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Evolução

1 A Natureza da Ciência

Entender como a ciência funciona permite-nos distinguir facilmente aquilo que não é
ciência. Além disso, para entender a evolução biológica, ou qualquer outra ciência, é
essencial começar com a natureza da ciência.
Acesse o link no ambiente virtual para conhecer o material de referência desenvolvi-
do pela Universidade de Berkeley, USA, que será usado muitas vezes nesta disciplina.

O que é ciência?
Ciência é uma maneira particular de entender o mundo natu-
ral. Ela expande a curiosidade intrínseca com a qual nascemos
e nos permite conectar o passado com o presente, como acon-
tece com as sequoias (Figura 1).
A ciência é baseada na premissa de que nossos sentidos e as
extensões desses sentidos, pelo uso de aparelhos, podem for-
necer-nos informações precisas sobre o Universo. A Ciência
segue “regras” muito específicas e seus resultados são sempre
sujeitos a testes e, se necessário, a revisões. Mesmo com tais
restrições, a ciência não exclui - às vezes até se beneficia - a
Fig. 1 Sequoias criatividade e a imaginação (quando adicionadas de uma boa
quantidade de lógica).

A ciência faz três perguntas básicas


1. O que é?
O astronauta recolhendo rochas na Lua, o físico nuclear bombardeando átomos, o bió-
logo marinho descrevendo uma espécie recém-descoberta, o paleontólogo escavando
estratos promissores, todos estão procurando saber “O que é?”
Tema 1 A Natureza da Ciência 9

2. Como funciona?
Um geólogo comparando os efeitos do tempo em rochas
lunáticas com os efeitos do tempo em rochas terrestres, o
físico nuclear observando o comportamento de partículas, o
biólogo marinho observando as baleias nadando e o pale-
ontólogo estudando a locomoção de um extinto dinossauro:
“Como funciona?”

3. Como chegou a ser isto?


Cada um desses cientistas tenta reconstruir as histórias de
seus objetos de estudo. Quer sejam esses objetos rochas,
partículas elementares, organismos marinhos ou fósseis, os
cientistas estão perguntando: “Como chegou a ser isto?” Fig. 2 Medindo T. Rex para investigar locomoção

A Ciência funciona de formas específicas


O propósito da ciência é aprender sobre o nosso universo.
A beleza da ciência emana da liberdade para explorar e ima-
ginar. Entretanto, para maximizar a possibilidade de que no
final consigamos acertar, a ciência segue orientações razoá-

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veis. É importante manter em mente certos fundamentos:
∙∙ A Ciência baseia-se em evidências do mundo natural
e essas evidências são examinadas e interpretadas pela
lógica.
∙∙ A flexibilidade criativa é essencial ao pensamento cien-
tífico; entretanto, a ciência segue um processo guiado
por certos parâmetros. Fig. 3 Cientistas
∙∙ A Ciência é incorporada à cultura de seu tempo.
Entender como a ciência funciona permite-nos distinguir ciência do que não é ciência.

Ciência tem princípios


A ciência procura explicar o mundo natural e suas explicações são
testadas utilizando evidências do próprio mundo natural. Pássaros e
lagartos existem no mundo natural e, portanto, são abrangidos na esfera
de ação da ciência.
É divertido ler sobre elfos e gnomos ou até colocá-los como estátuas
Fig. 4 Pássaro e lagarto
em nossos jardins, mas eles não habitam o mundo natural, o que
significa que não são apropriados para estudos científicos. A base de
qualquer entendimento científico é a informação retirada de observa-
ções da natureza.
A ciência supõe que podemos aprender sobre o mundo natural jun-
tando evidências percebidas pelos nossos sentidos e suas extensões.
Uma flor ou uma rocha pode ser diretamente observada sem auxílio
de aparelhos. Mas, usando tecnologia, nós podemos expandir os senti-
dos humanos para observar fenômenos invisíveis, como eletricidade e
campos magnéticos, e objetos, como bactérias e galáxias longínquas. Fig. 5 Elfos e gnomos não são
objetos científicos
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Sonhos, aparições e alucinações, por outro lado, podem parecer reais, mas não derivam
e tampouco são extensões dos nossos sentidos. O teste final de qualquer compreensão
conceitual só existe quando apoiado em materiais e observações reais. Sem evidência só
é possível especular.

Ciência é um processo
Ideias científicas são desenvolvidas através do raciocínio
Inferências são conclusões lógicas baseadas em fatos observáveis. Muito do que sabe-
mos de estudos científicos é baseado em inferências de informações, sem importar se o
objeto de estudo é uma estrela ou um átomo. Ninguém jamais viu o interior de um átomo;
ainda assim, nós sabemos, por inferência, o que há lá. Átomos foram desmontados e seus
componentes, determinados. A história da vida na Terra foi, da mesma forma, inferida
através de múltiplas linhas de evidência.

Afirmações científicas baseiam-se em testar

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explicações contra observações do mundo natural
e rejeitar aquelas que falharem no teste
Explicações científicas são avaliadas usando evidências do mundo natural. As evidências
podem vir de várias fontes: um controlado experimento laboratorial, um estudo de anato-
mia ou gravações de radiação vindas do espaço, para não citar mais. Explicações que não
batem com as evidências são descartadas ou modificadas e testadas novamente.

Fig. 7 Eras históricas


Ninguém viveu ao longo da história, mas sabemos que ela ocorreu.

Fig. 6 Átomo. Ninguém jamais viu o interior de um


átomo mas nós sabemos o que há lá.
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Afirmações científicas são sujeitas à revisão externa


e reprodução
Revisão externa por especialistas é parte integral de empreendimentos científicos genu-
ínos e acontece continuamente em todas as áreas da ciência. O processo de revisão inclui
exames das informações e da coerência de outros cientistas. Ela tenta identificar explica-
ções alternativas e reproduzir observações e experimentos.

No mercado das ideias, a explicação mais simples tem


vantagem. Esse princípio é conhecido como parcimônia.
Considere essas observações:
∙∙ Uma observação mais aprofundada de caracóis, nautiloides, lulas, polvos e sépia
revela a similaridade básica do formato do corpo de cada um (veja abaixo).
∙∙ A concha de um nautilus e de seus parentes extintos, as ammonites, é similar à
concha de um caracol.
∙∙ Os tentáculos de um polvo, quando examinados cuidadosamente, podem ser vistos
como sendo um pé modificado de caracol.
∙∙ O estômago de todos os membros desse grupo tem a mesma disposição de partes.

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Fig. 8 Caracol e lula

Uma possível explicação é a de que esses animais adquiri-


ram, independentemente, órgãos equivalentes através de uma
considerável série de coincidências, mas a explicação mais
provável é a de que esses animais herdaram órgãos similares
através de ancestralidade comum. Isso é parcimônia.

Fig. 9 Polvo. Ancestralidade comum é a explicação


parcimoniosa para as similaridades entre esse polvo
e seus parentes. Imagem cortesia de Gustav Pauley.
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Não existe “O” método científico


Se você for a feiras de ciência ou ler revistas científicas, pode ter a impressão de que
ciência não é nada mais que a sequência: “perguntas – hipóteses – procedimentos – infor-
mações - conclusões”.
Mas essa é raramente a maneira como os cientistas trabalham. Grande parte do pensa-
mento científico, seja ele feito enquanto caminha, no banho, no laboratório ou enquanto
se escava um fóssil, envolve contínuas observações, perguntas, múltiplas hipóteses e ain-
da mais observações. Ela dificilmente se conclui e nunca se “prova”.

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Fig. 10 Cientistas em trabalho de campo escavando um fóssil. Imagem de trabalho de campo científico cor-
tesia de David Smith, UCMP.

Juntar toda a ciência num mesmo pacote “O método científico”, com


seu estereótipo de um cientista com jaleco branco e frascos borbu-
lhantes, deturpa muito o que os cientistas passam grande parte do seu
tempo fazendo. Especialmente aqueles que estão envolvidos em ciên-
cia histórica trabalham de maneira bastante diferente, onde perguntar,
investigar e criar hipóteses podem ocorrer em qualquer ordem.

Fig 11 Estereótipo científico

Teorias são essenciais para o pensamento científico


Teorias são explicações generalizadas que esclarecem algum aspecto da natureza, são
baseadas em evidências, permitem que cientistas façam predições válidas e são testadas
de todas as formas. Teorias são defendidas, modificadas ou substituídas quando novas
evidências aparecem. Teorias dão aos cientistas quadros dentro dos quais possam traba-
lhar. Importantes teorias científicas, como a teoria celular, teoria da gravidade, teoria da
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evolução e teoria das partículas são todas grandes ideias dentro das quais cientistas testam
hipóteses específicas.
A definição científica de “teoria” não pode ser confundida com a maneira como o termo
é comumente utilizado, significando uma suposição ou um pressentimento. Em ciência,
uma teoria significa muito mais e é muito bem fundamentada. A “Teoria da Evolução” é
uma teoria embasada, internamente consistente e muito testada a explicação de como
decorreu a história da vida na Terra – não um palpite. Entender o papel da teoria na ciên-
cia é fundamental para cientistas e vital para os cidadãos bem informados.

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Fig. 12 Definições de teoria

Características da ciência
Conclusões em ciência são confiáveis, apesar
de provisórias
Ciência é sempre um trabalho em andamento e suas conclusões são sempre provisórias.
Mas, assim como “teoria”, a palavra “provisório” tem um significado especial quando
inserida no contexto científico. Conclusões científicas não são provisórias no sentido de
serem temporárias até alguém aparecer com a resposta certa. Conclusões científicas têm
seu conteúdo objetivo e sua racionalização bem fundamentada, e são provisórias apenas
no sentido de que toda ideia está aberta à análise e teste. Em ciência, a efemeridade de
ideias como a natureza dos átomos, células, estrelas ou a história da Terra mostra o anseio
dos cientistas de modificar suas ideias conforme surjam novas evidências.
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Ciência não é democrática


Ideias científicas estão sujeitas à análise
de qualquer um, seja de longe ou de per-
to, mas nunca há votação. Se a questão
das placas tectônicas tivesse sido decidida
democraticamente quando foi apresenta-
da pela primeira vez no início do século
XX, nós não teríamos, hoje, nenhuma
explicação para grande parte da superfí-
cie terrestre. Ideias científicas são aceitas
ou rejeitadas com base em evidências.

Fig. 13 Ciência é baseada em evidências, não fatos

Ciência não é dogmática


Nada na indústria ou na literatura científica necessita de fé. Pedir a alguém que aceite
ideias puramente por fé, mesmo quando essas ideias são apresentadas por especialistas,
não é científico. Enquanto na ciência é necessário fazer algumas suposições, como a ideia
de que temos de confiar em nossos sentidos, explicações e conclusões são aceitas somen-
te quando são bem fundamentadas e continuam a resistir à análise científica.

RedeFor Ciência não pode tomar decisões


morais ou estéticas
Cientistas podem deduzir as relações entre plantas floríferas
a partir de sua anatomia, DNA e fósseis, mas eles não podem
cientificamente dizer que uma rosa é mais bonita que uma
margarida. Sendo humanos, cientistas fazem julgamentos
morais e estéticos, assim como todo cidadão do planeta, mas
essas decisões não são parte da ciência.
Fig. 14 Flores

Ciência existe em um
contexto cultural
A ciência não é sempre uma ascensão direta
em direção à verdade.
Apesar dos meticulosos esforços daqueles
que a praticam, a ciência às vezes acontece
aos trancos e barrancos. Em alguns casos, as
ideias científicas que dominaram uma época
em particular foram, mais tarde, reconhecidas
como imprecisas e incompletas.

Fig. 15 Modelo universal de


Esferas cristalinas concêntricas
Tema 1 A Natureza da Ciência 15

∙∙ Antes de Galileu desafiar o sistema, o geocentrismo era a regra. O modelo do Uni-


verso Geocêntrico, representado à direita, persistiu por séculos até que, finalmente,
as pessoas começaram a aceitar que a Terra não é o centro do Universo.
∙∙ Especiação foi primeiramente descrita como um processo gradual, mas, recente-
mente, ficou claro que, sob algumas condições, a especiação pode ocorrer de forma
relativamente rápida.
∙∙ As ideias de Alfred Wegener sobre deriva continental não foram levadas a sério
até que mecanismos viáveis para o movimento dos continentes começassem a ser
reconhecidos.

A ciência corrige a si mesma


Às vezes, as pessoas cometem erros. Ocasionalmente, cientistas são varridos numa cor-
rente de ideias que os leva a enganos. Mas erros, equívocos e enganos são corrigidos pela
própria comunidade científica. Algumas vezes, as correções levam anos, décadas ou até
séculos. Uma melhor compreensão pode decorrer de novas tecnologias ou mudanças de
perspectiva, mas cedo ou tarde uma maior aproximação da verdade aparece. O fato de
que hipóteses antigas caem por terra enquanto novas as substituem não significa que a
ciência seja inválida como maneira de se reunir conhecimento. Plasticidade de pensa-
mento é a essência do processo científico.

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Por exemplo, nos último 100 anos, os livros de texto inicialmente agrupavam todos os
seres vivos em 2 reinos até chegarem, mais recentemente, a retratar as conexões da vida
como 3 domínios.

Fig. 16 Diferentes propostas de agrupamento dos seres vivos


16 Evolução

A ciência é um empreendimento humano


Todas as fragilidades humanas estão presentes entre
os cientistas. Isso inclui:
∙∙ Apaixonar-se por sua própria hipótese e tornar-se tão apegado a ela a ponto de
se recusar a considerar informações novas ou conflitantes. O episódio da fusão a frio
em 1990, que implicava a obtenção de energia ilimitada a partir da fusão do hidro-
gênio a baixas temperaturas, deveria servir
de aviso para aqueles que querem se tornar
heróis científicos instantâneos.
∙∙ Preconceitos
Um século atrás, as pessoas visualizavam
o ancestral humano com pernas curvadas,
clava nas mãos, mas com matéria cinza sufi-
ciente para construir ferramentas e controlar
o fogo. Desenhos de “homens das cavernas”
continuam a preservar esse engano. Contu-
do, descobertas das últimas décadas, como
o Australopithecus afarensis, mostram que

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mesmo ancestrais humanos muito antigos
ficavam eretos, tinham pés e pernas bem
parecidos com os nossos, mas tinham cére-
bros apenas um pouco maior que o de um
chimpanzé. A ciência, cedo ou tarde, supe-
ra preconceitos e mal entendidos que são
devidos a influências culturais e preconceitos
pessoais. Esse é um dos poderes do empre-
Fig. 17 “Homem da caverna” Encurvado e Australopithecus afarensis Ereto endimento científico.

Como a teoria da evolução foi formulada?


Embora associada frequentemente ao nome de Charles Darwin, a teoria da
evolução atual é muito diferente daquela imaginada por Darwin. Além disso,
~460 - ~360 A.C. pensamentos a respeito da natureza e da origem das coisas em geral, e dos
Demócrito
seres vivos em particular, vêm sendo formulados desde a Antiguidade.
Há muito tempo se conhecem, por exemplo, os fósseis, restos pre-
servados de vida antiga. Marcas de animais incrustados em rochas
eram conhecidas pelos povos das antigas civilizações, como a grega
e a romana. Elas eram, entretanto, interpretadas como restos de bata-
lhas nas quais os deuses e animais mitológicos teriam participado.
O filósofo grego Demócrito (~460 - ~360 A.C.) concluiu que “tudo
na Natureza é fruto do acaso e da necessidade”. Em uma interpretação
atual poderíamos dizer que tal frase condiz com o princípio da seleção
natural, mas Demócrito se referia à totalidade da matéria.
Fig. 18 Demócrito
Tema 1 A Natureza da Ciência 17

Platão (427-343 A.C.), um dos filósofos gregos mais influentes,


enxergava a variação que existe entre os indivíduos de cada uma
das espécies como desvios imperfeitos de um tipo ideal, que existia
somente no mundo das ideias. Esse tipo de pensamento sistema-
tizado por Platão serve como base para o pensamento tipológico,
ou seja, de que as espécies biológicas poderiam ser representadas
por um exemplar que refletiria aquele que seria o “mais perfeito”
entre os indivíduos da espécie considerada.
Aristóteles (384-322 A.C.), também um filósofo grego bastante 427-343 A.C.
conhecido, foi discípulo de Platão e propôs um sistema de classi- Platão
ficação dos seres vivos baseado na sua complexidade. Aristóteles, Fig. 19 Platão
baseado em suas próprias investigações em animais que aparente-
mente não tinham aparelhos reprodutivos, concluiu sobre a possibi-
lidade da geração espontânea de organismos vivos. Lucrécio (~99-
55 A.C), poeta e pensador romano, escreveu sobre a natureza das
coisas e propôs uma origem para os seres vivos que se assemelhava
às ideias de Demócrito, em que tudo seria resultado de uma série
muito grande de eventos de combinações entre as coisas.
Durante a Idade Média, especialmente sob a forte influência do
pensamento judaico-cristão, já que o Império Romano adotara o

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cristianismo desde meados do século III, as ideias sobre o surgi-
mento das coisas ficou restrito àquilo que havia sido descrito nos
livros bíblicos. Pensamentos destoantes disso chegaram a ser seve- 384-322 A.C.
Aristóteles
ramente punidos pela Santa Inquisição, movimento religioso que
Fig. 20 Aristóteles
buscava extirpar quaisquer heresias contrárias ao ensinamento das
escrituras. A Santa Inquisição exerceu seu poder na Europa desde o
século XII até o século XVI.
O Renascimento, movimento intelectual que surgira na Europa,
com forte presença na Itália, teve seu auge no século XV e contribuiu
para o fim do obscurantismo intelectual então vigente. O próprio Leo-
nardo da Vinci (1452-1519), grande artista e cientista italiano, nome
importante do Renascimento, escreveu sobre alternativas às interpre-
tações bíblicas que invocavam o Dilúvio bíblico para a presença de
organismos fósseis marinhos encontrados no alto de montanhas.
Fora da Europa, durante a Idade Média, a Ciência experimentou
um enorme desenvolvimento no Oriente Médio, em especial nos 1452-1519
países sob influência da religião muçulmana. Al Jahiz (~776-~868), Da Vinci
um intelectual nascido em Basra, atual Iraque, escreveu uma gran- Fig. 21 Leonardo Da Vinci
de obra sobre Zoologia: “A vida dos animais”. Nessa obra, Al Jahiz
chega a descrever a luta pela sobrevivência, ou seja, a constatação de que nem todos os
organismos conseguem sobreviver até se reproduzir. A luta pela sobrevivência foi um dos
pilares que Darwin usou para a sua formulação da evolução por seleção natural, embora
desconhecesse o trabalho de Al Jahiz.
A ideia de que, além da criação especial, os organismos eram gerados espontaneamente
era aceita disseminadamente. Durante toda a Idade Média, “receitas” para fazer aparecer
ratos, insetos e outros animais eram propagadas e aceitas sem problemas, fazendo parte do
senso comum. Pouco a pouco essas idéias começaram a ser questionadas. Francesco Redi
18 Evolução

(1626-1697), um médico e naturalista italiano, tornou-se conhecido pelos seus experimentos


que demonstraram, inequivocamente, que as larvas de insetos somente se desenvolveriam
com a presença de ovos depositados pelas fêmeas da mesma espécie. Lazzaro Spallanzani
(1729-1799), padre e professor italiano, também questionou, através de experimentação a
ideia do aparecimento espontâneo de micróbios. A teoria da geração espontânea somente
foi completamente refutada em meados do século XIX, com a contribuição de Louis Pasteur
(1822-1895), o famoso químico francês considerado o fundador da Microbiologia moderna.

1626-1697
F. Redi

1729-1799
L. Spallanzani

1822-1895
L. Pasteur

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Fig. 22 Francesco Redi Fig. 23 Lazzaro Spallanzani Fig. 24 Louis Pasteur

A ideia de evolução dos seres vivos foi imaginada por alguns pensadores da Europa
durante o século XVIII. Pierre Louis Moreau de Malpertuis (1698-1759) conjecturou, antes
de Lamarck, sobre a herança de caracteres adquiridos. George Louis Leclerc, intitulado
Conde de Buffon (1701-1788), escreveu uma grande obra, chamada “Histoire Naturelle”
e também teve algumas ideias evolucionistas com base na enorme semelhança entre
os esqueletos humanos e os dos grandes macacos do Velho Mundo. Erasmus Darwin
(1731-1802), avô de Charles Darwin, escreveu em seu livro “Zoonomia”, de 1794, sobre
a possibilidade de haver evolução dos seres vivos, mas sem chegar a propor qualquer
mecanismo que a explicasse. Mas quem deu grande impulso à ideia de evolução dos
seres vivos foi um discípulo de Buffon, Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet (1744-
1829), portador do título nobiliárquico “Cavalheiro de Lamarck”, nome pelo qual ficou
conhecido. Lamarck, além de aceitar a ideia de evolução, propôs mecanismos para que
ela procedesse. Além das leis de uso e desuso e da herança de caracteres adquiridos,
Lamarck propunha que haveria a lei da tendência intrínseca de aumento de complexi-
dade nos organismos e também a lei do movimento de fluidos corpóreos. Tais leis foram
baseadas na observação do desenvolvimento embrionário dos organismos multicelulares
e na observação de mudanças de formas de organismos como, por exemplo, os moluscos.
1701-1788
Conde de Buffon

1731-1802
E. Darwin

1744-1829
Lamarck

Fig. 25 Conde de Buffon Fig. 26 Erasmus Darwin Fig. 27 Lamarck


Tema 1 A Natureza da Ciência 19

A teoria da evolução por seleção natural foi elaborada independentemente por dois
naturalistas ingleses: Alfred Russell Wallace (1823-1913) e Charles Robert Darwin (1809-
1882). Alguns aspectos da vida desses dois naturalistas chamam a atenção: além de ingle-
ses, ambos percorreram os mares e fizeram coletas em arquipélagos e leram os livros
de Thomas Malthus (1766-1834) e de Charles Lyell (1797-1875). Enquanto Darwin era
contratado para fazer a viagem em uma missão oficial da marinha inglesa, no navio HMS
Beagle, Wallace fazia coletas de exemplares de seres vivos para comercializá-las junto a
museus de história natural.

1823-1913
A. Wallace

1809-1882
C. Darwin

1766-1834
T. Malthus

1797-1875
C. Lyell
Fig. 28 Alfred Russell Wallace Fig. 29 Charles Robert Darwin Fig. 30 Thomas Malthus Fig. 31 Charles Lyell

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Um dos princípios utilizados por Darwin e Wallace na formulação da teoria da evolu-
ção por seleção natural é o princípio da hereditariedade. Para que haja seleção natural,
é fundamental que os organismos trasmitam para seus descendentes as características
que propiciam maior vantagem no ambiente em que vivem. Fazia parte do senso comum
da época, assim como é hoje, que os filhos se parecessem com os pais, compartilhando
características em comum. Na época de Darwin, não havia uma teoria da hereditariedade
que fosse amplamente aceita. Darwin usou a teoria dos pangenes, segundo a qual a infor-
mação sobre as características dos indivíduos seria carregada para os gametas por fatores
que existiriam em cada um dos órgãos.
Cerca de quinze anos depois da publicação conjunta da ideia de seleção natural por
Darwin e Wallace, o monge austríaco Gregor Mendel publicou a sua teoria da here-
ditariedade, formulada de acordo com os experimentos que realizou com cruzamento
entre linhagens de ervilhas. O artigo publicado por Mendel em 1866 somente teve a
repercussão merecida muito tempo depois, em 1900, quando outros cientistas reconhe-
ceram que a teoria de Mendel era muito mais abrangente do que foi imaginado pelo
próprio Mendel. Mas, ao contrário do que possa parecer, a incorporação da herança 1890-1962
mendeliana na teoria da evolução não foi imediata. Darwin enfatizava R. Fisher
que a ação da seleção natural era feita em cima de diferenças muito
pequenas entre indivíduos, quase imperceptíveis, enquanto os caracteres
estudados por Mendel e por outros geneticistas tratavam de variações
bem mais perceptíveis que as preconizadas por Darwin como matéria-
-prima da seleção natural. Somente na década de 1920 as contribuições
dos geneticistas de população, especialmente com o trabalho de Ronald
A. Fisher, mostraram que mesmo os caracteres com variação contínua,
tais como peso, altura etc. são também regidos pela herança mendeliana,
particulada. A Genética, durante as décadas de 1930 e 1940, passou a
ser incorporada à teoria da evolução, que ficou conhecida como “teoria
Fig. 32 Ronald Alymer Fisher
20 Evolução

sintética da evolução”, pois foi proposta uma síntese dos conhecimentos recém-adquiri-
dos da Genética e de outras áreas dentro da perspectiva darwiniana. Contribuíram para
essa síntese cientistas como Ronald Alymer Fisher (1890-1962), Sewall Wright (1889-
1998) e John Burdon Sanderson Haldane (1892-1964), que montaram todo o arcabouço
teórico da evolução com o desenvolvimento da disciplina atualmente conhecida como
“Genética de Populações”. Além do desenvolvimento teórico, outros pesquisadores
demonstraram a factibilidade dos processos evolutivos através de experimentos, como
Theodosius Dobzhanksy (1900-1975), por observações de campo, assim como Ernst
Mayr (1904-2005), e também por observações detalhadas do registro paleontológico,
feitas por George Gaylord Simpson (1902-1984).

1889-1998
S. Wright

1892-1964
J. Haldane

1889-1998
S. Wright

1892-1964
J. Haldane Fig. 33 Sewall Wright Fig. 34 Theodosius Dobzhansky Fig. 35 Ernst Mayr Fig. 36 George Gaylord Simpson

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A Genética experimentou avanços espetaculares a respeito dos mecanismos da here-
ditariedade durante todo o século XX. Atualmente, são conhecidos em profundidade
muitos dos mecanismos da hereditariedade, tais como as bases químicas, estruturais e
funcionais de ácidos nucleicos, genes e cromossomos. Grandes avanços também foram
feitos na comparação do material genético de organismos diferentes.

Atividades

Envio de Arquivo Atividade Optativa 1 – Linha do Tempo


O professor deverá construir uma linha do tempo, em que, ao longo de uma linha vertical,
graduada em séculos, serão colocadas linhas correspondentes às durações das vidas dos
pesquisadores mencionados no texto à esquerda da linha do tempo. Além disso, os pro-
fessores deverão pesquisar as obras mais importantes de cada um dos cientistas ou pensa-
dores mencionados e colocar os nomes dessas obras bem como suas datas de publicação.

Vídeo Atividade Optativa 2


Assista ao vídeo O Início da Vida e reflita sobre o tema.

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