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Lições sumárias de

Direito Constitucional moçambicano

Por: Doutor António Salomão Chipanga, PhD, Professor de Ciência Política, Direito
Constitucional, Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Direito do Contencioso
Constitucional e Eleitoral e de História de Direito Moçambicano.

Apontamentos sumários destinados aos estudantes do Curso de Direito, na disciplina


de Direito Constitucional

Tema: A NACIONALIDADE

A matéria de que versa o tema em estudo que nos propomos desenvolver nestas lições
sumárias é referente a nacionalidade, direito que tem a sua sede legal no título II da
Constituição da República de Moçambique (CRM), do artigo 23 ao artigo 34.

Trata-se de uma matéria privilegiada depois dos princípios fundamentais da República,


ocupando o primeiro plano na ordem constitucional, devido a sua importância na ordem
estatal e insere-se no quadro dos direitos fundamentais, sendo, por isso, considerada
matéria fundamental à luz do regime jurídico-constitucional moçambicano, com quatro
capítulos, um sobre a nacionalidade originária, do artigo 23 a 25, o segundo sobre a
nacionalidade adquirida, do artigo 26 a 30, o terceiro estabelece a matéria relativa a perda e
reaquisição da nacionalidade, artigo 31 a 32 e o último trata da prevalência da
nacionalidade moçambicana no ordenamento jurídico nacional, artigo 33 e 34.

A matéria sobre a nacionalidade é de ordem pública e se situa no plano constitucional,


sendo assim uma reserva exclusiva do legislador constituinte proceder qualquer revisão
sobre o seu conteúdo.

A nacionalidade é o vínculo jurídico entre o indivíduo e o Estado de que é nacional, sendo


o nacional o substrato humano do Estado, constituindo assim matéria de domínio do
Direito Público, pese embora haja forte interferência na referida relação do Direito Privado,
quando se trata da dependência da manifesta vontade do indivíduo em ser ou não cidadão
do Estado, sempre que haja o surgimento do vínculo jurídico, por casamento, adopção ou
filiação que são figuras eminentemente do Direito privado e muitas vezes objecto de
regulamentação em Código Civil em algumas ordens jurídicas.

A Constituição da República de Moçambique de 2004, no regime que veio estabelecer dá


maior relevo a vontade do indivíduo, quer na atribuição, quer na perda ou reaquisição da
nacionalidade, mas não deixa de reconhecer a constitucionalidade da matéria e a
importância que reserva demonstrada pelo facto de constituir o Titulo II da Constituição
depois dos princípios fundamentais da República.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 2
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
Apontamentos destinados aos estudantes do curso de Direito

A cidadania que se apresenta como sendo um status é um direito pessoal que está ligado a
nacionalidade do indivíduo e decorre directa e imediatamente da referida nacionalidade,
sendo assim, uma qualidade que se manifesta através da pertença do indivíduo a uma
comunidade politica de que é cidadão, sendo deste entendimento, um bem jurídico de
primeira grandeza, corolário da dignidade da pessoa humana e daí um direito fundamental
de que advém direitos políticos, civis, económicos e culturais.

Com base neste entendimento a privação de cidadania só pode ocorrer nos casos e nos
termos previstos na Constituição e nas demais leis da República e nunca pode ter como
fundamento, motivos de ordem política e nem pode estar sujeito a suspensão1, conforme se
determina no artigo 294, da CRM.

O relevo que se atribui a pessoa humana revela de sobremaneira a importância que se


atribui ao povo do que do território físico, em que sem a massa humana não passa de um
deserto. Por conseguinte, o povo que constitui o primeiro elemento do Estado não é
equiparado ao requisito humano da criação de uma fundação ou de uma sociedade ou outra
pessoa colectiva que para a sua constituição requer que haja pessoa física.

O povo cuja nacionalidade é do Estado de que é nacional não determina a própria


substância da pessoa humana estadual, mas sim delimita o conjunto dos indivíduos que
potencialmente são a sua massa humana e que dá a existência jurídica e internacional do
Estado.

No estudo sobre o Estado, na ciência política, recorrendo às lições do Professor Marcello


Caetano2, Estado, entende este doutrinário como sendo “um povo fixado num território, de
que é senhor, e que dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria,
órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a respectiva
execução”3.

Diogo Freitas do Amaral4, aceita a definição do Professor Marcello Caetano, porém julga
que requer contudo algum aperfeiçamento, tal que nos apresenta a seguinte definição:
Estado é a comunidade constituída por um povo que, a fim de realizar os seus ideais de
segurança, justiça e bem-estar, se assenhoreia de um território e nele institui, por autoridade
própria, o poder de dirigir os destinos nacionais e impor as normas necessárias à vida
colectiva.”

1
Nos termos previstos no artigo 72, da CRM.
2
Baseando-se na linha de George Jellinek, Teoria General del Estado, trad. Buenes Aires, Albatros, 1981, p.
133 e p.s 295 e seg., em especial a síntese “ O Estado é a unidade de associação dotada originariamente de um
poder de dominação, e formada por homens instalados num território”
3
Caetano, 1996, p. 122.
4
Amaral, Diogo Freitas do, 1984, Estado, in Polis - Enciclopédia, Verbo da Sociedade e do Estado, Vol.
II, Lisboa, Verbo, p. 1127 e 1128.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 3
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
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Na esteira do Professor Diogo Freitas do Amaral, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa5,


define o Estado como sendo “um povo fixado num determinado território que institui por
autoridade própria, dentro desse território, um poder político relativamente autónomo."

O Estado é, assim, uma comunidade políticamente organizada, fixa em determinado território,


que lhe é privativo e tendo como características a soberania e a independência6.

O Estado de que nos referimos é o Estado moderno que surge na Europa sobre as ruínas do
feudalismo.

Entendemos que a definição mais adequada para o nosso estudo é aquela em que o Estado
seja coberta por uma proclamação formal pela qual se reconhece a existência de uma massa
humana, o povo, localizado num determinado espaço fisico territorial e o referido povo
organiza-se políticamente fazendo surgir o poder constituinte por via do qual institui um
poder político próprio, cujo exercício se acha limitado na área circunscrita ao território de
que é Senhor com a finalidade de nele prossguir fins de interesse próprio da comunidade.

No presente estudo preferimos adoptar a definição do Prof. Marcello Caetano por conter a
delimitação do conceito jurídico do Estado por recurso a estes três elementos fundamentais
ou condições da sua existência e por sinal os mais difundidos no tema ora em abordagem e
na generalidade da doutrina dominante.

Neste sentido, realçamos a lição do Professor Jorge Miranda7, nos seguintes termos
"Elementos do Estado tanto podem ser elementos constitutivos ou componentes do Estado,
definidores do seu conceito ou da sua essência, quanto condições ou manifestações da sua
existência. No primeiro sentido, na essência do Estado, pelo menos, abrangem˗se um povo,
um território e um poder político (ainda que possam abranger˗se outros elementos).

No segundo, para existir Estado, tem de haver um povo, um território e um poder político,
sem com isso se aceitar, necessariamente, a recondução a eles da estrutura do Estado.

Antes de nos debruçarmos profundamente sobre o regime jurídico atinente à nacionalidade,


isto é, sobre a relação entre o cidadão e o Estado, vamos sucintamente falar dos seguintes
conceitos que se mostram ser relevantes para a compreensão do regime jurídico,
consagrado na Constituição da República e nas leis:

 Povo;
 População;
 Cidadão/cidadania;

5
Sousa, Marcelo Rebelo de, 1983, Direito Constitucional, I – Introdução à Teoria da Constituição, Braga,
Livraria Cruz, p. 108.
6
Alves, Maria Manuela Magalhães Silva Dora Resende, 2000, Noções de Direito Constitucional e Ciência
Política, Rei dos Livros, p. 202.
7
Ibidem, Miranda, Tomo III, p. 28 e 29.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 4
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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 Nação/nacionalidade;
 Pátria/patriota.

Um dos elementos essenciais da existência de qualquer Estado do mundo moderno é o


Povo8 que se constitui de pessoas físicas dotadas de corpo e alma (natural) e destinatários
permanentes da ordem jurídica estatal ao qual são súbitos, unidos e obedientes às leis do
Estado, sendo considerado para a maioria da doutrina o primeiro elemento do Estado,
sendo o segundo o território físico onde se situa o povo.

Desta feita, Povo é a massa humana que habita o território de que é Senhor. O povo é o
destinatário directo, imediato e permanente da Ordem jurídica Estatal.

O povo é o elemento primário que justifica e determina a existência do Estado sem o qual
não temos a presença jurídica do Estado no conceito universal, é a partir do povo que a
relação jurídica estatal se constitui sob forma de Nacionalidade.

É a partir da nacionalidade que o vínculo jurídico liga o indivíduo que seja nacional do
Estado por ter nascido naquele território do Estado oi ser descendente de ambos ou de um
dos nacionais do Estado que se adquiri a qualidade de cidadão, daquele Estado.

É da qualidade de nacional que se adquire direitos, liberdades e garantias fundamentais


bem como deveres em relação ao Estado de que o indivíduo é nacional.

Jorge Miranda – Rui Medeiros9 ensinam-nos que “O conceito de povo não se confunde com
o de sociedade ou de sociedade civil. O povo é uno e definido juridicamente. A sociedade é
complexa, diversificada, plural, repartida por grupos, associações, organizações,
instituições, por vezes com interesses antagónicos.

O povo, enquanto conjunto ou universalidade dos cidadãos, é o titular do poder (…) e


exerce-o, basicamente, por via do sufrágio (artigo (…). A sociedade adquire relevância
política através da democracia participativa (…) e da colaboração com o Estado na
efectivação de direitos económicos, sociais e culturais (…).”

A pessoa física a que nos referimos é um ser humano dotado de corpo e alma e sujeito de
direitos e deveres na sua comunidade estadual e que constitui a razão de ser do Estado e da
comunidade. A pessoa física é um indivíduo que goza de direitos e está sujeito a certo
dever ou tem um conjunto de deveres em relação a comunidade onde está inserido.

8
Conjunto de indivíduos que se encontram ligados ao Estado pelo vínculo de nacionalidade ou cidadania.
9
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Geral, Preambulo artigos 1.˚ a 79.˚, Coimbra Editora,
2005.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 5
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
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A pessoa física é um ser social cuja existência só pode ocorrer numa comunidade social
onde está sujeito a normas que determinam a sua conduta fora das quais não tem existência
social nem jurídica.

Para Hans Kelsen10, “Um segundo “elemento” do Estado, segundo a teoria tradicional, é o
povo, isto é, os seres humanos que residem dentro do território do Estado. Eles são
considerados uma unidade. Assim, como Estado tem apenas um território, ele tem apenas
um povo, e, como a unidade território é jurídica e não natural, assim, o é a unidade do
povo. Ele é constituído pela unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja
conduta é regulamentada pela ordem jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de
validade dessa ordem. Exactamente como a esfera pessoal de validade da ordem jurídica
nacional é limitada, assim também o é a esfera pessoal. Um indivíduo pertence ao povo de
um dado Estado se estiver incluído na esfera pessoal de validade de sua ordem jurídica.
Assim como todo o Estado contemporâneo abrange apenas uma parte do espaço, ele
também compreende apenas uma parte da humanidade. E, assim como a esfera territorial
de validade da ordem jurídica nacional é determinada pelo Direito internacional, assim, o
é a sua esfera pessoal.”

Porém, nem todas as pessoas que vivem ou que tenham uma relação jurídica com um certo
território sob o controlo do poder político constituem o substrato humano com o qual o
Estado tem um vínculo jurídico permanente e indissociável.

O vínculo jurídico estabelece-se apenas com os indivíduos que estão sujeitos às normas
gerais que são fixadas pelos órgãos competentes do poder político.

O legislador constituinte material e formal de cada um dos Estados com base em elementos
objectivos que respeitam as normas de Direito Internacional, define e fixa em diplomas
legais os critérios que o permite identificar quais dentre os cidadãos que residem no
território do Estado de que é Senhor são nacionais e por contraposição quais aqueles são
estrangeiros em face dos nacionais.

O conceito de povo não tem sido unanime na doutrina relevante e, por isso, a nossa
concepção pode não ser acolhida em outros regimes políticos e assim, o concieto de povo
pode exprimir outro conteúdo diverso a que nós defendemos.

10
Teoria Geral do Direito e do Estado, Martins Fontes, São Paulo, 2005, página 334.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 6
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A título de exemplo o termo povo pode exprimir um sentido que qualifica as pessoas,
conforme a actividade económica que realiza, concepção ideológica que defende, a
posição política que ocupa na goverNação11 e na sociedade ou condições de vida que
possui e nesta esteira povo são as pessoas que pertencem a classe dos trabalhadores, os
mais desfavorecidos da sociedade, os que não fazem parte da linha de goverNação ou da
chamada alta sociedade e os que não são membros das forças da defesa e segurança do
Estado.

As leis do Estado dirigem-se em primeiro lugar aos nacionais, ao povo e, só a este o Estado
confere direitos políticos, económicos, sociais e culturais, garante-lhe a protecção e a
jurisdição da justiça e em troca exige o cumprimento de certos deveres fundamentais, tais
como os de obediência a ordem estituída, artigo 38, da CRM, o de fidelidade, lealidade e o
de exercer cargos públicos e cumprimento de serviço militar para a defesa da soberania,
conforme o previsto nos artigos 30, 39, 44 e 46, da CRM.

A pertença ao Estado confere ao cidadão a qualidade de nacional e garante a este o direito


de em nenhuma circunstância ou crime cometido possa ser expulso ou extradidato do
território nacional moçambicano, tal como se garante no artigo 67, n.º 4, da Constituição da
República.

A existência real e jurídica do Estado decorre da vontade política do seu respectivo povo
elemento imprescindível do domínio e do Estado, cabendo a cada membro da comunidade
política prestar a devida contribuição material, sob forma de imposto e de outras formas de
prestação da cidadania activa, conforme se dispõe no artigo 45, da CRM.

11
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Estrutura Constitucional do Estado, 3.ª edic.,
Coimbra Editora, 1996, página 56. – “O que importa sublinhar é que a separação entre governantes e
governados deve ser compreendida não como uma abissal separação de pessoas, mas como uma necessária
separação de funções. Não se trata de qualidades inatas às pessoas, trata-se de funções voltadas para a
prossecução dos fins do Estado. Só há governantes em razão das normas jurídicas.
Os governantes fazem tanto parte do povo como os governados. Têm de ser cidadãos do país, têm de vir do
povo – seja qual for a sua condição social e sejam quais forem as formas de designação. Se pode dizer-se que
encarnam o Estado-poder, já não pode pretender-se que só os governados forme o Estado-comunidade.
Cidadãos como eles, recrutados entre eles, os governantes não podem deixar de viver e conviver com os
governados e de se integrar também, no Estado-comunidade.
A condição jurídica dos governantes é dupla. Como governantes têm um estatuto ditado pela Constituição.
Como cidadãos são iguais aos outros cidadãos, e em tudo aquilo que não disser respeito ao exercício dos seus
cargos, em tudo aquilo que não for actividade funcional, mas apenas pessoal, estão sujeitos às normas comuns
de Direito Criminal e de Direito privado, de Direito Administrativo e de Direito Tributário. Ponto está, por
consequência, em discernir em evitar que eventuais imunidades e regalias funcionais se convertam em
garantias e privilégios pessoais.”
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 7
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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O vínculo jurídico que liga os indivíduos de um certo território a uma comunidade política
organizada – Estado, objecto da presente lição denomina-se nacionalidade12. É uma
qualidade a que corresponde certos direitos e certas obrigações para com os outros
nacionais e para com a própria colectividade, artigo 38, 39, 44, 45 e 46, todos da CRM.

A nacionalidade sendo um vínculo jurídico-político que transforma o indivíduo em


cidadão de um Estado ou membro duma comunidade política é, por um lado, um factor de
identidade e, por outro, um factor de diferenciação, pois identifica os indivíduos que são
membros duma mesma comunidade política em contraposição com os que o não são em
virtude de pertencerem a outras comunidades semelhantes, isto é, a outro Estado.

Os nacionais de um determinado Estado estão sujeitos às normas jurídicas definidas pelos


órgãos competentes desse mesmo Estado e beneficiam-se dos direitos que a Constituição e
as leis ordinárias prescrevem para os cidadãos nacionais, artigo 35 e seguintes da CRM.

Figuras afins do termo povo

É importante notar que a expressão “povo” não se confunde com outras expressões afins,
como seja: Nação, população e pátria, termos em relação aos quais nos propomos discernir
por forma a distinguir este com o conceito de povo.

O termo nacional ou nacionalidade leva-nos de imediato ao conceito de Nação, dai que se


diz que os nacionais de um Estado identificam-se com a respectiva Nação, facto que nem
sempre corresponde a realidade jurídica como teremos a ocasião de entender nestas lições
sumárias de Direito Constitucional moçambicano.

Nação é expressão de uma cultura e é constituída por um conjunto de pessoas que se


identificam com o território de que são Senhores, ligadas por vínculo espiritual e cultural a
esse território, que por um lado unem essas pessoas e por outro constituem factores de
diferenciação em relação a outras comunidades nacionais ou com outras Nações
estrangeiras.

12
Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997,
página 104 – “A nacionalidade é um estatuto jurídico ao qual o direito estatal associa direitos e deveres
específicos reciprocamente relacionados e que exprimem uma vinculação ao destino político de um Estado.
Neste sentido, na democracia, os direitos do cidadão são reservados, tradicionalmente, aos nacionais; isto é, a
capacidade de participar na vida do Estado através do direito de sufrágio activo e passivo, através do direito
de voto e através de exercício de cargos públicos; numa palavra: a cidadania activa, o estatuto do cidadão, o
statuts activus. – Pelo contrário, no caso dos direitos de liberdade (no statuts negativus), o estatuto jurídico
especial dos nacionais revela-se essencialmente apenas na distinção entre direitos do Homem e direitos do
cidadão. Os direitos fundamentais quando formulados como direitos do Homem serão válidos para todos. Os
direitos do cidadão aproveitam apenas aos nacionais e aos indivíduos que lhes forem equiparados.”
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 8
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
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Estado precede a Nação, isto é, é da Nação que se forma o Estado, dai que se justifica que
entre o conceito de Nação e de Estado seja mais difícil identificar a separação ou a
distinção.

A Nação é a reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, que falam o mesmo
idioma e tem os mesmos usos e costumes, que por sua vez, formam, um povo que é uma
massa demográfica unificada, sob forma de uma comunidade politicamente organizada e
assente numa ideia política.

Uma Nação se mantém unida pelos hábitos, tradições, religião, língua, consciência nacional
e sentimento de pertença ao grupo com o qual se identifica.

Os elementos território, língua, religião, costumes e tradição, por si sós, não constituem o
carácter de uma Nação.

O elemento essencial na diferenciação entre Povo e Nação é sobretudo o elemento


espiritual e cultural que caracteriza a Nação, enquanto que Povo a principal característica é
a nacionalidade independentemente do elemento espiritual cultural. No Povo não
encontramos estes factores de ordem moral, mas sim os de ordem jurídico, o vínculo que
liga o indivíduo com o território do Estado.

A Nação é uma comunidade histórica de cultura, mas não é qualquer comunidade cultural,
mas sim uma comunidade de cultura com vocação ou aspiração a comunidade política.

No sentido histórico-cultural, “Pertencem à mesma Nação todos os indivíduos que


comungam determinado conjunto de princípios e valores e que assumem o mesmo ideal de
devir colectivo13”.

A Nação é pois uma realidade que se formou no passado, se consolidou no presente e se


projecta no futuro.

Neste sentido, Nação é o elemento humano ou pessoal do Estado, que por conseguinte
revela a pertença a uma Nação, que nem sempre corresponde a um Estado.

Ciência Política Direito Constitucional – Introdução à Teoria Geral do Estado. Ricardo Leite Pinto, José de
13

Matos Correia e Fernando Roboredo Seara, 2000, página 75 e 77.


Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 9
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Recorrendo as lições do Prof. Georges Burdeau14 os “... Estados que acabam de obter a
independência assediados por uma multidão de problemas, dos quais o menos que se pode
dizer é que são resolvidos com desigual felicidade. Ora, de todos estes problemas, o que é
fundamental é o problema nacional. Muito mais do que as suas dificuldades económicas,
muito mais que as das opções que devem ser feitas no plano internacional, e até muito mais
que as que se acham ligadas ao subdesenvolvimento, a dificuldade principal do Estado
novo é a que lhe levanta a estrutura e a delimitação do seu esteio nacional.

Em todos os países antigos, foi a Nação que fez o Estado; ele formou-se lentamente nos
espíritos e nas instituições unificados pelo sentimento nacional. No Estado novo, tal como
aparece no continente africano, é o Estado que deve fazer a Nação. Simplesmente, como o
Estado não pode nascer senão de um esforço nacional, o drama político fecha-se num
círculo vicioso. Que vemos então? Vemos os chefes, adeptos de um Estado que ainda não
existe e do qual colhem os traços no modelo efectivamente consumado noutro sítio,
esforçar-se por criar no seu pais as condições indispensáveis ao estabelecimento de um
poder estatal.”

No sentido jurídico15, a Nação é entendida como “um ser colectivo, indivisível titular da
soberania, composto pela universalidade dos nacionais”. Neste sentido, Estado e Nação
coincidem, a ponto de se poder falar em Estado-Nação, como sinónimo da íntima ligação
entre as duas realidades.

Por isso, um Estado fundar-se-ia sempre numa Nação e cada Nação corresponde a um
Estado.

O Professor Jorge Miranda16, sobre esta matéria ensina-nos o seguinte: “O específico da


Nação encontra-se no domínio do espiríto, da cultura, da subjectividade (embora de uma
subjectividade inter ou multi-individual). Ela é uma alma, um princípio espiritual, na
conhecidíssima definição de Renan; ou, como já dissemos, uma comunidade histórica de
cultura. Mas não se trata cultural desligado do político, trata-se do cultural que assume
dimensão política. Uma Nação não é qualquer grupo cultural, é uma comunidade cultural
com vocação ou aspiração a comunidade política.

14
“O Estado,” publicações Europa-América, Lisboa, 1981 pag. 41.
15
Ciência Política Direito Constitucional – Introdução à Teoria Geral do Estado. Ricardo Leite Pinto, José de
Matos Correia e Fernando Roboredo Seara, 2000, página 75 e 77.
16
Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Estrutura Constitucional do Estado, 3.ª edic., Coimbra Editora,
1996, página 61.
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Uma Nação funda-se, portanto, numa história comum, em atitudes e estilos de vida, em
maneiras de estar na natureza e no mundo, em instituições comuns, numa consciência de
futuro (ou desígnio) a cumprir. Diferencia-se das demais pelos factores característicos que
lhe deram origem e que ficam a marcar o seu destino. Estes factores são extremamente
variáveis: há nações que parecem vinculadas a factores linguísticos, outras a étnicos, ou
religiosos, ou geográficos ou institucionais.

De acordo com os factores prevalecentes, diversos se manifestam os sentimentos


nacionais.”

Nação moçambicana

A Frente de Libertação de Moçambique, a FRELIMO desde que se constitui em 25 de


Junho de 1962, a sua luta foi e é a luta contra o colonialismo português e contra todas as
suas formas de manifestação e opressão.

Das formas de manifestação da dominação colonial citemos o regionalismo, o tribalismo, o


racismo e todas as demais formas usadas para dividir, humilhar e oprimir o povo contra o
próprio povo. As comunidades moçambicanas, de origem bantu, caracterizadas pela
diversidade cultural assente na língua, nos valores e nos usos e costumes culturais diversos,
têm de comum desde a penetração portuguesa ao território que hoje constitui o Estado
moçambicano, a potencia colonizadora, o colonialismo português, que na sua
administração colonial visando impor o seu domínio sobre o Homem e a sua terra, agiu da
mesma forma em todas as comunidades moçambicanas, oprimindo, humilhando e
escravizando o povo ao qual o submeteu a sua cultura, aos seus valores, a sua língua, a sua
administração e ao seu poder político.

A colonização portuguesa ofereceu as comunidades moçambicanas um projecto comum


desenvolvido e consolidado na sua luta contra a penetração e domínio colonial e na luta de
libertação nacional que ensinou a todas as comunidades moçambicanas que só a unidade e
a coesão seria possível vencer o colonialismo e recuperar a soberania da dominação
colonial portuguesa.

Por conseguinte, a luta de libertação nacional desenvolvida pelo povo moçambicano, sob a
direcção da FRELIMO sementou a unidade nacional como principal factor e definiu o
racismo, o regionalismo, o tribalismo ou qualquer outra forma de descriminação ou
divisionismo na base da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau
de instrução, posição social, condição física ou mental, estado civil dos pais, profissão ou
opção política como principais inimigos do povo moçambicano, isto é, por todos aqueles
indivíduos que são cidadãos moçambicanos.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 11
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A Nação funda-se numa comunidade que comunga os mesmos sentimentos, o mesmo


projecto de desenvolvimento, a mesma religião, língua, raça, usos e costumes e mesmos
valores da vida em comum.

O nosso Moçambique, desde que foi proclamado Estado independente17 em 25 de Junho de


1975, fruto da vitória política e militar secular sobre o regime colonial português, continua
até a presente data a lutar por um Estado que correspondente a diversidade etno-cultural,
que vivendo na diversidade seja um só País, uma só Nação e um só Estado moçambicano
com os mesmos objectivos, tal como se dispõe nos artigos 11, 35, 39 e 250, n.º 1, todos da
CRM.

Coincidência entre Estado e Nação

A luta que todos os povos do mundo desenvolvem, particularmente os Estados africanos


recém independentes das respectivas potenciais coloniais é fazer do Estado a sua Nação,
mas isso será conseguido quando a plenitude dos cidadãos do Estado assumirem na sua
maioria, a mesma causa e mesmo fim, o que só será conseguido, através da consolidação da
independência, da unidade nacional, da coesão, da elaboração conjunta e compromisso em
relação ao mesmo projecto de vida e de desenvolvimento espiritual, político, económico e
sócio-cultural, através de trabalho árduo na exploração dos recursos naturais que a terra
lhes proporciona a bem do respectivo povo.

Por conseguinte, nesses Estados não há infelizmente a coincidência entre Estado e Nação,
constituindo esse desejo uma meta e desafio a ser alcança a médio e longo prazo.

O que actualmente caracteriza os Estados africanos são as lutas tribais, regionalistas e etno-
linguista pela posse do poder político para a partir deste alcançar o poder económico,
sobretudo o acesso aos recursos naturais em benefício de uma minoria dominante do
Estado, deixando o essencial que é o desenvolvimento do País e do seu respectivo povo.

Diferença entre Estado e Nação

A diferença entre Estado e Nação envolve a escala que esses dois termos alcançam.

O Estado é uma instituição pública que, mesmo sendo formado pela sociedade em geral,
compõe um âmbito jurídico e formal em que os cidadãos independentemente da sua cor,
raça, valores culturais, tradições, usos e costume, sentimentos, projectos e outros, se acham
vinculados, através da nacionalidade do referido Estado, enquanto Nação constitui-se de

17
Decorrente da afirmação do povo moçambicano na comunidade internacional sob a direcção da FRELIMO,
movimento político e armado do povo e da aplicação directa e imediata do direito dos povos à
autodeterminação à independência e ao auto-governo, consagrado na carta da ONU, nos artigos 1.º, 55, 73 e
76.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 12
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uma comunidade com valores, costumes, usos, tradições, religião, língua, raça, sentimentos
e projectos próprios dos membros da respectiva comunidade e é algo que se coloca acima
da vontade dos Homens que integram a referida comunidade cultural e política.

Por conseguinte, o Estado é uma criação dos Homens e resultada da vontade expressa
destes, sendo, por isso, mais abrangente por ser multirracial e integrar no seu seio as
comunidades diversificadas que correspondem a Nação.

Um outro conceito que importa referir ainda que seja sucintamente é o da Pátria.

Os conceitos de Nação e de pátria coincidem, no essencial, mas a Nação é um conceito


cultural e espiritual, acompanhado de vivências dominantes e afectivas, de carinho e de
amor que o indivíduo tem em relação ao território onde tenha nascido, crescido ou se tenha
desenvolvido ou ainda o local onde os seus progenitores tenham lá nascidos, crescidos ou
se desenvolvidos.

A pátria pertence na sua totalidade ao domínio da afectividade e ao sentimenro de amor ao


território do Estado onde nasceu ou tem laços umbilicais ou de vivência. O indivíduo que
manifesta este sentimento diz-se patriota e quem não possui considera-se anti-patriota ou
não patriota.

Na Nação realça-se, ainda sobretudo, o elemento pessoal e a ideia de uma comunidade


transtemporal.

A pátria tem de ser vista em relação ao território concreto e exprime o vínculo efectivo, o
sentimento de amor com o seu território. (pátria é a terra dos pais, trata-se da pátria amada,
a terra dos progenitores, o meu país ou a terra dos meus antepassados). Trata-se de um
sentimento que o cidadão tem pela sua terra onde nasceu e deixou ficar o seu cordão
umbilical, que por carregar estes valores históricos-culturais merece do cidadão um amor
especial, razão pela qual se dispõe moral ou materialmente a proteger e a defender de todos
os ataques inimigos e tudo que está ao seu alcance faz para preservar e manter o que
sempre houve, aceitando apenas o seu melhoramento.

Na esteira deste sentimento, temos vindo a conhecer associações criadas pelos cidadãos,
com as seguintes denominações: associações dos naturais de Sofala, de Buzi, dos naturais e
amigos da Zambézia, de Chibuto, de Marracuene, etc.
Nestas associações vemos com muita clareza o vínculo espiritual e sentimental que liga o
cidadão com o território que o viu nascer ou a crescer.
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O sentimento patriótico comungado por todos os cidadãos que tem ligação umbilical,
espiritual ou outra forma que sentimentalmente o liga a terra pátria é um factor primordial
de união independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento,
religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão, opção política,
hábitos, tradições, língua, consciência nacional ou qualquer sentimento de pertença ao
grupo com o qual se identifica,

O patriotismo não tem cor, raça, língua, lugar de nascimento, religião nem partido político.
Tem sim o bem comum que é a terra onde nasceu ou lhe viu a crescer.

A ausência deste sentimento manifesta, em princípio, uma falta de patriotismo, o afecto a


terra, isto é, ao território. Porém, o amor a pátria não implica necessariamente que seja
nacional da referida terra. Pode ser terra dos seus progenitores ou dos seus antepassados ou
ainda terra adoptiva.

Finalmente, quanto ao termo população dir-se-á que é um conceito económico-


demografico e estatístico de natureza fáctica, que designa o conjunto de pessoas residentes
em dado território ou que se encontram no território de um determinado Estado,
independentemente de serem nacionais, estrangeiros ou apátridas.

Enquanto o conceito de povo se situa no domínio político daí ser um conceito de ordem
constitucional de que decorre direitos e deveres tal como vimos.

População é um conceito de ordem económica-geográfica que se situa na estatística da


demografia e é de natureza fáctica.

População compreende todos os cidadãos independentemente da nacionalidade que possui,


que habita num determinado espaço territorial.

Ex.: Considerando o Estado moçambicano:

a) Considera-se povo todos os cidadãos que tenham a nacionalidade moçambicana e para a


sua identificação são portadores do bilhete de identidade (B.I), que o qualifica de nacional
do Estado moçambicano e goza de plenos direitos políticos, económicos, sociais e
culturais.

b) População: são todos os cidadãos que habitam num determinado local que sejam de
várias nacionalidades ou não, portadores de Bilhete de identidade moçambicana, sendo
nacionais ou passaporte e ou documento de identificação de residência do estrangeiro
(DIRE) sendo estrangeiro.
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Na população tanto estão inclusos os nacionais, o povo como os cidadãos de nacionalidade


estrangeira residentes no território concreto, sendo elemento relevante a quantidade das
pessoas que residem no local para efeitos diversos sobretudo da determinação das pessoas
para estudos de viabilidade económica, construção de infra-estruturas socio-económicas e
outros.

O conceito de população traduz-nos a soma do agregado populacional existente num certo


espaço físico geográfico.

Hoje em dia, em toda a parte se acham presentes nacionais do Estado e cidadãos


estrangeiros que por motivos vários se deslocam dos seus territórios nacionais para outras
terras pertencentes a outros Estados, sendo de destacar, no domínio político, missão
diplomática ou consular ou motivos de ordem política que leva o cidadão nacional a
abandonar sua terra natal para outro em virtude de não se conformar com o regime político
no poder, tornando-se cidadão estrangeiro com estatuto de refugiado, artigo 20, da CRM.

No domínio social são de destacar os casamentos entre pessoas de nacionalidade diferente,


adopção, filiação ou continuação de estudos escolares ou formação profissional e no
domínio económico, a emigração a procura de melhor emprego ou actividade comercial.

Povo é um conceito jurídico-político que designa o conjunto dos cidadãos de um Estado,


estejam ou não a residir no território nacional, vide artigo 55, da CRM.

É um conceito que é composto apenas e exclusivamente pelos cidadãos nacionais


(residentes no território nacional e ou no estrangeiro) a população abrange todos os
indivíduos residentes (habitual ou temporariamente) no território nacional (nacionais,
estrangeiros e apátridas), e exclui os nacionais não residentes.
O conceito de povo18 traduz-nos o elemento humano do Estado e liga-se o de cidadania,
como qualidade do cidadão, ao qual se espera pela sua participação na escolha dos
governantes, através do sufrágio universal, desempenho de funções em cargos públicos e
ao cumprimento dos deveres fundamentais da defesa da soberania das agressões inimigas.

18
Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997,
página 94, - “Pode designar-se como povo em sentido sociológico a totalidade de indivíduos que se sente
ligadas por um sentimento de afinidade nacional, que, por seu turno, está fundada numa pluralidade de
factores, p. ex., o parentesco rácico, a cultura comum (especialmente da língua e da religião), e o destino
político comum.
Analisada com mais atenção, a solidariedade nacional revela-se como fenómeno extremamente complexo e
problemático. Não existe, ao que parece, uma única afinidade nacional, pura e simplesmente, mas apenas
variadas combinações de afinidade que diferem grandemente quanto ao seu grau e seu conteúdo. Um homem
pode sentir-se ligado a um outro pela língua e pela religião comum, a um segundo pelo parentesco familiar e
pela pátria comum, a um terceiro pela profissão e pelos mesmos interesses económicos e espirituais e
finalmente, ainda a outro pelo destino político comum. Qualquer uma das combinações destes factores parece
exprimir aquilo que se designa leviamente por “sentimento nacional”, do qual, no entanto, existem, na
verdade, variantes muito diferentes consoante os seus componentes e a sua intensidade.”
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Cidadania significa ainda, a participação do cidadão em Estado democrático no sentido de


que em princípio, cidadania é condição sine qua non para o gozo dos direitos políticos, ou
seja, em princípio só os cidadãos nacionais gozam de direitos políticos, nomeadamente o
direito de sufrágio, o direito de acesso a certos cargos públicos. Os estrangeiros,
excepcionalmente, podem exercer os direitos desta natureza.

Em Estados modernos, a participação dos cidadãos nacionais na vida política nacional não
fica refém do momento da realização do sufrágio eleitoral, momento em que todos os
cidadãos nacionais são chamados a exercer o seu direito de voto ou de ser votado.

Os cidadãos nacionais são participantes activos na vida política do Estado. Eles participam
na vida pública, através da emissão livre da opinião pública que por diversas vias
manifestam, artigo 45 e 44, todos da CRM e influênciam indirectamente os orgãos com
poderes de decisão política governamental e gozam dos direitos de manifestação e de
reunião, de associação e de constituir, participar e aderir a partidos políticos, conforme os
artigos 51, 52, 53 e 73, todos da CRM.

Os estrangeiros estão em princípio vinculados transitoriamente e precariamente ao Direito


interno e o seu estatuto tem a sua protecção no Direito Internacional Público, na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos19.

Em conformidade com os referidos instrumentos internacionais, podem ser identificados as


seguintes regras consensuais:

 os estrangeiros (e os apátridas) devem ter uma condição jurídica compatível com a


dignidade20 da pessoa humana e usufruir dos direitos que dai decorrem;

 os estrangeiros e apátridas podem, em princípio, não gozar de direitos políticos no


pais onde se encontram.

O conceito de cidadão é diferente de nacionalidade, porquanto,

19
Resolução n.º 5/91, de 12 de Dezembro, Ratifica o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de Dezembro de 1966, publicado no BR n.º 50,
Supl. de 12 de Dezembro de 1991;
20
Consiste em considerar a pessoa humana como o fim supremo do Estado e do Direito, sendo este o critério
de fundamentação do Direito em geral e dos direitos fundamentais em particular.
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Cidadãos “são os membros do Estado, da Civitas, os destinatários da ordem jurídica


estatal, os sujeitos e os súbditos do poder”21. O Prof. Jorge Miranda prosseguindo com as
suas lições ensina-nos que “As leis do Estado são pensadas e editadas para os membros da
comunidade política, tendo em conta as suas experiências e os seus projectos comuns e os
circunstancialismos concretos em que se encontram;”22.

O Estado só pode dar força executória e sancionatória às leis que decreta no seu território.

Cidadão: São os sujeitos do Direito traduzido sob forma de leis do Estado a quem cabe o
dever de obediência a tais leis e de prestar ao Estado a que vinculado o dever de participar
na vida civil e democrática, ou seja, a palavra cidadão abrange todos os sujeitos de Direito
nomeadamente: os que integram o conceito de povo e o conceito de população e a ambos
se impõe o dever de cidadania, artigo 45 e 44, ambos da CRM.

A palavra cidadão é abrangente tanto se refere ao nacional como o estrangeiro.

Nacionalidade: É da Nação que decorre, a nacionalidade que é um termo com extensão


maior que cidadania, trata-se do vínculo jurídico, político que transforma o indivíduo em
cidadão de um Estado, insere-o na comunidade política desse mesmo Estado sendo assim
um factor de diferenciação entre o cidadão nacional do cidadão estrangeiro, mas ambos tem
o dever para com o Estado que é a cidadania que impõe o cumprimento dos seus deveres
para com o Estado tal como consta do artigo 45 e 44 da CRM.

Ainda sobre a nacionalidade importa referir que a nacionalidade não só se atribuí as


pessoas física, isto é, as dotadas de corpo e alma (vida), como também se atribuí a
nacionalidade a pessoas colectivas do tipo sociedade comercial, partidos políticos,
associações religiosas, associações civis, aeronaves e navios ou embarcações.

Nacionalidade é a pertença a um Estado, território, onde se acha registrado a sua existência


jurídica.

Por conseguinte, é um termo com extensão maior do que o conceito de cidadania:


nacionalidade tal como já nos referimos têm as pessoas físicas e pode ser ainda atribuída a
coisas tais como navios, aeronaves, sociedades comerciais e associações. A empresa X, é
de nacionalidade Francesa, o banco tal é Sul-africana, etc. etc., “…mas cidadania só
possuem as pessoas singulares”23.

Desta identidade decorre a nacionalidade ou cidadania que distingue os cidadãos de um


país em relação aos outros e que acompanha o indivíduo onde quer que se encontre.

21
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 3.ª edic. Coimbra, 1996, pag. 92.
22
Idem, Jorge Miranda, página 91.
23
Idem, Jorge Miranda, página 93.
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Portanto, a nacionalidade é o vínculo jurídico que une o nacional com o Estado. A


legislação moçambicana, no que se refere ao cidadão quanto aos direitos, liberdades e
garantias não distingue o cidadão nacional do cidadão estrangeiro, pois à luz da Lei
Constitucional, todos têm iguais direitos e, na generalidade trata-os como pessoa jurídica e
deixa em aberto a identificação do conteúdo do conceito de cidadão, ao critério do
intérprete, tal como se pode notar das seguintes disposições jurídico-constitucionais: artigo
38, 39, 40, 41, 44, 45, 46, 48, 49, 51, 54, 55, 60, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, todos da
CRM.

Enquanto que o conceito de povo tem em consideração o sujeito a quem confere plenos
direitos e liberdades políticas consagradas na Constituição e nas Leis.
Pessoa jurídica é uma elaboração do Direito que visa garantir o gozo pleno dos Direitos por
parte da pessoa física que como tal individualmente não pode os gozar totalmente.
Assim, a pessoa jurídica é em primeiro plano a pessoa física natural e em segundo lugar a
pessoa colectiva.
A pessoa colectiva é constituída por pessoas físicas em número que a legislação ordinária
de cada país define agregada a um certo património e com fundamento na sua existência
jurídica decorrente da personalidade jurídica que possui goza por si próprio de direitos e
deveres distintos das pessoas que a compõe.
A pessoa colectiva goza dos direitos que a lei lhe confere através dos órgãos sociais que lhe
garantem o seu funcionamento.
São pessoas colectivas, as sociedades comerciais, as fundações, as associações, os partidos
políticos, as confissões religiosas.
No conjunto dos direitos que assiste a pessoa jurídica, a título de exemplo, a pessoa
colectiva, em virtude da sua natureza não ser pessoa natural, não pode beneficiar-se
plenamente dos direitos fixados no artigo 40, 36, 37, 47, 66 e outros, todos da CRM.
Depois de identificarmos as duas realidades, faz sentido equiparar o termo cidadão ou
nacionalidade e utilizá-los indistintamente, tal como o nosso legislador usa as duas
expressões, ciente do seu significado em cada caso do seu uso.

A nacionalidade pode ser vista sob duas perspectivas: perspectiva sociológica e perspectiva
jurídica.
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Na perspectiva sociológica a nacionalidade corresponde à Nação.

Segundo a importância a atribuir aos diversos factores é frequente distinguir-se a tese


objectiva e a tese subjectiva sobre a Nação. Ambas teses procuram explicar as razões e
factores da unicidade ou coesão de uma comunidade para a formação de uma colectividade
organizada que seja considerada Nação.

A tese objectiva afirma que a Nação como produto necessário de certos factores objectivos
tais como geografia (território), língua ou etnia, e a solidariedade fundada na comunidade
de raça e religião, o habitat, etc. são considerados elementos fundamentais que fortalecem na
consciência dos membros do grupo a coloração que os torna actuante e cultivam o
sentimento de unidade e a coesão social da comunidade.

Em contrapartida a tese subjectiva afirma que na formação da Nação se tem em conta ao


lado dos factores objectivos, os factores subjectivos que devem ser acrescidos como seja o
sentimento, pensamento colectivo que revela de uma forma muito generalizada as emoções
quotidianas e de forma mais elevada uma parcela do ideal que se vive como parte da
realidade, recordações vivida em comum, fisionomia moral peculiar diferente das demais
nações, hábitos, ideias, aspirações e as tradições, usos e costumes, são pois, um conjunto de
elementos psicológicos que caracterizam uma Nação e que se encontram nos próprios
indivíduos que compõem o grupo, sendo irrelevantes as diferenças que eventualmente possam
existir entre as pessoas do mesmo grupo.

De facto, a tese objectiva, com pretensões a cientifica, embora cientificamente essa teoria
nunca teve valor, na medida em que na humanidade não há actualmente raças puras, os
autores da tese sustentaram por muito tempo que a raça era o factor essencial ou o
fundamento para formar a Nação, porque tem no factor raça, isto é, para eles todos os
indivíduos da mesma raça constituiriam uma nacionalidade e assim levou muita gente a
pensar deste modo e foi o que justificou a consagração do espírito de raça eleita ou superior
as demais, que no passado fundamentou o surgimento de manifestações rácicas como a
superioridade ariana defendida por Adolfo Hitler na Alemanha Nazi e o apartheid na Africa
do Sul, facto que nos conduz imediatamente a discriminação dos cidadãos em razão da
raça,
 em que o culto rácico permite o extermínio de outras raças;
 há concessão de privilégios;
 concede-se oportunidades e direito a uns em detrimento de outros.

A lógica do discurso pode levar a sucessivas fragmentações étnicas de base cada vez mais
estreita e geradoras de conflitos entre grupos, cada um se exaltando e negando os outros.
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A geografia como elemento determinante na formação da Nação, tem-se revelado


insuficiente como se pode ver no caso da fracassada Senegâmbia (união geográfica entre o
Senegal e Gâmbia), por meio de um Acordo que estabelecia a união das instituições
públicas comuns e a integração das forças de defesa e segurança, de ambos Estados,
assinado em Banjul em 12 de Dezembro de 1981 criar com efeito a partir de 1 de Fevereiro
de 1982 uma Confederação de Estados com sede em Dakar, Os precursores desta ideia
julgavam à primeira vista que poderiam segundo um critério meramente físico constituir
uma Nação. A confederação foi dissolvida em 30 de Setembro de 1989, por divergências
entre os dois países.

O caso de Timor-Leste que foi objecto de uma invasão efectuada pela Indonésia em 1975,
antes da criação do respectivo Estado que se situa numa parte da ilha de um conjunto que
constitui a Indonésia e que, a despeito de tentativas forçadas de integração, persiste em
afirmar-se como Nação prova-o suficientemente.

Da mesma forma a solidariedade fundada na raça e na religião são insuficientes de per


si para formarem a Nação, quando está ausente o sentir e pensar colectivos e uma vivência
particular sedimentada pela organização e viver num quadro determinado. Basta para tal
recordar o caso da “Nação” árabe parece não o ser, a julgar pelos múltiplos conflitos inter-
árabes e a despeito de uma sólida comunhão de raça e religião.

Esse sentir colectivo prima factores objectivos que sem dúvida têm peso relevante na
formação das afinidades e solidariedades.

Basta pensar na emoção nacional que se sente ao ver flutuar em lugar remoto a Bandeira
Nacional, basta relembrar num plano mais quotidiano a explosão de alegria racional
perante o triunfo de uma equipa ou selecção nacional de futebol do Estado de que somos
nacionais.

De uma maneira geral pode-se afirmar que a formação da Nação é precedente à formação
do Estado e há vários factores que concorrem uns mais influentes que os outros.

O Prof. António José Fernandes24, defende que a permanência, por longo tempo, no mesmo
meio físico, no mesmo espaço geográfico, vai fazendo aparecer um tipo de indivíduos com
sinais e atributos próprios; o mesmo clima, alimentação e trabalho vão moldando a
fisionomia geral. Essa contiguidade, essa convivência determina costumes, sentimentos,
interesses semelhantes.

24
Introdução à Ciência Politica, Teorias, Métodos e Temáticas, Porto, pag. 83.
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Tudo isto, através do tempo, em que o grupo humano sofre as mesmas lutas, experimenta
as mesmas alegrias e sente as mesmas aspirações, produz uma comunidade cultural, um
modo de ser e de viver comum. É através da história comum a todos os membros do grupo,
a todas as gerações, que se vai formando esse parentesco sociocultural que caracteriza a
Nação”.

Nesta perspectiva a Nação funda-se numa história comum, em atitudes e estilos de vida, em
maneiras de estar na natureza e no mundo, em instituições comuns, numa ideia de futuro ou
desígnio colectivo a cumprir.

Por razões históricas que se prendem com o fenómeno colonial que interrompeu o processo
normal de formação das Nações em vários países do terceiro mundo, a formação do Estado
não se fez depois de acabado o processo de formação da Nação e vem assim a constituir um
dos factores mesmo da consolidação desta.

A Nação Moçambicana, ainda em processo de desenvolvimento, ao longo do tempo virá a


reunir todos os elementos que ulteriormente conduzirão os seus membros a uma
identificação espontânea com a ideia nacional.

Para isso contribuirá o desenvolvimento dos contactos internos, o sistema de


comunicações, as experiências boas e amargas vividas em comum.

São a parte desses elementos já vividos que determina já a existência da Nação


moçambicana e a eliminação ou redução das assimetrias.

Da existência do elemento pessoal essencial que é a Nação decorre uma cidadania ou


nacionalidade.

Em território moçambicano, no período colonial, o Estatuto do Indígenato (Decreto-Lei n.º


39666, de 20 de Maio de 1954) exprimia a vontade política do regime colonial ao negar aos
moçambicanos qualquer cidadania.

Que nos baste citar o Estatuto do Indígenato que estipulava “Consideram-se indígenas das
referidas Províncias os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido
ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e
sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos
portugueses” ou ainda que “não são concedidos aos indígenas direitos políticos em relação
a instituições não indígenas”, Vide artigo 2.º e 56.º do Decreto-Lei citado.
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Na perspectiva jurídica, a nacionalidade é o vínculo jurídico pelo qual se estabelece a


ligação entre o indivíduo com o Estado.

O estudo sobre a nacionalidade que nos propomos orientar em seguida será na


perspectiva jurídica.

A aprovação da Lei da Nacionalidade simultaneamente com a aprovação do texto da


Constituição da República, em 20 de Junho de 1975, pelo poder constituinte material e
formal confere a lei da nacionalidade moçambicana o estatuto especial e equipara-se a uma
lei com valor e dignidade constitucional na qual se define a qualidade de cidadão
moçambicana, a referida lei tem em conta a realidade objectiva de uma Nação já subjacente
e ao mesmo tempo a conjuntura no momento da institucionalização de um novo regime
jurídico que estabelece os critérios da atribuição da nacionalidade aos nacionais do novo
Estado.

Por se reconhecer na lei da nacionalidade o valor e dignidade constitucional material, o


legislador, na revisão Constitucional de 1990, elevou o conteúdo desta Lei para a
Constituição formal ao integrar na Constituição da República a Lei da nacionalidade,
constituindo o Capítulo II do Título I do artigo 11 a 29 e na revisão de 16 de Novembro de
2004, o legislador manteve a vontade política manifestada e consagrou a matéria sobre a
nacionalidade, no Título II, do artigo 23 a 34 com uma maior e melhor elaboração e mais
figuras jurídicas como seja a nacionalidade adquirida por filiação (artigo 28) e por adopção
artigo 29.

As disposições com valor e dignidade constitucional referentes à nacionalidade


concretizam um dos elementos integrantes do conceito do Estado que é a determinação
jurídica dos cidadãos que são seus nacionais, o elemento Povo ou substrato humano do
Estado.

Neste sentido não é a Lei Constitucional que pode arbitrariamente dizer quem é
moçambicano e quem não é. São os vínculos sociais desde o local de nascimento, a cultura,
as relações de família, a inserção na comunidade, a paternidade que estabelecem a
verdadeira nacionalidade que depois cabe à ordem jurídica explicitar e tutelar.

Dito isto, importa referir que o contexto histórico especial da independência em que não
existia uma definição concreta da nacionalidade nem uma distinção jurídica de cidadania
entre moçambicanos e portugueses (com a abolição do Estatuto do Indigenato pelo
Decreto-Lei n.º 43893, de 6 de Setembro de 1961, B.O. n.º 36, de 14 de Setembro de 1961,
a favor dos ventos da luta de libertação, juridicamente todos os indivíduos nascidos em
território moçambicano ou descendentes destes e ou nascidos, temporariamente fora deste
eram portugueses o que determinou algumas soluções particulares).
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Os Princípios Fundamentais da Nacionalidade

A nacionalidade moçambicana é matéria normada no plano Constitucional, sendo, por isso,


de valor e dignidade constitucional e consta de um título específico, o Titulo II, consagrado
nos artigos 23 a 34 da Constituição da República de Moçambique, compreendendo os
seguintes capítulos:

Capítulo I – Nacionalidade originária, do artigo 23 a 25;


Capítulo I – Nacionalidade adquirida, do artigo 26 a 30;
Capítulo III – Perda e requisição da Nacionalidade, do artigo 31 a 32;
Capítulo IV – Prevalência da Nacionalidade e registo, do artigo 33 a 34.

A nacionalidade moçambicana veio consagrada na lei da nacionalidade aprovada e


promulgada pelo legislador constituinte em 25 de Junho de 1975, no mesmo acto que
aprovou e promulgou a Constituição da República Popular de Moçambique de 1975.

A lei da nacionalidade determinou a cessação da nacionalidade portuguesa aos cidadãos


portugueses nascidos no território moçambicano ou não à qual era lhe atribuída por força
da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e outras anteriores, que nos termos da
Lei n.º 7/74, de 27 de Abril deixaram de fazer parte do Estado Português e em
consequência e por força do Acordo de Lusaka assinado em 7 de Setembro de 1974,
proclamou a independência nacional.

Por conseguinte, a lei da nacionalidade com a sua vigência desnacionalizou parte dos
cidadãos portuguesas nascidos em território moçambicano que nos termos da lei não
optaram pela nacionalidade moçambicana, vide n.º 2 e 3 do artigo 1 e o artigo 14, todos da
lei da Nacionalidade.

A nacionalidade é regulada em lei ordinária, sendo a primeira ocorrida em 1982, através da


Lei n.º 2/82, de 6 de Abril e a segunda em 1987, pela Lei n.º16/87, de 21 de Dezembro25,
que introduziu alterações à lei da nacionalidade e para o cidadão estrangeiro, o regime
jurídico vem estabalecido na Lei n.º 5/93, de 28 de Dezembro26.

Os princípios fundamentais para a aquisição da nacionalidade são de dois tipos:

i. Primeiro: é aquele em que para a atribuição da nacionalidade ao indivíduo não


lhe é exigido nenhuma acção que seja feita por sua iniciativa basta que tenha
nascido com vida.

25
Publicada no BR n.º 50, de 21 de Dezembro de 1987, 4.º suplemento.
26
Publicada no BR n.º51, de 28 de Dezembro de 1993, 2.º Suplemento
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ii. Segundo: atribui-se a nacionalidade exigindo-se como condição“ sine qua non"
que o indivíduo interessado tome iniciativa desencadeando o processo para que
lhe seja atribuída a nacionalidade do Estado.

No primeiro caso o da ausência de iniciativa diz-se nacionalidade originária, no segundo


caso que se exige iniciativa do interessado diz-se nacionalidade adquirida.

De que forma se atribuí a nacionalidade?

1. Nacionalidade Originária

Em geral a atribuição da nacionalidade originária obedece a dois (2), critérios:

 Jus soli: consiste em atribuir a nacionalidade ao recém-nascido em virtude


de ter nascido no território daquele Estado onde está ser registado.
Jus soli: significa direito pelo solo, isto é, do lugar onde nasceu.

 Jus sanguinis: atribui-se a nacionalidade ao recém-nascido em virtude de


ser filho de um dos nacionais, ou de ambos nacionais do Estado onde é
registado. Trata-se do direito pelo sangue dos seus progenitores. A pessoa
tem a nacionalidade do pai, da mãe ou de ambos que o nasceram.
Jus sanguinis: significa direito pelo sangue dos seus pais.

Ex.: O menino José nascido no Zimbábue para o onde o pai se deslocou em missão de
serviço da Embaixada Moçambicana e a mãe cidadã de nacionalidade sul africana que
também se deslocara para Zimbabwe a procura de emprego, ou melhores condições de
vida. Da relação de ambos nasceu o menino José na cidade de Harare, capital de
Zimbabwe.

Qual é a nacionalidade do José, considerando que em todos os países citados os


critérios de atribuição da nacionalidade são os mesmos?

 O artigo 23 é a sede dos critérios do jus sanguinis e ius soli;

 O artigo 24 é a sede exclusiva do critério de jus soli.

A nacionalidade adquirida a sede do critério para a sua atribuição se acha presente nos
artigos 26, 27, 28 e 29 todos da CRM.

Nesta conformidade, o regime jurídico-constitucional da nacionalidade moçambicana, no


seu articulado tal como se pode ver da nota introdutória começa por fixar os pressupostos
da aquisição da nacionalidade, fazendo uma distinção entre a nacionalidade de origem, isto
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 24
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
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é, aquela que primeiro é reconhecida ao cidadão sem que lhe exija qualquer actividade da
sua parte e daquela em que o cidadão para obtê-la exige-se que expressa de forma
inequívoca uma vontade dirigida à aquisição da nacionalidade moçambicana e a esta se
denomina nacionalidade adquirida que tanto pode ser atribuída por efeito de casamento, por
naturalização, filiação ou por adopção.

Nesta nossa apresentação sumária vamos iniciar a abordagem pela atribuição da


nacionalidade originária:

Da nacionalidade Originária

A nacionalidade originária atribui ao cidadão o estatuto de cidadão nacional originário, e, é


aquela que se obtém por força da lei, aquela em que o cidadão, independentemente da sua
vontade ou consciência a obtém por imposição legal pela vigência da lei em virtude de ter
nascido no território da jurisdição do Estado moçambicano, corpo do artigo 23 da CRM.

O local de nascimento corresponde ao critério jus soli que significa que são nacionais desse
Estado, todos indivíduos, que tenham nascido no território desse Estado. Portanto para que
tenha a nacionalidade desse Estado, basta nascer nesse Estado, na área da jurisdição desse
Estado independentemente da vontade dos seus progenitores, ou da sua própria vontade.

Este critério desatende a nacionalidade dos progenitores ou dos adoptantes, mas sim releva
o local do nascimento do indivíduo.

O meio formal de confirmação do local do nascimento é o boletim da maternidade da mãe


que declara que a cidadã fulana nos dias x e z esteve internada na unidade sanitária que fica
sediada no território do Estado e com base neste documento emitido na maternidade do
Hospital os pais ou representantes destes efectuam o registo do nascimento da criança na
Conservatória do Registo Civil do referido Estado.

Nos casos em que o cidadão tenha nascido no território estrangeiro, sendo filho de pais
nacionais do Estado moçambicano, o registo da criança deve ocorrer na conservatória
perante os agentes Diplomáticos ou do Consulado do Estado moçambicano no estrangeiro,
isto é, nas autoridades diplomáticas ou consulares de que o individuo é nacional, sendo,
porém, este cidadão de nacionalidade do Estado moçambicano, mas natural do Estado
estrangeiro onde efectivamente tenha nascido.

Neste caso, a nacionalidade originária a obtém pela via sanguínea dos seus progenitores,
conforme a al. a) do n.º 1, do artigo 23, da CRM, sucedendo o mesmo nos casos em que os
progenitores ou seus representantes no acto de registo não podem comprovar o local de
nascimento da criança que registam, aplica-se o critério da consanguinidade.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 25
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Assim, há fundamentalmente dois critérios de definição da cidadania moçambicana por força


dos quais se procede a atribuição automática da nacionalidade originária por virtude do
nascimento, ou seja, aquela que resulta do mero efeito da lei em virtude de ter nascido no
território do Estado que lhe atribui a nacionalidade: o do jus soli, que nos traduz o princípio
da territorialidade de acordo com o qual o que determina a nacionalidade originária é o
local de nascimento e o segundo critério é o do jus sanguinis, segundo o qual a
nacionalidade é atribuída pelos laços de sangue ou de filiação dos seus progenitores ou
adoptantes que sejam nacionais de certo Estado.

Fora destes dois critérios objectivos são ainda critérios de atribuição da nacionalidade
moçambicana, o casamento com um cidadão moçambicano, a filiação e adopção, o que nos
quer dizer que a aquisição da nacionalidade moçambicana não é deixado ao arbítrio do
interessado nem a terceiros, mas sim entre o cidadão e o Estado Moçambicano.

Destes critérios, a CRM faz prevalecer, na atribuição da nacionalidade, como critério de


base o “Jus Soli”, que quer significar o direito do lugar, do solo, ao estabelecer como um
dos critérios de fundo para a atribuição da nacionalidade o facto de nascer em
Moçambique.

Segundo esse princípio são moçambicanos todos aqueles que nasceram em Moçambique,
artigo 23, n.º 1 e após a proclamação da independência nacional (Art. 24, n.º 1, ambos da
CRM).

Os moçambicanos nascidos antes da independência são moçambicanos por força do corpo


do artigo 23, n.º 1, ainda aqueles que tinham domicílio em Moçambique à data da
independência e não tenham optado, expressa ou tacitamente, por outra nacionalidade,
conforme o artigo 23, n.º 1, al. c), com a excepção prevista no n.º 2 e 3 do artigo 24 da
CRM.

Este princípio, apenas comporta como excepções as ditadas por normas de Direito
Internacional, como as relativas aos filhos de cidadãos em serviço dos seus países nascidos
em território nacional aos quais se não atribui a nacionalidade moçambicana, artigo 24, n.º
2 e 3, da CRM. No caso vertente, não se aplica o disposto no artigo 121, n.º 3, da CRM por
se dirigir tão-somente as crianças moçambicanas.

Contudo para não ser possessiva, a disposição fundamental reconhecendo aos nascidos em
território moçambicano a nacionalidade moçambicana comporta a possibilidade de
nacionalidade na maioridade para os filhos de pais estrangeiros.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 26
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A CRM consagra ao mesmo nível o princípio do “jus sanguinis”, literalmente “o direito do


sangue dos progenitores ou adoptantes”, segundo o qual são moçambicanos os filhos de
cidadãos moçambicanos independentemente do lugar de nascimento e que abrange portanto
os filhos de moçambicanos mesmo quando não nascidos em território nacional. Estes
devem no entanto renunciar a qualquer outra nacionalidade.

Estes dois princípios de fundo são os que regem a nacionalidade nos dias de hoje. No
entanto tornava-se necessário determinar a nacionalidade de quem se encontrava no
território nacional no momento da independência. Para essas situações foram estabelecidas
algumas regras próprias que tinham em consideração a complexa situação do acesso a
independência.

Essas regras são essencialmente as seguintes, artigo 23, al. a), n.º 2 e 3 e ainda o artigo 25,
todos da CRM:

Estabelece-se a nacionalidade originária para os que hajam nascido em Moçambique e que


cumulativamente:

 sejam filhos de pai ou mãe nascido em Moçambique. Note-se que se fala


aqui em local de nascimento e não nacionalidade dos pais.
Este primeiro critério é uma consagração do jus soli (local de nascimento)
em duas gerações. São dispensados deste requisito os filhos de apátridas, de
pais incógnitos ou de nacionalidade desconhecida.
 tenham domicílio em Moçambique à data da independência ou a
estabeleçam dentro de um ano, a contar da data do nascimento ou daquela
em que o interessado completar dezoito anos de idade, conforme a
declaração seja feita, respectivamente, pelo representante legal ou pelo
próprio;

Algumas situações históricas mereceram tratamento especial: assim os participantes na luta


de libertação nacional, os filhos de moçambicanos em tais condições beneficiaram de
nacionalidade originária, artigo 13 e 14, da CRM de 1990.

Não se impõe nacionalidade a quem possuir afinidade definida com outra Nação pelo que
perde a nacionalidade moçambicana ainda que tenha nascido em território moçambicano,
se de expressa ou tácita tenha optado por outra nacionalidade, artigo 23, al. c), do n.º 1, da
CRM.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 27
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No mesmo espírito, estabelece-se que perde a nacionalidade moçambicana aquele que


tendo-a adquirido por acto de seu representante legal em virtude de incapacidade venha a
declarar, sendo maior, não querer ser moçambicano e prove ter outra nacionalidade, artigo
31, al. b).

No mesmo espírito, reconheceu-se ao Presidente da República a possibilidade de conceder


a nacionalidade originária a indivíduos que tenham prestado relevantes serviços à causa da
libertação nacional, faculdade que vigorou de 1975 até a entrada em vigor da Constituição
da República de Moçambique de 1990, no seu artigo 20.

Uma particularidade digna de nota é o reconhecimento da nacionalidade moçambicana aos


indivíduos que embora não nascidos no país, aí estivessem domiciliados à data da
independência contando com um largo período de permanência efectiva em Moçambique,
artigo 23, n.º 1, al. a) e al. c).

Presume-se aí que essa longa permanência comporta uma identificação com o país que não
o abandonaram e sem invocar os fundamentos da naturalização.

Relativamente a estes indivíduos a CRM de 1990 havia fixado o prazo de 20 anos como
regra geral e de metade da idade em se tratando de indivíduos com menos de 40 anos,
artigo 16 e 17 da CRM.

As duas disposições citadas reflectiam a transformação histórica de um país que da situação


de dominação ascende a independência nacional.

Nacionalidade Adquirida

Além dos cidadãos a quem cabe a nacionalidade moçambicana por serem originários do
Estado de que são nacionais, isto é, por força de lei, como seja o disposto nos artigos 23, 24
e 25 da CRM podem ainda outros cidadãos de origem estrangeira também adquirirem a
nacionalidade moçambicana, desde que de forma expressa manifestem a vontade de serem
nacionais do Estado moçambicano e satisfazerem as condições que a lei exige para o efeito.

A nacionalidade que se atribui ao cidadão estrangeiro que satisfaça as exigências legais,


diz-se nacionalidade adquirida e pode ser atribuída por casamento, por naturalização, por
filiação ou por adopção.

Esta modalidade é em geral adoptada pelos países em desenvolvimento, por razões de


ordem económica e de aumento da cifra estatística entre outras razões de ordem política,
social e cultural.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 28
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Os países ou Nações antigas ou economicamente desenvolvidos têm obstado ou dificultado


a atribuição de nacionalidade adquirida e ou originária com base no critério jus soli e jus
sanguinis, fazendo crer que cada indivíduo deve ser nacional do Estado da nacionalidade
da proveniência dos seus progenitores ou sendo maior a manutenção da sua própria
nacionalidade originária ou de cidadão estrangeiro por todo o tempo da permanência no
país estrangeiro.

Desta forma, afasta-se a possibilidade de um emigrante por motivos de trabalho possa


adquirir a nacionalidade do Estado onde esteja a trabalhar, a estudar ou a viver na
constância do casamento com uma ou um cidadão nacional do referido Estado,
independentemente do tempo da sua permanência em tal Estado ou regime de casamento.

A nacionalidade adquirida é voluntária, pois resulta da vontade própria do adquirente, que


satisfazendo as condições exigidos na lei desencadeia o processo administrativo visando
obter um resulta que consiste na atribuição da nacionalidade, sendo as seguintes as razões
ou fundamentos jurídicos da aquisição da nacionalidade diferente a que possui:

1.ª Por motivo de casamento

O estrangeiro ou estrangeira contrai, matrimónio civil com uma ou um nacional


moçambicano e decorridos pelo menos cinco anos de subsistência do casamento, o cônjuge
estrangeiro declara querer ser moçambicano, conforme se estabelece no artigo 26.˚, da
CRM e instrui o respectivo processo para as entidades competentes da administração
territorial.

Presume-se aqui segundo a prática comum assente em tradições socioculturais que a


mulher casada se integra na comunidade do marido.

O casamento é assim um pressuposto para aquisição da cidadania a um cidadão estrangeiro


e este direito é conferido tanto a mulher como ao homem, em respeito ao princípio da
igualdade de género consagrado no artigo 36 da CRM.

A cidadania moçambicana conferida ao homem ou a mulher estrangeira em virtude do


casamento, jamais é lhe retirada em consequência da nulidade ou dissolução do casamento
entre os cônjuges, tal como se determina no artigo 26, n.º 1 da CRM.

2.ª Por motivo de naturalização

O estrangeiro pode adquirir a nacionalidade moçambicana por razões de natureza


económica, social, culturais ou profissionais, desde que reúna cumulativamente os
requisitos exigidos no artigo 27.˚ da CRM, designadamente os seguintes:
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 29
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a) resida habitual e regularmente há pelo menos dez anos em Moçambique;


b) sejam maior de dezoito anos;
c) conheça o português ou uma língua moçambicana;
d) possua capacidade para reger a sua pessoa e assegurar a sua subsistência;
e) tenha idoneidade cívica;
f) preencha os requisitos e ofereçam as garantias fixadas por lei.

A segunda razão consagra o princípio da naturalização segundo o qual um estrangeiro


pode requerer a nacionalidade quando residir habitual e regularmente há pelo menos dez
anos em Moçambique, for maior de dezoito anos, conheça o português ou uma língua
moçambicana, possua a capacidade para reger a sua pessoa e assegure a sua subsistência,
tenha idoneidade cívica, artigo 27, da CRM. Constitui prática comum de muitos Estados o
não fechar a sua cidadania a cidadãos que nesse país tendo fixado residência a ele se
afeiçoam, esposam os seus valores e com ele se identificam contribuindo para o seu
engrandecimento.

Alguns países definem-se mesmo como países de imigração, sendo historicamente o caso
mais famoso o dos Estados Unidos da América que exalta a sua experiência de melting pot
de populações de várias proveniências e ainda o Brasil. Outros praticam políticas fechadas.

3.ª Por motivo de filiação

O cidadão estrangeiro, que adquiriu a nacionalidade moçambicana por naturalização e,


entretanto tem filhos menor de 18 anos de idade e solteiros, com nacionalidade anterior do
Estado onde nasceu ou do seu pai ou da sua mãe que já possui a nova nacionalidade pode a
nova nacionalidade moçambicana do pai ou da mãe ser também atribuída ao filho, desde
que seja menor de dezoito anos e esteja no estado de solteiro.

Na filiação27, reconhece-se que através do acto de naturalização dos progenitores, a


nacionalidade moçambicana pode ser atribuída aos filhos do cidadão por filiação, que por
sua vez a adquiriu a nacionalidade moçambicana, desde que o cidadão adquirente seja
solteiro e menor de dezoito anos de idade, artigo 28.

Trata-se da situação que o individuo é filho ou filha de pai ou mãe que entretanto
estabelece uma nova relação matrimonial. O conjunge que não seja pai ou mãe biológico
pode havendo acordo nesse sentido entre o casal, o que não for pai ou mãe biológico pelo
acto de perfilhação assumir legalmente a paternidade do filho ou da filha do seu parceiro e

27
É o vinculo jurídico que une duas pessoas em virtude de uma ter gerado a outra, correspondente a filiação a
um vinculo natural.
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a este acto se diz filiação que consiste em a filha ou o filho do outro parceiro ou de quem é
adoptado ser atribuido a nacionalidade do seu novo pai ou da sua nova mãe ou de ambos,
conforme os casos.

Esta figura visa evitar no seio de uma mesma família a descriminação dos filhos em razão
do seu nascimento, conforme se determina no artigo 121, n.˚3, da CRM, assim, a mãe pode
perfilhar os filhos do marido e o marido perfilhar os filhos da sua esposa ou ambos adoptar
uma mesma criança, passando a ser filho ou filha natural do casal.

4.ª Por motivo de adopção

O cidadão nacional que adoptar plenamente, nos termos do Código Civil, uma criança de
nacionalidade estrangeira, esta pode adquirir a nacionalidade moçambicana do adoptante
ou dos adoptantes, artigo 29 da CRM.

Este direito traduz o reconhecimento do legislador constituinte a questão da unidade da


família e da unicidade da cidadania entre os membros da família moçambicana.

Diferença de estatutos entre os cidadãos nacionais

Apesar da Constituição da República de Moçambique reconhecer e conformar-se com o


disposto no artigo 15, da Declaração Universal dos Direitos do Homem28, adoptada e
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pela Resolução 217-A (III), de 10 de
Dezembro, a lei constitucional faz distinção entre cidadãos originariamente moçambicanos e
cidadãos naturalizados, definindo assim, algumas restrições aos cidadãos nacionais que têm a
nacionalidade adquirida, constituindo desta forma uma excepção ao disposto nos artigos 35,
46 e 267, n.º 1. A restrição aos direitos fundamentais do cidadão consta do artigo 30 da
CRM.

O princípio consagrado na Lei da Nacionalidade é o de que deve haver uma diferença de


estatuto entre os que nasceram e permaneceram moçambicanos e os que sendo
originariamente estrangeiros se naturalizaram ou readquiriram a nacionalidade
moçambicana depois de a terem perdido.

Este princípio determina que aos cidadãos de nacionalidade adquirida não podem ser
deputados, membros do Governo, titulares de órgãos de soberania nem terem acesso a
carreira diplomática e militar ou equivalente aos cidadãos de nacionalidade adquirida,
artigo 30, n.º 1, da CRM.

28
1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.
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Trata-se de uma disposição categórica quanto ao estatuto de moçambicano e a cautela que


se deve ter em relação ao cidadão moçambicano, outrora estrangeiro que hoje o é em
virtude de ter contraído casamento com um cidadão moçambicano, por ter-se naturalizado,
adoptado ou se tornado moçambicano por via de filiação.

O cidadão estrangeiro que entretanto adquire a nacionalidade de outros Estado


independentemente dos lações políticos, sociais, económicos, culturais e sentimentos que
tiver com o novo Estado de que é actualmente nacional não perde o seu vínculo socio
cultural com o Estado de que é original, ainda que tenha renunciado a nacionalidade do
Estado original, trata-se da questão do amor e sentimento que se tem em relação à pátria
dos seus progenitores e de onde efectivamente nasceu.

A aquisição de uma nacionalidade é um aspecto exterior e aparente e não intrínseca da


pessoa, pois a sua personalidade, os seus usos e costumes, a sua vivência enfim, a sua
cultura permanece imutável e corresponde ao meio familiar e estadual a que
originariamente pertente.

O moçambicano que juridicamente adquire a nacionalidade tanzaniana, zimbabwiana,


malawiana, suazi, sutho, sul-africana ou português ou francês, permanece no seu espirito e
personalidade moçambicano pese embora seja portador do Bilhete de Identidade que lhe
confere estatuto de ser cidadão nacional do estado que não é Moçambique, o inverso é
valido, o cidadão português ou francês por mais que reúna os requisitos formais previstos
na lei da aquisição da nacionalidade moçambicana, apresentar todas as manifestações de
vontade que se assemelham ao modo de vida e personalidade dos moçambicanos, jamais
será moçambicano, ainda que conviva o tempo que for ele não é moçambicano e sempre
apresentará os traços caracterizadores da sua nacionalidade originária. Ele sempre
continuará a pensar como sempre pensou e a sentir, viver e actuar como anteriormente
fazia.

O passado do ser vivo e a sua cultura marca em tinta indelével a sua conduta e o seu modo
de ser e não pode ser superado em absoluto pelas novas tradições, cultura e modo de vida
do novo grupo ou comunidade onde se integrou, apesar de todo o esforço, educação,
enquadramento, apoio dos demais, formação ou instrução que tiver.

O Homem é sempre igual a si mesmo em todos os tempos e reflecte a sua origem, por mais
boa vontade de querer e assimilar novos valores que até os pode assimilar, mas não
consegue destruir o que já tem na sua mente ou na sua personalidade. É assim que por
muitos anos que o naturalizado tenha no país onde é nacional, de quando em vez surge e
manifesta a sua origem e proveniência estadual.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 32
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Pelas razões atrás esgrimidas e outras, várias Constituições dos Estados modernos vedam o
acesso a cargos públicos a cidadãos que tenham antes ou actualmente outra nacionalidade,
diferente a do Estado de que ora sejam cidadãos nacionais e assim a legislação eleitoral
impede que possa ser confiados funções de soberania, entre elas a de Presidente da
República, como é o caso de Moçambique que não admite que o cidadão não originário
possa concorrer, vide artigo 146, n.º 1, al. a) da CRM, por se entender que a nacionalidade
é uma maneira de ser do indivíduo e traduz o seu meio cultural e a sua Nação originária.

A CRM de 1990 havia consagrado este princípio e acrescentou-lhe uma condição


suplementar estipulando a obrigação de os respectivos progenitores serem também
cidadãos moçambicanos originários, artigo 118, n.º 3, al. a) e b), da CRM.

O artigo 118, n.º 3, al. a) e b), da CRM de 1990 é no nosso entender uma disposição
excepcional ao artigo 66 e seguintes da mesma Constituição de 1990 ora citada limitava os
direitos fundamentais dos cidadãos, porquanto, os pais do candidato ao cargo de Presidente
da República não podiam gozar plenamente da liberdade que a Constituição de então
oferecia, de poderem optar por uma outra nacionalidade, sempre que acham-se ser
conveniente.

Por outro lado, era uma disposição que politicamente poderia ser aproveitada pelos Partidos
políticos, coligações políticas ou candidatos independentes para prejudicar um determinado
candidato, bastando para tal provar que os progenitores antes das eleições presidenciais
optaram por uma outra nacionalidade. Nesta conformidade o candidato podia ver a sua
candidatura rejeitada por não reunir os requisitos, embora no momento da propositura da
candidatura reunisse.

A CRM de 2004, afastou e muito bem a condição suplementar.

Dito isto, tenha-se em conta a tendência crescente para atribuir direitos políticos a
estrangeiros residentes em reconhecimento da sua contribuição para a criação da riqueza
nacional e que tem levado a atribuir a emigrantes o direito de votar e em certos casos de ser
eleito para órgãos locais.

Perda de Nacionalidade

Da mesma forma que se adquire a nacionalidade, por efeito da lei, a cidadania também se
pode perder, por efeito da lei e essa perda assume fundamentalmente dois modos:

a) Renúncia, que corresponde a uma expressa manifestação inequívoca da vontade do


indivíduo em não querer ser cidadão do Estado em que é nacional, conforme se
dispõe o artigo 31 da CRM:
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Perde a nacionalidade moçambicana, quem voluntariamente renuncie de forma expressa,


através dos meios competentes por querer adquirir conscientemente a nacionalidade
estrangeira, em obediência ao princípio da rejeição da dupla nacionalidade na ordem
jurídica interna desse Estado.

Entende-se que quem de livre vontade adquire uma nacionalidade estrangeira ou opta por
outra nacionalidade de que é nacional, fá-lo consciente dos efeitos jurídicos que daí
decorrem.

Por conseguinte, a CRM não prevê a perda da nacionalidade que não seja por vontade
própria do cidadão por este ter optado ou possuir outra nacionalidade, artigo 31, conjugado
com o artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A lei da nacionalidade, Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro29, para além das previstas na
norma constitucional, prevê ainda mais duas situações da perda da nacionalidade, as
previstas no artigo 14, n.º 1, als, a) e b), designadamente:

“Perde a nacionalidade moçambicana:

i) O que voluntariamente adquire uma nacionalidade estrangeira;


ii) O que sem licença do Governo aceite prestar quaisquer funções a um
Estado estrangeiro.”

29
Na aplicação das normas constitucionais como em qualquer outra norma de Direito, ocorre o fenómeno de
superveniência das normas constitucionais, que se traduzem no princípio segundo o qual a “lei nova revoga a
lei antiga” – ou seja, a fonte nova revoga a antiga, requer os devidos cuidados, pois há muitas dificuldades
para a aplicação deste princípio, sobretudo quando se trata de normas constitucionais novas ou de
modificação constitucional.
Uma nova Constituição, traz consigo um conjunto de situações que se devem considerar para a aplicação
imediata deste princípio que acabamos de enunciar, que se podem resumir da seguinte maneira:

a) A acção da nova Constituição sobre a antiga pode ser de revogação global ou em certos casos de
caducidade;

b) A acção das normas constitucionais novas (provenientes de modificação constitucional) sobre as normas
anteriores implicam a revogação individualizada;

c) A acção de normas constitucionais novas sobre as normas ordinárias anteriores desconformes,


implicam a caducidade por inconstitucionalidade superveniente.

d) A acção de Constituição nova sobre normas ordinárias anteriores não desconformes com ela, origina a
Novação.

A acção de normas Constitucionais novas sobre normas ordinárias anteriores desconformes.


Caducidade por inconstitucionalidade superveniente
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Pelo artigo 31 da CRM fica também claro que o cidadão moçambicano que adquirir
nacionalidade de outro Estado, que por força da lei da nacionalidade desse Estado, deve
renunciar a nacionalidade moçambicana, na ordem jurídica moçambicana mantém-se
cidadão nacional, nos termos do artigo 33, salvo ocorrer a situação prevista na al. a) do
artigo 31, em acto que deve ocorrer sob a legislação interna moçambicana, vide ainda o
artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Trata-se de uma cautela que
tem por finalidade evitar que o cidadão nacional por motivos da lei de outro Estado possa
tornar-se num cidadão apátrida.

Diz-se apátrida ao indivíduo que não possuem nacionalidade de nenhum Estado, ou seja,
que não é reconhecido por nenhum Estado como seu cidadão.

A lei da nacionalidade, bem como a sua revisão pontual pela lei ora citada, em 1987, na
vigência da Constituição da República Popular de Moçambique de 1975.

Ora, com a entrada em vigor da Constituição de 1990, a norma prevista no artigo 14, n.º 1,
als, a) e b), da Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro, em nosso entender, e, assim defendemos
fica automaticamente ferida de caducidade por inconstitucionalidade superveniente,
porquanto, não se ajusta a nova norma constitucional que não permite a perda da
nacionalidade por parte do cidadão, por acto administrativo do Estado, mas sim por
vontade expressa em acto designado de renúncia nos termos da lei.

Por conseguinte, estamos perante o fenómeno da superveniência das normas constitucionais


que consequentemente tornaram a norma então em vigor desconforme com os princípios
consagrados na nova Constituição.

b) Privação, acto pelo qual o Estado retira, por razões várias, a nacionalidade a um seu
nacional.

Na Constituição de 1990, perdiam ainda a nacionalidade moçambicana os que se


engajavam ao serviço de governo estrangeiro em actividades prejudiciais ao Estado
moçambicano, artigo 24, al. b) da CRM

Até 1987, a lei da nacionalidade, aprovada pelo Comité Central da FRELIMO, aos 20 de
Junho de 1975, nas mesmas circunstâncias e condições em que se aprovou a Constituição
da República, o que lhe confere uma posição jurídica privilegiada, pois tornou-se uma lei
com igual força jurídica que uma norma jurídico-constitucional por ter sido aprovada pelo
legislador constituinte originário, distinguia entre os cidadãos nacionais uma situação
distinta da mulher moçambicana e do homem moçambicano ao estipular no artigo 14, n.º 1,
al. e) a perda obrigatória de nacionalidade para as nacionais que contraírem matrimónio
com um estrangeiro.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 35
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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A fixação desta norma visou protelar interesses nacionais, que na óptica do poder popular
legitimamente instituído, podia quem fosse privado de certos direitos de que era titular em
relação a propriedade, no período colonial, por exemplo o titulo sobre o uso e
aproveitamento da terra ou propriedade sobre os imóveis de arrendamento, sociedades
comerciais, fábricas ou empresas, em virtude de ser estrangeiro, obter por via do casamento
com a mulher moçambicana, anulando desse modo o efeito jurídico prático da norma
proibitiva que decreta a nacionalização de tais bens.

A Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro, adoptada em resposta a um sentimento anti-


discriminatório repôs a igualdade entre os sexos, ainda na vigência da Constituição de
1975, conforme se pode constatar da nova redacção dada pelo artigo 14, al. e), da lei ora
citada. A alteração abrange também os cidadãos e as cidadãs que perderam a sua
nacionalidade moçambicana em virtude de casamento, tal como se pode verificar pelo
disposto no artigo 20, Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro que veio repor a igualdade e o
respeito à vontade expresso da cidadã.

Artigo 20

1. A mulher moçambicana que tenha perdido a nacionalidade moçambicana por


virtude de casamento pode readquiri-la:

a) Se não tiver adquirido outra nacionalidade, mediante simples


comprovação do facto;
b) Se houver adquirido outra nacionalidade, mediante renúncia expressa à
mesma.

2. A reaquisição prevista no n.º 1 faz regressar à situação jurídica anterior à perda


da nacionalidade.

O regime jurídico estabelecido na Constituição da República de 2004, tal como sucedia na


vigência da Constituição da República Popular de Moçambique de 1975, não consagra
nenhum acto do Estado ou pena aplicada pelos Tribunais que resulta na perda da
nacionalidade. Na Lei da nacionalidade de 1975, para além das situações previstas no
artigo 14, ainda pelo artigo 15 da mesma lei, por deliberação do Conselho de Ministros o
cidadão moçambicano podia perder a sua nacionalidade em virtude de ser
administrativamente qualificado de indignidade nacional por ter exercido ou esteja a
exercer actividades contrárias aos interesses do povo moçambicano.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 36
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Opções dos Estados na atribuição da nacionalidade aos cidadãos originários de outros


Estados

A questão da nacionalidade é político, económico, social e cultural.

Os Estados não tem espaço de manobra relativamente ao critério natural de “jus sanguinis”,
segundo o qual os descendentes adquirem a nacionalidade dos seus progenitores, mas em
relação ao critério “jus soli”, a situação é diversa e varia de país para país, dai haver
necessidade de cautela na apreciação dos respectivos pedidos e atribuição da nacionalidade.

Por razões de economia, vimos agrupar em dois (2) grandes grupos:

a) Estados antigos

Na atribuição da nacionalidade dos respectivos Estados, particularmente os Estados


europeus, não permitem com facilidade ao cidadão estrangeiro adquirir a sua nacionalidade
pelo simples facto de ter nascido no território do Estado, isto é, pelo critério do “jus soli”,
quando seus progenitores sejam estrangeiros. Assim o cidadão nascido naquele Estado é
lhe reconhecido a cidadania dos seus progenitores, fazendo-se prevalecer o critério “jus
sanguinis”, de modo a evitar o crescimento da população por via da emigração de
estrangeiros para o território estadual.

b) Estados novos

Os Estados novos que surgem do processo da proclamação da independência e consequente


descolonização, por dificuldades de vária ordem, sendo de destacar a dimensão territorial e
a densidade populacional, factores do desenvolvimento económico e a procura cada vez
mais de povoamento territorial e da importação da mão-de-obra qualificada, têm optado por
privilegiar, não só o “jus sanguinis” ou “jus solis”, como critérios absolutos, mas também
a naturalização e o matrimónio com os nacionais, e para tal ponderam nas exigências da
aquisição da nacionalidade, fazendo uma combinação entre os dois critérios “jus soli” e
“jus sanguinis”, dando assim uma nova prevalência, desta vez mista por considerar os dois
critérios com mesma valência ou relevo.
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da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Reaquisição da Nacionalidade para quem a perdeu, artigo 32 da CRM

A Constituição da República de 2004 permite que o cidadão que eventualmente tenha


voluntariamente ou por decisão do Estado ou do Tribunal competente perdido a sua
nacionalidade, venha a recuperar, desde que tenha domicílio em Moçambique, preencha os
requisitos e ofereça as garantias legais, conforme se determina no artigo 32 da CRM e
artigos 16 e 17 da Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro, com as necessárias adaptações quanto
a interpretação destas disposições à luz do novo texto constitucional, quanto as liberdades
políticas, previstas nos artigos 53 da CRM.

Pela norma constitucional a perda da nacionalidade não é acto definitivo, mas sim
temporária, pois o cidadão que a perder pode querendo readquirir, desde que a solicita e
satisfaz as exigências legais.

Uma situação particular gerou-se em Moçambique, após a proclamação da independência


nacional, quando em desrespeito da lei da nacionalidade em vigor, adquiriram outra
nacionalidade com o objectivo de buscar vantagens aqui e lá e assim, tais cidadãos
voluntariamente adquiriram a nacionalidade portuguesa ou outra, continuando contudo a
beneficiar-se do estatuto de cidadãos moçambicanos.

A reacção popular contra esses cidadãos determinou a tomada de algumas medidas político
administrativos por parte do Conselho de Ministros que culminaram na expulsão desses
cidadãos, enquanto estrangeiros, por terem violado a lei então em vigor que não permitia a
dupla nacionalidade no território moçambicano, vide artigo 14 da Lei da Nacionalidade.

Mais tarde perante as petições de alguns desses cidadãos, sobretudo das mulheres que
haviam perdido a sua nacionalidade por terem contraído matrimónio com cidadão
estrangeiro e, por isso expulsos do país, alegando motivos diversos entre eles o princípio da
igualdade consagrada na lei fundamental e requerendo a nacionalidade moçambicana de
que são originários veio a ser permitida a sua reaquisição particularmente por parte das
mulheres que perderam a nacionalidade em virtude de casamento.

Para este efeito, o legislador pela Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro, procedeu a revisão
pontual da lei da nacionalidade e assim, estabeleceu o artigo 20, conforme vimos atrás.

A revisão da lei da nacionalidade consagrada na Lei n.º 16/87, de 21 de Dezembro, veio a


ser acolhida pelo legislador constituinte de 1990 ao fixar a norma juridico-constitucional
constante no artigo 25 e simplificada pelo legislador da Constituição de 2004, ao fixar o
artigo 32, n.º 3, com a seguinte redacção:
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Artigo 32
(Reaquisição)
1. Pode ser concedida a nacionalidade moçambicana àqueles que, depois de a terem
perdido, a requeiram e reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) estabeleçam domicílio em Moçambique;
b) preencham os requisitos e ofereçam as garantias fixadas na lei.

2. A mulher moçambicana que tenha perdido a nacionalidade por virtude de casamento


pode readquiri-la mediante requerimento às entidades competentes.
3. A reaquisição da nacionalidade faz regressar à situação jurídica anterior à perda da
nacionalidade.

São estipulados na CRM de 2004 como requisitos para a reaquisição da nacionalidade a


fixação de domicílio em Moçambique e o preenchimento de requisitos e garantias exigidos
para o efeito pela lei. O que põe a questão curiosa de saber se tais cidadãos jamais poderão
fixar residência no exterior.

A reaquisição da nacionalidade pelo cidadão não importa o motivo da perda faz regressar à
situação jurídica anterior à perda da nacionalidade moçambicana anteriormente possuída,
vide artigo 32, n.º 3 da CRM de 2004.

A rejeição da dupla nacionalidade na vigência da Constituição da República de 1975 e


de 1990

A dupla nacionalidade ou cidadania plúrima ocorre quando o mesmo indivíduo é


considerado como seu nacional por dois ou mais Estados, sendo plurinacional quando seja
considerado cidadão nacional por mais do que dois Estados soberanos.

O legislador moçambicano de 1975 e o de 1990, optou pela rejeição da dupla


nacionalidade, conforme os artigos 14 da lei da nacionalidade de 1975 e pelo artigo 21 e
24, ambos da Constituição de 1990, como medida política preventiva visando salvaguardar
interesses sociais, culturais e económicos do novo Estado em ascendência.

A dupla nacionalidade era assim rejeitada pela ordem jurídica nacional pelo facto de que a
condição para adquirir outra nacionalidade o cidadão interessado devia voluntariamente ou
renunciar previamente ou por força de lei perder a nacionalidade moçambicana, nos casos
em que adquire outra nacionalidade, aceite prestar serviços a favor de um Estado
estrangeiro sem autorização do Governo moçambicano ou contrair casamento com um
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cidadão estrangeiro, conforme se determina nas als. a), b) e e) do artigo 14 da lei da


Nacionalidade:

1. Perde a nacionalidade moçambicana:

a) O que voluntariamente adquire uma nacionalidade estrangeira;


b) O que sem licença do Governo aceite prestar quaisquer funções a um Estado
estrangeiro;
c) …
d) …
e) A mulher moçambicana que após a independência contrair casamento com um
estrangeiro.

Para aquisição da nacionalidade moçambicana, a cidadã estrangeira deve previamente


renunciar a sua nacionalidade originária, nos termos do artigo 10, da lei da nacionalidade,
sendo esta declaração condição sine qua non para atribuição da nacionalidade
moçambicana e pelo artigo 14, já vimos que perde a nacionalidade o cidadão que seja
nacional de outro Estado que não seja Moçambique.

A Constituição de 1990 veio reafirmar a posição política assumida na lei da nacionalidade


ao acolher no texto constitucional a proibição da dupla nacionalidade aos cidadãos
moçambicanos, conforme dispõem os artigos 21, 22, 24, 25 e 26 que em seguida
textualmente transcrevemos:

Artigo 21

Adquire a nacionalidade moçambicana a mulher estrangeira que tenha contraído casamento


com um moçambicano, desde que, cumulativamente:
a) renuncie à nacionalidade anterior;
b) declare querer adquirir a nacionalidade moçambicana;
c) estabeleça domicílio em Moçambique;
d) preencha os requisitos e ofereça as garantias fixadas na lei.

Artigo 22
Poderá ser concedida a nacionalidade moçambicana por naturalização aos estrangeiros que,
à data da apresentação do pedido, reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) renunciarem à nacionalidade anterior;
b) residirem habitual e regularmente há pelo menos dez anos em Moçambique;
c) serem maiores de dezoito anos;
d) preencherem os requisitos e oferecerem as garantias fixadas na lei.
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Artigo 24

Perde a nacionalidade moçambicana:


a) o que voluntariamente adquire uma nacionalidade estrangeira;
b) o que, sem autorização do Governo, aceite prestar serviços a um Estado
estrangeiro, que possam prejudicar interesses superiores da Nação ou de
soberania do Estado;
c) o que, sendo também nacional de outro Estado, declare pelos meios
competentes não querer ser moçambicano ou se comporte de facto, sendo maior
ou emancipado, como estrangeiro;
d) aquele a quem, sendo incapaz, tenha sido atribuída a nacionalidade
moçambicana por efeito de declaração do seu representante legal, se declarar,
pelos meios competentes até um ano depois de atingir a maioridade, que não
quer ser moçambicano e se provar que tem outra nacionalidade;
e) aquele que renuncie expressamente à nacionalidade.

Artigo 25

1. Poderá ser concedida a nacionalidade moçambicana àqueles " que, depois de a terem
perdido, a requeiram e reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) renunciarem à nacionalidade anterior;
b) estabelecerem domicílio em Moçambique;
c) preencherem os requisitos e oferecerem as garantias fixadas na lei.

2. A reaquisição da nacionalidade faz regressar à situação jurídica anterior à perda da


nacionalidade.

Artigo 26

1. A mulher moçambicana que tenha perdido a nacionalidade por virtude de casamento


pode readquiri-la:
a) se não tiver adquirido outra nacionalidade, mediante simples
comprovação do facto;
b) se houver adquirido outra nacionalidade, mediante renúncia expressa à
mesma.

2. A reaquisição da nacionalidade faz regressar à situação jurídica anterior à perda da


nacionalidade.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 41
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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O conjunto das disposições constitucionais ora anunciados, quer os da vigência da


Constituição de 1975, quer os da Constituição de 1990 revelam de forma clara e inequívoca
a rejeição da dupla nacionalidade, mesmo em relação à mulher que a tenha perdido em
virtude do casamento para recuperar a sua nacionalidade originária deve previamente
renunciar a nacionalidade do marido ou outra que eventualmente tenha adquirido.

O acto de renúncia prévia da nacionalidade anterior por quem pretende adquirir a


nacionalidade moçambicana ou a perda por efeito da lei, da nacionalidade moçambicana
pelo moçambicano que adquire a nacionalidade estrangeira pode colocar o cidadão
estrangeiro na condição de apátrida no momento em que esteja ainda a aguardar a decisão
final do seu processo de atribuição da nacionalidade moçambicana e de perda da
nacionalidade originária ao cidadão moçambicano que voluntariamente adquire a
nacionalidade estrangeira por casamento, naturalização ou por outro motivo.

No caso deste cidadão moçambicano vier a perder a nacionalidade estrangeira por qualquer
motivo, automaticamente engrossa a lista de cidadãos apátridas.

A admissão da DUPLA NACIONALIDADE ou MULTINACIONALIDADE em


relação ao cidadão moçambicano e consequências jurídicas decorrentes

O legislador moçambicano de 2004, atento as situações históricas, políticas, económicas,


sociais e culturais diversas decorrentes da colonização e de fonte alternativa de emprego
nos países vizinhos, bem como a história da luta de libertação nacional, tomou outra
posição aceitando que os cidadãos moçambicanos possam adquirir outra nacionalidade de
Estados estrangeiros em número não especificado.

A colonização e dominação administrativa portuguesa, bem como a necessidade de


melhorar as condições sócios-económicas das famílias obrigou parte de moçambicanos a
emigrarem para países vizinhos, como seja para Africa do sul, Suazilândia, Malawi,
Zâmbia, Tanzânia e ainda para Quénia, Portugal e depois da independência para Alemanha
e outros países do resto do mundo.

Em cada um destes países, os moçambicanos no exterior ou os residentes nas zonas


fronteiriças estabeleceram relações de trabalho, de actividade comercial e sociais e nestas
terras para a salvaguarda e defesa dos seus direitos em tais Estados, como seja dos seus
filhos nascidos na constância de casamento ou não naqueles países e bens patrimoniais
obtidos fruto do seu trabalho tiveram que obter a nacionalidade do país onde habitualmente
residiam e preenchendo os requisitos formais para atribuição da nacionalidade tornaram-se
nacionais desses respectivos Estados, por casamento, por naturalização, filiação ou por
adopção, sem com isso terem renunciado a nacionalidade do Estado de que são originários,
a República de Moçambique.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 42
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
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Moçambicano.
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A rejeição da dupla nacionalidade na ordem jurídica moçambicana não foi um valor


imutável ou irremediável, mas sim, temporária e correspondeu a um momento e contexto
histórico determinado, facto comprovado pelo regime estabelecido pelo legislador
constituinte de 2004 que se afastou da posição política e jurídica do legislador de 1990 que
de forma expressa para a aquisição da nacionalidade moçambicana impunha a renúncia
previa da nacionalidade anterior e aquele que sendo moçambicano adquirisse por
naturalização, casamento, filiação ou adopção a nacionalidade de outro Estado, perdia por
efeito da lei a nacionalidade moçambicana.

Assim, na Constituição de 2004, em todas as modalidades de aquisição da nacionalidade


moçambicana o legislador removeu a condição sine qua non “ a renuncia prévia” deixando
ao critério e vontade do cidadão manter-se com apenas e exclusivamente com a
nacionalidade moçambicana ou ainda com as duas ou mais nacionalidades que
eventualmente possa ser nacional.

Desta feita, os factos que determinam a perda ou reaquisição da nacionalidade são apenas
as que constam do artigo 31 e 32, respectivamente, da CRM de 2004, cujo texto
transcrevemos em seguida:

Artigo 31
(Perda)
Perde a nacionalidade moçambicana:
a) o que sendo nacional de outro Estado, declare por meios competentes não querer
ser moçambicano;
b) aquele a quem, sendo menor, tenha sido atribuída a nacionalidade moçambicana
por efeito de declaração do seu representante legal, se declarar, pelos meios
competentes até um ano depois de atingir a maioridade, que não quer ser
moçambicano e se provar que tem outra nacionalidade.

Artigo 32
(Reaquisição)
1. Pode ser concedida a nacionalidade moçambicana àqueles que, depois de a terem
perdido, a requeiram e reúnam cumulativamente as seguintes condições:
c) estabeleçam domicílio em Moçambique;
d) preencham os requisitos e ofereçam as garantias fixadas na lei.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 43
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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2. A mulher moçambicana que tenha perdido a nacionalidade por virtude de casamento


pode readquiri-la mediante requerimento às entidades competentes.
3. A reaquisição da nacionalidade faz regressar à situação jurídica anterior à perda da
nacionalidade.

As normas constitucionais no ordenamento jurídico nacional prevalecem sobre todas as


demais normas internas, conforme se estipula no artigo 2, n.º 4, conjugado com o artigo
214, ambos da CRM.

Com o comando jurídico-constitucional citado a nenhum cidadão moçambicano ou


estrangeiro, pretendendo obter cidadania de outro Estado ou adquirir a nacionalidade
moçambicana possa ser exigido a renúncia da nacionalidade moçambicana ou a estrangeira
de que é nacional.

Por conseguinte, não há fundamento jurídico que dá cobertura a exigência da renuncia


prévia da nacionalidade anterior e nos termos do Direito a norma constitucional não pode
ser posta em causa por uma norma infra-constitucional e a nova lei revoga a lei antiga, o
que significa que o regime estabelecido na Constituição da República de 1990 se acha
revogada, por contrariar o novo texto constitucional de 2004 e todo este conjunto de
disposições nos permite concluir que a “dupla nacionalidade” é permitida na República de
Moçambique, devendo assim o legislador ordinário conformar todos os diplomas que
legisla ou regulamentam a nacionalidade ser revista por forma a estarem em consonância
com a Constituição de 2004.

Pela leitura atenta ao regime estabelecido na CRM de 2004 para a aquisição, perda ou
reaquisição da nacionalidade moçambicana, não se mostra ajustada o termo dupla
nacionalidade, pois, em nenhum momento ou em nenhuma disposição jurídica se acha
consagrada o número de Estados em que o cidadão moçambicano possa ser nacional.

Dupla nacionalidade significa que o cidadão é simultaneamente nacional de dois Estados.

Ora a legislação constitucional que temos vindo a citar não nos permite identificar número
limite de Estados em que o cidadão moçambicano só pode ser simultaneamente cidadão.

Não havendo, não se justifica que falemos de dupla nacionalidade, podemos sim falar de
outras nacionalidades que o moçambicano possa ser nacional, isto é, da
multinacionalidade, que pode resultar de várias situações da vida política, económica,
social ou cultural tal como se verificar da hipótese seguinte:
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 44
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Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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O cidadão nascido no Zimbabwe, filho de pai moçambicano e mãe zimbabwiana ou


malawiana, pelo principio de “jus soli” tem nacionalidade zimbabwiana, pelo princípio “jus
sanguinis” é moçambicano pelo pai e malawiana pela mãe e ao casar com cidadão sul-
africano pode adquirir a nacionalidade sul-africana e vivendo em Portugal a mais de dez
anos para onde se deslocou em missão de serviço pode se naturalizar português e entretanto
manter cada uma das nacionalidades.

Contudo, embora seja permitida que o cidadão tenha mais que uma nacionalidade na
República de Moçambique, “não é reconhecida nem produz efeitos na ordem jurídica
interna qualquer outra nacionalidade aos indivíduos que, nos termos do ordenamento
jurídico da República de Moçambique, sejam moçambicanos, artigo 33 da CRM.

Assim, esta cidadã, sempre que estiver no território do Estado moçambicano só pode exibir
o Bilhete de Identidade ou Passaporte que lhe confere a cidadania moçambicana não
podendo em caso algum invocar outra nacionalidade que tiver para obter ou exigir qualquer
direito ou tratamento diferenciado nas autoridades moçambicanas.

O cidadão que seja nacional de outros Estados, na ordem jurídica nacional não só não pode
invocar tais Estados de que é simultaneamente nacional como não pode ser candidato ao
cargo de Presidente da República, por uma questão da identidade e independência nacional,
conforme se determina no artigo 118, da CRM, cujo texto transcrevemos:

Artigo 147
(Elegibilidade)
1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal directo, igual, secreto, pessoal
e periódico.
2. Podem ser candidatos a Presidente da República os cidadãos moçambicanos que
cumulativamente:
a) tenham a nacionalidade originária e não possuam outra nacionalidade;
b) possuam a idade mínima de trinta e cinco anos;
c) estejam no pleno gozo dos direitos civis e políticos;
d) tenham sido propostos por um mínimo de dez mil eleitores.

3. O mandato do Presidente da República é de cinco anos.


4. O Presidente da República só pode ser reeleito uma vez.
5. O Presidente da República que tenha sido eleito duas vezes consecutivas só pode
candidatar-se a eleições presidenciais cinco anos após o último mandato.
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 45
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
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Pelas razões acima expostas, a restrição impõe-se também aos cidadãos estrangeiros que
tenham adquirido a nacionalidade moçambicana, nos seguintes termos:
Artigo 30
(Restrições ao exercício de funções)
1. Os cidadãos de nacionalidade adquirida não podem ser deputados, membros do
Governo, titulares de órgãos de soberania e não têm acesso à carreira diplomática ou
militar.
2. A lei define as condições do exercício de funções públicas ou de funções privadas de
interesse público por cidadãos moçambicanos de nacionalidade adquirida.

Bibliografia Básica:

1. Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Jorge Miranda, 3.ª ediç., Coimbra
1996;
2. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Geral, Preâmbulo artigos
1.˚ a 79.˚, Coimbra Editora, 2005;
3. Direito Constitucional de Moçambique, Jorge Bacelar Gouveia, Lisboa,
Maputo, 2015;
4. “O Estado”, publicações Europa-América, Georges Burdeau, Lisboa, 1981;
5. Teoria Geral do Direito e do Estado, Hans Kelsen, Martins Fontes, São Paulo,
2005;
6. Teoria Geral do Estado, Reinhold Zippelius, Serviço de Educação, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997;
7. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, Marcello Caetano,
Coimbra, 1996;
8. Ciência Política Direito Constitucional – Introdução à Teoria Geral do Estado.
Ricardo Leite Pinto, José de Matos Correia e Fernando Roboredo Seara, Oeiras,
2000;
9. Introdução à Ciência Política, Teorias, Métodos e Temáticas, António José
Fernandes, Porto;
10. As Origens do Estado Moderno, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972;
11. “O Estado”, Joh Hall e Ikenberry, Editorial Estampa, Lisboa, 1990,
12. O Estado, Georges Burdeaus, Publicações Europa – América,
Doutor. António Salomão Chipanga, PhD, Professor Universitário da Faculdade de Direito da UEM e 46
da Universidade Nachingwea. Regente das disciplinas de Ciência Política, Direito Constitucional,
Direitos Fundamentais, Direito Eleitoral, Contencioso Constitucional e Eleitoral e História de Direito
Moçambicano.
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Legislação

1. Constituição da República Popular de Moçambique de 1975;


2. Constituição da República de Moçambique de 1990;
3. Constituição da República de Moçambique de 2004;
4. Lei da nacionalidade, publicada no BR n.º 50, Supl. de 12 de Dezembro de 1991;
5. Lei n.º16/87, de 21 de Dezembro, introduz alterações à lei da nacionalidade,
publicado no BR n.º 50, de 21 de Dezembro de 1987, 4.º suplemento;
6. Lei n.º 5/93, de 28 de Dezembro, estabelece o regime jurídico do cidadão
estrangeiro, publicado no BR n.º51, de 28 de Dezembro de 1993, 2 .º Suplemento
7. Decreto-Lei n.º 39.666, de 20 de Maio de 1954, Promulga o Estatuto dos
Indiginas Portugueses das provincias da Guiné, Angola e Moçambiqe, publicado
no Boletim Oficial n.º22, de 31 de Maio de 1954;
8. Decreto-Lei n.º 1/76, de 6 de Janeiro, regulamenta o regime de emprego de
trabalhadores estrangeiros em Moçambique, publicado no BR n.º 2 de 6 de
Janeiro de 1976;
9. Decreto-Lei n.º49.400, de 19 de Novembro de 1069, sobre a emigração
clandestina, publicado no Boletim Oficial n.º 20, de 11 de março de 1970;
10. Resolução n.º 5/91, de 12 de Dezembro, Ratifica o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
em 16 de Dezembro de 1966, publicado no BR n.º 50, Supl. de 12 de Dezembro
de 1991;
11. Decreto n.º 5/88, de 8 de Abril, publicado no BR n.º14, de 8 de Abril de 1988,
Suplemento- introduz alteraçoes ao Decreto n.º 3/75, de 16 de Agosto;
12. Decreto n.º25/99, de 24 de Maio, publicado no BR n.º20, de 24 de Maio de 1999,
2 .º Suplemento;
13. Decreto n.º 26/99, de 24 de Maio, publicado no BR n.º20, de 24 de Maio de 1999,
n.º Suplemento;
14. Portaria n.º 28/75, de 19 de Agosto, publicado no BR n.º24, de 19 de Agosto de
1975;
15. Diploma Ministerial n.º 113/96, de 16 de Outubro, publicado no BR n.º 42, de 16
de Outubro de 1996, Suplemento;

Maputo, Outubro de 2016

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