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O Conceito de Idade Média e As Discussões Historiográficas
O Conceito de Idade Média e As Discussões Historiográficas
discussões historiográficas
Prof.ª Marta Carvalho Silveira
Descrição
Objetivos
Módulo 1
A historiografia medieval
Módulo 3
Fontes diversas para o estudo da Idade Média
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Introdução
A historiografia do século XIX, seguindo um processo iniciado já em fins dos séculos
medievais, convencionou chamar de Idade Média o período entre os séculos V e XV.
Eminentemente política, essa historiografia demarcou o “início” e o “fim” da Idade
Média com dois movimentos que se referiram à desagregação do antigo Império
Romano. Dessa forma, o início da Idade Média foi situado em 476, quando uma tribo
germânica, os hérulos, ocupou a cidade de Roma, capital do Império Romano Ocidental.
Já a conquista da cidade de Constantinopla, capital do Império Romano Oriental (ou
Império Bizantino), em 1453, pelos turcos otomanos, marcou o fim da Idade Média.
Nota-se, então, que a identidade temporal medieval não foi instituída com base nos seus
próprios critérios estruturais, mas naqueles firmados pela modernidade e
contemporaneidade sob uma visão constituída acerca da Antiguidade greco-romana.
A construção da ideia de Idade Média pode ser encontrada em algumas obras, como por
exemplo:
Francesco Petrarca (1304-1374)
Como vimos, difundia-se, assim, entre os humanistas de fins da Idade Média, o uso do
termo “tempo médio” para referir-se ao período em que viviam.
Com o avançar das reflexões estéticas e filosóficas que os humanistas estabeleceram nos
séculos XV e XVI, a arte medieval, por fugir dos padrões greco-romanos clássicos, foi
vista como grosseira, como veremos nas considerações dos autores a seguir:
Pintor e escultor italiano, que chamou de “gótica”, termo utilizado praticamente como
sinônimo de “bárbara”, dado seu pouco requinte técnico, em que a perspectiva e o jogo
de luzes, inovações da arte renascentista, não existiam.
Nascia, assim, o mito historiográfico da Idade Média como a Idade das Trevas, que foi
adotado, no século XVI, pelos eruditos alemães e franceses.
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Comentário
Esse foi o sentido empregado nos manuais escolares produzidos nesse século, o que deu
origem à construção de uma noção de Idade Média, no âmbito pedagógico, que se
expandiu para a cultura escolar ocidental e influenciou diretamente a forma como a
Idade Média ainda é ensinada no Brasil do século XXI.
Além disso, o século XVII foi o palco de uma série de embates religiosos decorrentes da
Reforma Protestante.
Nesse momento, ficou caracterizada, portanto, a visão da Idade Média como a Idade das
Trevas. Os filósofos iluministas condenavam a Idade Média por representar uma ruptura
na marcha de desenvolvimento que a humanidade iniciara na Antiguidade e somente
recobrara na Idade Moderna. Como veremos a seguir, de acordo com os acontecimentos
nos séculos:
XVII
XIX
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Marxista
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Analítica
Historiografias contemporâneas
A historiografia marxista parte do pressuposto de que as condições materiais de
existência direcionam o andamento do processo histórico, que se move a partir da luta
de classes travada no âmbito das sociedades, onde os indivíduos se organizam em torno
da posse dos meios de produção.
Aqueles que possuem e dominam os bens de produção fazem parte da classe dominante,
enquanto a classe dominada é constituída por aqueles que, sem possuir os bens de
Pensando a sociedade a partir de um processo evolutivo que teria início nas sociedades
tribais primitivas e finalizaria com a implantação do modo de produção comunista, onde
a propriedade dos bens seria coletiva, os historiadores marxistas consideram a Idade
Média como o momento de vigência do modo de produção feudal.
A característica mais efetiva do modo de produção feudal seria a divisão social entre as
classes:
Dominante
Eles pretendiam romper com a ideia de que a história deveria ficar atrelada somente ao
campo político ou econômico, mas deveria ser entendida em uma perspectiva total.
A história total considera que, para que o processo histórico seja de fato analisado, faz-
se necessário abarcar elementos referentes aos quatro campos fundamentais da história,
sem que exista uma hierarquia entre eles:
1. gavel
Político.
2. monetization_on
Econômico.
3. groups
Social.
4. psychology
Cultural.
Dessa forma, o que guia a análise realizada pelo historiador é a problemática por ele
levantada.
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Atenção!
1. Tempo curto
O tempo do acontecimento.
2. Tempo médio
O tempo da conjuntura.
3. Tempo longo
O tempo da estrutura.
Somente assim, o historiador poderá abarcar a multiplicidade de fatores que
caracterizam o fenômeno histórico alvo da sua problemática.
Nota-se, então, que a historiografia analítica em muito contribuiu para a inovação dos
estudos históricos e é largamente utilizada pelos medievalistas para a análise das
temáticas e do contexto medieval. Isso porque as diretrizes teórico-metodológicas
propostas contribuíram grandemente para o alargamento das temáticas de pesquisa em
Idade Média, e a ampliação da noção de fonte histórica permitiu aos medievalistas
inovar em suas pesquisas explorando corpus documentais variados com a segurança
intelectual que as demais áreas do conhecimento têm a oferecer. Assim, no âmbito da
Escola dos Annales, realizaram-se muitas pesquisas em busca do homem medieval, o
entendimento que possuía da sua realidade e as formas que elaborou para lidar com ela
nos seus mais diversos níveis.
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Reflexão
eclesiástico, que tinha entre suas necessidades fundamentar uma liturgia que garantisse
Nos primórdios da Idade Média, era imperativo que a Igreja, em seu movimento de
expansão da cristianização no Ocidente, estabelecesse rituais litúrgicos que
substituíssem as práticas religiosas germânicas e consolidassem as práticas religiosas
cristãs.
Concílios ecumênicos.
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Reflexão
Como alertou Baschet, ao tratar-se desse amplo período, é preciso lembrar que ele
guarda uma heterogeneidade não só espacial, mas também temporal. “Falar da Idade
Média é, então, um procedimento redutor e perigoso, se permitirmos que se entenda por
esta expressão tratar-se de uma época igual a si mesma desde seu início até o seu fim e,
então, imóvel” (BASCHET, 2006, p. 22).
Romano
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Cristão
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Germânico
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Baixa Idade Média
Corresponde aos séculos XIV e XV, e representou o período em que a crise do sistema
feudal se instalou, a peste bubônica se espalhou pelo Ocidente, impactando
enormemente a taxa demográfica e produtiva europeia, dentre outros fatores.
É comum também a divisão bipartida para o estudo do período medieval, na qual a Alta
Idade Média abarcaria os séculos V a X e a Baixa Idade Média, os séculos XI a XV. O
importante é notar que, em ambas as formas de estabelecer as subdivisões temporais
medievais, o ano 1000 é considerado um marco de intensas transformações que
representaram rupturas com o período anterior e a configuração de novas estruturas.
É comum também a divisão bipartida para o estudo do período medieval, na qual a Alta
Idade Média abarcaria os séculos V a X e a Baixa Idade Média, os séculos XI a XV.
Vejamos as considerações de alguns autores a seguir:
O ano 1000
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Comentário
1. looks_one
A falta de uma precisão cronológica, pois seu foco encontra-se nos elementos culturais,
o que pode dificultar seu uso para o estudo dos outros campos históricos.
2. looks_two
3. looks_3
III
close
VIII
A Primeira Idade Média se caracterizou, de acordo com seus defensores, pela intensa
troca cultural entre os elementos:
flag
Romanos
flag
Germânicos
flag
Cristãos
Le Goff
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Le Goff propôs a existência de uma “Longa Idade Média”, que se estenderia do século
IV ao XVIII, ou seja, entre o fim do Império Romano e o desenvolvimento da
Revolução Industrial. O objetivo do historiador era subverter as ilusões do
Renascimento e dos Tempos Modernos. Esse longo período não seria imóvel, e sim
possuidor de especificidades, como as que caracterizam sua última fase, habitualmente
chamada de Tempos Modernos.
Dessa forma, o Renascimento não teria marcado o fim da Idade Média, mas faria parte
de um conjunto de renascimentos que ocorreram no período e que possuíam a
característica comum de buscar uma idade do ouro que ficou para trás.
Baschet
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Baschet (2006), acerca do “fim” da Idade Média, situa o marco final desse período
histórico no ano de 1492. A “descoberta” da América foi considerada um
acontecimento-chave, especialmente pelos medievalistas latino-americanos, por ter
propiciado uma alteração na lógica de organização e de produção da sociedade
europeia, instaurando o sistema colonial.
Nessa perspectiva, a Idade Média seria uma espécie de “antimundo anterior ao reinado
do mercado” (BASCHET, 2006, p. 15). Tomando outro caminho para analisar as
relações entre o mundo medieval e o mundo moderno e ressaltando seu impacto sobre a
constituição das sociedades coloniais americanas, especialmente as da América
Espanhola, Baschet (2006) entendeu que os fatores motivadores que impulsionaram os
europeus na descoberta de novas terras encontraram-se ligados a uma mentalidade
medieval.
Como vimos, toda essa discussão mostra-se válida para que os historiadores se sintam
estimulados a cada vez mais avançar sobre novos tempos e novos espaços, explorando,
sobretudo, suas conexões, contudo, atentos ao alerta dado, como veremos a seguir:
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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou
de estudar.
Responder
Questão 2
A definição da Idade Média é objeto de debate entre os estudiosos, mas é comum que
busquemos tendências para a organização cronológica.
B
A Queda de Constantinopla, a inauguração do papado e as reformas protestantes são
inadequadamente relacionados à Idade Média.
O início no século V e o fim no século XV seguem uma lógica que respeita a estrutura
do período.
A definição da Idade Média será sempre imprecisa, em razão da escassez de fontes para
determinar com precisão esse período.
Responder
Pintura medieval em mural que decora a Igreja de Sant Climent de Taüll (Espanha).
Todos esses autores eram clérigos. Ocupando posições importantes no corpo clerical,
tiveram acesso a arquivos, pessoas e circunstâncias que lhes permitiram combinar, em
seus relatos, fatos passados e contemporâneos. Além disso, todos receberam a tarefa de
redigirem seus relatos do alto clero ou dos reis para registrar a história de uma diocese,
de um reino etc. Vejamos sobre as obras de cada um deles a seguir:
Agostinho de Hipona
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Preocupado em criar um entendimento teológico para a história humana e sobretudo
empenhado em rebater a tese de que o cristianismo teria arruinado o Império Romano,
especialmente a partir do saque da cidade de Roma pelas tropas visigodas, em 410,
Agostinho de Hipona redigiu Cidade de Deus, em 22 livros, entre 413 e 426. Nessa
obra, Agostinho empenhou-se em valorizar o cristianismo, em detrimento da religião
romana tradicional, e em explicar sua concepção histórico-teológica, inspirada no
platonismo grego, que considerava a cidade terrestre um reflexo da cidade celeste, onde
Deus reinava com sua corte e garantia a ordem perfeita. A cidade de Deus, portanto, é
aberta a todos aqueles que se dedicam à vontade divina e “agem na história sob a forma
de uma Igreja militante, que peregrina por esta terra e luta na expectativa do triunfo”
(BOURDÉ; MARTIN, 2018, p. 42).
Gregório de Tours
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O bispo de Tours escreveu “dez livros de história, sete de milagres, um sobre a vida dos
Padres da Igreja, um comentário dos Salmos e um livro sobre os ofícios eclesiásticos”
(BOURDÉ; MARTIN, 2018, p. 44). Inovou no estilo, colocando-se como testemunha
da história, uma fonte viva que se somava a outras, já que Gregório coletava relatos
vindos do âmbito tanto eclesiástico quanto laico. O uso dos testemunhos orais não
prescindia das fontes escritas variadas que eram cuidadosamente ponderadas pelo autor.
É claro na obra de Gregório de Tours o louvor à história dos francos, o que delegava aos
inimigos do reino (os outros povos germânicos e os judeus) um olhar estereotipado e
pejorativo. Em História dos Francos, o bispo criou novo espaço historiográfico, porque
fundiu o relato cronístico ao hagiográfico, utilizando recursos narrativos para envolver
seus leitores, abusando dos elementos sobrenaturais e milagrosos para justiçar a ação
dos personagens e os atos narrados. De acordo com Bourdé e Martin (2018, p. 47):
O bispo de Tours nos diz, aliás, que as relíquias e os amuletos são eficazes para os que
têm fé. Deus se tornou o autor principal da história. Direta ou indiretamente, através de
seus intermediários na terra, ele manipula ao mesmo tempo as forças naturais e os
agentes históricos.
Flodoardo de Reims
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Outros intelectuais
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Reflexão
Na nova configuração política e religiosa que o Ocidente viu surgir após o Império
Romano, a Igreja (tanto por parte do papado, quanto dos monges e dos bispos,
especialmente) desempenhou um papel fundamental, tanto na cristianização dos povos
germânicos, quanto na justificação do poder régio, entendido como atribuído ao rei pela
vontade divina.
Nesse sentido, Carlos Magno cercou-se de homens sábios, originários do clero, que o
auxiliaram no que foi nomeado por historiadores de “renascença carolíngia”. Apesar de
as realizações da alta cultura carolíngia não serem tão amplas quanto se considerou
posteriormente e nem o imperador ter uma cultura tão profunda quanto a imagem a
posteriori propôs, Carlos Magno “Pensava que o saber, a instrução, era uma
manifestação e um instrumento de poder necessários” (LE GOFF, 2007, 58).
Alcuíno de York (735-804).
Uma das figuras que levou adiante o projeto cultural carolíngio foi Alcuíno de York
(735-804), ele foi o principal conselheiro do imperador. Responsável por retomar e
difundir a escrita em latim, Alcuíno foi autor de uma gramática latina e de uma série de
obras de cunho educativo, base para a formação daqueles que frequentavam as escolas
palacianas e episcopais, onde se ensinavam as sete artes liberais.
Trivium
Quadrivium
A adoção da regra beneditina difundiu ainda mais a prática da escrita de textos que
perfaziam os aspectos teológicos e históricos, de forma que as narrativas históricas e
hagiográficas se retroalimentavam, em um esforço de construir a memória de uma
instituição eclesiástica, das cortes senhoriais e das casas régias.
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Curiosidade
O contato entre o mundo muçulmano e o ocidente já existia antes mesmo das Cruzadas
e se dava, principalmente, a partir da Península Ibérica e da Península Itálica, onde o
trânsito de mercadorias (incluindo-se manuscritos) e pessoas era intenso.
Durante muito tempo, os historiadores lidaram com uma concepção de Idade Média
voltada somente para o Ocidente. Embora existam diferenças culturais marcantes entre
as sociedades ocidental e oriental ao longo do período medieval, grande parte delas
advindas das referências religiosas, a medievalística contemporânea já caminha para o
entendimento de uma visão conectada da História Medieval. Sem negar os processos
históricos locais, a história conectada, como o próprio nome aponta, pretende explorar
as conexões existentes entre os diversos espaços e culturas.
Um forte movimento de tradução de textos gregos e árabes marca o fortalecimento da intelectualidade europeia.
Tais obras circulavam nos principais centros de tradução do árabe para o latim, ou para
as línguas vernáculas, presentes na Península Itálica e na Península Ibérica, e dali
difundiam-se pela rede de abadias e centros de saber espalhados pelo Ocidente
medieval, também alimentados pelos sábios bizantinos.
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Atenção!
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Reflexão
Sobre essa nova consciência, Bourdé e Martin (2018, p. 59) concluíram que esse novo
censo da história vai de par com um novo senso da natureza, percebida como um cosmo
ordenado, e do papel do homem no seu seio. O homo faber, cuja ação se inscreve no
tempo, tem por tarefa prolongar e completar a obra criadora de Deus.
Inaugura-se, assim, uma antropologia que pretende refletir sobre o ser humano e seu
papel na história. A aventura do homem na terra passou a ser valorizada, e não somente
algo efêmero frente a importância da vida celeste.
Clérigos
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Laicos
Jan Dlugosz
O cronista que escreveu História da Polônia, entre 1445 e 1480, e teve amplo acesso
aos arquivos do capítulo e da chancelaria da Cracóvia, além daqueles que se
encontravam em diversos conventos, sendo exemplo de cronista que empreendeu vasta
pesquisa documental para redigir sua crônica.
Jean Froissart
extension
Exemplo
Um marco na produção cronística foi General Estoria, uma obra destinada a contar a
história da Espanha desde sua origem até o reinado do rei de Leão e Castela, Fernando
III.
Sua produção foi coordenada pelo rei Afonso X, filho e sucessor do monarca, sob a
direção do monge franciscano Juan Gil de Zamora, que tinha sob sua liderança uma
equipe de cronistas que atuavam no scriptorium afonsino. Sua feitura contar com a
supervisão ativa do monarca, e patrono da obra, a quem também se atribuiu o fato de ter
sido escrita em castelhano, inaugurando uma tendência de escrever as crônicas na língua
vernácula, e não em latim, tornou-a referência na produção cronística baixo-medieval.
person
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Por outro lado, seus opositores, suas linhagens e seus feitos eram frequentemente
difamados. Logo, a história dos protagonistas da crônica misturava-se à história dos
reinos, em uma busca intensa por uma origem gloriosa.
Isso nos remete ao quarto elemento que caracterizou as fontes desse período, a
inserção das narrativas dos reinos e dos seus protagonistas na história humana. Dessa
forma, era comum que os cronistas régios, principalmente, recuassem aos tempos mais
longínquos para elaborar a história do reino e nele observar elementos que
demonstravam a intervenção divina nos momentos críticos. Contudo, rompendo com a
tendência das crônicas alto-medievais, que frequentemente faziam uso dos elementos
sobrenaturais próprios dos relatos hagiográficos, os cronistas baixo-medievais
diminuíram consideravelmente as inserções sobrenaturais nos seus relatos.
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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou
de estudar.
Quanto à missão da escrita da História e seu registro durante a Idade Média, pode-se
afirmar que
Responder
Questão 2
A produção de história durante a Baixa Idade Média foi fortemente impactada pela
criação e consolidação das
catedrais.
B
monarquias.
práticas papais.
guerras santas.
universidades.
Responder
As variedades metodológicas
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Documentos, Famílias e desafios de
investigar a História medieval
Neste vídeo, será apresentado o que é um documento por meio de um estudo de caso,
usando as legislações para mostrar como é complexo estudar o passado.
Uma das grandes contribuições da Escola dos Annales para a historiografia foi a
“revolução documental” estabelecida ao entender qualquer vestígio deixado pelo
homem sobre a Terra como uma fonte para o estudo da História, quebrando o
entendimento de que somente os documentos oficiais escritos deveriam ser
considerados fontes válidas para o fazer história. A ampliação da noção de fonte
histórica propiciou, então, que os historiadores explorassem novas temáticas e novos
objetos.
Para lidar com a variedade de fontes que envolve essa revolução documental, os
historiadores estão permanentemente instados a recorrer a outros campos do
conhecimento para encontrar elementos que lhes permitam desenvolver novas
metodologias de análise documental. É assim que a análise de discurso, a análise de
conteúdo, o comparativismo, a semiótica, os métodos quantitativos, a história serial etc.
adentraram o mundo historiográfico e têm sido revisitados e aprimorados com o passar
do tempo.
No que se refere aos estudos medievais, a ampliação do leque documental contribuiu
Portanto, muitas crônicas, cartas e decretos oficiais, atas conciliares, dentre outras
formas oficiais de documentação, encontram-se catalogados em grandes arquivos e,
com o advento da tecnologia virtual, disponibilizados na Internet para consulta também
em sua versão manuscrita.
Boa parte das obras literárias medievais, que foram preservadas por bibliotecários e
livreiros ao longo dos anos, encontram-se disponíveis em versões físicas e digitais, em
língua original ou já traduzidas para diversos idiomas. As obras têm servido como
objetos de estudo de profissionais de várias áreas, dentre elas historiadores, que,
partilhando de um olhar interdisciplinar, especialmente em parceria com linguistas e
filólogos, têm buscado nelas referências da cultura e do modo de pensar medieval.
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Curiosidade
A Idade Média também produziu uma série de tratados ligados a diversas áreas de
conhecimento. Contudo, nem sempre os medievalistas se empenharam em desbravá-los.
Em grande parte, isso se dá porque a noção de cientificidade da modernidade difundiu a
noção de que a Idade Média não produzia ciência, limitando-se os sábios medievais a
simplesmente copiarem antigos tratados greco-romanos. Essa perspectiva equivocada
deixou fora do radar dos medievalistas o estudo das obras tratadísticas que mais
recentemente têm sido revisitadas, como os tratados de:
Além disso, a Idade Média foi um período profícuo na produção de códigos jurídicos
que basearam o Direito moderno e que possui referências no Direito contemporâneo. No
período alto-medieval, foram produzidos códigos germânicos (como a Lei Sálica, dos
francos, e o Código Visigótico) por iniciativa dos monarcas germânicos e das forças
episcopais locais interessados em regular o convívio entre romanos e germânicos que
habitavam os reinos. Vejamos:
Direito canônico
Direito régio
No século XIII, sobretudo com a formação das monarquias medievais, o Direito régio
foi elaborado a partir das várias referências jurídicas do período. Para aqueles que se
interessam em entender as leis como mecanismos de exercício de poder e como
facilitadoras e disciplinadoras das dinâmicas sociais, é só buscar os textos legais, já
largamente difundidos na formas impressa e virtual.
Em busca de documentos
O contato mais intenso com a arqueologia tem propiciado mais um salto nos estudos
relativos ao período medieval. Conforme a arqueologia amplia suas descobertas, mais
os historiadores têm elementos para entender a forma como os povos se conectavam
comercial e economicamente, observando o deslocamento de pessoas e de produtos
entre as diversas regiões, como pretendem os historiadores da história global, por
exemplo. Mas também lhes é permitido desvendar a forma como os homens medievais
lidavam com suas realidades cotidianas, como a alimentação, o vestuário, a moradia, os
instrumentos de trabalho, de diversão, dentre outros.
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Curiosidade
Em linhas gerais o estudo sobre as mulheres e sua atuação na sociedade medieval tem
sido de interesse de vários medievalistas. Estes optam por compreender esse tema a
partir do papel social que essas mulheres desenvolveram, o que caracteriza a História
Social das mulheres, ou aos elementos culturais (práticas e símbolos) que envolvem a
construção da noção feminilidade e de masculinidade na sociedade medieval, sendo esta
a ótica dos estudos de gênero.
Wallerstein (1974) elaborou uma teoria política e econômica que, partindo da relação
moderna de interdependência inter-regional e transnacional, iniciada no século XVI
com a instauração do sistema colonial, propôs uma divisão mundial entre países
centrais, semiperiféricos e periféricos. A influência de Wallerstein foi em grande
medida responsável por criar pontes entre as perspectivas globais ainda incipientes na
História e na Sociologia, abrindo os olhos e inspirando algumas gerações de
pesquisadores a pensar as desigualdades na escala global a partir do processo de
descolonização do século XIX.
História Conectada
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Caminhando no estudo das conexões entre os diversos espaços e povos, Libera (1999)
criticou a equiparação do conceito de Idade Média ao de Ocidente cristão. Dessa forma,
o que não era simultaneamente ocidental e cristão era colocado à margem pelos
estudiosos, considerado exótico e sem legitimidade própria. Em reação a isso, De Libera
propôs-se a entender a Filosofia Medieval a partir da perspectiva da translatio
studiorum, ou seja, do movimento fluído do conhecimento executado por obras e
agentes do saber que se moviam pelas rotas de comércio, mercados, cortes,
universidades, madrassas e escolas de tradução pré-modernas.
Apesar de a História Global ser ainda pouco precisa metodologicamente e abrigar
diversas perspectivas teóricas na sua constituição, sendo um campo analítico ainda em
desenvolvimento, ela tem contribuído bastante para a exploração de novos espaços e
culturas, investindo na análise das suas conexões. Contudo, o uso de uma perspectiva
global pode originar análises excessivamente generalizantes e não significa a derrocada
dos estudos voltados para sociedades específicas, espacialmente localizadas, pois esses
estudos específicos e locais é que oferecem subsídios para o estabelecimento das
análises globais.
1. Literatura
2. Pintura
3. Arquitetura divulgadora dos estilos gótico e neogótico
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Comentário
Também para outros produtos culturais que cada vez mais alcançam o grande público
contemporâneo.
Os estudos medievais, portanto, são cada vez mais marcados pelo dinamismo das
abordagens e do uso das fontes históricas, mas ainda há muito o que caminhar no
sentido de pelo menos minimizar os efeitos negativos que os estereótipos largamente
difundidos acerca desse período ainda geram no meio acadêmico e no senso comum.
Por isso, concluimos com um alerta que ainda é bastante válido.