacionais, a situação com que nos deparamos revela-nos que as leis, os julgamentos, as
mensagens, as comunicações do Estado, da administração pública e todo o relacionamento
do Estado com os cidadãos são ainda em português, bem como os serviços públicos
funcionam em língua portuguesa e não existe instituído no sistema nacional, um serviço
público de tradução para os cidadãos não falantes da língua oficial.

Há porém, esforço louvá-lo desenvolvido pelo Governo de Moçambique e pelos órgãos de


comunicação social, tais como o ensino Bilingue que tem vindo a ser ministrado nas
provinciais, junto das escolas, povoações, bairros, aldeias e outros consistindo no ensino
na língua local e as estações da Rádio Moçambique que transmitem os seus programas
radiofónicos em língua local, em todas províncias do país.

O factor língua contribui assim para a inacessibilidade do Direito e da justiça e


incumprimento do gozo pleno dos direitos de que os cidadãos sejam titulares.

Pela Lei n.º 33/2009, de 22 de Dezembro, a Assembleia da República criou a Comissão


dos Direitos Humanos que de entre as funções conferidas no artigo 5 tem por dever realizar
as seguintes entre outras:

a) Promover e proteger os direitos humanos no Pais, através de programas de


educação sobre direitos humanos e execução de acções de protecção dos
mesmos direitos estabelecidos nos termos da Constituição e da referida lei;
b) Desenvolver e conduzir programas de informação para promover o
entendimento público da lei e do título III da Constituição – Direitos,
209
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Deveres e Liberdades fundamentais – e sobre o papel e actividades da


Comissão dos Direitos Humanos.
Por conseguinte, a Comissão dos Direitos Humanos formalmente criada em 2009 aguarda
pela eleição dos seus membros para o seu pleno funcionamento, e enquanto isso, o vazio
instituído pela omissão do dever de constituir a Comissão mantém-se e o cidadão é o mais
prejudicado.

A Constituição tem um regime específico sobre o Advogado e consta do artigo 63


nos seguintes termos:

Artigo 63
(Mandato judicial e advocacia)

1. O Estado assegura a quem exerce o mandato judicial, as imunidades necessárias ao seu


exercício e regula o patrocínio forense, como elemento essencial à administração da
justiça.

2. No exercício das suas funções e nos limites da lei, são invioláveis os documentos, a
correspondência e outros objectos que tenham sido confiados ao advogado pelo seu
constituinte, que tenha obtido para defesa deste ou que respeitem à sua profissão.

3. As buscas, apreensões ou outras diligências similares no escritório ou nos arquivos do


advogado só podem ser ordenadas por decisão judicial e devem ser efectuadas na presença
do juiz que as autorizou, do advogado e de um representante da ordem dos advogados,
nomeado por esta para o efeito, quando esteja em causa a prática de facto ilícita punível
com prisão superior a dois anos e cujos indícios imputem ao advogado a sua prática.

4. O advogado tem o direito de comunicar pessoal e reservadamente com o seu


patrocinado, mesmo quando este se encontre preso ou detido em estabelecimento civil ou
militar.

5. A lei regula os demais requisitos relativos ao mandato judicial e a advocacia.

Desta disposição é notório a independência e o carácter privado ou liberal da profissão de


Advocacia e ainda o papel do Advogado na defesa dos direitos das pessoas frente ao
Estado.

É sabido que os Advogados no exercício da sua profissão são colaboradores da


Administração da Justiça, sendo um dos pilares, contando com os Tribunais e o Ministério
Público e nesta qualidade espera-se do profissional do Direito, nos termos do artigo 4 da
Lei n.˚ 28/2009, de 29 de Setembro, o seguinte:

a) Defender o Estado de Direito democrático, os direitos e liberdades fundamentais e


participar na boa administração da Justiça;
b) Promover o acesso à justiça, nos termos da Constituição;

210
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

c) Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica para o conhecimento e


aperfeiçoamento do Direito, devendo pronunciar-se sobre os projectos de diplomas
legais que interessam ao exercício da advocacia, ao foro judicial e à investigação
criminal;
d) Participar no estudo e divulgação das leis e promover o respeito pela legalidade

A conduta do Advogado no exercício da profissão espera-se que seja a prevista no artigo


72 do estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique que se dispõe da seguinte
maneira:

a) O Advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um


comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da
função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados
no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costume e tradições profissionais
impõem.
b) A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são
obrigações profissionais.
Para terminar este ponto importa referir que a Constituição no n.º 2 do artigo 62, prevê ao
cidadão que for comunicado que é arguido em processo criminal e nesta qualidade é lhe
indicado nos termos da lei penal um conjunto de direitos que o assiste até a condenação
judicial transitada em julgado, de entre os direitos figura o de escolher livremente o seu
defensor para o assistir em todos os actos do processo penal a decorrer.

Trata-se de um direito importante que consubstancia a protecção jurídica simultânea e de


acesso ao direito.

2. A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais

A tutela dos direitos e liberdades fundamentais é na verdade a principal garantia do gozo


efectivo dos direitos que a ordem jurídica interna tutela em relação ao cidadão.

Se não houver um tribunal, órgão jurisdicional independente e imparcial que na sua


actuação observa e respeita a igualdade e oportunidade das partes e decide segundo
critérios objectivos previstos na lei e os cidadãos têm a possibilidade de se dirigirem para
essa instância judicial para a declaração e efectivação dos seus direitos lesados por um
outro cidadão ou pelo Estado, os direitos e liberdades fundamentais consagrados na
Constituição e na lei são uma letra morta e só visam distorcer a imagem do Estado no
exterior quando o cidadão não se beneficia do direito que lhe assiste.

Os direitos e liberdades fundamentais despidos da protecção jurisdicional de nada valem e


a sua consagração não tem sentido nem valor jurídico, pois não existe mecanismos que
oferece garantias da sua efectivação no plano material.

É nesta conformidade que a lei constitucional estabelece no artigo 70 o direito de recorrer


aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela
Constituição e pela lei.
211
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O gozo pleno dos direitos e liberdades fundamentais requer:

a) Tutela jurisdicional de todos os direitos e liberdades;


b) O direito de acesso de todos os cidadãos sem qualquer descriminação aos tribunais
para a defesa dos seus direitos;
c) A garantia de que o acesso a justiça não poderá de forma alguma ser denegada em
virtude de o cidadão ter falta ou insuficiência de recursos financeiros;
d) O gozo da assistência jurídica e patrocínio judiciário;

Por fim destacar o facto de que a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais implica nos
termos do artigo 211 da CRM que aos tribunais compete-lhes garantir e reforçar a
legalidade como factor da estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os
direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos
e entidades com existência legal.

Apenas aos tribunais compete penalizar as violações da legalidade e decidirem pleitos de


acordo com o estabelecido na lei, educar os cidadãos e a administração pública no
cumprimento voluntário e consciente das leis, estabelecendo uma justa e harmoniosa
convivência social.

Na esteira deste entendimento, as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório


para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de outras
autoridades, conforme o artigo 214, da CRM.

A tutela jurisdicional encontra-se de forma expressa ou ainda aflorada nas seguintes


disposições constitucionais:

Artigo 66 (Habeas corpus)

1. Em caso de prisão ou detenção ilegal, o cidadão tem direito a recorrer à providência do


habeas corpus.

2. A providência de habeas corpus é interposta perante o tribunal, que sobre ela decide no
prazo máximo de oito dias.

O artigo 69, (Direito de impugnação)

O cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na


Constituição e nas demais leis.

Artigo 70 (Direito de recorrer aos tribunais)

O cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus
direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei.

212
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Artigo 89 (Direito à saúde)

Todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos termos da lei, bem
como o dever de promover e defender a saúde pública.

Artigo 90 (Direito ao ambiente)

1. Todo o cidadão tem o direito de viver num ambiente equilibrado e o dever de o defender.

2. O Estado e as autarquias locais, com a colaboração das associações de defesa do


ambiente, adoptam políticas de defesa do ambiente e velam pela utilização racional de
todos os recursos naturais.

Artigo 213 (Inconstitucionalidade)

Nos feitos submetidos a julgamento os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que
ofendam a Constituição.

Além destes dispositivos a Constituição estabelece ainda que o cidadão pode invocar os
artigos 40, 41, 44, 45, 71, 92 e 252, n.˚ 3, 243, n.˚ 1 al. a) e 244, para a defesa dos seus
interesses ou do interesse geral.

O quadro jurídico-constitucional ora apontado parece nos indicar no sentido de os cidadãos


fazerem funcionar o Conselho Constitucional e tribunais judiciais para que estes protejam
e garantam os direitos fundamentais dos cidadãos, consagrados na Constituição.

De acordo com este raciocínio, deduz-se tratar da defesa de interesses subjectivos dos
cidadãos, pois visa satisfazer interesses dos cidadãos individualmente considerados.

3. Actos jurídico-públicos e meios jurisdicionais

A tutela dos direitos fundamentais tem consagração constitucional contra todos os órgãos
de soberania, incluindo o conjunto dos órgãos governativos e instituições públicas que não
podem quer a título individual, quer conjuntamente decidirem pela suspensão ou obstrução
do exercício pleno dos direitos fundamentais pelos cidadãos.

As situações que impõem a suspensão do exercício dos direitos fundamentais figuram da


CRM no seu artigo 72 e as circunstancias que determinam o acto, bem como o processo
para o efeito, consta dos artigos 282 e seguintes.

213
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

A Constituição, apesar de permitir a suspensão em determinadas situações ponderadas pelo


Presidente da República com envolvimento do Governo tendo em conta que recai sobre
este a responsabilidade de garantir o gozo dos direitos e liberdades e de velar pela ordem
pública e estabilidade dos cidadãos, conforme os artigos 203, al. a) e 202, ambos da CRM,
com o pronunciamento do Conselho Nacional de Defesa e segurança, artigo 265 e
sancionamento da Assembleia da República, al. g) do n.˚ 2, do artigo 178, impõe-se a
salvaguarda em termos absolutos, dos direitos fundamentais que constituem o mínimo da
dignidade pessoal-particularmente carecidos de protecção em situações de desordem ou
de intranquilidade social -, além de exigir a estrita necessidade e adequação das medidas
restritivas para o restabelecimento da normalidade da normalidade constitucional, que se
exige “pronto”, isto é, tão rápido quanto possível.41

A tutela graciosa ou não contenciosa dos direitos fundamentais

O Direito, traduzido no processo civil, recomenda a todos os cidadãos que em caso de


conflito as medidas primárias a serem accionadas para dirimir o referido conflito é a via
extrajudicial, em que as partes envolvidas por si só ou com apoio e intervenção de outras
pessoas jurídicas possam recorrer a mecanismos amigáveis de resolução de conflito que
não seja em primeiro plano a acção judicial.

O tribunal aprecia e julga os factos que lhe forem presentes segundo os ditames do Direito,
enquanto que as partes entre si gozando da autonomia de vontade podem resolver o conflito
adoptando medidas reconciliatórias em beneficio mutuo das partes com menos custos que
a acção no tribunal.

Os tribunais emitem uma decisão jurídica com força obrigatória para todas as partes, uma
vez transitado em julgado e nem nenhuma das partes pode recuar da decisão decretada,
conforme o artigo 215 da CRM.

A intervenção judicial no caso que põe as partes em conflito só traz desvantagens para
todos, decorrendo dos transtornos impostos pelos procedimentos processuais, contratação
e pagamento de advogado cuja assistência judicial é obrigatória, conforme o tipo de
processo, o tempo que o processo leva para obtenção do resultado e a tramitação demorada
do processo até decisão final, pelo menos em Moçambique, por carência de meios humanos
e outros no sistema judicial.

Assim, em face de todos estes inconvenientes o sistema prevê uma outra modalidade de
resolução dos conflitos, ou seja, outra forma de protecção dos direitos tutelados que é a
tutela graciosa dos Direitos Fundamentais.

Esta modalidade surge por se reconhecer que o sistema judicial no Estado de Direito, por
mais célere, avançado e imensos recursos e meios de actuação tiver nunca pode conseguir
cobrir eficazmente todas as necessidades da sociedade, sendo, por isso, importante a tutela
graciosa por se mostrar mais moldável às circunstâncias do desenvolvimento das relações
pessoais entre os cidadãos.

41
José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da Republica Portuguesa
de 1976, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, pagina 339.
214
Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

O Professor Jorge Miranda42 aponta três notas básicas para se recorrer a tutela graciosa:

Primeiro – Não existência de formalismo (ou de formalismos específicos)


Segundo – Interpenetração com elementos de oportunidade e de mérito;
Terceiro – Grande variedade e plasticidade das suas manifestações (sua
fundamentação e seus resultados).

O Professor Miranda acrescenta ainda que a tutela graciosa pode realizar-se através de
órgãos administrativos como através de órgãos políticos;

Tanto pode traduzir-se numa nova intervenção do órgão que antes se tenha pronunciado
sobre a matéria como a uma espécie de autocontrolo dentro de certo aparelho orgânico,
outras vezes a uma fiscalização por outro ou por outros órgãos; umas vezes visa a prática
de certo acto ou a adopção de certa providência, outras vezes dirige-se contra acto já
praticado, visando a sua reconsideração, revogação ou modificação; tanto pode atender à
correcção de uma inconstitucionalidade ou de uma ilegalidade como atender à aplicação
de uma sanção por comportamento ilícito.

Das garantias graciosas, temos em primeiro plano, o direito de petição que consta do
artigo 79 da CRM, com a epígrafe direito de petição, queixa e reclamação, regulamentada
pela lei n.˚ 2/96, de 4 de Janeiro, publicado no suplemento do Boletim da República n.˚ 1,
de 4 de Janeiro de 1996, conjugado com o Decreto n.˚ 30/2001, de 15 de Outubro,
publicado no suplemento do Boletim da República n.˚ 41, de 15 de Outubro de 2001.

O direito de petição permite aos cidadãos apresentar petições, queixas e reclamações as


autoridades administrativas, politicas ou civis, exigindo o restabelecimento dos seus
direitos violados ou agir em defesa de terceiros no interesse geral.

O peticionário dirigindo-se as autoridades administrativas reclama, queixa-se ou interpõe


o recurso hierárquico gracioso solicitando que lhe seja dada uma decisão administrativa
que se funda na legalidade violada de harmonia com os critérios e procedimentos
instituídos na instituição, substituindo assim a decisão que se contesta.

O direito de petição quando dirigido aos órgãos políticos ou análogos visam a intervenção
do respectivo órgão com vista a usar a sua influência no sistema politico administrativo,
sem substituir os órgãos competentes em razão da matéria, na resolução pacifica do conflito
que opõe o cidadão com a instituição publica, exigindo o cumprimento da lei que julga
violada.

Para a concretização deste direito está criado ao nível do Regimento da Assembleia da


República, Lei n.˚ 17/2007, de 18 de Julho, a Comissão de Petições.

O cidadao querenco repor o direito que lhe foi violado ou em defesa de terceiros no
interesse geral pode recorrer aos seguintes instrumentos em pedido inicial feito por escrito
e assiando pelo seu autor ou por quem o representa;

42
Idem, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, página 248 e seguintes.
215
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 Requerimento – instrumento pelo qual o interessado pede, segundo as formas legais


impostas, a uma autoridade a quem compete especialmente conceder ou autorizar
o que se requer;

 Reclamação – instrumento pelo qual o lesado ou o ofendido opõe-se a uma decisão


ou acto já praticado em relação ao qual não se conforma e dirige perante a pessoa
ou a autoridade que praticou ou tomou a decisão com a finalidade de persuadir a
alterar ou revogar a decisão com a qual não se conforma;

 Recurso hierárquico ou gracioso – instrumento pelo qual o lesado ou o ofendido


opõe-se a uma decisão já tomada em relação a qual não se conforma, com
fundamento em elementos de prova que demonstram que a decisão foi tomada
ilegalmente ou injustamente e é dirigido a pessoa ou a autoridade superior ao que
tomou a decisão com a finalidade de persuadir a alterar ou revogar a decisão do seu
inferior hierárquico;

 Recurso tutelar - instrumento pelo qual o lesado ou o ofendido opõe-se a uma


decisão ou acto já praticado por uma autoridade do Conselho Municipal ou de
povoação em relação ao qual não se conforma e dirige perante a pessoa ou a
autoridade que exerce a tutela sobre as autarquias locais, ao nível da província é o
Governador provincial ou Governo provincial e ao nível central são os Ministros
da Função Pública, Ministro da Administração Estatal e o Ministro das Finanças,
com a finalidade de persuadir a alterar ou revogar a decisão;

 Recurso de revisão - instrumento pelo qual o lesado ou o ofendido opõe-se a uma


decisão já tomada em relação a qual não se conforma por existir elementos de prova
que demonstram que a decisão foi tomada com base em factos inexistentes ou
inexactos que influiram na decisão e é dirigido a pessoa ou a autoridade superior
ao que tomou a decisão com a finalidade de persuadir a alterar ou revogar a decisão
do seu inferior hierárquico;

 Recurso contencioso - instrumento pelo qual o lesado ou o ofendido opõe-se a uma


decisão já tomada em relação a qual não se conforma por existir elementos de prova
que demonstram que a decisão foi tomada ilegalmente, injustamente ou com base
em factos inexistentes ou inexactos que influiram na decisão e é dirigido ao
Tribunal competente do local onde o facto ocorreu com a finalidade de persuadir a
alterar ou revogar a decisão que se constesta;

A outra figura importante que a ordem jurídica contempla visando a defesa e protecção dos
direitos fundamentais fora dos tribunais é o Provedor de Justiça que no sistema Anglo-
saxónico é designado de Ombudsman.

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O Provedor de Justiça consta da Constituição da República no artigo 256 e seguintes e


regulamentado pela Assembleia da República através da lei n.˚7/2006, de 16 de Agosto43
aprecia os factos que lhe forem submetidos, sem poder decisório, dirigindo aos órgãos
competentes as necessárias recomendações para prevenir e reparar as injustiças que apurar
que estão a ocorrer.

Por conseguinte, o Provedor de Justiça não pode anular, revogar ou modificar os actos dos
poderes públicos, quer da Administração Publica, quer da autarquia local. O seu poder
reside na persuasão do titular do órgão que tomou a decisão.

A intervenção do Provedor da Justiça por queixa, reclamação ou pedido do cidadão não


interrompe nem suspende os prazos ou a marcha normal do processo em curso na
administração pública.

O Provedor de Justiça é o órgão do Estado que tem como função a garantia dos direitos
dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública,
eleito pela Assembleia da República, por maioria de dois terços dos deputados, pelo tempo
que a lei determinar.

A função principal do Provedor de Justiça é a defesa dos direitos e interesses legítimos dos
cidadãos e nesta sua missão os órgãos e agentes da administração pública devem prestar a
devida colaboração e apoio.

O Provedor de Justiça é independente e imparcial no exercício das suas funções, devendo


observância apenas à Constituição e às leis.

Ao Provedor de Justiça apresentam a petição, queixas ou reclamações, os cidadãos,


individual ou colectivamente, por actos ou omissões dos poderes públicos e em nome
destes tem a competência de solicitar a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade
das leis, conforme al. f) do n.˚ 1 do artigo 244 e tem assento no Conselho de Estado, al. d)
do n.˚ 2, do artigo 163, ambos da CRM.

O Provedor de Justiça submete uma informação anual à Assembleia da República sobre a


sua actividade.

O direito de apresentar petição, queixa ou reclamação é extensivo aos estrangeiros


apátridas quando se trate de defesa dos seus próprios direitos ou interesses

A actividade do Provedor de Justiça pode ainda ser exercida por iniciativa própria, nos
casos de violação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, desde que
o facto chega ao seu conhecimento e, é independente dos meios graciosos e contenciosos
previstos na Constituição da República e na lei.

O Provedor de Justiça age sempre em consequência de uma petição, queixa ou reclamação


que lhe tenha sido apresentado por um ou mais cidadãos que contesta a actuação da
administração pública em relação aos seus direitos.

43
Publicado no Boletim da República n.˚ 33, de 16 de Agosto de 2006.
217
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4. A responsabilidade civil das entidades públicas

O Estado moçambicano consagra no artigo 58, com epigrafe Direito à indemnização e


responsabilidade do Estado, uma disposição normativa nos termos da qual:
1. A todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indemnização pelos
prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais.

2. O Estado é responsável pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no
exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da lei.

Ora, pelo conteúdo da norma, o Estado assume a responsabilidade de proceder à


indemnização pecuniária pelos prejuízos morais ou patrimoniais que forem causados ao
cidadão pela violação dos seus direitos fundamentais, desde que sejam ilícitos e culposos.

A responsabilidade do Estado pelos danos causados ao cidadão pode compreender


responsabilidade:

 no sentido de responsabilidade político-criminal dos titulares de cargos públicos,


como seja, os dos órgãos do Estado ao nível central, local e autarquias locais;
 no sentido de responsabilidade disciplinar dos funcionários ou agentes do Estado;
 no sentido de responsabilidade política. Esta responsabilidade abrange um
complexo de mecanismos jurídico-político de valor ou desvalor a conduta política
do titular do órgão do Estado que causou o dano.

O artigo tem como sujeito lesado o cidadão individual ou colectivamente considerado,


como são as pessoas colectivas da esfera privada, sem prejuízo de uma autarquia exigir o
mesmo direito em caso de sentir-se lesado por um acto praticado por um titular do órgão
do Estado ou seus funcionários.

A responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas apresenta-se como


responsabilidade por actos de função administrativa, por esta ser a que mais directa e
imediatamente relaciona-se com o cidadão na prestação de serviços públicos. São
frequentes as situações factuais que podem gerar a responsabilidade civil do Estado pelos
actos ou omissão do seu dever pelos seus agentes no exercício da função legislativa,
executiva ou jurisdicional resultando em actos ilícitos, nomeadamente leis ou sentenças
inconstitucionais, nacionalizações, expropriação, declaração de Estado de sítio ou de
emergência e leis que lesem os direitos/interesses de pessoas, execução prévia por parte da
administração pública de normas contrárias a administração pública.

Ocorrendo qualquer um dos casos cabe ao Estado repor a legalidade e indemnizar o cidadão
pelos danos causados.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

5. Movimentos sociais e direitos humanos: o papel dos diferentes actores na


protecção dos Direitos Humanos.

A defesa e promoção dos direitos fundamentais não é nem pode ser tarefa
exclusivamente do Estado e demais entidades públicas perante o cidadão. Cada vez
mais, a participação de todos os cidadãos considerados a título individual ou
colectiva è um dever patriótico e de defesa do interesse geral.

É frequente ouvir e praticar o acto de socorrer de imediato o vizinho que tem a sua
casa a arder, para evitar que o fogo propaga-se para a sua. É assim, que em caso de
incêndio ninguém fica de braços cruzado alegando que a casa que está a arder é do
vizinho que se aguarde pelos bombeiros municipais ou do Estado.

Os movimentos sociais que são cada vez mais numerosos e com objecto
diversificado e múltiplo são chamados a intervir na defesa e protecção dos cidadãos
no interesse geral que é a garantia da tutela dos direitos fundamentais, sendo esta
acção um acto cultural devendo caracterizar uma associação moderna. O disposto
no artigo 78 da CRM revela-nos esta tendência ou orientação em relação a finalidade
das organizações sociais, quando dispõe o seguinte:

1. As organizações sociais, como formas de associação com afinidades e interesses


próprios, desempenham um papel importante na promoção da democracia e na
participação dos cidadãos na vida pública.
2. As organizações sociais contribuem para a realização dos direitos e liberdades dos
cidadãos, bem como para a elevação da consciência individual e colectiva no cumprimento
dos deveres cívicos.

O numero 2 do artigo 78 deixa claro que as organizações sociais desempenham um


papel fundamental na realização dos direitos e liberdades fundamentais no quadro
da implementação da carta dos Direitos Fundamentais dos cidadãos em cada Estado,
dentro da sua autonomia de vontade.

Antes de prosseguir sobre esta matéria é pertinente fazer alusão ao que entendemos
de organizações sociais.

Entende-se por organizações sociais, as organizações da sociedade civil, as entidades ou


pessoas colectivas de Direito Privado, sem fins lucrativos.

Considera-se sem fins lucrativos a organização da sociedade civil que não distribui entre
os seus sócios, associados ou membros, as suas quotas ou participações e os eventuais
excedentes operacionais, dividendos, bonificações ou parcelas do seu património e que os
aplica integralmente na prossecução dos fins sociais que presidiram a sua constituição e
são a razão da sua existência e funcionamento.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

São, entre outras, organizações da sociedade civil, a título exemplificativo, as seguintes:

a) Os sindicatos e as associações profissionais;

b) As instituições religiosas;

c) As entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionarem bens ou


serviços aos associados, sócios ou membros;

d) As organizações sociais de promoção e defesa dos direitos humanos; e

e) As fundações e outras associações de Direito Privado, incluindo as


organizações não-governamentais.

Nesta conformidade não são qualificáveis como organizações da sociedade civil, entre
outras, as seguintes instituições:

a) As instituições que fazem parte do conjunto dos órgãos de soberania;

b) As instituições que fazem parte dos órgãos centrais e locais do Estado;

c) As instituições que fazem parte dos órgãos de governação


descentralização e das autarquias locais;

d) As instituições que fazem parte das Forças de Defesa e Segurança do


Estado;

e) As instituições do Aparelho do Estado;

f) Os institutos, empresas, fundos, fundações e associações de Direito


Público;

g) As empresas e sociedades comerciais; e

h) Outras pessoas colectivas que prosseguem fins lucrativos.

A prova da existência legal das organizações da sociedade civil faz-se através do


instrumento da constituição, nos termos estabelecidos na lei, designadamente o
Boletim da República onde a mesma se acha publicada ou a escritura pública.

A vocação da organização social é de prosseguir um fim público no interesse directo


e imediato dos seus membros que são os cidadãos que se dirigem à organização em
virtude de gozarem do direito de livre filiação em organizações sociais, culturais,
económicas, profissionais ou políticas.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Assim, a qualidade de membro de uma organização visa a partir desta


operacionalizar o gozo pleno dos direitos fundamentais de que seja titular e
proporcionar o gozo dos mesmos pelos demais cidadãos.

Os projectos de desenvolvimento económico, social cultural ou políticos de uma


organização social têm de ter em conta que o resultado da sua acção é para satisfação
do sujeito, que é o Homem, o cidadão membro da organização, dentro do país de
que a organização está fixado ou tem abrangência territorial.

A participação directa dos cidadãos a título individual ou por via de organizações


sociais é uma das características do Estado democrático de Direito, onde
encontramos uma plena abertura das autoridades e instituições públicas para a
intervenção permanente do cidadão, conforme prescreve o artigo 73 da CRM.

A consulta popular, a realização de referendo e eleições regulares são entre as várias


modalidades de participação activa da sociedade civil no exercício pleno do gozo
dos direitos fundamentais dos cidadãos.

O envolvimento directo das organizações da sociedade civil na vida política dos


cidadãos tem se revelado através da sua acção pública, sob diferentes formas
permitidas em cada Estado, nomeadamente: manifestações pacíficas, reuniões ou
comícios, educação cívica, limpeza nos bairros ou opinião pública nos órgãos de
comunicação social ou junto das instituições pública como seja na Assembleia da
República, no Governo ou na autarquia.

Na nossa ordem jurídica são de referência no domínio dos direitos fundamentais, as


seguintes organizações da sociedade civil:

1. Liga dos Direitos Humanos


2. Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique;
3. Liga dos Direitos Humanos;
4. Direitos Humanos e Desenvolvimento;
5. Muleide;
6. FAWEMO
7. G 20
8. FDS
9. Fórum Mulher;
10. Mulheres de Carreira Jurídica;
11. Aro Juvenil;
12. Parlamento Juvenil;
13. Associação Cristã para o Desenvolvimento da Comunidade;
14. Associação das Viúvas e Mães Solteiras;
15. Associação de Apoio às Vítimas de Dramas em Moçambique;
16. Associação dos Deficientes Militares e para Militares de Moçambique;
17. Outros

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Fundamentais, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane

Regime Específico dos Direitos, Liberdades e Garantias

Conteúdo:

1. A aplicação imediata
2. A vinculação das entidades públicas
3. A vinculação das entidades privadas
4. A reserva de lei
5. As restrições de direitos, liberdades e garantias
6. O carácter restritivo das restrições
7. O carácter excepcional da suspensão
8. O regime da suspensão
9. A restrição, suspensão ou a privação individual de direitos apenas com as garantias da
Constituição e da lei
10. O problema da renúncia a direitos fundamentais
11. A autotutela mediante o direito de resistência
12. A responsabilidade civil e criminal por violação de direitos, liberdades e garantias
13. O regime reforçado dos direitos, liberdades e garantias dos arts. 72 e 286 da
Constituição
14. Direitos, liberdades e garantias e órgãos independentes da Administração

Para a abordagem de todas estes conteúdos correspondentes ao tema em apreço, importa


debruçarmo-nos nesta aula e nas subsequentes, das seguintes figuras jurídicas
consagradas na Constituição da República de 2004, nomeadamente:

 O ARTIGO 66 REALTIVO A HABEAS CORPUS;

 O ARTIGO 72, ATINENTE A SUSPENSAO DE EXERCICIO DE


DIREITOS

 E DO REGIME ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 290 E SEGUINTES:


ESTADO DE SITIO E DE EMERGENCIA.

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Doutor António S. Chipanga, Docente e Regente – Lições Sumárias da disciplina de Direitos
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A Constituição da República de Moçambique pelo disposto no artigo 18, relativo ao direito


internacional, determina o seguinte:

Artigo 18
(Direito internacional)

1. Os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados e ratificados, vigoram na


ordem jurídica moçambicana após a sua publicação oficial e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado de Moçambique.

2. As normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que
assumem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República
e do Governo, consoante a sua respectiva forma de recepção.

No n.º 1, desta disposição jurídico-constitucional estão estabelecidas as seguintes regras


injuntivas:

1. Os tratados e acordos internacionais validamente aprovados pelas entidades


competentes, desiganadamente o Presidente da República e o Governo de
Moçambicano;

2. Enquanto vincularem internacionalmente o Estado Mocambicano, artigo 160, al. b)


e 161, al. b) e artigo 203, n.˚ 1 al. g);

3. Vigoram na ordem juridica após a sua ratificação e publicação oficial, nos termos
do artigo 178, n.˚ 2, al. t) e u) e 143, al. f), da CRM

Por conseguinte, toda a norma do Direito Internacional só pode vigorar no território do


Estado Moçambicano quando tiver sido celebrado pelos titulares dos órgãos competentes
da República de Moçambique, em respeito ao princípio de recepção previsto na última
parte do n.˚ 2 do artigo 18.

Assim, todas as convenções, tratados, acordos ou quaisquer outros instrumentos


normativos que obrigam o Estado moçambicano só poderão vigorar se tiverem sido
ratificado pela Assembleia da República e publicado em Boletim da República, sob forma
de Resolução.

O legislador moçambicano, pelo disposto no artigo 42 veio fixar outra regra distinta da
prevista no artigo 18, ao alargar o âmbito e sentido dos direitos fundamentais determinando
que são direitos fundamentais os formalmente consagrados na Constituição e os que
constam da lei ao que nos revela que a regra constante do artigo de que temos vindo a citar
não se aplica directa e imediatamente às matérias relativas aos direitos fundamentais cujo
regime de interpretação é o previsto nos artigos 42 e 43, ambos da CRM.

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Assim, em relação a aplicação dos direitos fundamentais na ordem jurídica nacional estes
não ficam condicionados a celebração do instrumento por uma entidade competente da
República de Moçambique, ratificação pela Assembleia da República seguido de
publicação em Boletim da República.

Exige a Constituição que tais matérias referindo-se a dignidade da pessoa humana e assim
constituindo direitos fundamentais têm aplicação directa e imediata, desde que não
contrarie os valores e principios fundamentais da Constituição, nos termos do artigo 4.

Comecemos a nossa intervenção pelo artigo 29.º da Declaração dos Direitos do Homem.

4. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível
o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.

5. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está


sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente
a promover o reconhecimento e o espírito dos direitos e liberdades dos
outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública
e do bem-estar numa sociedade democrática.

6. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos


contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

O dispositivo legal consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem


consubstancia a limitação ao exercício dos direitos fundamentais, tal como nos ensina o
Prof. Jorge Miranda44.

Na cláusula geral constante no artigo 29 da Declaração Universal, não só se afirma que o


individuo tem deveres para com a comunidade, como também, “fora da qual não é possível
o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”, como se prescreve que no gozo
dos direitos e das liberdades “ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas
pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o espírito dos
direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da
ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática” e se acrescenta que, em
caso algum, os direitos e as liberdades poderão ser exercidos “contra os fins e os
princípios das Nações Unidas “

Ora, na medida em que o artigo 43 da Constituição moçambicana manda interpretar os


preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a
Declaração Universal, não pode deixar de entender-se que tal regra vale plenamente, hoje,
no nosso ordenamento jurídico e se aplica não apenas aos direitos fundamentais como – a
todos os demais direitos, ensina-nos o Prof. Jorge Miranda45.

44
Manual de Direito Constitucional Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª edic. Coimbra, 1998, pag. 264 e
seguintes.
45
Idem pag. 265.
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É nesta conformidade que o legislador constituinte moçambicano de 2004, acolheu a norma


e fê-la constar no artigo 56 que em seguida citamos:

Artigo 56 (Princípios gerais)

1. Os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as


entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos
no quadro da Constituição e das leis.
2. O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da
salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.

3. A lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos


expressamente previstos na Constituição.

4. As restrições legais dos direitos e das liberdades devem revestir carácter


geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo.

Os casos previstos na Constituição para a limitação dos direitos, liberdades e garantias


constam dos artigos 72, 290, 291, 295, 296, 187, 302 e 156 e decorrem dos poderes
constitucionalmente conferidos nos artigos 265, al. a) e al. b), 264, 165, al. b), 160, al. a),
158, al. e), e c), e 178, n.° 2. al. g), todos da CRM.

Porém, em todos os casos de limitação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais,


não é permitido: limitar ou suspender os direitos à vida, à integridade pessoal, à capacidade
civil e à cidadania, a não retroactividade da lei penal, o direito de defesa dos arguidos e a
liberdade de religião, conforme o artigo 286 da CRM.

Recorrendo as lições do Prof. Gomes Canotilho46, são os seguintes os traços


caracterizadores do regime estabelecido no artigo 56 da Constituição da República de
Moçambique:
xiv. Aplicabilidade directa das normas que os reconhecem, consagram ou garantem;
xv. Vinculatividade de entidades públicas e privadas;
xvi. Reserva da lei para a sua restrição;
xvii. Princípio da autorização constitucional expressa para a sua restrição;
xviii. Princípio da proporcionalidade como princípio informador das leis restritivas;
xix. Princípio da generalidade e abstracção das leis restritivas;
xx. Principio da não retroactividade de leis restritivas;
xxi. Princípio da salvaguarda do núcleo essencial;
xxii. Limitação da possibilidade de suspensão nos casos de declaração do estado de
guerra, do estado de sítio e estado ou de emergência, artigo 72, n.º 1.
xxiii. Garantia do direito de resistência, artigo 81;

46
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, Almedina, 1999, pag. 411 e seguintes
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xxiv. Garantia da responsabilidade do estado e demais entidades públicas, artigo 58;


xxv. Garantia perante o exercício da acção penal e da adopção de medidas de polícia,
artigo 61;
xxvi. Garantia contra “leis de revisão” restritivas do seu conteúdo, artigo 302 e 156, n.º
1.

Habeas Corpus – regime jurídico

A Constituição moçambicana aborda a providência cautelar no capítulo III dos Direitos,


Liberdades e Garantias Individuais, no artigo 66.

O cidadão só pode gozar plenamente dos direitos que a lei lhe reconhece quando esteja em
plena liberdade.

Porém, na sociedade ocorrem situações que levam o Estado a ordenar a privação dessa
liberdade, quando o titular envolve-se em comportamentos que ofendem a Ordem Jurídica:
a ordem pública, a ética ou moral social, a autoridade do Estado, a segurança das pessoas
e bens, entre outros.

A privação da liberdade tem lugar quando o cidadão seja capturado, isto é, detido por
ordem de quem seja competente à luz da lei.

A captura de um cidadão é portanto, uma excepção à regra.

Por conseguinte, a lei estabelece os pressupostos para a privação da liberdade e a entidade


competente para ordenar a detenção e validação da prisão.

Em princípio, a privação da liberdade obedece um conjunto de regras e só é permitida


quando haja culpa formada e nos casos em que não haja culpa formada, as entidades
competentes para ordenar a captura ou detenção devem o mais depressa possível
apresentarem o cidadão detido junto do tribunal competente para apreciar o caso e legalizar
a prisão, sob pena de a detenção ser considerada ilegal.

Portanto, sem a validação a prisão embora seja justa e imprescindível torna-se ilegal

A legalização da prisão está cometida aos órgãos judiciais que apreciam os elementos
indiciários com a serenidade e objectividade e informam ao detido das razões pelas quais
encontra-se detido e dão-lhe a oportunidade de responder o que lhe oferecer em acto de
defesa própria contra a suspeita que sobre si recai.

Na validação judicial da captura há uma apreciação ou avaliação judicial dos motivos legais
que determinaram a detenção, da consistência e fundamento legal da suspeita com relação
ao facto incriminável e da sua imputação directa ao arguido.

A legalização ocorre depois de apreciada a suspeita, interrogado o detido e ouvido a sua


alegação em sua defesa.

226
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Em conformidade com a norma constitucional, n.º 2 artigo 64, o cidadão sob prisão
preventiva deve ser apresentado ao juiz dentro de um certo prazo para ser ouvido.

Artigo 64 (Prisão preventiva)

1. A prisão preventiva só é permitida nos casos previstos na lei, que fixa os


respectivos prazos.
2. O cidadão sob prisão preventiva deve ser apresentado no prazo fixado
na lei à decisão de autoridade judicial, que é a única competente para
decidir sobre a validação e a manutenção da prisão.
3. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente
e de forma compreensível das razões da sua prisão ou de detenção e dos
seus direitos.
4. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da
liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do
detido, por estes indicados.

A lei ordinária define que é da competência do juiz da instrução criminal, nos termos do
n.º 2 do artigo 1 da Lei n.º 2/93, de 24 de Julho, BR n.º 25, Suplemento:

a) A validação e manutenção das capturas;


b) As decisões sobre a liberdade provisória;
c) As decisões sobre buscas e apreensão de objectos e instrumentos do crime;
d) A aplicação provisória de medidas de segurança;
e) A admissão de assistente;
f) A condenação em multa e imposto de justiça;
g) As decisões nos incidentes relativos a impedimentos, suspeições, falsidade e
alienação mental do arguido.

Se num caso em concreto, por hipótese um cidadão dirige-se ao posto policial mais
próximo e queixa-se de ter sido vítima na praia do Costa de Sol de furto de uma viatura de
marca BMW, de cor vermelha, com 4 portas e pneus com jantas cromadas com a chapa de
inscrição MLI-XY-HP e exibir o livrete e título de propriedade sobre o veículo, o oficial
da PRM em serviço de imediato comunica via rádio os agentes da lei e ordem em serviço
de patrulha. Imaginemos que os agentes da polícia que circulam na Av. da Marginal
encontram uma viatura conduzida por um fulano com as características descritas pelo
cidadão vítima do furto e transmitidas via rádio pelo oficial de serviço, mas sem a chapa
de matrícula.

Os agentes da lei e ordem nada mais podem fazer naquelas circunstâncias, senão interpelar
o cidadão mandando-o parar para exibir a documentação da viatura e a chapa de inscrição
do veículo que conduz que não está na viatura. O cidadão interpelado em reposta diz ao
agente da polícia que a viatura que conduz acaba de recuperá-la de um grupo de indivíduos
desconhecidos que haviam retirado da sua mãe na zona do aeroporto e que naquele
momento ela encontrava-se em casa com a documentação da viatura e a chapa de matrícula
teria ficado ou feito desaparecer pelos indivíduos que furtaram da sua mãe.

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Perante esta resposta os agentes da lei e ordem que poderão fazer? Deixá-lo continuar a
viagem ou suspeitá-lo de ser o autor do furto da viatura que se estava a procura?

Se for considerado suspeito é detido sem culpa formada e levado imediato a esquadra onde
foi apresentado a queixa para averiguação. Se na esquadra o indivíduo suspeito não for
apresentado no prazo fixado na lei junto do tribunal competente perante o juiz da instrução
criminal para a legalização da prisão, estamos perante uma violação de um direito
fundamental.

Em face da violação do direito o cidadão lesado deve conforme os casos procurar junto do
comandante da esquadra, do chefe das operações do agente da polícia de investigação
criminal - SERNIC que se encontra a funcionar na referida esquadra, no distrito, na cidade
ou na província um esclarecimento que justifica a não apresentação dele no Juiz da
instrução dentro do prazo fixado na lei penal.

Se não obter uma resposta satisfatória à luz da lei alegando-se motivos infundados o
cidadão tem o direito de accionar mecanismos legais para o goza dos seus direitos na
situação em que se encontra naquela esquadra ou na cadeia.

A norma constitucional impõe o recurso a Habeas Corpus, cujo regime jurídico-


constitucional se acha consagrado no artigo 66 da CRM de 2004 e na lei criminal nos
artigos 312 e seguintes do CPP.

Artigo 66 (Habeas corpus)

1. Em caso de prisão ou detenção ilegal, o cidadão tem direito a recorrer à


providência do habeas corpus.

2. A providência de habeas corpus é interposta perante o tribunal, que sobre


ela decide no prazo máximo de oito dias.

A garantia de Habeas Corpus que tem a sua origem na Inglaterra é um meio de protecção
da liberdade individual a qual recorre-se nos casos em que não haja outro meio legal de
eficazmente fazer cessar a ofensa ilegítima da liberdade individual.

Trata-se de um meio de defesa da liberdade cujo efeito cessa quando a causa que lhe deu
origem termina, ou seja, quando o detido esteja perante o juiz da instrução criminal, sem
prejuízo da acção disciplinar, civil ou criminal de quem promoveu ou cometeu a
ilegalidade.

Na Constituição de 1975 não figurou esta providência e surge na nossa ordem jurídica a
partir da Constituição de 1990 nos seguintes termos:

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Artigo 102
1. Em caso de prisão ou detenção ilegal, o cidadão tem direito a recorrer à

providência do habeas corpus.

2. A providência do habeas corpus é interposta perante o tribunal e o seu processo


é fixado na lei.

Esta garantia foi introduzida na CRM de 1990 por que o legislador reconheceu que se
tratava de um meio importante de defesa da liberdade dos cidadãos.

Em conformidade com a lei penal artigo 312, 315 e seguintes todos do CPP e reunidas as
condições exigidas o cidadão que se vê privado da liberdade por uma acção considerada
ilegal nos termos da lei, pessoalmente ou por intermédio do seu mandatário judicial ou por
terceiros pode interpor um requerimento dirigido ao juiz do Tribunal Provincial onde se
acha ilegalmente detido a solicitar que seja imediatamente ouvido pelo Juiz da Instrução a
fim de ser interrogado, conforme os artigos 253 do CPP, e artigo 1 da Lei n.º 2/93, de 24
de Julho.

No requerimento o detido além de indicar o nome da entidade a quem se dirige, a


identificação do requerente e do detido se este não for o requerente deve mencionar os
fundamentos da providência que podem ser os seguintes:

a) Estar excedido o prazo fixado no artigo 308 e 311 do CPP para a entrega ao poder
judicial;
b) Manter-se a detenção fora dos locais para este efeito autorizados por lei ou pelo
Governo;
c) Ter sido efectuado o internamento em estabelecimento de detenção por ordem de
autoridade incompetente, vide artigo 6 da Lei n.º 2/93, de 24 de Julho que deu uma
nova redacção ao artigo 293 do CPP.

Artigo 6. O artigo 293 do Código de Processo Penal passa a ter a seguinte redacção:

“Fora dos casos de flagrante delito, a prisão preventiva só poderá ser levada a efeito
mediante a ordem por escrito do Juiz, do Ministério Público ou das demais autoridades de
polícia de investigação criminal”.

Parágrafo único: São autoridade de polícia de investigação criminal, além do Ministério


Público, para efeitos do disposto neste artigo:

1.º Os directores, inspectores e subinspectores da polícia de Investigação criminal;


2.º Os oficiais da Policia da República de Moçambique com funções de comando;
3.º Os administradores de distrito, chefes de posto administrativo ou presidentes de
conselhos executivos de localidades, onde não haja oficiais da polícia com funções
de comando.

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d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei não a permite. Vide artigos 286,
287, 288, 291 e 292, todos do CPP.

No requerimento termina pedindo que o detido seja imediatamente apresentado em juízo


para se seguir os trâmites legais previstos nos artigos 253 e seguintes do CPP e no fim
assina.

Com esta providência de carácter extraordinário conforme acabamos de expor, o cidadão


só recorre-se a ela quando os meios normais da autoridade competente para garantir a
liberdade individual tornam-se ineficazes.

Com habeas corpus o cidadão não obtém um processo pelo qual se pode reparar os danos
causados aos direitos individuais que tenham sido ofendidos nem constitui o meio de
repressão do autor da infracção cometida.

O Habeas corpus é sim um meio de protecção da liberdade individual em caso de não haver
um outro meio legal que permite eficazmente fazer cessar a ofensa ilegítima da liberdade
cujo exercício se acha obstruída.

230

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