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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO

POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA: ESTRATÉGIAS DE


INSERÇÃO INTERNACIONAL

Autores:
Prof. Lucas Pedreira do Couto Ferraz (Coordenador)
Prof. Emanuel Augusto Rodrigues Ornelas
Prof. João Paulo Cordeiro de Noronha Pessoa

Julho/2018

1
Sumário
1. Introdução ........................................................................................................................... 5
2. Diagnóstico do Grau de Abertura da Economia Brasileira ................................................. 9
2.1. Estrutura do comércio brasileiro...................................................................................... 9
2.2. Medidas de abertura da economia brasileira ............................................................. 12
2.3. O papel das firmas nas exportações brasileiras ......................................................... 19
2.4. Participação em acordos de livre comércio ............................................................... 25
2.5. Tarifas de importação ................................................................................................ 31
2.6. Estimativas de Barreiras Comerciais ......................................................................... 36
3. Política de Defesa Comercial Brasileira no Contexto Internacional................................. 42
3.1. Literatura Acadêmica ................................................................................................ 44
3.1.1. Motivações Econômicas para Dumping ........................................................... 44
3.1.2. Motivações para Medidas Antidumping .......................................................... 46
3.1.3. Os impactos das Medidas Antidumping........................................................... 49
3.1.4. Estudos para o Brasil ........................................................................................ 53
3.1.5. O Impacto de Dumping e de Medidas Antidumping sobre o Bem-estar ......... 55
3.2. Tendências mundiais e no Brasil no uso de medidas antidumping ........................... 57
3.2.1. Fluxo de medidas antidumping ........................................................................ 57
3.2.2. Estoque de medidas antidumping ..................................................................... 64
3.2.3. Taxa de sucesso, duração do processo e tipos de medidas............................... 66
3.2.4. Índices de número e valor das medidas antidumping ...................................... 70
3.2.5. Magnitudes e duração das medidas antidumping ............................................. 73
3.2.6. O uso de medidas antidumping no Brasil: sumário.......................................... 74
3.3. O processo decisório das medidas antidumping: Brasil e EUA ................................ 75
3.3.1. O processo nos EUA ............................................................................................ 76
3.3.2. O processo no Brasil ........................................................................................ 80
3.3.3. Comparação entre os processos brasileiro e americano ................................... 83
3.4. Propostas .................................................................................................................... 84
4. Análise da literatura entre produtividade e abertura comercial ........................................ 91
4.1. Realocação intra-setorial de recursos ........................................................................ 92
4.2. Complementaridade entre inovação e exportação ..................................................... 94
4.3. Difusão de ideias e pressão competitiva .................................................................... 96
4.4. Melhor e maior acesso a insumos e bens de capital .................................................. 97
4.5. Redução da incerteza sobre política comercial futura ............................................. 100
2
4.6. Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor ............................................. 102
4.7. Estudos sobre o caso brasileiro ................................................................................ 103
4.8. Comércio internacional, produtividade e crescimento econômico .......................... 103
5. Mercado de Trabalho e Abertura Comercial .................................................................. 110
5.1. Como se dá o Impacto no Mercado de Trabalho? ................................................... 112
5.1.1. Fricções na Busca por Emprego ..................................................................... 113
5.1.2. Salário-eficiência ............................................................................................ 115
5.1.3. Custos de Ajustamento ................................................................................... 117
5.2. Integração Comercial e o Mercado de Trabalho Brasileiro ..................................... 120
5.2.1. Liberalização Comercial Brasileira ................................................................ 120
5.2.2. Crescimento da China .................................................................................... 122
5.3. Efeito Líquido na Economia .................................................................................... 125
5.4. Diretrizes para a Redução dos Custos de Ajustamento ........................................... 128
5.4.1. O Caso Americano: Trade Adjustment Assistance ........................................ 128
5.4.2. Diretrizes para o Brasil ................................................................................... 130
6. Experiências Internacionais ............................................................................................ 135
6.1. Chile......................................................................................................................... 135
6.1.1. Liberalização Comercial ................................................................................ 136
6.1.2. Efeitos............................................................................................................. 139
6.2. México ..................................................................................................................... 140
6.2.1. Liberalização Comercial ................................................................................ 140
6.2.2. Efeitos............................................................................................................. 142
7. Análise de Impacto de Cenários de Abertura, via Modelagem de Equilíbrio Geral
Computável Dinâmico............................................................................................................ 144
7.1. O Caso da Abertura Unilateral ................................................................................ 144
7.1.1. Análise de Impacto para a liberalização de Insumos no Brasil. ..................... 144
7.1.2. Aspectos da Modelagem ................................................................................ 149
7.1.3. Seleção de bens e desgravamento tarifário .................................................... 151
7.1.4. Resultados das Simulações............................................................................. 153
7.2. Outros Cenários de Abertura Comercial ................................................................. 157
7.2.1. Análise de Impacto para a Liberalização Tarifária Total no Brasil ............... 157
7.2.2. Acordo Mercosul - União Europeia: Impactos sobre o Brasil, considerando-se
a negociação eventual de barreiras não-tarifárias. .......................................................... 161

3
8. A Inserção da Indústria Brasileira nas Cadeias Globais de Valor, Serviços e Facilitação
do Comércio ........................................................................................................................... 171
8.1. Introdução ................................................................................................................ 171
8.2. Revisão da Literatura ............................................................................................... 173
8.3. Base de Dados e Metodologia Empregada .............................................................. 176
8.3.1. Indicadores Utilizados .................................................................................... 177
8.4. O Brasil e as Cadeias Globais de Valor ................................................................... 177
8.4.1. Alguns fatos estilizados sobre o desempenho comercial do Brasil no período
1995- 2011 ...................................................................................................................... 177
8.4.2. A evolução do panorama setorial no período 1995-2011 .............................. 184
8.4.3. Implicações de Política Pública...................................................................... 189
8.5. Os acordos preferenciais de comércio ..................................................................... 192
8.6. O Comércio de Serviços .......................................................................................... 195
8.6.1. A barreiras regulatórias ao comércio de serviços no Brasil .................................. 204
8.6.2. Análise de impacto do refinamento da regulamentação brasileira do setor
financeiro, tendo em vista as melhores práticas internacionais ...................................... 213
8.7. A Facilitação do Comércio no Brasil ...................................................................... 218
8.7.1. Revisão da Literatura ..................................................................................... 220
8.7.2. Aspectos da Modelagem: Base de dados e seus cruzamentos ....................... 223
8.7.3. Modelo de Equilíbrio Geral Computável Utilizado ....................................... 231
8.7.4. Resultados ............................................................................................................. 236
8.7.5. Comentários Finais ......................................................................................... 243

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1. Introdução

Conforme a Convocação para a seleção do Projeto BRA/06/024 indica, a realização de


estudos aprofundados sobre política comercial brasileira, com a correta avaliação da situação
atual e a proposição de medidas capazes de levar o país a uma trajetória de maior inserção no
comércio internacional, permitirá uma reavaliação dos diferentes incentivos fiscais e creditícios
adotados pelo governo brasileiro para a indústria nacional. Isso possibilitará à Secretaria do
Tesouro Nacional contribuir para a melhoria do gasto público. Além disso, uma maior inserção
do Brasil no comércio internacional deverá trazer ganhos tecnológicos, possibilitando a redução
de custos de produção e reduzindo a necessidade de apoio do Estado, bem como atuando como
indutor da simplificação e redução da carga tributária.

Nesse sentido, a execução desse relatório tem como objetivo auxiliar a Secretaria do
Tesouro Nacional: i) Na análise da situação atual da participação brasileira no comércio
internacional, apontando os gargalos e limites que impedem sua maior inserção; ii) No
diagnóstico dos fatores que limitam a competitividade dos produtos brasileiros no comércio
mundial; iii) Na busca por alternativas para implantar um novo ciclo de abertura comercial no
Brasil que produza ganhos de produtividade e crescimento econômico; iv) Na proposição de
alternativas para aumentar a participação do país no comércio internacional por meio de acordos
comerciais.

Na Seção 2 analisamos a economia brasileira na perspectiva internacional e


descrevemos o seu grau de abertura. Fazemos uma breve descrição da estrutura do comércio
brasileiro, que deixa claro as vantagens comparativas do país. Avaliamos em seguida o grau de
abertura da economia, através de vários indicadores – de alguns muito simples a outros mais
elaborados. Independentemente da medida utilizada, fica claro que a participação do Brasil no
comércio mundial é muito reduzida e está muito aquém das suas possibilidades. Ainda na
mesma seção, detalhamos e explicamos os motivos dessa baixa inserção. Primeiramente,
avaliamos o desempenho das firmas exportadoras brasileiras. Através de uma série de
indicadores, fica claro que o setor exportador do país é muito pouco dinâmico, uma
consequência de altos custos de entrada no setor exportador.

Avaliamos também a participação do país em acordos de livre comércio. O cenário é


claro: o Brasil possui muito poucos parceiros em acordos de livre comércio e esses são também
relativamente pouco importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo, nossas estimativas

5
indicam que o potencial de expansão comercial brasileira via acordos de livre comércio é vasto.
Um dos mecanismos seria exatamente um aumento do dinamismo do setor exportador.

Além disso, as tarifas de importação no Brasil (que seguem a tarifa externa comum do
Mercosul) são muito altas na comparação global. Isso é verdade mesmo quando não
consideramos as tarifas preferenciais oferecidas a parceiros em acordos de livre comércio. Isso
também é verdade para as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC),
que indicam o nível máximo até onde as tarifas podem ser elevadas sem que o país viole seus
compromissos multilaterais – uma proxy para o grau de incerteza da política comercial
brasileira. Além dos níveis altos, a estrutura tarifária do país também se descola do padrão
observado internacionalmente: a produção de insumos básicos e bens de capital, críticos para o
funcionamento do restante da economia, é especialmente protegida. Isso tem impacto deletério
para a produtividade da economia como um todo. A conclusão otimista é que há vasto espaço
para avanços.

Na Seção 3 exploramos políticas de defesa comercial. Tais políticas são utilizadas em


virtualmente todos os países do mundo, em maior ou menor escala, quando se identifica que
importações ameaçam a economia local e há evidência de “comércio desleal”. Tipicamente, as
ameaças mais consideradas e para as quais há maior reação é a prática de dumping, sendo o
instrumento de defesa mais comumente utilizado nesses casos as tarifas antidumping.1
Analisamos as nuances da prática de dumping, incluindo a caracterização formal da mesma, as
reações das autoridades investigadoras, e as suas consequências sobre as firmas e economias
envolvidas. Para tanto, revisaremos os principais estudos teóricos e empíricos da literatura
acadêmica sobre o tema.

Em seguida, avaliamos as tendências mundiais de aplicação de medidas antidumping,


com ênfase no comportamento do Brasil relativo ao resto do mundo. Para tanto, usamos uma
série de medidas e índices para obter uma compreensão completa do uso de medidas
antidumping no Brasil. Finalmente, fazemos uma comparação do processo decisório para a
introdução de tarifas antidumping nos EUA (que forneceu a base para a regulamentação de tais
medidas na OMC) e no Brasil. Terminamos a seção com propostas específicas para alterações
no processo decisório brasileiro.

1Em defesa comercial, a prática de “dumping” configura-se quando uma firma cobra um preço menor no
mercado internacional que em seu mercado doméstico, ou quando ela exporta um produto a preços abaixo do seu
custo de produção. A aplicação de medidas antidumping visa a punição e prevenção de tais práticas, que
poderiam ser prejudiciais ao país importador.

6
Na Seção 4 estudamos uma das principais formas pela qual uma abertura comercial
pode beneficiar um país: via seu impacto sobre a produtividade da economia. Dada a
importância de tal mecanismo, grande parte da literatura acadêmica recente, tanto teórica
quanto empírica, enfatiza exatamente essa relação. Vários mecanismos por trás dessa relação
são fortemente corroborados por análises empíricas de experiências de liberalização comercial
ao redor do mundo. Apresentamos os estudos que conectam abertura comercial e produtividade
de acordo com o seu mecanismo principal: i) Realocação intra-setorial de recursos; ii)
Complementaridade entre inovação e exportação; iii) Difusão de ideias e pressão competitiva;
iv) Melhor e maior acesso a insumos básicos e bens de capital; v) Redução da incerteza sobre
política comercial futura; vi) Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor. Abordamos
cada um desses tópicos apresentando seu mecanismo teórico básico e seus principais resultados
empíricos. Além disso, fazemos uma revisão dos estudos sobre o processo de liberalização
comercial brasileiro dos anos 1990. Finalmente, concluímos essa discussão com um breve
sumário em que também indicamos que a ligação entre comércio internacional e produtividade
estende-se a crescimento econômico.

O mercado de trabalho é uma das dimensões mais salientes quando se discute qualquer
forma de abertura comercial. Portanto, na Seção 5 do relatório analisamos como políticas de
liberalização comercial afetam o nível e a distribuição da renda dos trabalhadores, e como o
nível de emprego responde a tais políticas. Nossa análise será composta de um breve resumo
de alguns dos mecanismos teóricos pelos quais o mercado de trabalho pode ser afetado pela
abertura comercial, e de uma discussão detalhada das recentes evidências empíricas de tais
efeitos, focando majoritariamente na experiência brasileira das últimas décadas.

Em nossa análise, evidenciamos como choques de liberalização comercial afetaram os


setores da nossa economia, as regiões que abrigam tais setores e os trabalhadores empregados
(ou que estavam empregados antes dos choques) nesses setores e regiões. Focaremos em dois
importantes episódios que tiveram um impacto considerável em nosso mercado de trabalho: i)
a liberalização comercial promovida pelo governo Brasileiro em meados da década de 1990; ii)
a integração Chinesa ao comércio mundial ocorrida nos anos 2000.

Além disso, detalharemos como a literatura avalia os ganhos líquidos de comércio para
o Brasil levando em consideração os efeitos no mercado de trabalho. Para tanto nos basearemos
em pesquisas acadêmicas publicadas em renomados periódicos internacionais cujas análises
empíricas refletem o estado da arte das ferramentas econômicas quantitativas. Por fim,
detalharemos como as conclusões desses estudos podem ajudar no delineamento de políticas.

7
Na Seção 6 descrevemos dois processos de liberalização de relativo sucesso que
ocorreram na américa latina, já que um melhor entendimento de experiências de liberalização
comercial realizadas em outros países pode nos ajudar a compreender melhor os elementos
essenciais para o sucesso de uma eventual liberalização brasileira. O primeiro deles foi o
ocorrido no Chile a partir de meados da década de 1970, e o segundo foi o iniciado no México
na década de 1980 e que teve como seu principal episódio a ratificação do “North American
Free Trade Agreement” (com os Estados Unidos e o Canadá). Ambos foram relativamente
graduais, algo importante para a adaptação de firmas e trabalhadores a um eventual novo
cenário econômico. E cabe ressaltar que os dois processos foram acompanhados de diversas
outras reformas importantes, ou seja, outras políticas foram cruciais para o crescimento
observado nos países após a liberalização.

Já na Seção 7 do nosso trabalho utilizamos o estado da arte da literatura de comércio


internacional para determinamos o impacto de eventuais processos de abertura sobre a
economia brasileira. Mais precisamente, fazemos uso de um modelo de equilíbrio geral
computável para verificarmos como diferentes cenários de abertura comercial podem afetar a
nossa economia. Avaliamos os impactos econômicos (de longo prazo) de uma possível abertura
comercial unilateral, com destaque para a redução das tarifas de importação de bens de capital,
de informática e de telecomunicações. Em seguida, avaliamos os impactos de uma abertura
unilateral total para o Brasil, além de um possível acordo Mercosul – União Europeia. Em maior
ou menor escala, todos os cenários indicam um eventual aumento do PIB brasileiro decorrente
da maior inserção do país no comércio internacional.

Por fim, na Seção 8 discutimos o nível de inserção da economia Brasileira em cadeias


globais de valor, a importância dos serviços para a produtividade e para a competitividade das
exportações do Brasil (com análise de impacto e propostas de política), sobretudo em
manufaturas, além de um ampla discussão e análises de impacto sobre a importância da
facilitação do comércio para ao aumento da inserção internacional do país.

8
2. Diagnóstico do Grau de Abertura da Economia Brasileira
Nesta seção analisamos a economia brasileira na perspectiva internacional e
descrevemos o seu grau de abertura. Inicialmente, fazemos uma breve descrição da estrutura
do comércio brasileiro, que deixa claro as vantagens comparativas do país. Avaliamos em
seguida o grau de abertura da economia, através de vários indicadores – de alguns muito simples
a outros mais elaborados. Independentemente da medida utilizada, fica claro que a participação
do Brasil no comércio mundial é muito reduzida e está muito aquém das suas possibilidades.

As demais subseções procuram detalhar e explicar os motivos dessa baixa inserção.


Primeiramente, avaliamos o desempenho das firmas exportadoras brasileiras. Através de uma
série de indicadores, fica claro que o setor exportador do país é muito pouco dinâmico, uma
consequência de altos custos de entrada no setor exportador.

Avaliamos também a participação do país em acordos de livre comércio. O cenário é


claro: o Brasil possui muito poucos parceiros em acordos de livre comércio e esses são também
relativamente pouco importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo, nossas estimativas
indicam que o potencial de expansão comercial brasileira via acordos de livre comércio é vasto.
Um dos mecanismos seria exatamente um aumento do dinamismo do setor exportador.

Além disso, as tarifas de importação no Brasil (que seguem a tarifa externa comum do
Mercosul) são muito altas na comparação global. Isso é verdade mesmo quando não
consideramos as tarifas preferenciais oferecidas a parceiros em acordos de livre comércio. Isso
também é verdade para as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC),
que indicam o nível máximo até onde as tarifas podem ser elevadas sem que o país viole seus
compromissos multilaterais – uma proxy para o grau de incerteza da política comercial
brasileira. Além dos níveis altos, a estrutura tarifária do país também se descola do padrão
observado internacionalmente: a produção de insumos básicos e bens de capital, críticos para o
funcionamento do restante da economia, é especialmente protegida. Isso tem impacto deletério
para a produtividade da economia como um todo.

A conclusão otimista é que há vasto espaço para avanços.

2.1. Estrutura do comércio brasileiro

O Brasil é, historicamente, um grande exportador de commodities e importador de


produtos industrializados. Como preveem os modelos tradicionais de comércio internacional,
tamanho e distância determinam fluxos bilaterais. Assim, o país vende mais para (e compra

9
mais de) mercados ricos, como China, Estados Unidos, Holanda e Alemanha, e para países
vizinhos, como a Argentina.

Em relação às exportações, em 2016 o que Brasil mais vendeu ao mundo foi soja (in
natura e processada), minério de ferro, petróleo e açúcar.2 De forma mais geral, a Figura 2.1
mostra como variou, de 1997 a 2016, a composição das exportações brasileiras de bens entre
os principais setores em que o país exporta: alimentos e outros produtos de origem animal e
vegetal; metais e minerais; máquinas, eletrônicos e meios de transporte; e combustível, plástico
e outros produtos químicos.3

Figura 2.1: Composição setorial das exportações brasileiras, 1997-2016

Fonte:
Elaboração a partir de dados do WITS/Comtrade.

A figura deixa claro que o país exporta prioritariamente bens primários, como alimentos
e outros produtos animais e vegetais (carne, madeira etc.), além de minérios e minerais. É

2
Os códigos HS dos cinco produtos mais exportados, em ordem decrescente, são: 120100, 260111, 270900,
170111, 230400. Fonte: base de dados WITS (World Integrated Trade Solution), do Banco Mundial.
3
Setores (códigos HS) agrupados em cada grande setor: Alimentos e outros produtos de origem animal e vegetal:
01-24; 41-49. Metais e Minerais: 25-26; 72-83. Máquinas, eletrônicos e meios de transporte: 84-89. Combustível,
plásticos e outros produtos químicos: 27-40.

10
esperado que seja assim. Dada a abundância de terra, solo fértil e rico, clima propício e avanços
recentes de produtividade, produzem-se alimentos e outros produtos animais e vegetais de
modo mais eficiente no Brasil que na maioria dos outros países. Ao longo dos últimos dez anos,
essa vantagem se aprofundou, de modo que esses produtos respondem hoje por 45% da pauta
de exportação. Além desses, há fatias substanciais da exportação a cargo das indústrias
petroquímica, extrativa e de transformação (14%, 16% e 18% em 2016, respectivamente).
Nesses setores, há alguns casos emblemáticos, de sucessos nacionais no mercado exportador,
como a Petrobrás e a Embraer, mas esses são relativamente raros.

Já em relação às importações, compramos relativamente poucos produtos primários e


muitos produtos que passam por algum tipo de transformação industrial. Em 2016, os produtos
mais importados pelo país foram derivados do petróleo, circuitos eletrônicos e medicamentos.4
De forma mais geral, a Figura 2.2 mostra como variou, de 1997 a 2016, a composição das
importações brasileiras de bens entre os principais setores em que o país importa. De certa
forma, pode-se interpretar a Figura 2.2 como o reverso da Figura 2.1. Os setores de
combustível, plástico e outros produtos químicos, e o de máquinas, eletrônicos e meios de
transporte alternaram-se, ao longo dos anos, no posto daquele que mais importa, e em 2016
apresentaram quase a mesma fatia, 37% e 38%, respectivamente. Por outro lado, alimentos e
outros produtos de origem animal e vegetal, e metais e minerais apresentaram fatias muito
inferiores, de 9% e 6,5%, respectivamente.

4
Os códigos HS dos cinco produtos mais importados, em ordem decrescente, são: 271000, 270900, 300490,
851790, 854219. Fonte: base de dados WITS (World Integrated Trade Solution), do Banco Mundial.

11
Figura 2.2: Composição setorial das importações brasileiras, 1997-2016

Fonte: Elaboração a partir de dados do WITS/Comtrade.

Conjuntamente, as figuras 1 e 2 oferecem um desenho simples, mas claro, de onde estão


as vantagens comparativas da economia brasileira.

2.2. Medidas de abertura da economia brasileira

A medida mais básica (mas também mais utilizada) da importância do comércio


internacional para um país é a soma de importações e exportações relativamente ao seu produto
interno bruto (PIB) – sua “taxa de abertura comercial”. A Figura 2.3 traz a evolução dessa
medida (comércio de bens e serviços como porcentagem do PIB) para o Brasil, além de médias
(ponderadas pelo PIB de cada país) da mesma para a América Latina,5 países do Leste Asiático
e Pacífico, e países de renda alta, de 1960 até 2016.6

5
A média para a América Latina inclui dados sobre o Brasil. Se o Brasil não for incluído, os valores para a
América Latina elevam-se.
6
A definição dos grupos de países é a utilizada pelo Banco Mundial no período.

12
Figura 2.3: Taxas de Abertura Comercial (1960-2016)

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial.

A figura deixa dois fatos explícitos. Primeiro, o Brasil possui, e sempre possuiu, um
baixo nível de abertura na comparação internacional. Naturalmente, o gráfico tem de ser
interpretado com cuidado. Afinal, economias grandes tendem a ser menos dependentes de
comércio internacional, por possuírem mercados internos robustos e recursos suficientes para
permitir especialização em um leque mais amplo de produtos e serviços, relativamente a
economias pequenas. Por isso, economias maiores de fato tendem a possuir taxas de abertura
mais baixas que economias menores. Entretanto, como veremos em seguida, o nível de abertura
comercial brasileira é baixo mesmo quando esse (e outros) aspecto(s) é (são) levados em conta.

O segundo fato que a Figura 2.3 deixa claro é que a diferença da taxa de abertura do
Brasil em relação ao resto do mundo se aprofunda ao longo dos anos. Há, naturalmente, picos
e vales ocasionais, correspondentes a momentos específicos da historiografia econômica
nacional. Mas o mais revelador é que a diferença entre a taxa de abertura no Brasil nos anos
1960 e hoje é de apenas 10 pontos percentuais (p.p.). Enquanto isso, países de renda alta
apresentam aumento de 37 p.p.; países do leste asiático e do Pacífico de 31 p.p.; e países da
América Latina de 21 p.p. Até os Estados Unidos, do qual pelo tamanho da economia se
esperaria uma baixa taxa de abertura, apresentaram o dobro de aumento no período.

13
Portanto, ainda que a taxa de abertura comercial medida dessa forma seja uma estatística
simples, a figura mostra que o Brasil é e sempre foi relativamente fechado ao comércio
internacional, e que essa tendência se aprofundou nas últimas décadas.

Outra forma simples, mas instrutiva, de se analisar o nível de participação do Brasil no


comércio internacional é comparar o ranking do país entre os exportadores e importadores do
mundo. A Tabela 2.1 faz essa comparação para os dados mais recentes disponíveis. A tabela
mostra esse ranking para alguns países selecionados, em ordem decrescente de PIB. Via de
regra, a posição do país no ranking de PIB é similar ao seu ranking em exportações e
importações. Juntamente com a Argentina, o Brasil é o país que mais se distancia desse padrão:
sendo atualmente a nona economia do mundo, o Brasil é o 21º exportador e apenas o 27º
importador, deixando clara a sua baixa integração no comércio internacional.

Tabela 2.1: Ranking de PIB, Exportações e Importações Mundiais, Países Selecionados, 2016

País PIB Exportações Importações


EUA 1º 2º 1º
China 2º 1º 2º
Japão 3º 4º 8º
Índia 7º 17º 15º
Brasil 9º 21º 27º
Coréia do Sul 11º 6º 12º
Rússia 12º 14º 21º
México 15º 9º 11º
Argentina 21º 43º 46º
África do Sul 39º 33º 38º
Colômbia 40º 51º 50º
Chile 42º 40º 44º

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial e WITS.

14
Podemos, contudo, trazer evidência mais sistemática do nível de abertura da economia
brasileira dado o seu tamanho. Para tanto, estimamos valores previstos para a taxa de abertura
através de uma regressão relacionando taxa de abertura de diversos países a valores do PIB em
2016. Mais especificamente, estimamos a seguinte equação:

𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖 = 𝛽1 ln⁡(𝑃𝐼𝐵𝑖 ) + 𝛽2 [ln⁡(𝑃𝐼𝐵𝑖 )]2 + 𝑢𝑖 ,

em que 𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖 é a taxa de abertura do país i em 2016, 𝑃𝐼𝐵𝑖 é o valor do PIB em 2016 a
preços correntes, e 𝑢𝑖 é um erro aleatório. A partir das estimativas dos coeficientes 1 e 2,
podemos calcular a taxa de abertura esperada para cada país a partir do tamanho da sua
economia.

Na Figura 2.4, os triângulos verdes são os valores previstos e os demais pontos trazem
valores observados para alguns países selecionados. Observe que os valores previstos formam
uma curva côncava – após a economia atingir um tamanho mínimo, a relação entre o tamanho
e a taxa de abertura comercial passa a ser fortemente decrescente, como mencionado acima. O
nível observado de abertura do Brasil fica muito abaixo da curva: enquanto a taxa de abertura
brasileira em 2016 foi de 24% do PIB, a abertura prevista pelo tamanho da sua economia é de
71%. São raros os países cuja diferença entre taxas previstas e observadas é tão significativa.
Considerando outros países emergentes ou com PIB semelhante, alguns ficam abaixo, mas
menos distantes do valor previsto, como África do Sul e Chile, enquanto outros superam o valor
previsto, como México e Coréia do Sul.

A regressão por trás da Figura 2.4 não considera, porém, outros fatores que afetam a
taxa de abertura dos países. Um deles é a distância entre os países. Como o Brasil é
relativamente remoto geograficamente, isso tende a fazer com que o país exporte e importe
pouco, dado o tamanho da sua economia. De forma similar, o nível de desenvolvimento de um
país também afeta o quanto ele tende a se relacionar comercialmente com o resto do mundo.
Finalmente, a análise anterior considera apenas o período mais recente para o qual se tem dados,
mas essas relações podem ser estimadas de modo mais preciso quando se utiliza uma amostra
mais longa.

15
Figura 2.4: Taxa de Abertura Prevista pelo PIB

Fonte:
Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial.

Assim, usando dados de 1948 a 2016, estimamos uma equação da seguinte forma:

𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖𝑡 = 𝛽1 ln(𝑃𝐼𝐵𝑝𝐶𝑎𝑝)𝑖𝑡 + 𝛽2 ln(𝑃𝑜𝑝)𝑖𝑡 + 𝛽3 ln(𝐷𝑖𝑠𝑡𝑀é𝑑𝑖𝑎)𝑖 + 𝑣𝑡 + 𝑢𝑖𝑗𝑡 ⁡,

em que 𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖𝑡 representa, como antes, a soma de exportações e importações dividido


pelo PIB do país i no ano t; 𝑃𝐼𝐵𝑝𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡 é o PIB per capita do país i a preços correntes no ano t;
𝑃𝑜𝑝𝑖𝑡 corresponde à população do país i no ano;⁡𝐷𝑖𝑠𝑡𝑀é𝑑𝑖𝑎𝑖 indica a média da distância do
país i em relação a cada parceiro comercial, ponderada pela sua população; e 𝑣𝑡 é um efeito
fixo para cada ano, que controla para ciclos econômicos internacionais.

A Tabela 2.2 mostra os resultados da regressão. Corroborando os resultados de uma


vasta literatura empírica sobre o assunto, “tamanho”, “distância” e “nível de desenvolvimento”
são muito bons previsores das taxas de abertura comercial.

16
Tabela 2.2: Fatores explicativos da taxa de abertura

Abertura:
(Exp + Imp)/PIB

Ln(Dist. Média) -0.236***


(0.039)

Ln(População) -0.136***
(0.003)

Ln(PIB Per Capita) 0.068***


(0.005)

Obs: 8.118
R2 Ajust. 0,26

Obs.: Erros-padrão entre parênteses. *, **, *** indicam níveis de significância estatística:
10%, 5% e 1%, respectivamente. Dist. Média é a média ponderada pela população da
distância em relação todos os parceiros comerciais. A regressão inclui efeitos fixos para anos.
Fonte: Elaboração através de dados do Banco Mundial (abertura comercial) e CEPII Gravity
Database (demais variáveis).

Na Figura 2.5 representamos os valores das taxas de aberturas observadas e os valores


previstos obtidos a partir da estimação da equação acima. Para calcular as taxas de abertura
previstas para cada país e ano, usamos os coeficientes estimados na regressão. Calculamos
então a média por país entre 2011 e 2016 dos valores previstos pelo modelo e dos observados.

17
Figura 2.5: Abertura Prevista vs. Abertura Observada (média 2011-2016)
CORÉIA DO SUL
100%

90% ALEMANHA

80%
Taxa de abertura comercial observada

MÉXICO
70% CHILE

ÁFRICA
DO SUL
60%

ÍNDIA
50%

CHINA
RÚSSIA
40%
CUBA

30% EUA
ARGENTINA
BRASIL
Linha de 45º
20%
20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Taxa de abertura comercial prevista

Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial e do CEPII.

Os losangos azuis na Figura 2.5 indicam os resultados para cada país. Suas posições são
determinadas pela abertura comercial observado (eixo vertical) e pela prevista pelo modelo
(eixo horizontal) para cada país.7 As flechas apontam alguns países selecionados para facilitar
a comparação. Observa-se que, de forma geral, maior abertura observada associa-se a maior
abertura prevista.

Por outro lado, há (obviamente) diferença entre os dois dados. A linha vermelha, com
inclinação de 45 graus, divide países com abertura comercial observada maior que a prevista
(acima/à esquerda) daqueles com abertura comercial observada menor que a prevista (abaixo/à
direita) pelo modelo. Nota-se que o Brasil se encontra do lado de baixo do gráfico, e muito
distante da linha de 45 graus. Especificamente, o modelo prevê uma taxa de abertura para o país
para a primeira metade desta década de 56%, enquanto a taxa de abertura observada foi de

7
Há vários casos onde taxas de abertura previstas e/ou observadas superam 100%. A figura limita os eixos a 100%
para facilitar a visualização.

18
apenas 25%. Portanto, o modelo diz que, de acordo com o nível de desenvolvimento do país,
da sua população e das suas características geográficas, a taxa de abertura do Brasil deveria ser
124% superior ao valor observado.

Observa-se também que, exceto pela Argentina – que em função do Mercosul segue
essencialmente a mesma política comercial brasileira – os demais países que podem ser
comparáveis ao Brasil – isto é, aqueles emergentes em semelhante estágio de desenvolvimento
– encontram-se muito mais próximos da linha de 45 graus que o Brasil. De fato, vários deles
possuem uma taxa de abertura observada superior à que o modelo prevê, dadas as suas
características (por exemplo, China, Índia, México e Coréia do Sul).

Finalmente, é importante notar que a especificação da regressão que gera a Figura 2.5
pode ser alterada de várias formas – por exemplo, adicionando termos quadráticos.
Naturalmente, especificações diferentes gerariam estimativas diferentes. Dependendo da
especificação, a previsão para o Brasil pode ser um pouco superior ou um pouco inferior a
indicada na Figura 2.5. Por outro lado, o ponto fundamental não se altera, independentemente
dos detalhes da regressão: as características do país indicam que a taxa de abertura da economia
deveria ser muito superior à observada.

2.3. O papel das firmas nas exportações brasileiras

Além de dados agregados descrevendo importações e exportações, estão disponíveis


hoje, para vários países, dados de firmas exportadoras. Informações com esse nível de detalhe
têm sido objeto de vários estudos na literatura econômica, e hoje se conhece um conjunto sólido
de fatos estilizados sobre o comportamento de firmas engajadas em comércio internacional em
diferentes contextos.8 A sua análise e comparação entre países pode ser usada para caracterizar
a inserção internacional brasileira.

A Tabela 2.3 traz informações sobre quantidade, tamanho e dinâmica de firmas


exportadoras no Brasil e em outros países em nível próximo de desenvolvimento para os quais
há dados disponíveis: Chile, Colômbia, México e África do Sul, em uma média de três anos
(2006-2008).9 O Brasil distingue-se em vários aspectos (em termos relativos aos demais países):

8
Veja, por exemplo, a detalhada discussão de Melitz e Redding (2014).
9
Fernandes et al. (2016) introduzem a base de dados que utilizamos aqui, que pela primeira vez incorpora
simultaneamente informações sobre firmas exportadoras de diversos países e vários anos. A Tabela 3 usa
informação de 2006-2008 porque há dados para mais países para esse período.

19
(i) Possui um número de firmas exportadoras por habitante muito baixo;
(ii) Suas firmas exportadoras média e mediana vendem muito no mercado externo;
(iii) Suas maiores firmas exportadoras têm participação pequena no total de vendas externas
do país;
(iv) As taxas de entrada e de saída no mercado externo são baixas;10
(v) A probabilidade de uma nova firma exportadora continuar a exportar no ano seguinte à
sua entrada no mercado externo é alta.11

Tabela 2.3: Características de Firmas Exportadores – Média 2006-2008


Número de
Exportações Exportações Participação
Número de firmas Taxa de
por exportador por exportador dos 5% maiores
País firmas exportadoras Taxa entrada Taxa de saída sobrevivência
Média Mediana exportadores
exportadoras por 1.000 dos entrantes
(mil US$) (mil US$) no total
habitantes
Brasil 19,375 0,1 8.539 233 82% 22% 23% 54%
Chile 7,314 0,44 8.317 49 94% 38% 35% 35%
Colômbia 9,768 0,22 1.957 58 81% 32% 31% 42%
México 34,382 0,31 6.588 44 91% 35% 36% 39%
África do Sul 21,721 0,45 2.699 29 92% 28% 26% 49%

Fonte: Fernandes et al. (2016).

À primeira vista, alguns desses fatos podem parecer positivos e outros negativos,
dificultando uma conclusão mais geral. Por isso, para interpretar esses fatos de forma mais
precisa, precisamos nos basear nos mecanismos desenvolvidos pela literatura acadêmica.

Quando uma firma doméstica considera a possibilidade de ingressar no mercado


internacional, ela considera dois grandes fatores: (a) a incerteza sobre a sua lucratividade no
mercado externo (em outras palavras, a incerteza se a incursão externa gerará lucros ou não); e
(b) os custos irrecuperáveis associados à entrada no mercado externo, que são associados a
vários fatores. Em países onde esses custos irrecuperáveis são altos (por exemplo em função de
burocracia complexa, de ineficiência e de corrupção), a existência de incerteza sobre a
lucratividade no mercado externo faz com que poucas firmas decidam “experimentar” como
exportadoras. A consequência é que a taxa de entrada no mercado externo nesses países é baixa,
mas também a taxa de saída é baixa. Isso ocorre porque as firmas que “experimentariam” a

10
A taxa de entrada é dada pelo número de firmas presentes no ano t não presentes no ano t-1, dividido pelo
número de firmas presentes no ano t. A taxa de saída é dada pelo número de firmas presentes em t-1 não presentes
em t, dividido pelo número de firmas em t-1.
11
Essa probabilidade é dada pela taxa de sobrevivência dos entrantes, que corresponde à soma de firmas presentes
em t e t+1, mas ausentes em t-1, dividido pelo número de entrantes em t.

20
atividade de exportar são aquelas que, em média, não são especialmente produtivas (as muito
produtivas sabem que são lucrativas no mercado externo e exportam sempre).

O problema das baixas taxas de entrada (e de saída) é que várias das firmas que decidem
não “testar” o mercado externo seriam lucrativas nessa atividade: a média moderada de
produtividade inclui firmas muito pouco eficientes e outras muito eficientes. Por isso, entre as
firmas que começam a exportar em cada ano, muitas desistem rapidamente ao se descobrirem
incapazes de gerar lucro no mercado externo, mas várias outras têm desempenho oposto,
expandindo rapidamente suas vendas externas e vendendo para vários países após alguns
anos.12 De fato, Freund e Pierola (2015) mostram que, entre as firmas consideradas as export
superstars de um país (isto é, aquelas que têm participação significativa nas vendas externas do
país), várias começaram a exportar a relativamente pouco tempo e com volume baixo em seus
primeiros anos.

Em suma, o dinamismo do setor exportador de um país pode ser inferido por uma
rotatividade alta de firmas exportadoras, em que muitas firmas começam a exportar a cada ano,
um grande número desiste em pouco tempo, e as que não desistem crescem rapidamente como
exportadoras.

Os dados da Tabela 2.3 indicam que esse processo ocorre de forma muito mais morosa
no Brasil que nos demais países. Como os fatos (iv) e (v) apontam, o Brasil possui, entre todos
os países analisados, as menores taxas de entrada e saída e a maior taxa de sobrevivência dos
entrantes. Além disso, em linha com o fato (i), os altos custos irreversíveis implicam um baixo
número de firmas exportando: o número de firmas exportadoras por habitantes é, por exemplo,
mais de quatro vezes maior no Chile e na África do Sul que no Brasil. Por outro lado, como
poucas firmas entram no mercado externo, e as firmas entrantes são via de regra as que
exportam menores volumes (no momento em que elas entram), as exportações das firmas média
e mediana no Brasil são muito altas, como indica o fato (ii). Finalmente, em função da baixa
experimentação e dinamismo do setor exportador no país, geram-se poucos “superstars”, o que
explica o fato (iii).

A Tabela 2.4 faz uma comparação mais ampla entre países através de regressões que
relacionam dados sobre firmas ao PIB e à população dos países, além de um indicador para

12
Ver por exemplo Albornoz et al. (2012) para um modelo teórico detalhando esse mecanismo, e para evidência
empírica para o mesmo.

21
países de alta renda. Os dados contém informações entre os anos de 1997 e 2014 para 70 países
em um painel não-balanceado.13 Seja i o país e t o ano, o modelo geral é dado por:

ln⁡(𝑋)𝑖𝑡 = 𝛽1 ln⁡(𝑃𝐼𝐵𝑖𝑡 ) + 𝛽2 [ln(𝑃𝐼𝐵𝑖𝑡 )]2 + 𝛽3 ln⁡(𝑃𝑂𝑃)𝑖𝑡 + 𝛽4 𝐴𝑙𝑡𝑎𝑅𝑒𝑛𝑑𝑎 + 𝑢𝑖𝑡 ⁡.

A variável dependente 𝑋𝑖𝑡 , específica para cada país i e ano t, varia entre as colunas. Na coluna
1, consideramos o número de exportadores; na 2, o valor médio de exportação por exportador;
na 3, o número de firmas entrantes; e na 4, o número de firmas que deixa de exportar. O modelo
é estimado por mínimos quadrados ordinários.

Tabela 2.4: Características de Firmas Exportadoras – Regressões

(1) (2) (3) (4)


Exportadores Valor Médio de Exp. Entrantes Desistentes
PIB 2.782*** -0.460 3.085*** 3.428***
(0.520) (0.484) (0.889) (0.873)

PIB^2 -0.040*** 0.016 -0.048*** -0.054***


(0.010) (0.010) (0.018) (0.017)

População -0.122*** -0.087*** -0.059 -0.096**


(0.035) (0.033) (0.039) (0.039)

Alta Renda 0.324*** -0.092 0.405*** 0.341***


(0.097) (0.087) (0.103) (0.104)

Constante -33.95*** 17.66*** -38.65*** -42.82***


(6.59) (6.102) (11.27) (11.07)
Obs. 620 620 538 537
R2 Ajustado 0.824 0.354 0.763 0.772
Obs.: Todas as variáveis estão em log. Erros-padrão estão entre parênteses.
*, **, *** indicam níveis de significância estatística: 10%, 5% e 1%, respectivamente.
Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database ).

Observe na coluna 1 que PIB possui um efeito positivo e estatisticamente significativo


sobre o número de exportadores. Há, também, um efeito de segunda ordem negativo,
relacionado ao tamanho das economias e capturado pelos coeficientes de 𝑃𝐼𝐵 2 e de população,
mas cuja magnitude é muito menor. A conclusão é que, de forma geral, economias maiores
tendem a ter mais firmas exportadoras. Note que esse efeito existe mesmo controlando-se pelo
número médio de firmas exportadoras em países de alta renda – de fato, tudo o mais constante,

13
A definição de países de alta renda é a utilizada pelo Banco Mundial em 2018.

22
países desenvolvidos possuem mais firmas exportadoras. Ou seja, independente do grau de
desenvolvimento, espera-se que economias com dimensões maiores, como a do Brasil,
apresentem um número mais alto de exportadores.

A coluna 2 mostra que a variação nos valores médios de exportação por firma não
guarda relação clara com o tamanho das economias ou com o nível de desenvolvimento dos
países. Há somente uma relação negativa estatisticamente significativa com o tamanho da
população, mas esse efeito é muito pequeno economicamente. Esse resultado reforça o
argumento de que um número alto nesse indicador, como o Brasil possui, não é necessariamente
algo “positivo”. Ao contrário, tende a refletir ineficiências na alocação de recursos e a falta de
dinamismo do setor exportador, como apontado acima.

As colunas 3 e 4 mostram que países com PIB maior apresentam conjuntamente maiores
taxas de entrada e de saída do mercado externo. Os efeitos são maiores para países mais
desenvolvidos, mas existem para todos os tipos de economia. Como visto na Tabela 2.2, o Brasil
destoa desse padrão, com taxas de entrada e saída do mercado externo relativamente muito
baixas.

A Tabela 2.5 mostra como evoluiu o número e o tamanho de firmas exportadoras


brasileiras de 1998 a 2013 em intervalos de cinco anos. Apesar do aumento expressivo do
número e do tamanho médio dessas firmas entre 1998 e 2003, esse número permaneceu
essencialmente estável nos dez anos subsequentes. Ocorreu exatamente o inverso com a média
e a mediana de vendas externas por firma. Cresceu também o número médio de produtos
exportados por cada firma, passando de 5,43 em 1998 para 7,69 em 2013.

Colocando em perspectiva, a Figura 2.6 traz a evolução do número de firmas em cinco


países entre 2000 e 2012: África do Sul, Bélgica, Brasil, México e Turquia. Observa-se que até
meados dos anos 2000 o Brasil vinha apresentando uma trajetória de aumento consistente no
número de firmas exportadoras, chegando a ultrapassar a África do Sul e a Bélgica (um país
desenvolvido, mas menor). Contudo, essa trajetória foi revertida desde 2004. Esse movimento
contrasta com o observado na Turquia, por exemplo. O número de firmas exportadoras no país
quase dobrou no período, passando de 30 mil para 58 mil.

23
Tabela 2.5: Características de Firmas Exportadoras – Brasil

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database).

Figura 2.6: Evolução do número de firmas

Fonte:
Elaboração a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database).

Analisando todo esse conjunto de informações, o diagnóstico é claro. O setor exportador


brasileiro é muito pouco dinâmico, na comparação mundial e com países com grau similar de
desenvolvimento. A consequência é o que o país tem poucas firmas que buscam os mercados
externos, e com isso raras firmas que se tornam “superstars” no mercado internacional. Esse
problema parece ter se agravado nos últimos 15 anos.
24
2.4. Participação em acordos de livre comércio

Uma das formas de se intensificar o nível de abertura de um país é via participação em


acordos de livre comércio (ALCs). A definição padrão de um ALC é um acordo em que os
países membros concordam em eliminar as tarifas de importação entre eles sobre a maior parte
dos bens comercializáveis. O processo de liberalização intra-bloco é tipicamente escalonado no
tempo, com algumas tarifas eliminadas na assinatura do acordo e outras posteriormente. É
comum também haver exceções, em que a redução tarifária é apenas parcial e, às vezes,
inexistente para alguns produtos/setores.14

O Brasil não tem se mostrado um grande entusiasta desses acordos. A principal


iniciativa do Brasil nesse aspecto é o Mercosul, acordo que se iniciou em 1991 como uma área
de livre comércio e transformou-se em união aduaneira em 1995. Seus membros originais são
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, com a Venezuela entrando no bloco em 2004.15 Os
demais parceiros de ALCs são aqueles que fizeram acordo com o Mercosul: Bolívia, Chile,
Colômbia, Israel e Peru. No total, hoje o Brasil tem ALCs com nove parceiros comerciais. Para
efeito de comparação, o país médio no mundo possui hoje 19,3 parceiros em ALCs, e esse
número tem subido de forma rápida16. A Figura 2.7 traz a evolução do número de parceiros
comerciais no Brasil e no resto do mundo (média), entre 1995 e 2015. O Brasil possuía três
parceiros comerciais em 1995 e chega a nove em 2015. No mundo, a média salta de 6,3 para
19,3 parceiros comerciais de ALCs nesse mesmo período.

14
Vários ALCs também incorporam, em graus diversos, questões não-tarifárias. Elas podem incluir regras de
investimento, regulação de propriedade intelectual, barreiras não-tarifárias e muitos outros aspectos, alguns deles
pouco relacionados a comércio internacional. Para uma discussão sobre as consequências dessas cláusulas
adicionais em ALCs, veja Baldwin (2011), Osnago et al. (2015) e Ruta (2017).
15
Em 2017, a Venezuela foi suspensa do processo decisório do Mercosul por violar a “cláusula democrática” do
acordo, que requer que todos os seus membros tenham um governo democrático.
16
Fonte: Baier & Bergstrand Database (Baier et al., 2014). Consideram-se aqui apenas acordos comerciais que
promovem liberalização comercial significativa entre os signatários. Na base de dados utilizada, esses acordos são
classificados como i) Área de Livre Comércio, ii) União Aduaneira, iii) Mercado Comum e iv) União Econômica.
Acordos com preferências mais limitadas não são considerados.

25
Figura 2.7: Número de parceiros comerciais em ALCs

Fonte:
Elaboração a partir de dados da Baier & Bergstrand Database.

Naturalmente, embora úteis, esses números médios escondem muita heterogeneidade:


por exemplo, um acordo com os EUA e um com o Panamá têm impactos completamente
distintos. Para termos uma ideia mais precisa da importância da rede de acordos comerciais de
um país, é preciso considerar o potencial de comércio da mesma. A Figura 2.8 mostra a
importância do comércio dentro de ALCs para sete países selecionados: África do Sul,
Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Faz-se a comparação internacional
através de duas medidas: importações de parceiros comerciais como proporção do seu total de
importações e como proporção do seu PIB a preços correntes.

26
Figura 2.8: Importações de Parceiros de ALCs - 2015

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial e do FMI.

Os números do Brasil são baixos quando postos ao lado tanto de outros países em
desenvolvimento quanto de países desenvolvidos. As importações brasileiras dos seus nove
parceiros comerciais em 2015 representaram 13% das suas importações totais, equivalentes a
1,3% do PIB brasileiro. Em comparação, mais de dois terços das importações de Alemanha,
Chile e México vêm de seus parceiros de ALCs, o que representa quase um quarto de seus PIBs.
Mesmo países tradicionalmente menos abertos ao comércio internacional, como África do Sul
e Argentina, apresentam números mais expressivos que o brasileiro, com 35% e 28% do total
de importações ocorrendo dentro de ALCs, respectivamente. Em conjunto, esses dados
permitem classificar de modo mais preciso as parcerias comerciais feitas pelo Brasil até hoje:
além de poucas, são também pouco relevantes.

Uma possibilidade é que os formuladores de política comercial brasileira tenham


historicamente desprezado (relativamente ao resto do mundo) uma participação mais ativa em

27
ALCs por vislumbrar um impacto limitado, que não compensasse os custos de negociação. Isso
pode ser estimado. Fazemos simulações precisas sobre o impacto de possíveis acordos para o
Brasil na parte final deste estudo. Mas podemos calcular, de modo preliminar, o impacto médio
da assinatura de um acordo genérico no país.

Para calcular esse efeito, estima-se uma equação de gravidade adicionando-se variáveis
que indicam a presença ou não de um ALC para um dado par de países em determinado ano.
Mais especificamente, o modelo é dado por:

ln⁡(𝐼𝑚𝑝𝑜𝑟𝑡𝑎çõ𝑒𝑠)𝑖𝑗𝑡 = 𝛽1 𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 + 𝛽2𝑖 𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 × ⁡ 𝐼𝑚𝑝𝑖 + 𝛾𝑖𝑡 + 𝜔𝑗𝑡 + ⁡ 𝜂𝑖𝑗 + 𝑢𝑖𝑗𝑡 ⁡,

onde 𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 é uma dummy que vale 1 se i e j fazem parte do mesmo acordo comercial em t;
𝐼𝑚𝑝𝑖 vale 1 quando se trata do exportador i; 𝛾𝑖𝑡 ⁡𝑒⁡𝜔𝑗𝑡 são efeitos-fixos país-ano; 𝜔𝑗𝑡 é um efeito
fixo para os pares de países, e 𝑢𝑖𝑗𝑡 é um erro aleatório. Os efeitos fixos país-ano são utilizados
para controlar por todas as variações especificas a nível do país em cada ano, e os efeitos fixos
entre pares de países são utilizados para neutralizar problemas com a endogeneidade do acordo,
seguindo as melhores práticas recentes dessa literatura.17 Utilizam-se dados de comércio e de
ALCs entre 1950 e 2015.18

Portanto, estimamos o impacto médio agregado dos ALCs, que é dado por 𝛽1 . Além
disso, estimamos o impacto diferencial para cada importador i; o impacto médio para o
importador i é dado pela soma 𝛽1 + 𝛽2𝑖 . Isso permite que calculemos efeitos heterogêneos entre
os países, mostrando como a diminuição de custos comerciais através da assinatura de ALCs
afetou, em média, importações do país i de seus parceiros preferenciais. É possível traduzir esse
efeito em termos de alterações percentuais no volume de comércio através da seguinte fórmula:

∆𝐼𝑀𝑃_𝐴𝐿𝐶𝑖 = 𝑒 (𝛽1 +𝛽2𝑖 ) − 1,

onde ∆𝐼𝑀𝑃_𝐴𝐿𝐶𝑖 é a variação percentual média nas importações que i faz de seus parceiros
comerciais, comparando-se a situação com o ALC com a situação sem o ALC (e tudo o mais
constante).

A Figura 2.9 representa esses efeitos para cada país em ordem crescente.19 Na figura,
cada barra azul descreve, em porcentagem, como a formação de acordos preferenciais de

17
Head e Mayer (2014) explicam a fundamentação teórica do modelo e discutem as “melhores práticas” empíricas
em detalhe.
18
Fonte dos dados: FMI e Baier e Bergstrand Database. Em função do grande número de parâmetros, o modelo é
estimado através de Mínimos Quadrados Ordinários.
19
Para melhor efeito visual, alguns outliers foram omitidos da Figura 9.

28
comércio impacta, em média, as importações de cada país vindas dos países parceiros. As
flechas laranjas apontam alguns países selecionados. A barra laranja aponta o efeito médio de
ALCs, ou seja, as estimativas do coeficiente 𝛽1 quando se excluem as interações do modelo
estimado.

Figura 2.9: Impacto de Acordos Preferenciais de Comércio


200%

BRASIL

150%
ARGENTINA

CHILE
100%

ALEMANHA
50%
EUA

0%

Efeito Médio
-50%

-100%

Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados da Baier & Bergstrand Database e do FMI.

Observe que ALCs geram muito mais impactos positivos que negativos, e há casos em
que eles mais que dobram o volume de importações. Em média, ALCs tendem a aumentar em
62% as importações de países signatários em relação a outros parceiros comerciais. Entre os
efeitos para países individuais, a figura destaca, primeiro, duas nações desenvolvidas, EUA e
Alemanha. O impacto dos seus acordos é positivo e economicamente importante, com médias
de 13% e 40%, respectivamente. Já o impacto sobre países em desenvolvimento é em geral
maior, como é o caso de Chile (100%), Argentina (140%) e Brasil (150%). É provável que o
alto impacto sobre Brasil e Argentina deva-se ao maior nível de tarifas e outras barreiras
comerciais nesses países – como veremos na seção seguinte. Por serem economias

29
relativamente fechadas, os retornos tendem a ser altos em termos de aumento no volume de
comércio para novos acordos de liberalização preferencial.

Um canal importante pelo qual um país se beneficia com a formação de um ALC é um


maior mercado potencial para suas firmas. Esse é um benefício óbvio. Relacionado a esse ponto,
mas menos óbvio, é o fato de que as preferências em um mercado – especialmente se esse
mercado for relativamente grande – induz novas firmas a começar a exportar. Como indicado
anteriormente, algumas dessas firmas irão desistir rapidamente, mas outras se ajustarão às
novas oportunidades e crescerão no mercado externo. As que obtiverem mais sucesso entre
essas terão também incentivo a se expandir a novos mercados, onde o país não tem acesso
preferencial. Essa é uma das principais conclusões da análise teórica e empírica de Albornoz et
al. (2012), que investigam firmas argentinas. Assim, um ALCs serve como uma plataforma para
firmas começarem a exportar e (algumas delas) se expandirem para outros mercados. Essa pode
ser uma forma eficaz de reverter o baixo dinamismo observado do setor exportador brasileiro.

Dado o alto potencial de ganho é, portanto, surpreendente que o Brasil participe em


ALCs de modo tão tímido. Parte da explicação deve-se ao fato do Mercosul constituir-se uma
união alfandegária, e não uma área de livre comércio – ao contrário da maioria das iniciativas
nessa direção no mundo. Isso gera duas consequências importantes. Primeiro, nenhum membro
do bloco pode negociar isoladamente um ALC com outros países, pois isso feriria a união
alfandegária. Portanto, não apenas a entrada de novos membros, mas também acordos com
outros países exigem consenso de todos os membros. Naturalmente, isso impõe dificuldades
significativas à expansão da rede de parceiros comerciais de cada membro do Mercosul.

Segundo, como uniões alfandegárias (ao contrário de áreas de livre comércio) requerem
uma estrutura de tarifas externas comum, essa necessariamente tem de ser negociada entre os
membros do bloco. A princípio, esse fator poderia gerar uma tendência mais ou menos
protecionista em uniões alfandegárias. Contudo, há hoje uma literatura acadêmica teórica
consolidada que demonstra que as forças protecionistas em relação a importações provenientes
de fora do bloco tendem a se fortalecer no contexto de uniões alfandegárias. O inverso ocorre
em áreas de livre comércio, onde os incentivos protecionistas se reduzem, levando os membros
a liberalizarem não apenas dentro do bloco, mas também em relação aos países fora do bloco.20

20
As análises teóricas consideram questões estritamente econômicas, mas também as motivações de economia
política na determinação de política comercial. Especificamente, elas exploram como as interações entre interesses
econômicos e motivações políticas determinam a viabilidade da formação de blocos comerciais e os impactos
sobre a política comercial externa dos seus participantes. Veja, por exemplo, Ornelas (2005a, 2005b, 2005c, 2007
e 2008), e para uma discussão ampla da literatura, Freund e Ornelas (2010).

30
Essas análises têm comprovação empírica em vários estudos sobre a experiência internacional
em países em desenvolvimento. Entre elas, algumas identificam explicitamente o diferencial
entre uniões alfandegárias e áreas de livre comércio em termos de liberalização externa, como
os estudos de Estevadeordal et al. (2008) e Crivelli (2016) para a América Latina. A conclusão
é a mesma: os países se tornam mais protecionistas quando engajados em uniões alfandegárias
que quando envolvidos em áreas de livre comércio.

Portanto, o Brasil tem participação relativa em ALCs muito baixa, o que ajuda a explicar
a baixa taxa de abertura do país e o baixo dinamismo do seu setor exportador. A baixa
participação é em certa medida explicada pelo formato do Mercosul: funcionando desde 1995
como união alfandegária (embora tenha sido criado como uma área de livre comércio em 1991),
o bloco impõe forte rigidez à expansão da rede de parceiros de ALCs de seus membros. Além
disso, esse formato de bloco induz tarifas externas relativamente altas. Como veremos na
próxima seção, isso é exatamente o que observamos na tarifa externa comum do Mercosul.

2.5. Tarifas de importação

A origem da baixa taxa de abertura do Brasil, assim como do baixo dinamismo do seu
setor exportador, pode ser traçada também ao nível e a estrutura das tarifas de importação do
país.

Em temos de níveis, a Figura 2.10 mostra as tarifas médias da “Nação Mais Favorecida”
(MFN, na sigla em inglês) aplicadas pelo Brasil, pelos EUA (que representam bem o perfil
tarifário dos países desenvolvidos) e por outros países em desenvolvimento.21 Enquanto a tarifa
média de países desenvolvidos, como os EUA, é inferior a 5%, a tarifa média de países em
desenvolvimento é usualmente entre 5% e 10%. Novamente, o Brasil é uma exceção, com uma
tarifa MFN média de 13,5%. Essa é, essencialmente, a tarifa média de todos os membros do
Mercosul.22 Como indicado acima, um dos motivos que levam as tarifas de importação a níveis
relativamente altos é precisamente a organização do Mercosul como união aduaneira.

21
As tarifas MFN são aquelas pagas sobre importações vindas de todos os países que não são parceiros em ALCs.
Os parceiros em ALCs usualmente, embora não sempre, pagam tarifas preferenciais, abaixo da MFN.
22
Há pequenas diferenças em função de exceções permitidas na tarifa externa comum do bloco para um número
limitado de produtos.

31
Figura 2.10: Tarifa MFN Média, Países Selecionados

Fonte:
Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Observa-se que, embora a tarifa MFN média ofereça um retrato do nível de proteção de
um país, virtualmente todos os países do mundo participam em ALCs, e vários países o fazem
de maneira ativa. A implicação é que as tarifas efetivamente aplicadas por um país são, via de
regra, inferiores às suas tarifas MFN nominais. Quanto maior o número de parceiros em ALCs,
e quanto maior a importância dos mesmos, maior tende a ser a diferença entre as tarifas médias
MFN e aplicada. Como visto acima, a participação do Brasil em ALCs é muito tímida. Como
resultado, a diferença entre os níveis de proteção tarifárias brasileiras e o resto do mundo é na
realidade superior ao indicado na Figura 2.10.

Para avaliar a estrutura tarifária de um país, é importante observar também os níveis da


tarifa consolidada na OMC, que define o percentual máximo para as tarifas de cada bem, que
são negociadas multilateralmente. As tarifas consolidadas são importantes porque elas definem
a margem que um país tem para alterar suas tarifas de importação segundo os seus
compromissos na OMC.

32
A Figura 2.11 replica a Figura 2.10, mas incluindo a tarifa consolidada média para cada
país. O primeiro ponto a notar é a grande diferença, de 20 p.p., entre a média das tarifas-teto e
a média das tarifas MFN no Brasil. Isso não acontece em países mais desenvolvidos, como os
EUA, onde a diferença é próxima de zero (e os níveis são muito mais baixos). Isso também não
é observado em países em desenvolvimento que ingressaram na OMC a partir de 1995, como
China e Rússia, cujos tetos são muito próximos das tarifas MFN e cujos níveis também são
relativamente baixos em geral.23

Essa diferença importa, porque gera incertezas à política comercial de um país,


precisamente por possibilitar a alteração de tarifas sem violar compromissos firmados na OMC.
Hoje se sabe, a partir da literatura acadêmica, que a existência dessas incertezas de política é
altamente nociva à inserção comercial de um país.24 Observe também que, embora essa margem
de ajuste tarifário pareça menor no Brasil que em países como Colômbia ou México, aqueles
países são altamente integrados em ALCs, como a Figura 2.8 mostra. Esses acordos impõem
limites rígidos sobre alterações de tarifas entre os parceiros. Portanto, embora aqueles países
tenham de fato maior margem para aumentar suas tarifas MFN, essas são muito menos
relevantes para eles. Consequentemente, a incerteza de política comercial em países fortemente
engajados em ALCs é severamente limitada pelos próprios acordos. Como vimos, esse não é o
caso do Brasil.

A diferença entre tarifas MFN e consolidadas no Brasil é alta para produtos agrícolas e
não-agrícolas, e para bens em todos os estágios da cadeia produtiva. Isso pode ser visto na
Tabela 2.6, que traz três indicadores de tarifas médias brasileiras: (i) a tarifa consolidada na
OMC; (ii) a média simples da tarifa MFN; e (iii) a média das tarifas MFN ponderada pelos
valores de importações para cada bem. Essas medidas são apresentadas por setor – agrícola e
não agrícola – e por tipo de bem – primários, intermediários, de consumo e de capital.

23
Como Ornelas (2016) mostra, há uma diferença sistemática nos níveis tarifários entre países em
desenvolvimento que ingressaram no GATT em suas primeiras décadas de existência e aquele que começaram a
participar formalmente do sistema multilateral de comércio a partir da Rodada Uruguai de negociações, concluída
em 1994. Como acesso ao GATT/OMC passou a exigir um compromisso de liberalização muito mais forte, os
“novos” membros, como China e Rússia, possuem tarifas consolidadas muito inferiores àquelas dos “velhos”
membros, como Brasil e Chile, que assinaram o GATT na sua criação em 1947, ou de países como Colômbia e
México, que ingressaram entre 1947 e 1994.
24
Veja a discussão em Limão (2016).

33
Figura 2.11: Tarifa MFN e Consolidada Médias, Países Selecionados

Fonte:
Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Tabela 2.6: Perfil de Tarifas de Importação Brasileiras


Setor Tipo de Bens
Tipo de Tarifa Total
Agrícola Não-Agrícola Primários Intermediários de Capital de Consumo
Consolidada - Simples 31.4 35.4 30.8 33,61 28,83 31,92 33,35
MFN aplicada - Simples 13.5 10.0 14.1 6,73 11,81 13,1 19,35
MFN aplicada - Ponderada 10.4 12.3 10.3 3,29 7,81 11,4 14,7

Fonte: Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Além da diferença generalizada entre tarifas MFN e consolidadas, a Tabela 2.6 também
deixa clara a semelhança entre tarifas agrícolas e não-agrícolas. Em um primeiro momento isso
pode parecer surpreendente, já que o país é um eficiente produtor de produtos agrícolas, que
são os principais produtos da sua pauta de exportação. Porém, a média tarifária ponderada maior

34
que a média simples indica que o foco dessas tarifas são produtos de fato importados, e não
produzidos internamente.

A Tabela 2.6 também indica uma clara “escalada tarifária” na estrutura de tarifas
brasileira (isto é, do Mercosul), onde o posicionamento na cadeia produtiva tem implicações
fortes sobre o nível da tarifa nominal. Especificamente, bens primários possuem um nível
menor de tarifas aplicadas que bens intermediários e de capital, enquanto os bens de consumo
são os mais protegidos. Em certa medida, isso é comum no resto do mundo. O que não é comum
é o tamanho do ‘salto’ entre produtos primários e intermediários, e a existência de um salto
adicional para bens de capital. A implicação e que o nível de proteção efetiva na economia
brasileira é ainda mais alto que as tarifas nominais sugerem. Como uma de nossas propostas
específicas é precisamente no sentido de alterar essa estrutura, deixamos para a seção de
propostas a discussão mais detalhada sobre a mesma.

Finalmente, vale observar também a estrutura tarifária nos mercados para os quais o
Brasil exporta, para entender as barreiras encontradas pelas firmas brasileiras. A Tabela 2.7
traz a média simples e ponderada das tarifas MFN dos produtos efetivamente exportados (isto
é, a média exclui linhas tarifárias de produtos não exportados) por Brasil, México, Chile e China
para dois dos mercados mais importantes do mundo, EUA e União Europeia. Um destaque é a
diferença entre 20 e 30 p.p. da tarifa média (simples) que o Brasil e os outros países pagam nas
suas exportações agrícolas para aqueles mercados. Dada a eficiência na produção agrícola
brasileira, consegue-se exportar mesmo produtos que enfrentam barreiras comerciais altas nos
mercados importadores. Observe, porém, a diferença de quase 20 p.p. entre a média simples e
a média ponderada. Isso mostra que se exportam muito menos produtos dos quais se cobram
tarifas mais altas, como seria de se esperar. A magnitude dessa diferença indica potencial para
futuras negociações comerciais que venham a baixar os níveis tarifários de produtos que o
Brasil já exporta, por exemplo a nível de ALCs. Já no setor não-agrícola, as médias se
assemelham entre os países. Isso se deve ao fato dos países desenvolvidos já terem reduzido as
tarifas desses produtos no passado de forma generalizada.

35
Tabela 2.7: Tarifa MFN de produtos comercializados - Médias (%)

Fonte:
Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Observa-se, porém, que vários países possuem vantagens na exportação não refletidas
pela tarifa MFN. Por exemplo, as exportações do Chile e do México para os EUA e para a
União Europeia não incorrem tarifas, dados os acordos preferenciais entre eles. Portanto, as
tarifas relevantes para Chile e México nos mercados americanos e europeus são (virtualmente)
zero. E embora a que o Brasil incorra possa parecer baixa em termos absolutos, a grande
diferença entre as tarifas médias simples e ponderada deixa claro que essas barreiras importam:
a maior parte das exportações do Brasil para aqueles mercados são de produtos que têm as
menores tarifas MFN.

2.6. Estimativas de Barreiras Comerciais

Barreiras comerciais, sejam elas tarifárias ou não, são um componente crucial na determinação
dos fluxos de comércio ao redor do mundo. Portanto, mensurá-las e identificar oportunidades
para diminuí-las é algo fundamental para uma maior integração Brasileira ao comércio mundial.

Existem algumas formas de se estimar os custos de comércio enfrentados por países e setores,
ou pelo menos obter medidas que nos informem o quanto um país é fechado (ou ineficiente na
movimentação de seus bens no comércio mundial). O Banco Mundial, por exemplo,
disponibiliza um índice que tem como objetivo mensurar os desafios logísticos enfrentados
pelos países. É o índice de performance logístico, ou simplesmente LPI (de “Logistics
Performance Index”). O LPI é baseado numa pesquisa mundial com transportadores de
produtos globais, que disponibilizam informações sobre a eficiência logística dos países em que
operam. A pesquisa inclui não só informações detalhadas providas por estes operadores

36
logísticos, mas também dados quantitativos sobre a performance de alguns componentes
logísticos mais relevantes.25

Tabela 2.8: Barreiras comerciais em 2011 e LPI 2016.


LPI Score 2016 Barreiras Comerciais
Valor Posição Importador Exportador
Alemanha 0,84 1º 0,60 0,54
Reino Unido 0,88 8º 0,74 0,81
EUA 0,89 10º 0,69 0,84
Japão 0,90 12º 1,07 0,82
Canadá 0,91 14º 0,77 0,67
França 0,91 16º 0,70 0,69
África do Sul 0,94 20º - -
Itália 0,95 21º 0,83 0,83
Coréia do Sul 0,96 24º 0,99 0,89
China 0,97 27º 0,79 0,87
Turquia 1,04 34º 1,20 1,08
Índia 1,04 35º 1,03 1,27
Chile 1,10 46º - -
México 1,14 54º 0,69 0,55
Brasil 1,15 55º 1,32 1,36
Indonésia 1,19 63º 1,16 1,32
Argentina 1,20 66º - -
Rússia 1,39 99º 1,18 1,31
Fontes: Banco Mundial e cálculos dos autores usando WIOD.

A coluna 2 da Tabela 2.8 mostra o valor do (inverso do) índice para o Brasil, os países
do G7, o restante dos BRICS e alguns outros países em desenvolvimento, incluindo o Chile e a
Argentina, enquanto a coluna 3 mostra a posição do país no ranking do índice. A média do valor
do (inverso do) índice foi normalizada para 1 na amostra de países considerados em nossa
análise. Podemos ver que o Brasil é o 55º país no ranking, ficando atrás dos países do G7 e de
países em desenvolvimento como o África do Sul, Chile e Índia, mas em melhor situação que
Argentina e Rússia. De certa forma, os números corroboram a ideia de que o país ainda tem que
evoluir consideravelmente para melhorar sua inserção no mercado global.

Uma outra forma de estimar barreiras comerciais é utilizando dados de comércio


bilateral e equações de gravidade. Com base em ferramentas semelhantes, Novy (2012) propõe

25
Mais informações sobre a metodologia de construção do índice podem ser encontradas no link:
https://lpi.worldbank.org/about.

37
um método simples para obter barreiras comerciais (relativas) entre países. A barreira comercial
entre o exportador i e o importador j no setor k, 𝜏𝑖𝑗,𝑘 , é dada por:

1
𝑥𝑖𝑖,𝑘 𝑥𝑗𝑗,𝑘 2𝜆
𝜏𝑖𝑗,𝑘 = ⁡⁡⁡ ( ) − 1,
𝑥𝑖𝑗,𝑘 𝑥𝑗𝑖,𝑘

onde 𝑥𝑖𝑗,𝑘 ⁡ é o volume financeiro exportado do país i para o país j no setor k (ou o volume
vendido localmente caso i seja igual a j) e 𝜆 mede a elasticidade dos fluxos (relativos) de
comércio com respeito à barreiras comerciais entre os países no setor. Para obter esta medida,
usamos dados de comércio bilateral disponíveis na World Input Output Database (WIOD) - ver
Stehrer, de Vries, Los, Dietzenbacher, e Timmer (2014) para mais detalhes da base de dados -
e estimativas de 𝜆 encontradas em Pessoa (2018a). Uma desvantagem dessa medida, no entanto,
é que conseguimos estimar apenas barreiras comerciais relativas (aos custos das barreiras
comerciais intra-países).26 Desta forma, normalizamos a média da nossa medida para 1
(considerando a amostra de 40 países disponíveis na WIOD).

As colunas 4 e 5 da Tabela 2.8 mostram médias ponderada27 desta medida considerando


o país em questão como o importador e o exportador, respectivamente. Um primeiro ponto
importante é que esta medida apresenta uma correlação razoavelmente alta com o LPI
(aproximadamente 60%). E mais uma vez, podemos constatar que o Brasil aparece como um
dos países com maiores barreiras comerciais. De fato, o Brasil é o país mais fechado entre os
considerados na Tabela 2., tanto para a exportação quanto para a importação.

A análise de Novy (2012) nos permite estimar não só barreiras comerciais no âmbito do
país, mas também no âmbito dos setores. A Tabela 2. mostra a média das barreiras comerciais
setoriais para o Brasil (considerando a mesma normalização e o mesmo tipo de ponderação
feitos anteriormente). Os setores disponíveis na base WIOD foram agregados em 5 grandes
setores: serviços, manufaturas de baixa, média e alta tecnologia e agricultura e outros
(mineração, extrativismo e energia) - ver Pessoa (2018a) para mais detalhes da agregação dos
setores.

Os setores estão ordenados por custo (considerando o Brasil como país exportador).
Naturalmente, as maiores barreiras comerciais setoriais estão em serviços, seguido pelo setor

26 Mais precisamente, em Novy (2012) a fórmula acima resulta da hipótese de que 𝜏𝑖𝑖,𝑘 = 𝜏𝑖𝑗,𝑘 = 1, ou seja, as
barreiras comerciais entre dois países em um determinado setor são determinadas relativamente às barreiras
intra-nacionais. Caso efetivamente soubéssemos os valores de tais barreiras, poderíamos estimar 𝜏𝑖𝑗,𝑘 em termos
absolutos pela fórmula acima.
27
A ponderação é dada pelo volume de comércio no nível importador-exportador-setor.

38
de manufatura de média tecnologia (mid-tech), agricultura, manufatura de baixa tecnologia
(low-tech) e manufatura de alta tecnologia (high-tech), nesta ordem. A configuração que
considera o Brasil como país importador não é muito diferente. Entretanto, é interessante notar
que o setor em que o Brasil (provavelmente) detém sua vantagem comparativa e responsável
por grande parte de suas exportações, o de agricultura, possui barreiras comerciais
substancialmente maiores para exportação do que para a importação. Em primeiro lugar, isto
sugere que o sucesso de um setor não depende de medidas protecionistas que limitem a
competição com produtos estrangeiros. Em segundo lugar, isto mostra que ainda há espaço
considerável para um aumento de eficiência nas exportações Brasileiras deste setor e/ou
esforços para que os nossos parceiros comerciais diminuam suas barreiras de entrada aos bens
produzidos aqui.

Tabela 2.9: Barreiras Comerciais Setoriais Brasileiras.


Barreiras Comerciais
Importador Exportador
Serviços 2,08 1,75
Manufatura Mid-tech 1,30 1,47
Agricultura e Outros 0,99 1,32
Manufatura Low-tech 1,23 1,13
Manufatura High-tech 1,04 0,94

Fontes: Cálculos dos autores usando dados da WIOD.

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Stehrer, R., G. J. De Vries, B. Los, H. Dietzenbacher, e M. Timmer (2014): “The World Input-
Output Database: Content, Concepts and Applications,” Discussion paper.

41
3. Política de Defesa Comercial Brasileira no Contexto Internacional
Políticas de defesa comercial são utilizadas em virtualmente todos os países do mundo,
em maior ou menor escala, quando se identifica que importações ameaçam a economia local e
há evidência de “comércio desleal”. Tipicamente, as ameaças mais consideradas e para as quais
há maior reação é a prática de dumping, sendo o instrumento de defesa mais comumente
utilizado nesses casos as tarifas antidumping.

Em defesa comercial, a prática de “dumping” configura-se quando uma firma cobra um


preço menor no mercado internacional que em seu mercado doméstico, ou quando ela exporta
um produto a preços abaixo do seu custo de produção. A aplicação de medidas antidumping
visa a punição e prevenção de tais práticas, que poderiam ser prejudiciais ao país importador.

Observa-se que existe na OMC uma cláusula de escape que permite o uso de
salvaguardas como proteção temporária em casos onde a indústria local esteja ameaçada por
um forte e inesperado aumento de importações. Apesar disso, medidas antidumping são
utilizadas de forma muito mais frequente que as salvaguardas como instrumento de proteção
temporária a indústrias especificas.

Isso ocorre por vários motivos, segundo Beshkar e Bond (2016). O mais importante é
que os requerimentos para se utilizar medidas antidumping, sem desrespeitar as regras da OMC,
são muito mais simples de se comprovar que aqueles necessários para aplicar salvaguardas. A
exigência de que a indústria local está sendo prejudicada é relativamente mais fácil de
demonstrar no caso de dumping. E há vários caminhos possíveis para a obtenção de evidências
de que os produtos importados estão sendo vendidos a um valor inferior ao “justo”. Além disso,
medidas antidumping (ao contrário das salvaguardas) podem ser discriminatórias, permitindo
que os países visem fontes específicas de importações. Como consequência dessas facilidades
institucionais, as ações antidumping tornaram-se populares tanto entre países desenvolvidos
quanto entre países em desenvolvimento. Dada a prominência de medidas antidumping entre
os instrumentos de defesa comercial, são elas o foco da nossa análise de defesa comercial.

O argumento econômico clássico motivando políticas que previnem ou remedeiem a


prática de dumping assume que ela acarretaria danos irreparáveis às firmas do mercado onde
ela ocorre, e que isso geraria uma redução da competição e preços mais altos para os
consumidores daquele país no futuro, gerando uma redução no seu bem-estar agregado. Em
suma, as medidas de combate ao dumping seriam justificáveis do ponto de vista social caso
exista um motivo estratégico intertemporal por parte dos exportadores, que vise causar danos

42
às firmas domésticas e possivelmente a saída das mesmas do mercado para aumentar os seus
próprios preços e lucros no futuro, às custas do bem-estar do país importador. Nesse sentido,
preços baixos hoje seriam prenúncio de preços altos no futuro, quando as firmas predadoras
estrangeiras teriam dominado o mercado. As medidas antidumping teriam o propósito de
prevenir (ou remediar) tais práticas de dumping predatório.

Os critérios e procedimentos internacionais para identificação de dumping e aplicação


de medidas antidumping são definidos pela OMC. Contudo, eles são relativamente vagos e
flexíveis, deixando amplo espaço para discricionariedade para as legislações antidumping
nacionais. Especificamente, para que medidas antidumping sejam aplicadas, é necessário
provar que (i) os preços cobrados de fato são “injustos”, no sentido de estarem abaixo do custo
de produção ou dos cobrados no país de origem; e que (ii) houve prejuízos ao país importador
do bem em questão, por causa dos preços externos baixos. A mensuração e comprovação desses
dois pontos ficam, invariavelmente, sujeitas a interpretações por parte das autoridades
avaliadoras e estão cercadas de peculiaridades que dificultam a tomada de decisão.

Por exemplo, pode ser que o produto em questão não seja vendido em ambos os países
– ele pode ser comercializado em versões similares, mas não idênticas. Outra dificuldade está
na necessidade de comparar preços de transações relativamente contemporâneas, caso contrário
a análise seria prejudicada. Além disso, o volume de vendas do produto pode ser muito baixo
no país de origem, a ponto de ser viabilizar manipulações de preço a priori para evitar a
caracterização de dumping na sua comercialização em outros mercados.

Do ponto de vista conceitual, é importante notar que os motivos predatórios


mencionados acima não são sequer analisados nas análises de dumping, como apontam Tabakis
e Zanardi (2018). Consequentemente, a aplicação das medidas antidumping não depende da
existência do motivo predatório intertemporal – exatamente o que justificaria ações
governamentais contrárias.

Para compreender melhor essas nuances sobre a prática de dumping, a caracterização


formal da mesma, as reações das autoridades investigadoras, e as suas consequências sobre as
firmas e economias envolvidas, nós fazemos aqui um levantamento do que se sabe sobre a
prática de dumping, sobre a utilização de medidas antidumping, e sobre suas consequências de
tais medidas para as partes envolvidas. Para tanto, revisaremos os principais estudos teóricos e
empíricos da literatura acadêmica sobre o tema.

43
Em seguida, avaliamos as tendências mundiais de aplicação de medidas antidumping,
com ênfase no comportamento relativo do Brasil relativo ao resto do mundo. Para tanto, usamos
uma série de medidas e índices para obter uma compreensão completa do uso de medidas
antidumping no Brasil. Finalmente, fazemos uma comparação do processo decisório para a
introdução de tarifas antidumping nos EUA (que forneceu a base para a regulamentação de tais
medidas na OMC) e no Brasil.

Baseados nas conclusões dessas três partes do estudo – discussão da literatura


acadêmica, diagnóstico das ações do Brasil no contexto internacional e processo decisório no
Brasil – elaboramos então propostas específicas par alterações no processo decisório brasileiro.

3.1. Literatura Acadêmica

3.1.1. Motivações Econômicas para Dumping

Uma das perguntas mais naturais quando se pensa em dumping é sobre os motivos pelos quais
as firmas escolhem realizá-lo. A explicação mais simples deve-se à diferente elasticidade da
demanda enfrentada em cada mercado, refletindo diferenças nos tamanhos dos mercados ou
nos níveis de competição em cada um (Blonigen e Prusa, 2016). Se, por exemplo, uma firma
monopolista no mercado interno enfrenta forte concorrência no mercado externo, ela tenderá a
cobrar um preço maior no seu mercado que em suas exportações, caracterizando dumping. Tal
discriminação de preços é resultado natural da maximização de lucro das firmas em cada
mercado.

De fato, é possível caracterizar dumping mesmo quando consideramos firmas operando em


duas economias idênticas. Para operar no mercado externo, as firmas consideram os custos de
transporte. Isso faz com que seja ótimo para elas cobrarem um preço, excluindo o custo de
transporte, abaixo do que cobram em seu próprio mercado, onde não há tais custos. Ou seja,
haveria “dumping recíproco, mesmo na total ausência de motivos dinâmicos estratégicos,
causado apenas como simples reação à existência de custos de transporte, como demonstram
Brander e Krugman (1983). Um resultado talvez ainda mais surpreendente é o de que, do ponto
de vista de bem-estar social, esse dumping recíproco pode ser benéfico. Apesar dos custos de
transporte, a concorrência que a firma estrangeira impõe sobre a doméstica tende a fazer com
que os preços aos consumidores caiam em ambos os mercados. Se os ganhos de bem-estar dessa
redução de preços superarem os custos de transporte, o dumping é benéfico para as economias
envolvidas.

44
Dumping pode também estar ligado aos ciclos econômicos do país exportador e à dificuldade
em ajustar sua produção rapidamente. Se, por exemplo, o preço final do bem que determinada
empresa produz varia muito com o ciclo econômico, pode ser que em períodos de baixo preço
ela queira produzir menos - pois não compensaria manter a produção em um nível elevado. Da
mesma forma, em períodos cujo preço do bem final é alto, a empresa iria querer aproveitar para
elevar sua produção. Se, entretanto, a empresa não consegue ajustar rapidamente os insumos
do processo produtivo (ou se esse reajuste for muito custoso), pode ser ótimo para ela continuar
produzindo em um nível relativamente alto. Dessa forma, ela irá vender seu produto a um preço
abaixo dos custos de produção nos períodos em que o preço do produto final estiver baixo,
caracterizando a prática de dumping (Ethier, 1982).

Além de flutuações de preço, o dumping pode estar associado a flutuações de demanda e a


custos de estocagem (Staiger e Wolak, 1992). A intuição é a seguinte: uma firma doméstica
pode enfrentar períodos de baixa ou alta demanda em seu mercado. Nos períodos de alta
demanda, ela irá vender toda sua produção no próprio mercado; entretanto, em períodos de
baixa demanda, ela pode escolher vender seus produtos a um preço mais baixo, em mercados
estrangeiros, para não ter que incorrer em custos de estocagem. Nesse cenário, é possível que a
firma estrangeira diminua sua produção independentemente da demanda enfrentada para que,
quando a demanda for baixa, ela não inunde o mercado externo e fique suscetível a sanções
comerciais. Dessa forma, o fluxo de comércio entre dois países pode ser reduzido mesmo em
períodos em que não há qualquer aplicação de medidas antidumping.

Processos produtivos caracterizados por learning by doing também pode motivar práticas de
dumping, como mostra Gruenspecht (1988). Em um cenário em que a produção corrente da
empresa afeta seus custos futuros, pode ser ótimo para ela produzir mais no presente (cobrando
um preço menor que seu custo) para que, posteriormente, seu custo seja menor. Nesse sentido,
medidas antidumping podem inviabilizar a entrada de firmas em mercados em que o
aprendizado tem papel relevante na determinação de custos.

Em suma, a teoria diz que dumping pode ocorrer por diversas razões. Desde as mais simples e
imediatas, como custos de transporte e estruturas de mercado diferentes nos dois países, até as
mais complexas, como processos produtivos caracterizados por learning by doing. Assim, é
importante enfatizar que o simples fato de uma empresa cobrar um preço menor no mercado
externo que no mercado doméstico não é sinal de concorrência desleal. Como visto acima, há
inúmeros motivos que levariam a tais práticas, mas que não carregam consigo “cunho
malicioso”, no sentido das firmas que praticam dumping procurarem deliberadamente

45
prejudicar as demais. Além disso, as consequências do dumping para o país importador não são
tão diretas e danosas como pode parecer à primeira vista. Mesmo que a firma exportadora de
fato esteja precificando abaixo dos seus custos ou do preço cobrado em seu mercado doméstico,
a concorrência gerada pode ser benéfica para os consumidores finais do bem. Afinal, eles terão
acesso ao bem por um preço menor.

Para que a prática de dumping seja deletéria ao país importador, o preço baixo temporário hoje
tem de estar associado a um preço alto permanente no futuro – após as firmas domésticas
sucumbirem à competição externa. Embora possível, note que em uma economia aberta esse
mecanismo seria altamente improvável, pois o mercado poderia sempre ser contestado por
outras firmas estrangeiras. Isso exerceria pressão permanente sobre os preços, mantendo-os
baixos no futuro. Como consequência, inviabilizaria os ganhos com o dumping predatório no
presente. Ou seja, a motivação que as políticas de defesa comercial procuram limitar podem ser
evitados pela simples competição externa.

Há, portanto, várias situações onde há lógica econômica na prática de dumping (segundo a
definição da OMC), mas em que não há qualquer consequência deletéria para o país importador
que requeira ação compensatória por parte dele. Como Blonigen e Prusa (2016) observam, não
há essencialmente nenhuma relação entre a base jurídica para a imposição de antidumping e o
entendimento econômico de dumping.

3.1.2. Motivações para Medidas Antidumping

Uma vez analisado e compreendido os mecanismos que levam empresas à prática de


dumping e suas consequências, é natural perguntar as motivações das medidas antidumping
aplicadas. À primeira vista, pode parecer mais simples e direto o objetivo de uma firma
doméstica que inicia uma ação antidumping contra uma estrangeira: proteger-se da
(possivelmente desleal) concorrência. Entretanto, pode haver outros incentivos guiando as
atitudes de firmas e países que iniciam ações antidumping.

Nas últimas décadas, as rodadas de negociações internacionais sob as áuspices do


GATT, juntamente com o monitoramento subsequente pela OMC, obtiveram sucesso em
reduzir as tarifas de importação em todo o mundo, diminuindo barreiras ao comércio e retirando
mecanismos de proteção tradicionais. As medidas antidumping podem se inserir nesse contexto
como uma forma de os países conseguirem novamente elevar tarifas e barreiras comerciais,
mesmo que para um conjunto específico de produtos ou setores (Prusa, 2005). Dessa forma, é

46
possível que muitas ações antidumping sejam iniciadas mesmo que não haja evidências
concretas de concorrência desleal contra o mercado doméstico, numa tentativa de simplesmente
aumentar o nível de proteção dentro das regras da OMC.

Existe ainda um fator que tende a intensificar a busca por proteção via medidas
antidumping: a discricionariedade e subjetividade intrínseca à sua investigação, principalmente
no que tange a decisão sobre se há ou não prejuízo à economia doméstica causado pela
precificação de alguma empresa estrangeira. As empresas podem se aproveitar desse ambiente
para manipular dados de forma a caracterizar danos a seu mercado quando, na verdade, eles
não existem. Esse comportamento ajuda a explicar porque um grande número de empresas
requisita a aplicação de ações antidumping pelos seus governos.

Inserido nesse contexto de tentar conseguir proteção comercial legalmente dentro das
regras da OMC, ações antidumping podem também ser usadas de maneira estratégica por países
para fortaleceram acordos tácitos entre eles (Bagwell e Staiger, 1990). A intuição é a de que os
baixos níveis de proteção comercial observados são consequências de acordos entre os países,
como os formalizados na OMC. É possível que, em períodos de bonança no comércio
internacional, haja incentivos para que algum dos membros do acordo queiram usufruir do seu
poder de mercado e quebre o acordo. Nesse cenário, as medidas antidumping seriam uma forma
de ameaça crível de punição para quem pensa em deixar de cooperar. Assim, seria esperado
que o uso de medidas antidumping se intensificasse em períodos de crescimento do comércio
internacional, e se mantivesse estável nos períodos considerados normais em termos de
comércio. Bown e Crownley (2013) testaram empiricamente o modelo de Bagwell e Staiger.
Usando dados de diversas fontes para analisar os pedidos de ações antidumping norte-
americanos, os autores encontram evidências de que o aumento em um desvio padrão do fluxo
de importações bilaterais entre os EUA e outro país pode aumentar, em média, em 35% a
probabilidade de alguma ação antidumping ser iniciada.

Uma outra motivação para o uso de medidas antidumping é a retaliação. Um país pode
iniciar uma ação antidumping contra outro simplesmente como forma de tentar puni-lo por ter
também iniciado ações antidumping no passado. Estimativas usando dados da OMC do período
entre 1996 e 2003 indicam que um país tem, em média, 7% mais chance de preencher uma ação
antidumping contra outro país que também fez isso um ano antes. Entretanto, esse efeito não
existe quando consideramos apenas aqueles países considerados tradicionais no cenário
antidumping, isto é, aquelas que já tinham legislação antidumping na década de 1980 (Feinberg
e Reynolds, 2006).

47
Devido à subjetividade pela qual as análises precisam ser feitas para determinar se um
dado preço é “justo” ou não, é possível que influências políticas sejam fatores relevantes para
a decisão, por parte das firmas, de requisitar uma ação antidumping, e para a definição e
aplicação da mesma, por parte das autoridades técnicas. Uma série de trabalhos empíricos foram
desenvolvidos sobre o assunto, e confirmam que de fato fatores políticos são relevantes nos
processos decisórios. Para os EUA, há evidências de que variáveis relacionadas à força política
doméstica – como concentração da indústria em questão e o número de funcionários na empresa
que iniciou a ação antidumping – afetam decisões sobre os danos causados pela precificação,
mas não quando a decisão é sobre o preço estar ou não abaixo dos custos. Por outro lado,
variáveis relacionadas a indicadores de custos da firma – salário médio e o tamanho das
economias de escala, por exemplo – são relevantes quando para explicar as decisões sobre o
preço ser ou não inferior aos custos (Sabry, 2000; Finger et al., 1982). Hansen e Prusa (1997)
encontram também que firmas inseridas em setores mais concentrados tendem a iniciar um
número maior de ações protecionistas.

É possível notar, também, certa interdependência de ações antidumping por uma mesma
indústria em diferentes países. Maur e Mondiale (1988) observam que a adoção de medidas
antidumping em um determinado país, para certa indústria, pode desencadear medidas similares
para essa mesma indústria em outros países: um “efeito cascata”, ou “eco”. Paralelamente a
esse efeito eco na proliferação de medidas antidumping, observa-se que certas firmas ou setores
concentram um maior número de casos de antidumping que outro, como aço ou produtos
químicos. Uma possível explicação para isso pode estar relacionada ao acúmulo de experiência
e expertise pelas firmas ou indústrias ao transitar pelo processo e pela legislação antidumping.
Ao analisar dados de pedidos norte-americanos para ações antidumping nas décadas de 1980 e
1990, Blonigen (2006) mostra que experiência anterior em realizar petições antidumping leva
a uma probabilidade de 2% a 9% maior de fazê-las no futuro, mesmo quando os casos
reportados posteriormente apresentarem uma margem de dumping menor. O motivo é que a
experiência prévia reduz os custos de preencher o pedido e transitar pela burocracia, levando o
país a reportar casos que geram menores danos comerciais, ou seja, casos com margem pequena
de dumping que antes não eram reportados.

48
3.1.3. Os impactos das Medidas Antidumping

O principal questionamento quando se discute medidas antidumping é sobre seu


impacto. Bown e Crownley (2007) classificam quatro tipos de efeitos no comércio internacional
provenientes de medidas antidumping:

(i) Destruição de comércio: o efeito direto da medida. Ocorre quando o país exportador
reduz suas vendas ao importador por causa da ação imposta;
(ii) Desvio de comércio: o primeiro efeito indireto da medida. Ocorre quando o país
importador substitui as importações do país acusado por importações de outros países não
mencionados no processo;
(iii) Deflexão de comércio: o segundo efeito indireto da medida. Ocorre quando o país que
foi afetado pela medida deixa de exportar para o país que realizou a ação, mas passa a exportar
mais para outros países;
(iv) Depressão de comércio: o terceiro efeito indireto da medida. Ocorre caso o país
importador realize outra ação antidumping, contra outro país, e as exportações do país afetado
pela primeira ação para esse segundo país afetado também se reduzem.

Além desses efeitos, que ocorreriam após a implementação de uma tarifa antidumping, é
também possível que a simples possibilidade da aplicação da tarifa afete a política de preços de
uma firma exportadora. A intuição é simples. Suponha que a firma tenha uma certa expectativa
de lucros em determinado mercado externo e escolha seu preço de exportação, levando em
conta as características do mercado e dos seus custos de produção, para maximizá-lo. Chame
esse preço de p1. Suponha agora que a mesma firma exporte para um outro mercado de
características idênticas, mas onde há um histórico de medidas antidumping aplicadas. A firma
associará então uma probabilidade de ser afetada por medida similar, e essa probabilidade será
decrescente no seu preço, uma vez que a caracterização de dumping ocorre exatamente quando
o preço é suficientemente baixo. Considerando essa possibilidade – que pode ser devastadora
para os lucros da firma – a firma escolherá para aquele mercado um preço p2 superior a p1.
Portanto, a simples ameaça de aplicação de medidas antidumping (ou a ameaça implícita
decorrente de seu uso no passado) induz firmas exportadoras a elevar seus preços em um
mercado, com consequências negativas para seus consumidores.

Um método para se realizar a avaliação dos impactos é via modelos de equilíbrio geral
computável. Os trabalhos nesse sentido apontam, geralmente, para consequências similares
para o importador: redução de importações e perdas líquidas de bem-estar. Por exemplo,

49
Gallaway et al. (1999) estimam que as perdas de bem-estar nos EUA em 1993 com medidas
antidumping foram da ordem de 4 bilhões de dólares, concluindo que, entre os programas que
restringem o comércio internacional norte-americano, as ações antidumping entre os mais
custosos.

Uma outra abordagem é a análise econométrica. Por exemplo, Brenton (2001) estima
um modelo simples para determinar a relevância do efeito de desvio de comércio associado às
ações antidumping da União Europeia. As estimações usam dados de medidas antidumping
iniciadas pelo bloco entre 1989 e 1994. A equação estimada é:

ln xi,tj = α + β1 ln xi,tj−1 + β2 (ln xi,t−1 − ln xi,t−2 )

+ λ1 ln Dutyi + λ2 Nunnamedi + δ1j tdj + δ2j tdj Deci + ηj Yeartj + εi,tj ,

onde xi,tj é o volume das importações do país importador (o acusador) no caso i no período t j ;

t 0 é o período em que a medida foi aplicada; e j varia até 4, isto é, são usados até 4 lags nas
variáveis no tempo. A variável Dutyi ⁡mede o tamanho da sanção imposta pela medida
antidumping (por exemplo, o valor do imposto ad valorem equivalente que a medida estipula).
A variável Numnamedi ⁡é uma dummy: vale 1 se o número de países mencionados na ação
antidumping i é maior que 2, e 0 caso contrário. A intuição é observar se o desvio de comércio
gerado por uma ação antidumping é maior quando um número maior de países é mencionado
na ação. O termo tdj corresponde a uma variável dummy para cada ano j, incluída na regressão
para capturar o efeito do desvio de comércio nos anos subsequentes ao início das investigações.
Por sua vez, Deci ⁡é uma dummy indicando se a ação foi aprovada ou não. Por fim, Yeartj
corresponde a efeitos fixos de ano que capturam condições macroeconômicas do momento.

Com o intuito de separar o desvio de comércio entre países mencionados e não mencionados
nos processos antidumping, a amostra foi seccionada em quatro grandes grupos, de acordo com
a origem das importações: (i) importações de países mencionados nas investigações; (ii)
importações totais de países não mencionados; (iii) importações apenas de países da própria
União Europeia não mencionados; (iv) importações de países não mencionados fora da UE.
Foram encontradas evidências de que as importações provenientes de países mencionados nos
processos de fato sofrem um declínio no segundo e terceiro anos após o início da ação. Esse
efeito é agravado quando a ação é aprovada e as sanções são impostas. Já as importações
provenientes do grupo de países não mencionados aumentam consideravelmente dois anos após
o início das investigações, e quando se conclui que houve dumping. Além disso, esse aumento
no volume de importações é maior quando três ou mais países são mencionados nas petições
50
antidumping. Essas evidências sugerem que possíveis ganhos da retirada de medidas
antidumping são dissipados, e beneficiam em grande parte países não mencionados nas ações.

Outros trabalhos empíricos corroboram a hipótese de que a mera ameaça de antidumping pode
surtir efeitos nos países envolvidos. Há evidências mostrando que metade dessa redução pode
ocorrer já na fase de investigação, sem que tenha havido qualquer conclusão acerca de possíveis
danos causados pela firma exportadora à economia doméstica (Staiger et al., 1994). Ou seja, há
fortes evidências apontando que medidas antidumping de fato prejudicam diretamente o
comércio internacional num nível acima do pretendido inicialmente pela sanção imposta.

As evidências sobre efeitos negativos indiretos de medidas antidumping não são menos
extensas. O principal efeito indireto a ser medido é o desvio de comércio para países não
mencionados na ação antidumping. A intuição é que, quando um país sofre uma medida
antidumping, os países que anteriormente importavam dele passam a importar de outras fontes,
externas ao processo. Ao analisar a série de tempo das importações de países mencionados e
não mencionados em todos as petições para ações antidumping entre 1980 e 1988, é possível
identificar tanto efeitos diretos quanto indiretos das medidas antidumping: além da redução no
fluxo de comércio dos países citados nas ações, foram encontradas evidências de que um
aumento médio de 22% nas importações provenientes de países não mencionados nos
processos, sugerindo que muitas nações podem se beneficiar da aplicação de medidas
antidumping em que não são mencionados (Prusa, 1997). De fato, há casos em que o aumento
de importações de outros países é maior que a redução das importações do país afetado, fazendo
com que determinada ação antidumping aumente o fluxo de comércio internacional. Apesar
disso, é necessário ter um olhar crítico sobre esse resultado: o desvio de comércio resultante de
ações antidumping pode beneficiar pontualmente determinado país, mas gera efeitos distorcivos
claros em termos de eficiência.

Carter e Gunning-Trant (2010) estimam o desvio de comércio para ações antidumping


relacionadas a produtos agrários. Os autores encontram que esse efeito é menor que o
encontrado em trabalhos voltados para bens manufaturados, e é relevante apenas para o ano
seguinte à adoção da medida. Tal evidência mostra que o efeito indireto das ações antidumping
apresentam heterogeneidade quanto ao tipo de produto sendo alvo das ações antidumping.
Possíveis motivos para esse resultado são especificidades geográficas da produção agrícola,
sazonalidade na produção e o fato de serem produtos perecíveis, o que limitaria a velocidade
de ajuste da produção quando uma ação antidumping é iniciada.

51
Os processos regulatórios e as especificidades da legislação afetam as medidas antidumping.
Em 1984, por exemplo, a legislação antidumping norte-americana passou a permitir que
revisões anuais sobre a medida imposta se tornassem facultativas (antes elas eram obrigatórias).
Essas revisões periódicas criam, em teoria, incentivos para as firmas alterarem periodicamente
seus preços para que não seja caracterizado dumping novamente (Blonigen e Park, 2004). Elas
fazem isso de acordo com a probabilidade esperada de serem pegas no dumping, que está
diretamente ligada à qualidade e confiabilidade das autoridades. A teoria se aplica: os autores
mostram evidências de que as firmas que mais reduzem seus preços de exportação durante a
fase de revisão quando punidas por medidas antidumping são exatamente aquelas que tinham
uma menor expectativa de receber medidas antidumping ex ante.

Atrelado ao tópico de processos e legislação está a ambientação política por trás das medidas
antidumping, especificamente a captura por grupos de interesse de um processo cujo desenho
é complexo e burocrático. Políticos podem, por exemplo, alterar o processo administrativo das
ações antidumping via legislação. Hansen e Prusa (1996) estudam a mudança na legislação
antidumping norte americana ocorrida em 1984, que também estipulou que casos de dumping
para produtos semelhante vindos de diferentes países fossem acumulados e tratados como um
só, e não analisados e julgados separadamente, como ocorria antes daquele período. Os autores
encontram que essa aparentemente simples mudança na legislação aumentou a probabilidade
de se constatar dumping em aproximadamente 20% a 30%. Esse efeito é maior, quanto maior
for o número de países envolvidos e casos acumulados.

Devido à maior disponibilidade de micro dados nos últimos anos, tornou-se possível investigar
impactos de medidas antidumping a nível de firma. Por exemplo, essas medidas afetam a
produtividade das firmas envolvidas no processo? Estudos utilizando dados de todas as
manufaturas americanas apontam que proteção comercial via medidas antidumping está
associada à redução da produtividade das firmas afetadas. Esse efeito é tão maior quanto maior
for a proteção garantida pela medida. Também há evidências de que medidas antidumping estão
associadas a preços e mark-ups mais elevados: em média, cada 1 p.p. a mais de proteção
comercial aumenta o mark-up em 0,3 p.p. (Pierce, 2011). Estudos realizados usando dados da
União Europeia (Konings e Vandenbussche, 2008) e da China (Chandra e Long, 2013) apontam
para uma direção similar: firmas de baixa produtividade tendem a ficar mais produtivas após a
proteção, enquanto as firmas que já eram mais produtivas antes da medida tendem a ficar menos
produtivas após a proteção comercial – as ações antidumping são boas para firmas ruins, e ruins
para firmas boas. Esse efeito, a princípio neutro sobre as firmas como um todo, pode esconder

52
uma importante distorção de incentivos: as firmas tendem a investir menos em tecnologia e
inovação ao antecipar o efeito das medidas antidumping e, com o tempo, a produtividade geral
da economia tende a se reduzir.

Outra questão que pode ser respondida com micro dados é sobre o efeito de medidas
antidumping sobre a probabilidade de saída de firmas do mercado. A evidência mostra que esse
é um problema concreto. Por exemplo, usando dados sobre medidas aplicadas a firmas chinesas,
Lu et al. (2013) mostram que grande parte da destruição de comércio causada por medidas
antidumping deve-se à saída de firmas do mercado afetado. As exportações do país afetado
caem em grande parte devido à saída das firmas menos produtivas. Conclusões parecidas são
encontradas Besedeš e Prusa (2017): medidas antidumping nos EUA aumentar em cerca de
50% a probabilidade de todas as firmas de um país afetado pararem de exportar o produto em
questão para o mercado americano. Esse efeito é heterogêneo: quando a medida propõe uma
penalidade grande ao país afetado, a maior parte das firmas saem já na fase de investigação;
quando a sanção proposta é relativamente pequena, as firmas tendem a sair apenas quando o
caso é de fato decidido. Portanto, é possível que as medidas antidumping diminuam
significativamente a concorrência nos países afetados. Se a concorrência é menor, os preços
tenderão a subir – e o país importador acaba por sofrer consequências tão ou mais negativas
que as que a medida antidumping estava inicialmente tentando evitar.

Vale ressaltar que o impacto de medidas antidumping pode afetar de maneira diferente firmas
do país beneficiado. Usando dados da União Europeia, Konings e Vandenbussche (2013)
mostram que, enquanto as firmas domésticas importadoras do país protegido de fato se
beneficiam diretamente com a medida, as firmas exportadoras daquele país podem sofrer danos,
principalmente se são empresas inseridas numa cadeia de valor global. Pelo fato dos preços
internacionais subirem quando medidas antidumping são impostas, as vendas e exportações
dessas firmas são reduzidas. Portanto, os efeitos líquidos de medidas antidumping sobre o país
beneficiado não são inequivocamente positivos, como pode-se pensar a princípio.

3.1.4. Estudos para o Brasil

Os trabalhos sobre medidas antidumping no Brasil são mais escassos. Recentemente,


Kannebley et al. (2017) fazem uma análise empírica sobre alguns indicadores das indústrias
brasileiras que são protegidas por medidas antidumping. Especificamente, eles medem a
produtividade do trabalho, a produtividade total dos fatores e o mark-up das indústrias nacionais

53
que se beneficiaram de alguma medida antidumping. Eles utilizam a base de dados Global
Antidumping Database, mantida pelo Banco Mundial, para coletar informações referentes às
medidas antidumping peticionadas por indústrias brasileiras. Para o cálculo de mark-up e
produtividade das firmas, usam dados da Pesquisa Industrial Anual, do IBGE. As análises
econométricas foram feitas usando o método de diferenças-em-diferenças, levando em conta os
efeitos fixos das firmas.

A especificação estimada foi:

𝑃𝑟𝑜𝑑𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝛾𝑡 + 𝛼1 𝐴𝐷𝑖𝑡 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜀𝑖𝑡 .

A variável dependente 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑖𝑡 denota o índice de produtividade da empresa 𝑖 no ano 𝑡; 𝛼𝑖 é o


efeito fixo da firma 𝑖; 𝛾𝑡 são dummies de tempo para capturar variáveis específicas dos anos
em questão; 𝐴𝐷𝑖𝑡 é uma dummy indicando se a firma 𝑖 recebeu proteção antidumping no ano
𝑡; e 𝑋𝑖𝑡 é um vetor com variáveis de controle a nível da firma – variáveis defasadas e o logaritmo
da razão capital-trabalho. Os resultados indicam que a proteção antidumping causou uma
redução de cerca de 9% da produtividade e um aumento médio de 1,5% no mark-up das firmas
afetadas, relativamente a firmas não afetadas, no período entre 2003 e 2013. Portanto, os
resultados da experiência brasileira conformam-se com os resultados obtidos por Pierce (2011)
para os EUA.

Outros dois trabalhos brasileiros merecem destaque. Ferreira (2014) analisa a magnitude
do efeito de destruição e desvio de comércio provenientes das ações antidumping iniciadas pelo
Brasil. Usando um arcabouço de séries temporais, ele analisa a trajetória do valor das
importações brasileiras provenientes dos países nomeados e não nomeados nas investigações
iniciadas. Os resultados encontrados vão em linha com o que a literatura aponta: há destruição
significativa de comércio após a aprovação da medida, isto é, as importações brasileiras de
países nomeados nos processos se reduzem no segundo e terceiro anos após o início das
investigações. Há também evidências significativas de desvio de comércio – as importações
brasileiras de países não citados nos processos aumentam no mesmo período. Entretanto, o
efeito líquido é negativo: houve mais destruição que desvio de comércio.

Castilho (2006) faz uma análise das consequências para o Brasil das ações antidumping
iniciadas pelos EUA. A autora estima os quatro possíveis efeitos de medidas antidumping
apontados por Bown e Crowley (2007), usando a base de dados Global Antidumping Database,
entre 1992 e 2004. Os resultados apontam a existência de efeitos significativos de destruição e
desvio de comércio, mas inconclusivos sobre deflexão e depressão de comércio.

54
3.1.5. O Impacto de Dumping e de Medidas Antidumping sobre o Bem-estar

A literatura teórica sobre dumping e medidas antidumping mostra que as implicações


de bem-estar são ambíguas: tanto a prática de dumping quanto a adoção de medidas para
combatê-lo podem aumentar ou reduzir o bem-estar na economia, dependendo de
especificidades dos mercados em que as firmas operam.28 Em grande medida, essa ambiguidade
reflete os vários motivos pelos quais as empresas podem praticar dumping: desde elasticidades
diferentes em cada mercado à sazonalidade da demanda, entre vários outros. De modo similar,
os objetivos dos governos implementando medidas antidumping também são muito diversos.

A despeito da ambiguidade teórica, quando se atenta às evidências empíricas sobre as


medidas antidumping, torna-se claro que o seu uso excessivo como forma de proteção comercial
traz mais custos que benefícios às economias que as aplicam. Distorção de incentivos, redução
de competição no mercado doméstico, motivações políticas e problemas com a legislação são
apenas alguns dos pontos negativos que a literatura econômica traz à tona sobre o assunto.
Naturalmente, há o benefício direto da proteção comercial às empresas importadoras, mas é
importante que o formulador de políticas públicas avalie se esses benefícios superam os custos.
Os resultados da literatura empírica mostram que, em geral, os custos sociais das medidas
antidumping são dominantes. De fato, embora o seu objetivo formal seja eliminar os efeitos
negativos de dumping em uma economia, Blonigen and Prusa (2003) concluem em uma análise
da literatura que, na prática, a aplicação de medidas antidumping não tem nenhuma relação com
a manutenção de um ambiente comercial “justo”; ao contrário, “antidumping tornou-se
simplesmente uma forma moderna de proteção”.

Um dos principais problemas está na caracterização da prática do dumping. Como


indicado acima, muito do que é visto hoje em dia como precificação predatória apenas reflete
uma interação natural entre firmas, que não geraria custos para a economia importadora como
um todo. Uma caracterização de dumping mais cuidadosa evitaria que custos desnecessários
sejam impostos às economias envolvidas. Dessa forma, parece crítico estipular regras mais
claras e amparadas na teoria econômica para a caracterização de dumping, ir além da simples
comparação contábil entre preços e custos das empresas acusadas, e considerar não apenas os
impactos sobre o setor diretamente afetado, mas também sobre os demais setores da economia
e sobre os consumidores.

28
A Tabela 1 resume a discussão sobre motivos para dumping e para ações antidumping, os padrões de incidência
e os impactos das medidas e da legislação sobre o tema.

55
Tabela 3.1 - Literatura econômica sobre dumping e medidas antidumping (AD)

Tópico O que a literatura diz Referências


Diferentes elasticidades da demanda Blonigen e Prusa (2016)
Custos de transporte Brander e Krugman (1983)
Motivos para dumping Ethier (1982)
Ciclos econômicos
Staiger e Wolak (1992)
Learning by doing Gruenspecht (1988)
Proteção dentro da OMC Prusa (2005)
Bagwell e Staiger (1990)
Fortalecer acordos tácitos Davies e Liebman (2006)
Bown e Crownley (2013)
Motivos para aplicação de AD
Retaliação Feinberg e Reynolds (2006)
Sabry (2000)
Motivações políticas Finger et al. (1982)
Hansen e Prusa (1997)
Efeito eco Maur e Mondiale (1998)
Padrões de incidência AD
Ganhos de experiência Blonigen (2006)
Tipos de impactos Bown e Crownley (2007)
Gallaway et al. (1999)
Impactos diretos Brenton (2001)
Staiger et al. (1994)
Prusa (1997)
Impactos indiretos Carter e Gunning-Trant (2010)
Impactos de medidas AD Konings e Vandenbussche (2013)
Lu et al. (2013)
Saída de firmas do mercado
Besedeš e Prusa (2013)
Pierce (2011)
Konings e Vandenbussche (2008)
Produtividade e markup
Chandra e Long (2013)
Goldbaum e Pedrozo (2017)
Impactos de regulação e Revisões periódicas Blonigen e Park (2004)
legislação de AD Acumulação de pedidos Hansen e Prusa (1996)

56
3.2. Tendências mundiais e no Brasil no uso de medidas antidumping

3.2.1. Fluxo de medidas antidumping

O uso de medidas antidumping como forma de proteção comercial apresentou um


crescimento rápido em todo o mundo até o início dos anos 2000. A partir de então, houve uma
redução no uso dessas medidas, embora com pequena reversão após a crise de 2008, como
aponta a Figura 3.1, que mostra o número de processos AD iniciados no Brasil e no mundo
desde 1979.29 Na contramão dessa tendência mundial, nesse século o Brasil intensificou o uso
de ações antidumping como forma de política comercial.

Figura 3.1 – Número de processos antidumping iniciados

Total Brasil

400
350
300
250
200
150
100
50
0

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

A Tabela 3.2 mostra essa evolução mais detalhadamente. O pico da participação


brasileira em termos de número de processos antidumping iniciados ocorreu em 2013 (54 novos
processos), e em termos de proporção do total mundial esse pico ocorreu no ano anterior: 23%,
ou quase um quarto de todos os processos iniciados no mundo. Esses valores não refletem anos
idiossincráticos. Comparando-se o período 2006-2015 com os dez anos anteriores, a
participação do Brasil nos processos antidumping iniciados no mundo passa de expressivos 4%
para surpreendentes 12,8%.

29
Os dados são da Global Antidumping Database, mantida pelo Banco Mundial. Eles foram acessados em abril
de 2018 via http://econ.worldbank.org/ttbd/gad/. Veja Bown (2015) para uma discussão detalhada da base de
dados.

57
Tabela 3.2 – Número e proporção do total de processos antidumping iniciados, países
selecionados
1996 2006
Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
2005 2015
111 12 13 23 9 38 16 47 54 35 23 270
Brasil
4.0% 5.8% 8.0% 10.0% 4.1% 21.6% 10.1% 23.0% 18.8% 14.6% 10.0% 12.8%
8 5 1 12 8 1 9 1 0 7 1 45
Rússia
0.3% 2.4% 0.6% 5.2% 3.7% 0.6% 5.7% 0.5% 0.0% 2.9% 0.4% 2.1%
408 30 44 54 32 41 19 21 29 38 30 338
Índia
14.8% 14.5% 27.2% 23.5% 14.6% 23.3% 11.9% 10.3% 10.1% 15.8% 13.0% 16.0%
136 10 4 14 17 8 5 9 11 7 11 96
China
4.9% 4.8% 2.5% 6.1% 7.8% 4.5% 3.1% 4.4% 3.8% 2.9% 4.8% 4.5%
190 4 6 3 2 0 4 1 10 2 0 32
África do Sul
6.9% 1.9% 3.7% 1.3% 0.9% 0.0% 2.5% 0.5% 3.5% 0.8% 0.0% 1.5%
153 10 7 19 28 14 7 12 19 6 6 128
Argentina
5.6% 4.8% 4.3% 8.3% 12.8% 8.0% 4.4% 5.9% 6.6% 2.5% 2.6% 6.1%
11 1 1 1 1 1 1 1 4 0 2 13
Chile
0.4% 0.5% 0.6% 0.4% 0.5% 0.6% 0.6% 0.5% 1.4% 0.0% 0.9% 0.6%
24 14 1 8 3 2 2 1 10 6 5 52
Colômbia
0.9% 6.8% 0.6% 3.5% 1.4% 1.1% 1.3% 0.5% 3.5% 2.5% 2.2% 2.5%
77 6 3 1 2 2 6 4 6 14 9 53
México
2.8% 2.9% 1.9% 0.4% 0.9% 1.1% 3.8% 2.0% 2.1% 5.8% 3.9% 2.5%
59 5 1 7 7 3 6 7 14 12 6 68
Indonésia
2.1% 2.4% 0.6% 3.0% 3.2% 1.7% 3.8% 3.4% 4.9% 5.0% 2.6% 3.2%
114 8 6 23 6 2 2 14 6 12 16 95
Turquia
4.1% 3.9% 3.7% 10.0% 2.7% 1.1% 1.3% 6.9% 2.1% 5.0% 7.0% 4.5%
União 291 35 9 18 14 15 15 13 4 14 12 149
Europeia 10.6% 16.9% 5.6% 7.8% 6.4% 8.5% 9.4% 6.4% 1.4% 5.8% 5.2% 7.0%
364 8 28 18 20 4 15 11 40 18 43 205
EUA
13.2% 3.9% 17.3% 7.8% 9.1% 2.3% 9.4% 5.4% 13.9% 7.5% 18.7% 9.7%
Total 2748 207 162 230 219 176 159 204 287 240 230 2114

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Outros países emergentes também são usuários ativos de medidas antidumping, como
mostram a Tabela 3.2 e a Figura 3.2. Por exemplo, a Índia é responsável por cerca de 15% de
todos os processos iniciados no mundo no período. A Argentina, parceira no Mercosul, também
é usuária ativa. Entretanto, não apresentou tendência de crescimento nas duas últimas décadas.
De fato, mesmo se adicionarmos à Argentina outros países similares ao Brasil, como México e
Indonésia, os três representariam juntos 11,8% do total de processos iniciados entre 2006-2015,
número inferior aos 12,8% brasileiros.

Ressalta-se que reportamos dados até 2015 por esse ser o último ano para o qual as
informações para todos os países na Global Antidumping Database estão disponíveis. Como o
nosso principal objetivo é analisar o comportamento do Brasil no contexto internacional, é
importante ter acesso aos dados globais. Informações para 2016 já estão consolidadas no
website da OMC, assim como informações preliminares para 2017, embora elas sejam menos
detalhadas que as do Global Antidumping Database. Entretanto, já é possível observar que

58
globalmente não há grandes alterações nesses últimos anos em relação aos anteriores. Por outro
lado, no Brasil houve uma queda expressiva no número de processos iniciados em 2016 e 2017:
11 e 7, respectivamente, que podem ser comparados a 23 novos processos em 2015. Embora
sugiram uma possível reversão na tendência do uso de medidas antidumping, esses números
ilustram um outro padrão no uso dessas medidas no Brasil: a sua alta volatilidade. Em grande
medida, isso reflete o alto grau de discricionariedade do processo decisório de dumping e de
ações compensatórias no país—tema ao qual retornaremos na próxima seção.

Figura 3.2 – Proporção do total de processos antidumping iniciados (países selecionados,


acumulado no período)
1996-2005 2006-2015

18%
16%
14%
12%
10%
08%
06%
04%
02%
00%
Argentina Brasil Chile China Colômbia União Índia Rússia EUA
Europeia

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Outra característica que chama atenção sobre o comportamento brasileiro comparado


ao restante do mundo é que o Brasil é um país relativamente muito fechado ao comércio
internacional. Tipicamente, um país mais aberto economicamente, que importa muito, tende a
apresentar mais reclamações de dumping, enquanto um país mais fechado tende a apresentar
um número menor. Não é isso que observamos no caso do Brasil.

Um possível motivo por trás das ações antidumping brasileiras poderia ser o fato do país
ser muito acusado pelo resto do mundo – e faria o mesmo como forma de ‘retaliar’ tais ações.
A Figura 3.3 mostra a evolução dos BRICS na participação, como alvos, de medidas
antidumping. O fato mais saliente na figura é o “efeito China”: enquanto até os anos 1990 a
China representava cerca de 10% do total de acusações, esse número chega a incríveis 38,3%
em 2007 e fica em 30% em 2015. Por outro lado, embora o Brasil seja de fato acusado em um

59
número não trivial de processos, os valores não apresentam tendência de crescimento e são
muito inferiores aos valores análogos do país como iniciador de processos. A Tabela 3.3 mostra
esses números em detalhes para países selecionados.

Figura 3.3 – Participação no total de acusações de dumping recebidas anualmente (BRICS)


50%
45% Brasil
40%
China
35%
Índia
30%
Rússia
25%
África do Sul
20%
15%
10%
05%
00%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Como visto na discussão da literatura, há outros fatores que tendem a induzir a


intensidade do uso de medidas de defesa comercial de um país. Para deixar essa análise mais
precisa e definir melhor o que representa números “altos” e “baixos”, estimamos um modelo
econométrico simples para explicar o número de casos antidumping iniciados por cada país.
Utilizamos dados entre 1989 e 2016 para todos os 48 países que iniciaram alguma ação AD no
período.30 A equação estimada foi a seguinte:

𝐴𝐷𝑖,𝑡 = ⁡ 𝛽0 + ⁡ 𝛽1 𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 + ⁡ 𝛽2 𝑀𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽3 𝑋𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽4 𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽5 𝐸𝑚𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽6 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 +


⁡𝛽7 𝐸𝑚 ∗ 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 + ⁡𝛿𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 ,

onde 𝐴𝐷𝑖,𝑡 indica o número de casos antidumping iniciados pelo país 𝑖 no ano 𝑡; 𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 é o
número de acusações antidumping iniciadas contra o país 𝑖 no ano 𝑡 – essa variável é usada
como controle para possíveis formas de retaliação, como indicado na revisão de literatura; 𝑀𝑖,𝑡 ,

30
Os dados de medidas antidumping até 2015 são da Global Antidumping Database. Como a GAD ainda não
consolidou os dados de 2016, para aquele ano usamos os dados da OMC.

60
𝑋𝑖,𝑡 e 𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 são as importações, exportações e PIB do país 𝑖 no ano 𝑡, respectivamente31 –
essas variáveis são utilizadas porque, tudo o mais constante, o tamanho da economia e uma
maior inserção no comércio internacional geram um maior escopo para atividades de defesa
comercial; 𝐸𝑚𝑖,𝑡 e 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 são dummies indicando se o país é considerado emergente32 ou faz
parte do grupo de usuários tradicionais de antidumping33, respectivamente; e 𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 são
dummies de efeito fixo para cada ano, utilizadas para capturar efeitos dos ciclos econômicos
mundiais.

Tabela 3.3 – Número e proporção do total de acusações de dumping recebidas anualmente


(países selecionados)
1996 2006
Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
2005 2015
76 7 2 4 11 3 3 2 6 0 7 45
Brasil
2.8% 3.4% 1.2% 1.7% 5.0% 1.7% 1.9% 1.0% 2.1% 0.0% 3.0% 2.1%
96 4 6 2 4 2 3 3 5 4 7 40
Rússia
3.5% 1.9% 3.7% 0.9% 1.8% 1.1% 1.9% 1.5% 1.7% 1.7% 3.0% 1.9%
123 6 4 7 7 4 7 10 11 15 13 84
Índia
4.5% 2.9% 2.5% 3.0% 3.2% 2.3% 4.4% 4.9% 3.8% 6.3% 5.7% 4.0%
460 75 62 79 77 46 48 58 76 66 70 657
China
16.7% 36.2% 38.3% 34.3% 35.2% 26.1% 30.2% 28.4% 26.5% 27.5% 30.4% 31.1%
53 2 1 3 1 1 1 2 3 2 0 16
África do Sul
1.9% 1.0% 0.6% 1.3% 0.5% 0.6% 0.6% 1.0% 1.0% 0.8% 0.0% 0.8%
23 3 1 2 2 2 1 2 5 1 2 21
Argentina
0.8% 1.4% 0.6% 0.9% 0.9% 1.1% 0.6% 1.0% 1.7% 0.4% 0.9% 1.0%
22 1 0 1 1 2 0 2 2 0 0 9
Chile
0.8% 0.5% 0.0% 0.4% 0.5% 1.1% 0.0% 1.0% 0.7% 0.0% 0.0% 0.4%
7 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 2
Colômbia
0.3% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.7% 0.0% 0.0% 0.1%
35 2 1 2 5 5 3 3 6 3 6 36
México
1.3% 1.0% 0.6% 0.9% 2.3% 2.8% 1.9% 1.5% 2.1% 1.3% 2.6% 1.7%
117 8 5 11 10 4 5 6 7 5 6 67
Indonésia
4.3% 3.9% 3.1% 4.8% 4.6% 2.3% 3.1% 2.9% 2.4% 2.1% 2.6% 3.2%
35 2 3 4 3 4 4 5 5 8 6 44
Turquia
1.3% 1.0% 1.9% 1.7% 1.4% 2.3% 2.5% 2.5% 1.7% 3.3% 2.6% 2.1%
União 62 10 10 22 18 28 17 16 39 25 26 211
Europeia 2.3% 4.8% 6.2% 9.6% 8.2% 15.9% 10.7% 7.8% 13.6% 10.4% 11.3% 10.0%
146 12 7 8 14 19 10 9 13 11 5 108
EUA
5.3% 5.8% 4.3% 3.5% 6.4% 10.8% 6.3% 4.4% 4.5% 4.6% 2.2% 5.1%
Total 2748 207 162 230 219 176 159 204 287 240 230 2114

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

31
Os dados de importação e exportação são da base WITS (World Integrated Trade Solution). Já os dados de PIB
são do Banco Mundial.
32
De acordo com a classificação dada pelo FMI em seu relatório World Economic Outlook, de outubro de 2017,
disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2017/09/19/world-economic-outlook-october-
2017.
33
Esses foram os primeiros países a adotarem uma legislação antidumping e utilizar tais medidas: Canadá,
Austrália, África do Sul, EUA, Japão, França, Nova Zelândia e Reino Unido.

61
A partir das estimativas da regressão, podemos calcular o número previsto de ações
antidumping iniciadas por cada país a cada ano, segundo as características observadas do país
naquele ano.34 A partir daí, podemos comparar a previsão com o valor observado. Usando esse
método, na Figura 3.4 mostramos a diferença percentual entre o valor observado de
investigações antidumping iniciadas pelo Brasil e o valor previsto pelo modelo. A partir de
2006, fica evidente que o Brasil passa a iniciar processos antidumping com intensidade
drasticamente superior ao que seria esperado segundo as características da sua economia – em
2012 e 2013 o “excesso” de processos iniciados é estimado em mais de 600% do valor previsto!
Além disso, observa-se que mesmo antes de 2006 o país já utilizava esse meio de defesa
comercial de modo muito mais ativo que as suas características econômicas preveem. Em 2016
e 2017, o Brasil passa a iniciar processos de modo mais compatível com as suas
características.35

Figura 3.4 – Diferença percentual entre processos antidumping iniciados e previstos, Brasil
700%

600%

500%

400%

300%

200%

100%

0%

-100%

-200%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database, OMC, FMI e Banco
Mundial

Para contextualizar o que as diferenças observadas na Figura 3.4 representam, na Figura


3.5 nós mostramos, para cada país da amostra (alguns deles indicados pelas suas bandeiras), os

34
O resultado da estimação, implementada via mínimos quadrados ordinários, está reportado no apêndice deste
documento. Como pode ser visto na Tabela A1, de modo geral os coeficientes das variáveis críticas têm o sinal
esperado, de acordo com o indicado pela literatura.
35
Como ainda não há dados de processos antidumping iniciados para todos os países em 2017, para aquele ano
fizemos uma “previsão fora da amostra”, utilizando os coeficientes estimados na análise econométrica.

62
valores acumulados do número de ações antidumping efetivamente iniciadas e previstas pelo
modelo para todos os 28 anos da amostra. A linha vermelha reflete a curva de 45 graus. Países
como África do Sul e Rússia estão muito próximos dela, indicando que o modelo prevê
acuradamente seus níveis de atividade antidumping. Pontos abaixo/à direita da linha indicam
países que iniciaram mais processos AD do que o modelo prevê. Pontos acima/à esquerda da
linha indicam países que iniciaram menos processos AD do que o modelo prevê.

Figura 3.5 – Número de processos AD iniciados e previstos pelo modelo; total acumulado
entre 1989-2016

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database, FMI e Banco Mundial

O Brasil se posiciona em uma região abaixo da linha de 45 graus e bastante distante da


mesma. Ou seja, faz parte do grupo de países que iniciam muito mais processos antidumping
do que previsto pelo modelo: enquanto o valor previsto de processos iniciados para o Brasil é
226, o valor observado é 466, ou 106% a mais que o valor previsto. Alguns países que
acompanham o Brasil nessa direção são a Índia e a Argentina. Por outro lado, países como
Japão, Nova Zelândia e China usam medidas antidumping numa intensidade menor do que o
modelo prevê. Ressalta-se que, por construção, o valor estimado do modelo é superestimado.
Isso ocorre porque utilizamos apenas dados dos 48 países que utilizam medidas antidumping.
Há ao menos cerca de 150 outros países que nunca utilizaram esse instrumento de política

63
comercial. Se esses países fossem incluídos na análise, a diferença entre os valores previstos e
observados para o Brasil aumentaria ainda mais.

Portanto, quando olhamos para o volume de casos de antidumping iniciados, o Brasil


apresenta um padrão muito específico e, dado os custos econômicos dessas medidas apontados
anteriormente, alarmante. Historicamente, o uso de medidas antidumping pelo país é
incompatível com o seu nível de abertura comercial, apresenta tendência de crescimento na
última década oposta à mundial, e também não é compatível com o número de medidas
antidumping que as firmas brasileiras sofrem no resto do mundo.

3.2.2. Estoque de medidas antidumping

As estatísticas apresentadas até aqui se referem ao fluxo de novos processos iniciados


ao longo dos anos. Elas não nos fornecem, entretanto, noções sobre o estoque de medidas
antidumping em vigor em cada ano. É possível, por exemplo, que um processo antidumping
seja iniciado, mas ultimamente nenhuma medida seja imposta. É possível, também, que uma
dada medida antidumping aplicada permaneça em vigor por muitos anos – ou não. É, portanto,
importante levar em consideração essas variações.

Ao contrário do fluxo de processos iniciados, o estoque de medidas antidumping em


vigor apresentou crescimento acentuado nas últimas décadas. Os países do BRICS contribuem
com parcela crescente nesse crescimento, principalmente a partir dos anos 2000 (Figura 3.6).
Novamente, observa-se um aumento significativo no Brasil.

Quando olhamos para o estoque de medidas por país acusado, também observamos
padrões parecidos com os do fluxo, porém mais acentuados. Por exemplo, a China é o grande
destaque em termos de importância no estoque de acusações de dumping, proporção que tem
aumentado rapidamente desde 1993 (Figura 3.7).

64
Figura 3.6 – Estoque de medidas antidumping em vigor por país proponente

Outros BRICS (outros) China Brasil EUA União Europeia

1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
jul-81
set-82

jul-88
set-89

jul-95
set-96

jul-02
set-03

jul-09
set-10

mar-14
mai-15
mar-79
mai-80

mai-94
nov-83

mar-86
mai-87

nov-90

mar-93

nov-97

mar-00
mai-01

nov-04

mar-07
mai-08

nov-11
jan-78

jan-85

jan-92

jan-99

jan-06

jan-13
Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Figura 3.7 - Estoque de medidas antidumping em vigor por país acusado

Outros BRICS ex China China Brasil EUA União Europeia

1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
jul-81
set-82

jul-88
set-89

jul-95
set-96

jul-02
set-03

jul-09
set-10

mar-14
mai-15
mar-79
mai-80

mai-87
nov-83

mar-86

nov-90

mar-93
mai-94

nov-97

mar-00
mai-01

nov-04

mar-07
mai-08

nov-11
jan-78

jan-85

jan-92

jan-99

jan-06

jan-13

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Quando nos atentamos ao estoque de medidas aplicadas e sofridas pelo Brasil, o cenário
de uso excessivo da política fica ainda mais evidente. Não apenas o país passou a ser um usuário
líquido de ações antidumping (acusando mais do que sendo acusado), como sua participação
no estoque total de processos em vigor tem aumentado muito nos últimos anos – tendência
oposta à participação no total de ações sofridas. Atualmente, mais de 10% de todas as ações
antidumping em vigor foram propostas pelo Brasil, ao passo que o país é alvo em menos de 2%
desse total (Figura 3.8).

65
Figura 3.8 – Estoque absoluto e relativo de medidas antidumping aplicadas e sofridas pelo
Brasil

Ações aplicdas Ações sofridas Ações aplicdas (%, dir.) Ações sofridas (%, dir.)
180
160 10%

140
8%
120
100 6%
80
4%
60
40
2%
20
0 0%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

3.2.3. Taxa de sucesso, duração do processo e tipos de medidas

Apesar do fluxo de processos iniciados e do estoque de processos em vigor fornecerem


uma boa perspectiva do cenário antidumping global, outros dados permitem uma visão mais
detalhada sobre o tema. Por exemplo, a taxa de sucesso dos pedidos de medidas antidumping
ao longo dos anos. No início dos anos 1980, era relativamente difícil para um processo
antidumping se transformar em sanção comercial. Contudo, embora leve, há uma tendência de
crescimento na taxa de sucesso agregada no mundo, que teve o seu pico em 2012 (73,5%) e
ficou em 58% em 2014 (Figura 3.9).

A taxa de sucesso dos casos antidumping propostos pelo Brasil tem flutuado ao redor
da média mundial, se aproximando bastante dela nos últimos anos. Portanto, o intenso uso de
acusações antidumping pelo país não é atenuado por uma eventual menor taxa de sucesso em
seus pedidos. Isso faz com que o Brasil seja, de fato, um agente relevante no cenário mundial
quando se trata de imposição de medidas antidumping.

66
Figura 3.9 – Taxa de sucesso dos processos antidumping

Total Brasil

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
00%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

É interessante olhar também para o número de dias que os processos antidumping levam
entre suas etapas de aprovação. Tipicamente, há três processos decisórios preliminares e três
definitivos: a decisão sobre dumping (que consiste na análise acerca de preços e custos), sobre
danos (que determina se aquela precificação causou algum dano à economia doméstica), e sobre
a medida a ser imposta. O número de dias necessários até a adoção de alguma medida – seja
ela preliminar ou definitiva – muda relativamente pouco durante o período analisado (Figura
3.10). Na primeira metade do período (de 1980 a 1996), os processos demoravam em média
375 dias para que uma medida preliminar fosse imposta. De 1997 a 2014, essa média avançou
para 403 dias.

De forma similar, a média de tempo para imposição da medida final aumentou de 578
dias na primeira metade do período analisado para 608 na segunda metade. Ou seja, os
processos antidumping que chegam à fase final levam quase dois anos para serem decididos.
Tal morosidade na fase de investigação abre possibilidades como as descritas na revisão de
literatura, como saída de firmas e redução do fluxo de comércio entre os países envolvidos no
processo, uma vez que muitos dos efeitos indiretos das medidas antidumping ocorrem ainda na
fase de investigação.

67
Figura 3.10 – Tempo médio (dias) para decisão sobre ação antidumping

Decisão final - Total Decisão preliminar - Total Decisão final - Brasil


800

700

600

500

400

300

200

100

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Quando se coloca o Brasil em perspectiva, o cenário é novamente negativo. O país


demora, em geral, mais tempo que a média mundial para tomar uma decisão final. De 2000 até
2014, o tempo médio para a decisão final de dumping no Brasil só foi inferior à média mundial
em três dos quinze anos (2004, 2005 e 2014). Novamente, tal morosidade no processo permite
alguns dos efeitos negativos indiretos das investigações antidumping apontados na revisão de
literatura, amplificando as distorções causadas no país pelo uso excessivo de medidas
antidumping.

Outro padrão interessante que tem se desenvolvido ao longo do tempo é quanto ao tipo
de sanção comercial adotada nos processos antidumping. Há cinco tipos de medidas usualmente
adotadas:

1. Tarifa ad valorem – percentual a ser cobrado sobre o valor das exportações do país
acusado, de forma a neutralizar os ganhos auferidos previamente pela suposta precificação
desleal;
2. Tarifa específica – uma quantia fixa por unidade do produto;
3. Tarifa condicional ao preço – uma tarifa ad valorem é cobrada apenas se as firmas do
país acusado cobrarem preços abaixo de um determinado nível;
4. Compromisso de preços – as firmas do país acusado são obrigadas a cobrar um preço
mínimo nas exportações, mas sem a aplicação de tarifas sobre esse preço;

68
5. Acordo de suspensão – as firmas do país acusado concordam em ajustar o preço cobrado
em troca do fim das investigações; após o acordo, há ainda certo monitoramento por parte da
autoridade para verificar se o mesmo está sendo respeitado.

No início dos anos 1980, quase todas as medidas finais implementadas eram tarifas ad
valorem sobre os produtos em questão. Entretanto, a relevância dessa medida tem sido reduzida
ao longo dos anos, chegando a apenas 68,2% em 2014. As tarifas ad valorem deram lugar a
medidas específicas e a tarifas condicionais ao preço cobrado (Figura 3.11). O Brasil apresenta
um cenário extremo dessa tendência. Até 2001, praticamente todas as medidas finais impostas
pelo país eram também ad valorem. De 2002 para frente, o cenário se inverteu totalmente e
quase todas as medidas aplicadas pelo Brasil passaram a ser específicas (Figura 3.12).

Figura 3.11 – Tipos de medidas antidumping finais impostas

Ad valorem Específico Condicional ao preço


Compromisso de preço Acordo de suspensão Outros
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

O principal problema de uma tarifa específica é que, se o preço cobrado pelo exportador
(líquido da tarifa) cair após a introdução da medida, a mesma eleva-se em termos percentuais.
Mas esse é exatamente o padrão que se espera – isto é, que o pass-through da tarifa para o preço
ao consumidor não seja completo. A consequência é que, ao observarmos o percentual
equivalente quando o Brasil decide aplicar uma medida antidumping, estamos efetivamente
subestimando sua real dimensão.

69
Figura 3.12 – Tipos de medidas antidumping finais impostas pelo Brasil

Ad valorem Específico Condicional ao preço


Compromisso de preço Acordo de suspensão Outros
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%

2005
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004

2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

3.2.4. Índices de número e valor das medidas antidumping

Embora simples, o número absoluto de processos antidumping iniciados por um país


pode não refletir precisamente a relevância daquelas medidas para o seu comércio internacional.
Uma estatística mais precisa para mostrar a extensão com a qual o país se protege via barreiras
antidumping é a proporção de produtos importados afetados por tais medidas. Para computá-la,
é necessário saber, para cada ano, quantos produtos um país importa/exporta e, desse total,
quantos são afetados por medidas antidumping (Bown, 2011). Esse índice, que vai de 0 a 1, é
dado por
𝑘
∑ 𝑘 𝑏𝑖,𝑡⁡ 𝑘
𝑚𝑖,𝑡
𝑙
𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 ≡ 𝑡
𝑘
∑ 𝑘 𝑚𝑖,𝑡
⁡,
𝑙 𝑡

em que 𝑙𝑡𝑘 é o conjunto de todos os códigos HS de 6 dígitos cujos produtos apresentam


𝑘
importações positivas pelo país 𝑘 no ano 𝑡; 𝑚𝑖,𝑡 vale 1 se o país 𝑘 importou algum valor positivo
𝑘
do produto 𝑖 no ano 𝑡; 𝑏𝑖,𝑡 vale 1 se o país 𝑘 aplicou alguma medida antidumping sobre o
produto 𝑖 no ano 𝑡 (no caso do índice de estoque) ou se o país 𝑘 iniciou alguma investigação
antidumping sobre aquele produto no ano 𝑡 (no caso do índice de fluxo). Em suma, o índice
𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 mostra a proporção dos produtos importados pelo país k no ano t que sofrem alguma

70
nova investigação ou são afetados por alguma medida antidumping naquele ano. 36 Para a
construção desse índice, são necessários dados da base Global Antidumping Database e da UN
Comtrade, disponíveis via World Integrated Trade Solution (WITS).

O Brasil apresenta uma tendência de crescimento tanto no fluxo de investigações


iniciadas quanto no estoque de medidas em vigor (Figura 3.13), especialmente a partir de
2006.37 Contudo, o pico da medida de fluxo ocorre ainda em 2003, quando mais de 1% do
número dos produtos importados pelo país foi alvo de alguma medida. O estoque da quantidade
de produtos afetados por medidas antidumping mostra uma tendência ainda mais clara de
crescimento. Em 2005, 0,84% dos produtos importados pelo Brasil estavam sujeitos a medidas
antidumping. Desde então, esse percentual cresceu em um ritmo monotônico até alcançar o
máximo histórico de 2,39% em 2015.

Figura 3.13 – Índice do número de ações antidumping propostas pelo Brasil: processos
iniciados (fluxo) e medidas em vigor (estoque)

Fluxo (esq.) Estoque (dir.)

1,2% 3,0%

1,0% 2,5%

0,8% 2,0%

0,6% 1,5%

0,4% 1,0%

0,2% 0,5%

0,0% 0,0%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database e WITS.

36
Note que se soma todos os produtos importados pelo país k, sem discriminar por país de origem. Caso
quiséssemos computar índices diferentes dependendo da origem das importações, faríamos um duplo somatório:
somaríamos, para cada país de origem, os produtos alvos de alguma investigação antidumping.
37
Observe que a medida de fluxo considera todos os casos antidumping investigados, e não apenas aqueles em
que ao final do processo tarifas são aplicadas. Por outro lado, a medida de estoque considera apenas casos em que
as medidas antidumping estão em vigor.

71
A medida 𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 indica a proporção da cesta de produtos importados pelo país que sofre
medidas antidumping, mas não fornece um peso relativo à importância que cada produto tem
para o país. Por exemplo, é possível que certa medida antidumping aplicada sobre um único
produto seja mais relevante, em termos de valor transacionado, que muitas outras aplicadas a
produtos pouco consumidos. Para levar isso em consideração, Bown (2011) propõe uma outra
medida que atribui pesos distintos aos valores importados para cada produto. Esses pesos são
dados pelo valor das importações do produto 𝑖 pelo país 𝑘 no ano 𝑡 caso a ação antidumping
não tivesse sido imposta. Para definir esse valor, Bown assume que as importações dos produtos
que foram afetados por barreiras antidumping teriam crescido à mesma taxa daqueles que não
foram afetados.

Nós baseamo-nos no índice de Bown (2011), mas utilizamos uma metodologia


ligeiramente modificada: não levamos em conta o crescimento contrafactual dos produtos que
sofreram medidas antidumping no período. Ao invés, usamos diretamente o valor das
importações que sofreram medidas antidumping (ou tiveram processos iniciados) no período.
A vantagem da nossa abordagem em relação à de Bown (2011) é que ela não requer hipóteses
a respeito de qual seria o valor das importações contrafactuais de cada produto importado,
sendo, portanto, uma medida mais direta. A desvantagem do nosso índice é que ele tende a
subestimar o impacto total das medidas antidumping (uma vez que as importações
contrafactuais são via de regra maiores que as observadas).

Formalmente, o índice utilizado aqui é definido como


𝑘 𝑘
∑𝑙𝑘 𝑏𝑖,𝑡⁡ 𝑣𝑖,𝑡
𝑉𝐴𝐷𝑡𝑘 ≡ 𝑡
𝑘 ⁡,
∑𝑙𝑘 𝑣𝑖,𝑡
𝑡

𝑘
onde 𝑣𝑖,𝑡 corresponde ao valor das importações do país 𝑘 referentes ao produto 𝑖 no ano 𝑡, e 𝑙𝑡𝑘
𝑘
e 𝑏𝑖,𝑡 são definidos como antes. Portanto, o índice 𝑉𝐴𝐷𝑡𝑘 mostra a proporção do valor dos
produtos importados pelo país k no ano t que sofrem alguma nova investigação ou são afetados
por alguma medida antidumping naquele ano. Vale ressaltar que a diferença metodológica entre
o índice aqui calculado e o apresentado por Bown (2011) não causa grandes divergências
práticas, uma vez que a trajetória mostrada nos observados para ambos é bastante similar para
os anos analisados por Bown (2011), diferindo apenas no nível apresentado.

O índice 𝑉𝐴𝐷𝑡𝑘 para o Brasil apresenta uma tendência de crescimento particularmente


alarmante na última década, tanto no fluxo de processos iniciados quanto no estoque de medidas
em vigor (Figura 3.14). Embora o país seja historicamente muito ativo nessa dimensão, houve
72
redução significativa no número de medidas iniciadas no início dos anos 2000. Contudo, tal
tendência reverteu-se fortemente a partir de 2006. Naquele ano, cerca de 1,1% do valor das
importações do país foi afetado por medidas antidumping em vigor, e apenas 0,3% daquele
valor foi afetado pelo fluxo de medidas iniciadas. Esses valores alcançaram 4,6% (pico histórico
para essa medida) e 1,3% ao fim de 2015, respectivamente. Ou seja, índices mais que quatro
vezes maiores em apenas nove anos.

Figura 3.14 – Índice do valor de ações antidumping propostas pelo Brasil: processos iniciados
(fluxo) e medidas em vigor (estoque)

Fluxo (esq.) Estoque (dir.)

1,6% 5,0%
1,4% 4,5%
4,0%
1,2%
3,5%
1,0% 3,0%
0,8% 2,5%
0,6% 2,0%
1,5%
0,4%
1,0%
0,2% 0,5%
0,0% 0,0%

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database e WITS

Portanto, a análise dos índices de fluxo de medidas iniciadas e de estoque de medidas


em vigor, tanto para a proporção de produtos afetados quanto para o valor que eles representam,
reforçam a narrativa desenvolvida anteriormente de que o Brasil é um país que usa intensamente
a política antidumping e que, desde 2006, esse uso tornou-se ainda mais intenso. Essa tendência
de crescimento acelerado na última década não é compartilhada por países similares ao Brasil,
como Argentina, China, Índia e África do Sul, e tampouco pelos países desenvolvidos.38

3.2.5. Magnitudes e duração das medidas antidumping

38
Cálculos dos índices PAD e VAD para esses e outros países não foram apresentados para limitar o tamanho do
texto, mas estão disponíveis com os autores.

73
As tarifas antidumping trazem dois outros aspectos que as tornam especialmente
danosas. Primeiro, as suas magnitudes tendem a ser muito maiores que as das tarifas MFN de
um país. Segundo, elas tendem a se manter em vigor por vários anos (como a análise anterior
de ‘estoque’ sugere).

Dados sobre magnitudes são esparsos. Um dos motivos é que várias medidas não são
ad valorem, e o cálculo do equivalente em ad valorem exige informações detalhadas sobre
preços. Por esse motivo, não fazemos aqui uma análise comparativa minuciosa, mas vários
estudos anteriores deixam claro que tarifas antidumping usualmente são quase uma ordem de
magnitude superiores aos níveis das tarifas de importação usuais. Para o Brasil, isso também é
verdade. Lembrando que a tarifa MFN média do Brasil é 13,5%, as tarifas ad valorem
antidumping médias aplicadas pelo Brasil em 2013 e 2014 foram, respectivamente, 82,9% e
74,7%, segundo dados da Global Antidumping Database.39 Naturalmente, as tarifas ad valorem
máximas são muito superiores: 638% em 2013 e 213% em 2014. Como o Brasil desde 2012
prioriza tarifas antidumping específicas, esses valores não são amplamente representativos
sobre o nível de restrição às importações criadas pelas suas medidas antidumping. Contudo,
eles deixam claro que esse tipo de medida tende a ser especialmente drástica no sentido de
restringir as importações do país.

Por outro lado, a duração das medidas antidumping, uma vez em vigor, tende a ser longa.
Não é possível trabalhar com os dados mais recentes (da última década) pelo simples fato de
haver “censura” estatística nos dados. Por exemplo, como essas medidas usualmente duram
mais de cinco anos, e muitas vezes mais que dez anos, se considerarmos as medidas iniciadas
em, por exemplo, 2014, observaremos o fim apenas daquelas poucas de duração muito curta. E
verificaremos aquelas que se findam após cinco anos apenas em 2020, e aquelas que duram dez
anos apenas em 2025. Por isso, notamos apenas que medidas antidumping tipicamente
permanecem em vigor por vários anos. Especificamente para o Brasil, historicamente a duração
média das suas tarifas antidumping flutua entre oito e dez anos.

3.2.6. O uso de medidas antidumping no Brasil: sumário

39
A média é calculada a partir das tarifas para cada par processo-firma. É possível que existam tarifas diferentes
para um mesmo processo AD, caso ele impacte mais de uma firma. Portanto, a média não é necessariamente por
processo, mas sim por processo-firma.

74
Ao colocarmos todos os dados apresentados até aqui em perspectiva, fica claro como o
Brasil se encaixa no cenário internacional. O país é, e sempre foi, usuário muito ativo de
medidas antidumping como forma de proteção comercial, em nível desproporcional ao seu
tamanho e à penetração de importações em sua economia. Além disso, esse uso intensificou-se
muito na última década. Essa tendência não é observada por países similares ao Brasil e não é
justificada por uma maior abertura comercial do país ou por um aumento de medidas
antidumping contra o país pelo resto do mundo. Com isso, o país é hoje responsável por parcela
altamente desproporcional do fluxo e do estoque de medidas antidumping aplicadas no mundo.
Além disso, temos um processo decisório mais lento que a média mundial, o que aumenta a
possibilidade de efeitos secundários negativos (mencionados na revisão de literatura) serem
mais relevantes aqui que no restante do mundo. E uma vez em vigor, as medidas antidumping
têm magnitudes em média muito superiores às tarifas MFN e tendem a permanecer em vigor
por quase uma década. Por fim, há também grande variação ano-a-ano no número de ações
antidumping. Isso certamente não é reflexo de grande volatilidade nas políticas de preços das
firmas exportadoras estrangeiras, mas reflete principalmente a discricionariedade permitida
pelo processo decisório brasileiro.

As evidências, portanto, apontam para a necessidade de revisão do uso dessa política


pelo governo brasileiro, readequando o processo decisório de forma a deixar mais restrita e
objetiva a aplicação de medidas antidumping.

3.3. O processo decisório das medidas antidumping: Brasil e EUA

Desde a assinatura do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) em 1947, o


sistema multilateral de comércio possui diretrizes formais que balizam as definições de
dumping e as sanções para combatê-lo no comércio internacional. Com pequenos ajustes nos
critérios para determinação de “preços justos e comparáveis” e nos padrões pelos quais o
processo deve ser conduzido, tais diretrizes foram incorporadas pela OMC em sua criação em
1995.

As regras do GATT/OMC basearam-se no Antidumping Act norte-americano, de 1921.


Embora a legislação antidumping dos EUA tenha sofrido alterações desde então, ela pauta os
padrões internacionais vigentes até hoje, afetando não apenas as regras da OMC como também

75
a legislação antidumping de muitos outros países.40 Por esse motivo, explicamos inicialmente
como funciona o processo decisório nos EUA, para em seguida explicar o processo no Brasil.
A partir daí, apontamos as semelhanças e diferenças entre eles, e sugerimos propostas
específicas para aprimorar o processo decisório brasileiro.

3.3.1. O processo nos EUA

O procedimento para petição, investigação e aplicação de medidas antidumping nos


EUA está a cargo de dois órgãos, que dividem as responsabilidades ao longo do processo: o
United States International Trade Commission (USITC), que é responsável pelas análises de
danos causados pela prática de dumping; e o United States Department of Commerce (USDC),
que identifica se houve ou não prática de dumping. O USDC está sob a égide direta do
Executivo norte-americano. Em contraste, o USITC foi criado com o intuito de ser um órgão
independente de influências políticas. Os seis integrantes da sua diretoria são indicados pelo
presidente da república, mas não pode haver quatro ou mais integrantes do mesmo partido
político. Além disso, seus mandatos são escalonados e não podem ultrapassar seis anos
(Dobson, 1976).

Conforme detalha o USTIC (2015), um pedido de investigação antidumping norte-


americano passa por cinco etapas:

1. Fase inicial de investigação pelo DC;


2. Fase preliminar de investigação pelo ITC;
3. Fase preliminar de investigação pelo DC;
4. Fase final de investigação pelo DC;
5. Fase final de investigação pelo ITC.

As fases 1 e 2 podem durar até 20 e 45 dias, respectivamente, após a petição inicial de uma
firma ou indústria que se sentiu prejudicada. A fase 3 pode se estender por até 115 dias após o
término da fase 2, enquanto a fase 4 pode durar até 75 dias após a fase 3. Por fim, a última etapa
pode durar até 120 dias após a fase 3 ou 45 dias após a fase 4 – o que levar mais tempo.

Esse processo está representado esquematicamente na Figura 3.15. Na fase inicial do


processo (que culmina na decisão representada pelo primeiro losango da figura), o DC precisa

40Ver Lambert, M. (acessado em 31 de janeiro de 2018), “The History of Anti-Dumping and Countervailing
Duties”, disponível em https://traderiskguaranty.com/trgpeak/history-anti-dumping-countervailing-duties/.

76
atestar que o pedido realizado contém informações suficientes para justificar o início da
investigação de dumping. Caso o DC conclua o contrário, o processo pode ser encerrado já
nessa etapa. Em caso afirmativo, o caso segue para o ITC, que determina se há indicativos
razoáveis de que a indústria nacional foi materialmente prejudicada (ou ameaçada) pela
precificação do exportador. Caso conclua o contrário, o processo também pode ser encerrado
nessa fase. Em caso afirmativo, inicia-se a fase de investigação preliminar pelo DC, que
determina se existe base razoável para acreditar ou suspeitar que o produto em questão está
sendo comercializado a preços “menores que os justos”. Se a determinação for positiva, o DC
ordena as empresas importadoras (que se beneficiaram dos preços “abaixo do normal”) a
depositar quantia equivalente à margem de dumping praticada. Se a determinação preliminar
do DC é negativa, essas sanções iniciais não são impostas mas o processo ainda assim continua
e chega à fase final de investigação.

Na última etapa de investigação do DC, é decidido definitivamente se os preços


praticados foram “menores que os justos”. Se ficar comprovado que não, o processo é
indeferido. Caso contrário, prossegue para a última etapa: a investigação final acerca de danos
causados à economia nacional. Nela, o ITC estabelece definitivamente se há prejuízos (ou
ameaças) às firmas domésticas diretamente afetadas. Se ficar determinado que não há, o
processo é encerrado e nenhuma sanção é imposta. Caso contrário, e desde que se conclua que
a introdução de uma medida corretiva não trará prejuízos para a economia como um todo –
incluindo consumidores e outras indústrias que possam ser afetadas indiretamente – os
importadores têm que depositar a diferença entre a margem de dumping estabelecida na fase
preliminar e a estabelecida na fase final.

Após a imposição das medidas antidumping, o processo fica sujeito às chamadas sunset
reviews, termo que se dá às revisões periódicas sobre o caso em questão. Essas revisões ocorrem
em até cinco anos após a decisão final do caso, e podem durar até um ano. Nelas, as partes
envolvidas são contatadas pelo ITC e pelo DC. Os órgãos se baseiam em todos os dados
coletados na investigação anterior e, com informações atualizadas, determinam se houve
novamente precificação abaixo dos valores justos (revisão feita pelo DC) ou quaisquer danos
materiais à indústria doméstica (feita pelo ITC). Se ficar comprovado que o dumping permanece
existindo ou que é muito provável que se repita em um futuro próximo, e que continuaria a

77
causar dano, as sanções são estendidas por um período maior. Caso contrário, o processo é
encerrado.41

41
Na União Europeia, o processo decisório de ações antidumping assemelha-se ao americano em vários aspectos,
mas há diferenças. Uma delas é que a Comissão Europeia, que é subordinada ao poder executivo da União
Europeia, centraliza toda a investigação. Por outro lado, a Comissão é formada por integrantes de todos os 28
países membros, e a efetivação dos representantes precisa ser aprovada por todos os membros. Outros detalhes do
processo europeu podem ser encontrados em https://ec.europa.eu/info/about-european-
commission/organisational-structure/political-leadership_en#how-the-commission-is-appointed.

78
Figura 3.15 – Processo de análise de dumping e medidas antidumping nos EUA

79
3.3.2. O processo no Brasil

A legislação antidumping brasileira é muito mais recente que a norte-americana,


datando de janeiro de 1987. Assim como aquela, a legislação brasileira passou por algumas
modificações desde a sua criação (Goldbaum e Pedrozo, 2017, discutem essas mudanças em
detalhe). A alteração mais recente ocorreu com o decreto nº 8.058 de 26 de julho de 2013, que
teve o objetivo formal de promover melhorias sobre a legislação vigente até então. Essa é a lei
que atualmente regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação de
dumping e à aplicação de medidas antidumping no Brasil.42

O processo envolve o DECOM (Departamento de Defesa Comercial), órgão


subordinado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) via SECEX
(Secretaria de Comércio Exterior), e a CAMEX (Câmara de Comércio Exterior), representada
por um conselho de Ministros.43 O DECOM é responsável pelas análises de dumping e de danos
causados, enquanto a CAMEX, com base nas recomendações contidas no parecer do DECOM,
decide sobre a aplicação ou não das medidas sugeridas pelo DECOM.

O processo é parecido com o dos EUA em muitos aspectos, mas difere em alguns pontos
críticos. De maneira simplificada, o processo de análise de dumping no Brasil segue as
seguintes etapas:

1. Investigação inicial do pedido;


2. Investigação preliminar do pedido;
3. Investigação final do pedido.

Esse processo está representado esquematicamente na Figura 3.16. Analogamente ao


processo americano, na fase inicial (que culmina na decisão representada pelo primeiro losango
da figura) a SECEX atesta se o pedido realizado contém informações suficientes para justificar
o início da investigação de dumping. Isso ocorre em até 30 dias. Já nessa fase o processo pode
ser encerrado, caso ele esteja incompleto ou não seja suficientemente relevante. Caso aprovado,
inicia-se a fase de investigação, que pode durar até dez meses (prorrogáveis por mais seis

42
Decreto nº 8.056, de 26 de julho de 2013. Acessado em 07 de março de 2018. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm.
43
Especificamente, o conselho da CAMEX é composto por sete ministros (Casa Civil, MDIC, Relações
Exteriores, Fazenda, Transportes, Agricultura, Planejamento), além do Chefe da Secretaria Geral da Presidência
da República. Eles se reúnem no mínimo uma vez a cada dois meses, e nessas reuniões tomam as decisões finais
da CAMEX, para todos os âmbitos em que ela atua – incluindo ações antidumping.

80
meses) e é toda realizada pelo DECOM – órgão responsável pela recomendação técnica à
CAMEX.

A investigação é, como nos EUA, dividida em duas etapas: preliminar e definitiva.


Contudo, no Brasil as análises de preços e de danos causados são feitas pelo mesmo órgão,
enquanto nos EUA essas tarefas são divididas entre o USDC e o USITC. O DECOM recolhe
informações das partes interessadas e, até quatro meses após o início da investigação, publica
um parecer provisório acerca do processo, definindo se houve ou não prática de dumping, se
houve ou não prejuízos à indústria doméstica e, em caso positivo para os dois eventos, o nexo
causal entre eles.

Se o DECOM concluir, nessa fase preliminar, que não houve prejuízos ou causalidade
entre o dumping e os prejuízos, o processo é encerrado – uma conclusão preliminar negativa
apenas quanto à precificação predatória não é suficiente para o encerramento, assim como nos
EUA. Entretanto, se a conclusão aponta para a caracterização de dumping, de prejuízos à
indústria e de nexo entre tais eventos, e se a CAMEX corrobora com essa avaliação, a SECEX
publica a decisão preliminar e as medidas são aplicadas. Tipicamente, a sanção preliminar é
uma tarifa ad valorem equivalente para anular a margem de dumping, e pode durar por até seis
meses, quando a margem de dumping é totalmente exaurida, ou nove meses caso contrário.

Após a fase inicial de investigação, o DECOM inicia a fase final. Como o processo de
investigação não pode durar mais que dez meses no total, a duração da etapa final fica restrita
à diferença entre os dez meses totais e os (no máximo) quatro meses da etapa preliminar. Nela,
o DECOM realiza outro parecer, dessa vez definitivo, sobre o mérito do processo e sobre as
ações cabíveis. O conselho de ministros da CAMEX decide então se segue ou não a
recomendação do DECOM. Se o processo é deferido, a SECEX publica a decisão e as medidas
são implementadas. Caso contrário, o processo é encerrado.

A legislação brasileira prevê a possibilidade de que o processo seja encerrado antes do


fim caso as partes envolvidas entrem em um acordo. Além disso, há a possibilidade de aplicação
de medidas específicas (isto é, um valor fixo por unidade do produto), diferentemente dos EUA,
onde a punição é sempre uma tarifa ad valorem. O processo de revisões é parecido com o dos
EUA. As revisões são facultativas e respeitam os mesmos prazos e fluxos do processo original.

81
Figura 3.16 – Processo de análise de dumping e medidas antidumping no Brasil

82
3.3.3. Comparação entre os processos brasileiro e americano

À primeira vista, os processos americanos e brasileiros podem parecer muito similares:


ambos são divididos em duas grandes fases – preliminar e final – e estabelecem prazos
específicos para cada etapa. Há, porém, pelo menos três diferenças importantes entre eles.

A primeira diferença é que no processo formal de análise de danos (e na subsequente


aplicação de medidas antidumping) nos EUA são levadas em consideração os efeitos
econômicos de curto e longo prazo de tais medidas – não apenas aqueles relativos à indústria
em questão, mas também para as demais indústrias do país, para os consumidores, e para o nível
de competição no país. Isso constitui uma abordagem muito mais ampla que a simples análise
de danos materiais que ocorre no Brasil, onde avalia-se apenas se a indústria teve queda nos
lucros ou se ocorreu redução no nível de atividade e emprego setorial.

Para ilustrar a relevância das análises de bem-estar no processo dos EUA, vale destacar
alguns trechos do Trade Act de 1974, documento que pauta o processo de medidas antidumping
no país (ênfase em negrito adicionada):

Seção 202 (f):

“The Commission shall include in the report required under paragraph (1) the following:

(i) the short and long-term effects that implementation of the action recommended under
subsection (e) is likely to have on the petitioning domestic industry, on other domestic
industries, and on consumers, and

(ii) the short and long-term effects of not taking the recommended action on the petitioning
domestic industry, its workers and the communities where production facilities of such
industry are located, and on other domestic industries.”

Seção 203 (a):

“In determining what action to take under paragraph (1), the President shall take into account:

(F) other factors related to the national economic interest of the United States, including, but
not limited to:

(i) the economic and social costs which would be incurred by taxpayers, communities, and
workers if import relief were not provided under this chapter,

(ii) the effect of the implementation of actions under this section on consumers and on
competition in domestic markets for articles (...)"

83
A segunda diferença crucial entre os processos decisórios nos dois países refere-se ao
enquadramento administrativo do órgão responsável pelas análises de danos. Enquanto o órgão
brasileiro (DECOM) é um braço da SECEX, que é subordinada ao MDIC, o USITC foi criado
como uma agência independente: a equipe de seis integrantes não pode contar com maioria
partidária; o mandato dos integrantes é escalonado e uma possível renovação do mandato não
pode ocorrer caso o integrante tenha permanecido por mais de seis anos no cargo; e o orçamento
do órgão não está sob controle do Executivo, mas do Congresso. Esse arcabouço institucional
tem o propósito de neutralizar (ou, ao menos, limitar) as pressões políticas no processo de
análise de bem-estar sobre as decisões acerca das ações antidumping. Isso é essencial em função
dos vários interesses envolvidos e dos problemas relativos à subjetividade da caracterização de
danos e prejuízos.

A terceira diferença importante entre os processos americano e brasileiro é a divisão de


tarefas durante a fase de investigação. Enquanto nos EUA a determinação de dumping é
investigada pelo USDC e a de danos pelo USITC, no Brasil toda a investigação fica a cargo do
DECOM.44 Isso faz com que, no Brasil, as subjetividades às quais o processo está sujeito e o
poder decisório final fiquem concentrados em um só grupo. Observa-se que a literatura
acadêmica aponta que a decisão sobre a existência de dumping – isto é, se o preço cobrado é
“justo”, ou inferior aos custos de produção – é um exercício mais contábil que econômico,
enquanto a decisão sobre danos à indústria do país e sobre a desejabilidade de uma medida
antidumping é eminentemente econômica. Isso indica uma divisão natural de
responsabilidades, que poderia ser repartida entre agências distintas, como nos EUA.

3.4. Propostas

As nossas sugestões pautam-se pelo princípio de que as políticas públicas devem, de


forma geral, ter em vista os impactos sobre a economia do país como um todo, e não apenas os
interesses das firmas e indústrias diretamente afetadas pela política. Sob essa perspectiva, a
literatura acadêmica indica uma série de consequências negativas advindas da imposição de
ações antidumping, que se iniciam ainda no processo de investigação. Isso constitui um
problema na medida em que o número e a importância dessas medidas no mundo tornaram-se

44
Estritamente falando, como a Figura 16 indica, as responsabilidades durante a fase de investigação são do
DECOM e da SECEX. A SECEX faz a análise inicial, enquanto os processos decisórios referentes à identificação
de dumping, de prejuízos à indústria doméstica e de nexo entre os eventos estão sob a competência do DECOM.
Contudo, observe que o DECOM é subordinado à SECEX. Portanto, para fins práticos trata-se de um único órgão
tomando todas as decisões relevantes.

84
relativamente altos. No caso do Brasil o problema é muito mais sério em função do ativismo
histórico do país nessa área. O país aplicou na última década um número de ações antidumping
absolutamente incompatível com o tamanho e as características da sua economia. E isso não é
um problema recente: apesar do forte aumento da última década, o Brasil usa medidas de defesa
comercial desproporcionalmente à sua economia há várias décadas.

As análises mostram que em parte o excesso de ações antidumping no mundo decorre


de distorções no processo de investigação e de aplicação de medidas antidumping. Grande parte
dessas análises concentra-se no processo decisório norte-americano, pela importância do
mesmo no sistema multilateral de comércio. Contudo, pode-se afirmar que todos os problemas
apontados para os EUA são acentuados no sistema brasileiro. Portanto, uma aproximação do
processo decisório brasileiro ao sistema formal norte-americano já aprimoraria
significativamente o sistema brasileiro. Mudanças nessa direção poderiam ser interpretadas
como um primeiro passo na direção de alterações futuras mais profundas, que busquem tornar
o processo de decisão sobre dumping e sobre medidas corretivas mais eficazes em seu objetivo
de servir o interesse nacional – algo que, como a literatura indica, não tem ocorrido.

Para tanto, sugerimos especificamente as seguintes mudanças:

(i) OBJETIVOS DO PROCESSO DECISÓRIO: Inclusão formal, no processo de análise


de danos, de critérios que incorporem o impacto de possíveis medidas antidumping
sobre o nível de concorrência no mercado brasileiro; sobre a competitividade de
indústrias que seriam afetadas indiretamente pelas medidas (por exemplo via cadeias de
valor); e sobre o bem-estar dos consumidores.

(ii) ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO: Divisão das análises da avaliação da


prática de dumping, por um lado, e dos danos causados e do elo entre os dois, por outro
lado, entre dois órgãos distintos. O DECOM continuaria investigando a prática de
preços “justos”. Por outro lado, o órgão encarregado da análise de danos sobre a
economia e do elo entre danos e dumping teria autonomia administrativa. Para tanto,
pode ser necessária a criação de uma agência específica para essa atividade, mas seria
possível também adaptar as atribuições de um órgão existente (como o CADE, por
exemplo). As decisões sobre a aplicação ou não das medidas permanecem sob a égide
da CAMEX, que considerará os pareceres do DECOM e do novo órgão em suas
decisões.

85
(iii) TRANSPARÊNCIA E ESTUDOS DE IMPACTO: O órgão responsável pela análise de
danos sobre a economia e do elo entre danos e dumping será responsável também por
analisar o impacto das possíveis medidas antidumping na economia. Esses estudos
oferecerão suporte para a decisão da CAMEX segundo os objetivos definidos no ponto
(i). Essa análise, incluindo simulações sobre os potenciais impactos de medidas
antidumping, deverá ser tornada pública pelo órgão responsável.

A proposta (i) é o ponto fundamental da reforma do processo decisório brasileiro.


Entretanto, a operacionalização da mesma seria facilitada pelas propostas (ii) e (iii). A
manutenção de todas as decisões concentradas em um órgão, sendo esse diretamente ligado ao
MDIC, dificultaria a efetiva implementação da proposta (i). Ao contrário, a divisão das
responsabilidades entre duas agências, sendo uma delas formalmente independente do poder
executivo federal, propiciaria as condições mínimas para que prevaleça a objetividade da
análise econômica e para que ela seja mais abrangente. A divulgação pública dos estudos que
norteiam as decisões fortaleceria essa objetividade.45 Essas alterações permitiriam que o
processo decisório descartasse mais prontamente medidas que trazem muitas distorções
indiretas consigo e geram mais custos que benefícios para a economia brasileira. Além disso,
aumentaria o grau de previsibilidade das ações antidumping a medida que limitaria a
discricionariedade do processo decisório.

Apêndice

Resultado da regressão
𝐴𝐷𝑖,𝑡 = ⁡ 𝛽0 + ⁡ 𝛽1 𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 + ⁡ 𝛽2 𝑀𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽3 𝑋𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽4 𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽5 𝐸𝑚𝑖,𝑡 + ⁡ 𝛽6 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 +
⁡𝛽7 𝐸𝑚 ∗ 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 + ⁡𝛿𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 ,

onde a definição de cada variável está indicada no texto.

45
Por exemplo, o USITC divulga todas as publicações relativas às investigações antidumping desde 1995 em
https://www.usitc.gov/trade_remedy/publications/opinions_index.htm. O USITC divulga também outros
relatórios, paralelos às investigações, sobre impactos de medidas de restrição a importações
(https://www.usitc.gov/research_and_analysis/332_commission_publication.htm). Algumas dessas publicações
são periódicas e outras idiossincráticas, feitas por exemplo sob demanda do Congresso.

86
Tabela 3.A1: Fatores explicativos do número de medidas antidumping iniciadas por um país

Número de
pedidos AD

Pedidos AD no ano anterior 0,382***


(0,0707)
Importações (US$ bn) -0,0178***
(0,00415)
Exportações (US$ bn) -0,000258
(0,00543)
PIB (US$ bn) 0,00254***
(0,000557)
País emergente 1,298**
(0,521)
País tradicional no uso de AD 6,071***
(1,330)
Emergente x Tradicional 1.686
(2,709)
Observações 1.090
R2 0,256

Obs.: Erros-padrão entre parênteses. *, **, *** indicam níveis de significância estatística: 10%, 5% e 1%,
respectivamente. A regressão inclui efeitos fixos para anos.
Fonte: Elaboração através de dados do Global Antidumping Database (medidas AD), WITS (importação e
exportação), Banco Mundial (PIB) e FMI (indicador para países emergentes). O indicador para usuários
tradicionais é 1 para os primeiros países a adotarem uma legislação antidumping e utilizar tais medidas: Canadá,
Austrália, África do Sul, EUA, Japão, França, Nova Zelândia e Reino Unido.

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90
4. Análise da literatura entre produtividade e abertura comercial
Uma das principais formas pela qual uma abertura comercial pode beneficiar um país é
via seu impacto sobre a produtividade da economia. Por esse motivo, grande parte da literatura
acadêmica recente, teórica e empírica, enfatiza exatamente essa relação. Vários mecanismos
por trás dessa relação são fortemente corroborados por análises empíricas de experiências de
liberalização comercial ao redor do mundo.

Tradicionalmente, os estudos empíricos relacionados ao tema sofriam de problemas de


má-especificação ou da necessidade de usar medidas de abertura comercial “contaminadas” por
efeitos institucionais com impactos independentes sobre produtividade (e crescimento), como
explicitado em Rodrigues e Rodrik (1999). Contudo, com a expansão das bases de dados, maior
acesso a informações em níveis desagregados, e novas teorias que conectam firmas
heterogêneas com comércio internacional, tornou-se possível uma avaliação melhor e mais
precisa do tema. Nosso foco aqui recai exatamente sobre essa literatura recente, que possui
base teórica sólida e em grande medida contornou as dificuldades de medida e de identificação
do efeito causal entre abertura e produtividade. Tipicamente, essa identificação é obtida pela
exploração de variações de políticas plausivelmente exógenas entre indústrias de um mesmo
país.

Para organizar melhor as ideias, apresentamos os estudos que conectam abertura


comercial a produtividade em partes, segundo o seu mecanismo principal:

1) Realocação intra-setorial de recursos;

2) Complementaridade entre inovação e exportação;

3) Difusão de ideias e pressão competitiva;

4) Melhor e maior acesso a insumos básicos e bens de capital;

5) Redução da incerteza sobre política comercial futura;

6) Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor.

Abordamos cada um desses tópicos apresentando seu mecanismo teórico básico e seus
principais resultados empíricos. Além disso, fazemos uma revisão dos estudos sobre o processo
de liberalização comercial brasileiro dos anos 1990. Finalmente, concluímos com um breve
sumário onde também indicamos que a ligação entre comércio internacional e produtividade
estende-se a crescimento econômico.

91
4.1. Realocação intra-setorial de recursos

O grau de abertura de uma economia afeta a produtividade média intra-setorial da


mesma via alocação de recursos entre firmas. Observe que esse resultado é inteiramente distinto
do argumento clássico, baseado em vantagens comparativas. Esse último (também corroborado
empiricamente) prevê que alguns setores se expandirão e outros se contrairão como
consequência de uma abertura comercial. Mas, além desse processo, há também reorganizações
dentro de cada setor.

A lógica do mecanismo teórico é que uma maior exposição ao comércio internacional


induz as firmas exportadoras a se expandirem no mercado internacional devido às novas
oportunidades de lucro. Além disso, algumas firmas que não participavam do mercado
internacional passam a ter incentivo a incorrer no custo fixo necessário para começar a exportar
(custos associados à pesquisa de mercado, a contato com importadores, etc.). A expansão desses
dois grupos de firmas exerce pressão sobre os fatores de produção no país, elevando seus
preços. Em particular, gera um aumento do salário real na economia. Isso faz com que firmas
que servem exclusivamente o mercado interno se contraiam, e algumas saiam do mercado.

A questão crucial do mecanismo é que as firmas que se expandem são as mais


produtivas, e as que se contraem ou saem do mercado são as menos produtivas do setor.
Sabemos disso porque as firmas não são distribuídas entre exportadoras e não exportadoras de
forma aleatória; ao contrário, essas são decisões que as próprias firmas tomam. E aquelas que
escolhem exportar são as que antecipam um lucro no mercado externo alto o suficiente para
compensar o custo fixo de exportar; ou seja, as mais produtivas. As firmas menos eficientes
sabem que não conseguirão cobrir tal custo e, assim, restringem-se ao mercado doméstico.

No processo há, portanto, uma realocação de recursos dentro de cada setor, das firmas
menos produtivas (que se contraem ou saem do mercado) para as firmas mais produtivas (que
se expandem, aumentando suas participações nos mercados nacional e internacional). A
consequência é um aumento da produtividade média do setor, assim como da indústria como
um todo. Esse processo de ajustamento intra-setorial foi inicialmente elaborado por Melitz

92
(2003), e estendido subsequentemente por diversos outros autores.46 Ele pode ser ilustrado pela
figura abaixo.

Figura 4.1 – Efeitos de liberalização comercial sobre produtividade

Fonte: Melitz (2003).

O eixo vertical representa receitas no primeiro gráfico e lucros no segundo. O eixo


horizontal em ambos os casos representa os diferentes níveis de produtividade ao longo dos
quais as firmas estão distribuídas. Especificamente, φa* é o nível a partir do qual as firmas
produzem (tendo lucros positivos) em autarquia; φ* representa o nível a partir do qual as firmas

46
Por exemplo, Demidova e Rodríguez-Clare (2013) desenvolvem o mecanismo de Melitz (2003) examinando
uma abertura unilateral, ao contrário de uma abertura multilateral, como no artigo original, e consideram o impacto
tanto para países grandes quanto para países pequenos. Os resultados permanecem essencialmente inalterados.

93
produzem após a abertura comercial; e φx* indica o nível mínimo de produtividade que
determina quais empresas conseguem arcar com os custos fixos de exportar.

Como descrito acima, após uma abertura comercial as firmas menos produtivas (entre
φa* e φ*) deixam o mercado e as moderadamente produtivas (entre φ* e φx*) operam somente
no mercado interno. Elas obtêm menores lucros que em autarquia em função do salário real
mais alto. Dentre as firmas que exportam (φx* em diante), as menos produtivas veem seus lucros
caírem, porque a maior receita não compensa o maior custo, enquanto as mais produtivas obtêm
lucros mais altos devido à maior exposição da economia ao comércio internacional.

A teoria é não apenas elegante; ela também é amplamente corroborada por análises
empíricas. Por exemplo, segundo Pavcnik (2002), na abertura chilena entre 1979 e 1986, as
firmas que não sobreviveram à abertura comercial eram, em média, 8,1% menos produtivas que
as que continuaram operando. Ela estima que a produtividade agregada da indústria cresceu
19% durante os sete anos analisados. Desses, um terço veio do aumento da produtividade das
firmas (por mecanismos que discutiremos na próxima seção), enquanto dois terços decorreram
da realocação de recursos das firmas menos para as mais produtivas.

Há resultados qualitativamente similares para a Colômbia entre 1977 a 1991, com a


abertura comercial dos anos 1980, que tinha o objetivo de reduzir a dispersão tarifária, elevando
a produtividade tanto a nível das plantas quanto intra-setorialmente. Segundo Fernandes (2007),
cada redução das tarifas de importação de 10% implicou ganhos de produtividade que variaram
entre 0,8 a 1,2% ao nível das plantas. Por outro lado, mais que 2/3 dos ganhos de produtividade
da indústria como um todo vieram de realocações de recursos das firmas menos para as mais
produtivas.

O mesmo processo também é observado como consequência do acordo de livre


comércio entre Canadá e Estados Unidos. Segundo Trefler (2004), para o grupo de indústrias
canadenses mais afetados pelas reduções de tarifas, o impacto sobre a produtividade do trabalho
foi de 15%. Para a indústria como um todo (ambos países juntos), o impacto sobre
produtividade do trabalho do acordo foi de 7,4%.

Ressalta-se que há vários outros estudos que seguem a mesma abordagem e obtêm
resultados similares.

4.2. Complementaridade entre inovação e exportação

94
A decisão de inovar depende da comparação entre o lucro esperado da inovação e o seu
custo, incluindo o custo de oportunidade (continuar operando com a mesma tecnologia). A
abertura tende a elevar o lucro potencial da inovação, uma vez que permite o acesso a um maior
mercado consumidor. Assim, pode aumentar o incentivo das firmas em inovar.

Esse mecanismo é especialmente saliente no contexto de acordos comerciais. Uma


redução nos custos variáveis para se exportar para os países parceiros aumenta a receita das
exportações daquelas firmas, tornando viável para determinadas empresas incorrer nos custos
fixos das mesmas. Isso eleva as receitas daquelas firmas e viabiliza a adoção de tecnologias de
ponta, aumentando suas produtividades endogenamente. Naturalmente, esse efeito é distribuído
de forma heterogênea entre as firmas de acordo com suas características.

Bustos (2011) estuda essa possibilidade no contexto da criação do Mercosul. Ela mostra
que o maior acesso ao mercado brasileiro (um mercado amplo em relação ao argentino, e que
reduziu em cerca de 24% as tarifas de importação para produtos argentinos) induziu firmas
argentinas a investir significativamente mais na adoção de novas tecnologias, que elevaram sua
produtividade. Esse efeito ocorreu predominante em firmas de setores onde a redução de tarifas
foi mais significativa, e para firmas com uma produtividade inicial relativamente elevada. Em
particular, o impacto agregado deveu-se em grande medida às inovações lideradas por firmas
que começaram a exportar por causa da abertura do mercado brasileiro.

Lileeva e Trefler (2010) obtêm resultado análogo para firmas canadenses após o acordo
de livre comércio entre EUA e Canadá, que abriu vasto mercado para as firmas canadenses. Os
autores estimam que, para as firmas canadenses que foram induzidas a exportar pelo acordo,
houve um aumento de 15,3% sobre a produtividade, representando um aumento de
produtividade do setor manufatureiro de aproximadamente 3,5%. Em termos agregados, o
acordo fez com que o aumento da produtividade ao nível das firmas contribuísse para uma
elevação de cerca de 5% da produtividade do setor manufatureiro canadense. Por outro lado, a
realocação de recursos entre plantas (expansão das mais produtivas e contração/saída das menos
produtivas) contribuiu para uma elevação de cerca de 8% na produtividade do setor.

O fator chave por trás desses resultados é a complementaridade entre exportação e a


adoção de novas tecnologias. Ambas requerem custos fixos significativos. Para algumas firmas,
só faz sentido econômico incorrer em cada um desses custos se eles ocorrerem conjuntamente.
Isto é, arcar com os custos iniciais para começar a exportar é vantajoso apenas se a firma tem
acesso a tecnologias modernas, que aumentam a lucratividade da inserção externa.

95
Analogamente, incorrer nos custos para se adotar tecnologias modernas vale a pena somente se
a firma tem acesso a um mercado amplo (possível via um acordo de comércio, por exemplo),
que aumenta a lucratividade do investimento em novas tecnologias.

4.3. Difusão de ideias e pressão competitiva

De forma mais ampla, inovar é um processo que requer um investimento cujo retorno
não se sabe ao certo, isto é, existe um risco imbuído no processo de inovação. Após a inovação
ser gerada, o seu valor é determinado pelo lucro esperado da mesma ponderado pela
possibilidade, de se difundir para outros países e de não se tornar obsoleta (ou ser copiada).
Esses pontos são analisados por Eaton e Kortum (1999, 2001).

A probabilidade de se difundir para outros países é um fator diretamente conectado com


comércio internacional. De fato, usando cinco países em sua análise (Alemanha, França, Reino
Unido, Japão e Estados Unidos), Eaton e Kortum (1999) encontram que o tamanho das barreiras
impostas à difusão das ideias (podemos pensar parte delas como barreiras comerciais) é
suficiente para explicar a diferença de produtividade entre tais países. Por essa análise
observamos que a absorção da inovação gerada em outros países é elemento crítico para a
elevação da produtividade doméstica. Em especial, se os “insights” forem gerados
majoritariamente pela relação com os parceiros comerciais, a abertura para comércio permitiria
que mais inovação fosse gerada, elevando a eficiência tecnológica do país como um todo. Além
disso, como Eaton e Kortum (2001) mostram, a maior parte do capital do mundo é gerado em
um pequeno número de economias onde a maior parte de pesquisa e desenvolvimento no mundo
ocorre. O restante dos países tem acesso a novas tecnologias, portanto, prioritariamente via
importação de equipamentos que as incorporam.

Esse tema é discutido em detalhe por Buera e Oberfield (2016), que enfatizam que o
comércio internacional facilita o intercâmbio de ideias entre produtores e potenciais inovadores
em diferentes países. Utilizando dados de diversos países entre 1962 e 2000, eles estimam que
a redução dos custos de comércio (inferidos a partir de fluxos de bens e preços relativos) gerou
ganhos estáticos responsáveis por cerca de 8% do crescimento da produtividade total dos fatores
durante o período analisado. Por outro lado, os ganhos decorrentes do maior intercâmbio de
ideias forma aproximadamente duas vezes superiores.

Nesse contexto, o comércio internacional impacta a adoção de novas tecnologias ao


elevar o lucro das empresas mais produtivas (exportam mais) e reduzir o das menos produtivas

96
(porque a abertura comercial leva a uma expansão das mais produtivas, elevando os salários da
economia, como visto acima. Assim, as empresas pouco produtivas comparam a opção de
adotar uma nova tecnologia com a de continuar operando com seu menor lucro. Para algumas
delas, isso eleva a propensão a adoção e, portanto, a velocidade da mesma na economia, criando
efeitos dinâmicos de ganho de produtividade.

De fato, o aumento de importações em um país decorrente de alterações de política


comercial pode afetar o incentivo das firmas em inovar via pressão competitiva. Usando o
crescimento das exportações da China após sua entrada na OMC como instrumento para estimar
esse efeito, Bloom et al. (2016) mostram que o acirramento da competição local causado por
um aumento de importações teve impacto positivo no volume de inovação, medida por patentes,
em diversos países europeus. Esse aumento ocorre prioritariamente nas firmas mais expostas a
aumentos das importações chinesas. Impactos similares são observados sobre a produtividade
total dos fatores, a intensidade de tecnologia de informação e as despesas de P&D dessas firmas.
Em particular, os autores estimam que o aumento da competição com importações oriundas da
China entre 2000-2007 foi responsável por 15% do aumento do número de patentes de empresas
europeias. Embora algumas firmas sucumbam à pressão competitiva, em termos agregados
observa-se uma melhoria tecnológica nos países analisados, oferecendo suporte para a hipótese
de que comércio internacional pode induzir mudanças tecnológicas positivas em uma
economia.

O aumento de produtividade ao nível das firmas causada por uma liberalização


comercial é observado empiricamente também via a redução de outras ineficiências produtivas
preservadas pela ausência de competição externa. Um exemplo é a adoção de melhores práticas
gerenciais, induzida pela maior competição após a redução de barreiras à importação de bens
finais – Bloom e Van Reenen (2007) obtêm essa conclusão em uma análise detalhada de
práticas gerenciais em vários países.

4.4. Melhor e maior acesso a insumos e bens de capital

Um outro canal pelo qual a abertura comercial afeta a produtividade das firmas é ao
aumentar a disponibilidade e o preço de insumos importados. O efeito decorre da redução do
preço dos insumos, que permite investir mais em inovação; da maior variedade de insumos
disponíveis, que gera uma maior diversificação do escopo de produção e, consequentemente,
novas combinações mais produtivas; e do acesso a insumos de melhor qualidade e a bens de

97
capital que incorporam melhores tecnologias. O primeiro canal representa uma melhoria de
eficiência alocativa que pode gerar, via inovação, um aumento permanente de produtividade. O
segundo e o terceiro canais podem ser interpretados como um aumento na produtividade total
dos fatores nos setores que conseguem mais acesso a melhores insumos.

Esse efeito é observado para a Índia no período entre 1989 a 2003. A liberalização na
Índia em 1991 permite um ambiente propício para análises empíricas por dois motivos
principais. Primeiro, a redução média das tarifas de importação foi muito substancial e
heterogênea entre setores, facilitando a identificação estatística. Segundo, o processo de
abertura foi ao menos parcialmente exógeno, uma vez que respondeu a pressões de
organizações internacionais, em particular o FMI, facilitando a identificação econômica.

Nesse contexto, Goldberg et al. (2010) identificam um aumento significativo na


eficiência, na variedade e na qualidade da produção das firmas locais. Em particular, a redução
das tarifas sobre produtos intermediários foi responsável por mais de 30% dos novos produtos
introduzidos pelas firmas locais nos anos subsequentes. O motivo fundamental foi o acesso a
novas variedades de insumos, inviável economicamente antes da abertura. Além disso, há o
efeito direto da redução daquelas barreiras comerciais sobre o custo de produção das firmas
locais. De modo similar, Khandelwal e Topalova (2011) estimam que cada redução de 10% nas
tarifas de importação dos bens finais acarretou em média uma elevação de 0,32% na
produtividade das firmas na Índia, enquanto uma redução da mesma magnitude nos insumos
gerou uma elevação de 4,8% nas mesmas.

Amiti e Konings (2007) estudam questão similar no contexto de liberalização da


Indonésia, entre 1991 e 2001. Eles encontram que cada redução de 10% nas tarifas de
importação de insumos induziu um crescimento de 12% na produtividade das firmas que os
importavam. Já uma redução similar nas tarifas de importação sobre bens finais acarretou um
crescimento de produtividade limitado entre 1 a 6%.

Kasahara e Lapham (2013) estimaram os ganhos de liberalização para o Chile, no


período entre 1990 e 1996. Eles encontram que na situação de comércio pós-liberalização,
relativamente à situação hipotética de autarquia, o nível de produtividade é entre 1,7% (para
produtos alimentícios) a 8,4% (produtos plásticos) mais alto. Quando se leva em conta os
impactos adicionais sobre produtividade devido à importação de bens intermediários, esses
efeitos saltam para 8,6% e 21,4%, respectivamente, demonstrando o forte peso dos insumos na
inovação tecnológica.

98
Já para o setor manufatureiro americano, uma redução nos custos variáveis de comércio
de cerca de 5% levaria a um incremento de 4,7% na produtividade. O principal mecanismo seria
por acesso a insumos mais baratos, seguido da saída das firmas menos produtivas, conforme
demonstrado por Bernard et al. (2003).

O crescimento da Coréia do Sul também pode ser explicado em parte pelo maior acesso
a insumos e bens de capital. De acordo com Connolli e Yi (2015), 17% de todo o catch-up da
Coréia do Sul veio das políticas comerciais de: 1) isenção de tarifas de importação para
insumos; 2) redução das tarifas de importação do país como um todo; 3) reduções de tarifas
multilaterais no âmbito do GATT. Entre esses três canais de política comercial, mais da metade
do efeito ocorreu devido à isenção de tarifas sobre insumos e bens de capital (o efeito é crescente
no nível das tarifas iniciais, como se esperaria).

Halpern et al. (2015) procuram identificar empiricamente, usando dados da Hungria


entre 1993 e 2002, e amparados por um detalhado modelo estrutural, os canais pelos quais
importações de insumos afetam produtividade. Eles demonstram teoricamente e identificam
empiricamente dois canais principais: melhor qualidade dos insumos na produção dos bens
finais, e substituição (imperfeita) dos insumos domésticos – isto é, um benefício via maior
variedade de insumos.

Os autores estimam que, se a fração de insumos importados de uma firma passar de zero
para 100%, a sua produtividade aumentaria em 24%. Naturalmente, esse é o aumento máximo
possível. Mas, assumindo uma linearidade do efeito, temos que, para cada elevação de um ponto
percentual na fração de insumos utilizadas por uma firma, a sua produtividade aumenta em
expressivo 0,24 ponto percentual. Tanto os canais de qualidade quanto de substituição
mostram-se importantes empiricamente.

A partir dos resultados da análise com micro dados, Halpern et al. (2015) fazem
simulações contrafactuais respaldadas pelo modelo estrutural. Os resultados são muito
significativos economicamente: de todo o crescimento da produtividade no setor industrial da
Hungria durante o período analisado, mais de um quarto (quase 6 pontos percentuais) é
atribuído à importação de insumos.

Analisando a possibilidade de uma redução de tarifas (lembrando que esse é um período


quando a Hungria ainda não fazia parte da União Europeia), Halpern et al. (2015) mostram que
o efeito depende da contribuição inicial das importações na economia. Especificamente, o
impacto sobre a produtividade será maior, quanto maior a participação inicial das importações

99
nos insumos das firmas. Intuitivamente, uma participação maior das importações implica um
maior impacto de uma dada redução em tarifas sobre a redução de custos da firma. Isso tem
implicações diretas para outras medidas de liberalização. Por exemplo, se barreiras não-
tarifárias forem reduzidas, o efeito de uma redução tarifária sobre a produtividade será maior.
Ou seja, há complementaridade entre barreiras tarifárias e não-tarifárias.

Quando um setor da economia é liberalizado, espera-se que os produtores domésticos


daquele setor sejam prejudicados. Na maior parte das vezes, é exatamente isso que ocorre.
Halpern et al. (2015) alertam, porém, que isso não é necessariamente o caso com a importação
de insumos. Caso o principal benefício da importação de insumos seja a maior qualidade dos
mesmos, os produtores domésticos serão afetados negativamente por uma redução de tarifas.
Por outro lado, se o principal ganho for pelo aumento de variedades, o impacto de uma redução
de tarifas sobre os produtores domésticos é muito mais limitado. Além disso, há um outro fator
crítico: como os usuários dos insumos irão se expandir em função do acesso a mais e melhores
insumos, menores tarifas gerarão um aumento de demanda por insumos na economia. Em
alguns casos, isso pode inclusive resultar em uma expansão dos produtores locais.

Finalmente, é importante enfatizar que o melhor e mais amplo acesso a insumos


importados também é essencial para o desempenho do setor exportador: acesso a insumos
importados é fator determinante para o sucesso na exportação de bens finais. Vários estudos
comprovam esse resultado.47 O motivo principal é exatamente o apontado acima: os usuários
dos insumos têm seus custos reduzidos e produtividade elevada, aumentando assim suas
competitividades internacionais.

4.5. Redução da incerteza sobre política comercial futura

Outro canal importante é o efeito na economia da incerteza sobre política comercial.


Estudos recentes mostram que medidas que reduzem essa incerteza, mesmo se não afetarem
diretamente o nível das restrições a comércio internacional, tendem a impactar
significativamente as decisões dos agentes econômicos. Em particular, a redução dessa
incerteza tende a incentivar firmas a se engajarem em negócios internacionais, a inovar, e a
adotar novas tecnologias. A lógica do mecanismo é intuitiva: se o ambiente de negócios é
incerto, e existe o risco de que o custo das operações internacionais possa se elevar no futuro,

47
Por exemplo, Amiti e Konings (2007) apresentam evidência sobre a Indonésia, e Kasahara e Lapham (2013)
para o Chile.

100
as firmas tendem a adiar decisões que envolvam custos fixos elevados e irreversíveis até que
essa incerteza seja eliminada. Com isso, investimentos são postergados, diminuindo a taxa de
adoção de novos projetos e tecnologias. A mesma ideia aplica-se para a decisão de exportar:
algumas firmas preferirão esperar até que incertezas sejam resolvidas para só então incorrer no
custo fixo para começar a exportar. Isso explica alguns resultados empíricos que indicam que
pequenas reduções tarifárias, quando associadas a uma redução da incerteza sobre política
comercial, têm fortes impactos sobre fluxos de comércio.

Estudos recentes indicam que esse é um canal essencial pelo qual política comercial
afeta a economia. Considere, por exemplo, a Rodada Uruguai de negociações multilaterais,
concluída em 1994. Durante a Rodada definiu-se critérios mais rígidos para a entrada de novos
membros na então-criada OMC, relativamente aos critérios utilizados para participação no
GATT, seu antecessor. Assim, ao acederem à OMC sob tais condições, os novos membros
“amarram suas mãos” quando se comprometerem com reformas liberalizantes significativas.
Isso reduziu a incerteza da política comercial futura. Ao analisar as consequências dessas
alterações, Tang e Wei (2009) identificam um aumento no investimento e no crescimento dos
novos países-membros que durou cerca de quatro anos após a entrada na OMC. Em termos
acumulados, a elevação do nível do produto daqueles países é quase 20% superior à do grupo
de controle. Portanto, compromissos de liberalização mais ambiciosos na OMC, ao reduzir o
escopo para alterações futuras do nível de abertura, levam a um aumento do investimento no
país, afetando positivamente sua taxa de crescimento.

Redução de incerteza de política comercial ocorre também via consolidação de tarifas


na OMC – isto é, o estabelecimento de níveis máximos para as tarifas. Handley (2014) mostra
o efeito da redução das tarifas consolidadas da Austrália na OMC durante os anos 1990. Mesmo
sem afetar as tarifas efetivamente cobradas pelo país, a redução da “margem de manobra” futura
das tarifas aplicadas provocou a entrada de novos produtos e de produtos advindos de novos
destinos de importação.

O mesmo mecanismo se manifesta via acordos preferenciais de comércio, desde que


esses sejam críveis para a sociedade. Isso ocorre em especial no contexto de acordos comerciais
com economias grandes e desenvolvidas, onde o custo de reversão do acordo tende a ser alto.
Por exemplo, Handley e Limão (2015) identificam impactos econômicos vultosos decorrentes
da redução da incerteza de política comercial associada à entrada de Portugal na Comunidade
Europeia. Embora Portugal já tivesse acesso preferencial aos mercados da Comunidade
Europeia, a sua entrada no bloco garantiu que os privilégios previamente estabelecidos para as

101
exportações portuguesas se tornassem permanentes, eliminando a incerteza em relação à
possível revogação dos mesmos. Se o acesso tivesse apenas reduzido as tarifas aplicadas, ele
seria responsável por não mais que 20% do crescimento total da entrada de firmas e por menos
de 30% das exportações adicionais, de acordo com estimativas de Handley e Limão (2015).
Dessa forma, a eliminação da incerteza sobre barreiras comerciais no seu principal destino de
exportações teve um papel fundamental no processo, assim induzindo maiores investimentos
em novas tecnologias e no esforço de exportar.

De modo análogo, a ascensão da China à OMC é tratada como um fato que reduziu a
ameaça dos Estados Unidos de retirarem as condições favoráveis de comércio concedidas ao
país previamente. Segundo Handley e Limão (2017), o fim da incerteza sobre a aplicação de
tarifas MFN pelos Estados Unidos sobre produtos chineses explica cerca de 60% do número de
firmas que passaram a exportar naquele país, e 32% do crescimento das suas exportações após
a entrada na OMC.

4.6. Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor

Outro canal pelo qual a produtividade de uma economia é afetada por alterações de
barreiras comerciais é via a fragmentação da produção. Por exemplo, usando um argumento
análogo ao clássico, de vantagens comparativas, mas aplicado a etapas de produção, Grossman
e Rossi-Hansberg (2008) mostram que um país obtém um ganho agregado de produtividade
quando se especializa nos estágios em que ele é relativamente eficiente.

Ao nível de firmas, Ornelas e Turner (2008) demostram que reduções tarifárias têm um
efeito magnificador sobre o comércio de bens intermediários especializados, para os quais não
há um mercado bem desenvolvido fora da relação bilateral comprador-vendedor. O motivo é
que a redução da tarifa aumenta o incentivo das partes em investir na relação bilateral. A
consequência é uma elevação da produtividade das mesmas.

Como Yi (2003, 2010) demonstra teórica e empiricamente, tais efeitos são acentuados
no contexto de cadeias globais de valor (CGVs), quando os estágios de produção se localizam
em diferentes países. Assim, uma abertura comercial faz com que ocorra uma especialização
nas etapas em que se é mais produtivo, tornando a organização da produção mais eficiente.
Uma consequência é que não se torna vantajoso para as firmas envolvidas estabelecerem etapas
de CGVs em países relativamente fechados.

102
De fato, política comercial, e em particular participação em acordos preferencias de
comércio, é um fator determinante da inserção dos países em CGVs, como Johnson e Noguera
(2017) demonstram empiricamente.

4.7. Estudos sobre o caso brasileiro

Há relativamente poucos estudos sobre a relação entre abertura e produtividade para a


economia brasileira. Apesar disso, as análises existentes apontam para resultados análogos aos
discutidos acima.

Ferreira e Rossi (2003) estudam como a abertura comercial dos anos 1990 impactou a
produtividade setorial do país. Eles encontram que as reduções nas tarifas de importação até o
início da década de 1990 levaram a um aumento entre 8% e 12% na taxa de crescimento da
produtividade total dos fatores da indústria nacional entre 1985 e 1997. Já segundo Hay (2001),
cada redução de 1% na proteção nominal (que era em média cerca de 32% em 1988) entre 1980
e 1995 gerou um aumento de 0,9% na eficiência das firmas.

Mais recentemente, Lisboa et al. (2010) estimam que o aumento de produtividade na


indústria brasileira entre 1988-1998 acarretada pela liberalização comercial foi devido
prioritariamente à liberalização de insumos (especialmente em setores intensivos em capital e
tecnologia), e não de bens finais. Em grande medida, as estimativas de Lisboa et al. (2010)
refletem os resultados do cuidadoso estudo de Schor (2004) para o mesmo episódio de
liberalização no Brasil.

Portanto, em termos gerais as análises da relação entre abertura e produtividade para a


economia brasileira são diretamente alinhadas com os estudos análogos existentes sobre a
experiência internacional.

4.8. Comércio internacional, produtividade e crescimento econômico

Como Goldberg e Pavcnik (2016) indicam em survey recente sobre os efeitos de política
comercial, um dos resultados mais robustos nessa área de pesquisa é que a redução de barreiras
comerciais acarreta um aumento de produtividade a nível da indústria. Os mecanismos teóricos
pelos quais isso ocorre são claros, mas a sua importância relativa varia segundo o contexto.

Hoje há, em particular, consenso de que a maior participação no comércio internacional


de um país gera um aumento de produtividade em sua economia via realocação de recursos de
103
firmas pouco produtivas para firmas mais produtivas em cada setor de atividade. Sabemos
também que inovação e exportação são atividades complementares; portanto, maior abertura, e
em particular maior participação em acordos preferenciais de comércio com economias que
possuem grandes mercados consumidores, tendem a fomentar inovação no país. Tais acordos
tendem a elevar a produtividade agregada da economia também ao reduzir incertezas da política
comercial e propiciar um maior e melhor engajamento em CGVs. Finalmente, hoje há uma forte
concordância na academia internacional de que uma redução nas tarifas sobre insumos básicos
e bens de capital provoca aumento significativo da produtividade de todos os setores que os
utilizam, e portanto da economia como um todo. A Tabela 4.1 apresenta de forma esquemática
esses e os demais mecanismos discutidos nesta seção, indicando também algumas das principais
análises empíricas que respaldam cada um dos mecanismos.

Tabela 4.1: Benefícios identificados empiricamente de abertura comercial sobre a


produtividade
Efeito sobre a economia Principais mecanismos Principais referências
empíricas

Aumento de Realocação de recursos de Fernandes (2007) –


produtividade intra- firmas pouco produtivas Colômbia
setorial para firmas mais produtivas
Pavcnik (2002) – Chile

Trefler (2004) – Canadá

Aumento de inovação Complementaridade entre Bustos (2011) – Argentina


via acordos comerciais exportação e adoção de (Mercosul)
novas tecnologias
Lileeva e Trefler (2010) –
Canadá e EUA (CUSTA)

Aumento da inovação e Pressão competitiva de Bloom et al. (2016) –


melhores práticas importações induzindo vários países europeus
gerenciais via maior melhor utilização de
pressão competitiva recursos e maior incentivo a Bloom et al. (2007) –
inovar vários países

Aumento de Melhor acesso a insumos e Amiti e Konings (2007) –


produtividade das firmas bens de capital aumentando Indonésia
via menores barreiras a eficiência alocativa,
sobre insumos e bens de diversificando o escopo de Connolli e Yi (2015) –
capital produção e permitindo o Coreia
acesso a melhores
tecnologias Goldberg et al. (2010) –
Índia
104
Halpern et al. (2015) –
Hungria

Aumento de Redução de incerteza sobre Handley (2014) –


investimentos via política comercial futura Austrália
acordos comerciais
Handley e Limão (2015) –
Portugal

Tang e Wei (2009) –


vários países

Aumento de Especialização em etapas da Yi (2010) – vários países


produtividade via melhor cadeia produtiva em que o
inserção em cadeias país e as firmas são mais Johnson e Noguera (2017)
globais de valor produtivos – vários países

Aumento de Especialmente maior acesso Ferreira e Rossi (2003)


produtividade decorrente a insumos importados
da liberalização da Hay (2001)
economia brasileira
Lisboa et al. (2010)

Schor (2004)

Essas conclusões refletem a forte ênfase acadêmica sobre a relação entre abertura
comercial e produtividade. O motivo de todo esse esforço de pesquisa é simples: crescimento
sustentável é alcançável apenas com o crescimento da produtividade do país. Sendo
crescimento uma questão eminentemente macroeconômica, ela também é mais difícil de se
examinar criteriosamente a nível empírico; volta-se então para os efeitos sobre produtividade a
nível das firmas e setores, que ultimamente definem a produtividade agregada da economia – e
seu potencial de crescimento.

Ainda assim, é importante questionar se os efeitos sobre a produtividade efetivamente


se traduzem em maiores taxas de crescimento econômico. As evidências disponíveis apontam
para uma relação positiva: abertura comercial tende a provocar uma aceleração do crescimento
econômico. Frankel e Romer (1999) encontram que um maior nível de comércio internacional
tem impacto causal positivo e relativamente alto sobre a renda do país. Wacziarg e Welch
(2008) mostram que, entre 1950 e 1998, países que liberalizaram seu comércio tiveram uma
taxa de crescimento do produto e de investimento quase dois pontos percentuais maior que
antes da liberalização. Mais recentemente, Estevadeordal e Taylor (2013) mostram que, de fato,

105
países que se abriram durante os anos 1980 e 1990 cresceram mais que outros países similares,
mas que não se abriram (ou o fizeram mais timidamente). Eles identificam que os principais
canais pelos quais uma abertura comercial acelera o crescimento são via reduções de barreiras
comerciais sobre bens de capital (que induzem mais inovação, tendo efeito similar a um
aumento da taxa de poupança do país) e sobre bens intermediários (que levam a uma maior
eficiência produtiva, tendo efeito similar a um aumento na produtividade total dos fatores).
Portanto, alguns dos mecanismos pelos quais sabemos que comércio internacional eleva a
produtividade de uma economia também se refletem diretamente sobre o crescimento da mesma
– como se esperaria.

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109
5. Mercado de Trabalho e Abertura Comercial
O mercado de trabalho é uma das dimensões mais salientes quando se discute qualquer
forma de abertura comercial. A preocupação é legítima, já que o processo de abertura da
economia à competição internacional certamente acarreta a perda de alguns postos de trabalho,
inclusive em ocupações de alta remuneração. Por outro lado, a mesma política também gera a
criação de postos de trabalho, alguns deles também em setores bem remunerados. Além disso,
haverá alteração dos salários relativos na economia. Tudo isso é esperado, em função da
realocação de fatores entre setores e também entre firmas dentro de cada setor.

Figura 5.2: Importação e Taxa de Desemprego em 2016

200

180

160

140
Importação/PIB (%)

120

100

80

60

40

20
BRA
0
0 5 10 15 20 25 30
Taxa de Desemprego (%)

Fonte: Banco Mundial

Por outro lado, não há previsões claras sobre o impacto líquido da liberalização
comercial sobre o nível do emprego e do salário agregado da economia, especialmente no longo
prazo. Isso pode ser visto na Figura 5.2, que mostra a taxa de importação (ajustada pelo PIB) e
a taxa de desemprego para diversos países em 2016. Claramente não há nenhuma relação
positiva forte entre importação e desemprego como argumentam diversos opositores de
processos de abertura comercial. O Brasil, por exemplo, é um país extremamente fechado que
possui uma taxa de desemprego relativamente alta.

Além disso, a política comercial é apenas um dos muitos fatores que afetam o mercado
de trabalho de uma economia, como podemos ver na Figura 5.3, que mostra a taxa de
desemprego média em 2016 nos países membros da União Europeia (UE). Todos os países
110
seguem políticas comerciais idênticas, porém têm taxas de desemprego dramaticamente
diferentes. Portanto, são necessários métodos empíricos com forte sustentação teórica que
permitam isolar o efeito da abertura, evitando, assim, conclusões incompletas ou mesmo
equivocadas.

Figura 5.3: Taxa de Desemprego UE 2016 (em pontos percentuais)

25

20

15

10

0
Bélgica

Hungria

Eslováquia
Finlândia
Estônia

Lituânia
Croácia
Itália

Luxemburgo

Áustria

Portugal
Espanha

Malta
Holanda

Suécia
Reino Unido
França
Bulgária

Grécia

Chipre

Polônia
República Tcheca

Alemanha

Letônia

Romênia
Eslovênia
Dinamarca

Irlanda

Fonte: Eurostat.

Nesta seção do relatório analisaremos como políticas de liberalização comercial afetam


o nível e a distribuição da renda dos trabalhadores, e como o nível de emprego responde a tais
políticas. Nossa análise será composta de um breve resumo de alguns dos mecanismos teóricos
pelos quais o mercado de trabalho pode ser afetado pela abertura comercial, e de uma discussão
detalhada das recentes evidências empíricas de tais efeitos, focando majoritariamente na
experiência brasileira das últimas décadas.

Em nossa análise, evidenciaremos como choques de liberalização comercial afetaram


os setores da nossa economia, as regiões que abrigam estes setores e os trabalhadores
empregados (ou que estavam empregados antes dos choques) nesses setores e regiões.
Focaremos em dois importantes episódios que tiveram um impacto considerável em nosso
mercado de trabalho: i) a liberalização comercial promovida pelo governo Brasileiro em
111
meados da década de 1990; ii) a integração Chinesa ao comércio mundial ocorrida nos anos
2000. Além disso, detalharemos como a literatura avalia os ganhos líquidos de comércio para
o Brasil levando em consideração os efeitos no mercado de trabalho. Para tanto nos basearemos
em pesquisas acadêmicas publicadas em renomados periódicos internacionais cujas análises
empíricas refletem o estado da arte das ferramentas econômicas quantitativas. Por fim,
detalharemos como as conclusões desses estudos podem ajudar no delineamento de políticas.

5.1. Como se dá o Impacto no Mercado de Trabalho?

As primeiras gerações dos modelos econômicos em comércio internacional ignoravam


as consequências da implementação de políticas comerciais sobre o emprego dos trabalhadores.
Típicas hipóteses utilizadas eram a de pleno emprego e salários equivalentes à produção
marginal dos trabalhadores. Tais hipóteses eram justificadas pela ideia de que a análise era
focada no longo prazo, e nesse horizonte de tempo o emprego é determinado por políticas
macroeconômicas e instituições do mercado de trabalho, e não por políticas comerciais. Desta
forma, o comércio internacional afeta os trabalhadores apenas como consumidores nesses
modelos, através dos efeitos em seus salários reais.

Por exemplo, um modelo Ricardiano típico considera apenas um fator de produção, o


trabalho. Como o comércio internacional leva ao aumento de eficiência, todos os trabalhadores
se beneficiam através do aumento do salário real. No modelo Heckscher-Ohlin, com dois
fatores de produção, trabalho e capital, os trabalhadores beneficiados são aqueles que vivem
em países com abundância de mão-de-obra. Mesmo assim, o desemprego está ausente, com
todos os ajustes de curto-prazo ocorrendo através de mudanças nos preços dos fatores de
produção.

Para caracterizar os mecanismos que estão por trás dos efeitos do comércio internacional
sobre o mercado de trabalho, é preciso invocar algum tipo de fricção ou falha no mercado.
Naturalmente, as fricções e as falhas de mercado estão presentes em todas as economias,
incluindo a brasileira. Contudo, determinar a importância relativa das mesmas em conjunto com
um processo de abertura comercial é tarefa laboriosa.

Apesar da literatura em comércio internacional tradicionalmente ignorar muitos


aspectos cruciais para o mercado de trabalho, existem algumas exceções. Felizmente, tais
exceções estão se tornando mais comuns, e estamos testemunhando atualmente a formação de
um novo conjunto de estudos focados nos efeitos de processos de abertura comercial sobre o

112
mercado de trabalho. Nessa seção do relatório, descreveremos brevemente alguns dos
mecanismos teóricos pelos quais os mercados de trabalho podem ser afetados por políticas
comerciais.

5.1.1. Fricções na Busca por Emprego

Na economia do trabalho, uma forma de estudar o desemprego involuntário é


modelando as fricções existentes no mercado de trabalho. Isto significa que firmas querem
contratar e trabalhadores desempregados querem trabalhar, mas os dois agentes não se
encontram instantaneamente. Em outras palavras, informação incompleta sobre oportunidades
de trabalho por um lado, e sobre a disponibilidade de trabalhadores por outro, leva os agentes
a gastarem tempo e recursos para se encontrarem. Embora o estudo dessas fricções seja comum
na economia do trabalho, apenas recentemente elas começaram a ser introduzidas com mais
destaque em modelos de comércio internacional.

A principal exceção é uma série de estudos conduzidos por Carl Davidson, Steven
Matusz e demais coautores. Davidson, Martin e Matusz (1988) foram os primeiros a introduzir
fricções no mercado de trabalho em modelos de equilíbrio geral de comércio internacional. No
modelo, há dois fatores de produção e dois setores, e um destes apresenta fricções. O principal
objetivo é estudar como tais fricções afetam o equilíbrio de um modelo tradicional. Os autores
mostram que fricções podem levar a profundas mudanças nos efeitos distributivos gerados por
comércio internacional. Mais precisamente, quando o setor com fricções é um setor
relativamente pequeno e é o setor importador, a curva de oferta relativa pode ser negativamente
inclinada. E nesse caso a relação de Stolper-Samuelson (ou seja, a visão de que a liberalização
comercial beneficia o fator de produção usado intensivamente no setor exportador) fica
invertida. Assim, uma diminuição em tarifas de importação num setor relativamente pequeno
que apresenta fricções no mercado de trabalho leva a um aumento do salário real no setor
protegido. O desemprego também pode crescer, dependendo da magnitude de dois efeitos
contrários – os dois setores passam a ser mais assimétricos, o que aumenta o desemprego na
economia, mas o setor importador sujeito às fricções diminui em tamanho, diminuindo o
desemprego agregado.

Davidson, Martin e Matusz (1999) usam a análise anterior como base para avaliar como
fricções no mercado de trabalho afetam alguns resultados teóricos tradicionais da literatura de
comércio internacional. Sua principal conclusão é que os determinantes de vantagens

113
comparativas Ricardianas devem passar a incluir também alguns aspectos do mercado de
trabalho, como a duração do tempo no emprego. Intuitivamente, se a duração de um posto de
trabalho é mais alta (ou a duração do tempo desempregado é mais baixa) em um determinado
setor/país, salários neste setor/país poderiam ser mais baixos já que melhores condições de
emprego já funcionariam como fonte de atração para os trabalhadores.

Davidson et al. (1999) também mostram que existe uma versão estendida do teorema de
Stolper-Samuelson aplicada a um ambiente com fricções, descrevendo como o comércio
internacional afeta os trabalhadores desempregados. No entanto, em tal ambiente, o teorema
não se aplica diretamente a trabalhadores empregados. Neste caso, os efeitos Stolper-
Samuelson e Ricardo-Viner operam simultaneamente. Nas indústrias em que a rotatividade é
baixa, os retornos dos trabalhadores empregados tendem a ter um componente altamente
específico da indústria. Mas em indústrias em que a rotatividade é alta (ou seja, trabalhadores
têm pouca conexão com a indústria em questão), os efeitos Stolper-Samuelson explicam a maior
parte dos impactos sobre os salários.

O efeito do comércio internacional sobre o desemprego depende das características da


economia do país. Por exemplo, quando um grande país com relativa abundância de capital
começa a comercializar com um pequeno país abundante em mão-de-obra, e o grande país tem
vantagens comparativas no setor com custos de busca, que se expande com a liberalização
comercial, os trabalhadores desempregados sofrem perdas de bem-estar e o desemprego
agregado aumenta no país grande. No entanto, o contrário é verdade se o país grande tem
vantagem comparativa no setor que não tem custos de busca. Em outras palavras, em geral, o
desemprego pode subir ou descer após a liberalização do comércio, e qualquer que seja esse
efeito, ele tende a se prolongar no longo prazo.

Assim, uma vez que as fricções no mercado de trabalho variam tanto entre países como
entre setores dentro de um mesmo país, é quase inevitável que o comércio internacional, ao
transferir recursos entre setores e entre países, afetará o desemprego agregado, tanto no curto
como no longo prazo. Por exemplo, o desemprego aumentaria se a liberalização do comércio
induzisse os recursos a mudar de setores com baixas fricções para setores com altas fricções no
mercado de trabalho. Porém, o desemprego diminuiria após a liberalização comercial sob o
cenário alternativo. Contudo, enquanto modelos teóricos não podem dar uma resposta definitiva
à questão de quão grande é o impacto do comércio internacional sobre o desemprego, os
resultados de Ahsan, Hasan, Mitra e Ranjan (2014) indicam que ele tende a ser pequeno. Hasan
et al. estudam a relação entre taxas de desemprego e proteção comercial usando dados do grande

114
episódio de liberalização comercial na Índia durante a década de 1990. Eles encontram um
pequeno efeito sobre o desemprego, embora também encontrem que o desemprego diminui em
estados com mercados de trabalho mais flexíveis, nos estados com indústrias exportadoras
dominantes, e nas áreas urbanas

Mais recentemente, vários artigos incorporaram o mercado de trabalho de forma mais


proeminente nos modelos de comércio internacional. A maior parte dessas novas análises usa
uma estrutura que segue a abordagem iniciada por Melitz (2003), modelando como empresas
heterogêneas em termos de produtividade decidem se devem ou não entrar em mercados
estrangeiros. Neste arcabouço, o fato de que firmas exportadoras têm de pagar um custo
afundado para acessar mercados estrangeiros implica que estas serão mais produtivas do que as
empresas não-exportadoras. Isso significa, por sua vez, que os exportadores pagam salários
mais altos, desde que haja participação nos lucros dentro da empresa, ou seleção baseada em
características não observáveis através de processos de seleção. O resultado de que os
exportadores pagam salários mais altos já foi documentado em diversos estudos empíricos (ver
Bernard, Jensen, Redding e Schott, 2007, por exemplo). As mais proeminentes análises dentre
os estudos recentes são as de Helpman e Itskhoki (2010), Helpman, Itskhoki e Redding (2010),
e Felbermayr, Prat e Schmerer (2011). Esses autores adotam e ampliam a ideia de incorporar
fricções do mercado de trabalho em modelos de comércio internacional, como os de Davidson
et al. (1988, 1999), para contextos onde as empresas são heterogêneas em seus níveis de
produtividade.

5.1.2. Salário-eficiência

Uma implicação de alguns dos mecanismos discutidos anteriormente é que


trabalhadores igualmente habilidosos podem ganhar salários diferentes se trabalharem em
firmas distintas. Uma fonte importante dessa diferença salarial é a impossibilidade de as firmas
observarem o esforço e a dedicação do trabalhador em seu emprego, ou pelo menos sem
incorrerem em consideráveis custos para realizar este monitoramento. Isso abre a possibilidade
para o que se chama de “salário-eficiência”: as empresas têm incentivos para pagar salários
acima do equilíbrio de mercado. Isso gera simultaneamente remunerações extras para os
trabalhadores empregados e desemprego involuntário na economia. E é este medo de ficar
desempregado que induz os trabalhadores a se esforçarem em seus postos de trabalho.

115
Davis e Harrigan (2011) desenvolvem um modelo em que firmas diferem não somente
em seus níveis de produtividade como em Melitz (2003), mas também em seus custos de
monitoramento: empresas detectam a ociosidade de seus trabalhadores de forma heterogênea.
Isso leva salários a variarem entre as diferentes firmas, mesmo que os trabalhadores sejam
idênticos. Consequentemente, em equilíbrio existem “bons empregos”, que são oferecidos por
empresas com altos custos de monitoramento (e que por isso precisam prover mais incentivos
para seus trabalhadores se esforçarem) e “empregos ruins”, que são oferecidos por firmas com
baixos custos de monitoramento que induzem esforços por parte de seus funcionários através
de simples fiscalização. Claramente, para os trabalhadores a perda é maior caso sejam demitidos
de um “bom emprego”.

No contexto do modelo de Davis e Harrigan (2011), a abertura do país para o comércio


internacional afeta o nível médio das distorções salariais, e consequentemente o nível de
desemprego. O efeito, no entanto, é ambíguo e depende da distribuição conjunta dos parâmetros
que determinam as produtividades das firmas e suas respectivas capacidades de monitoramento.
Além disso, os autores apontam que para valores razoáveis desses parâmetros, em geral o
comércio internacional tem impacto mínimo na taxa de desemprego da economia.

Por outro lado, a liberalização tem consequências explícitas e importantes para a taxa
de rotatividade, incluindo a distribuição de “bons empregos” e “empregos ruins”. Fixando-se a
média da distorção salarial (e, portanto, o emprego agregado), a abertura comercial leva à saída
de algumas firmas do mercado, à contração de outras e ao crescimento das restantes (aquelas
mais envolvidas no setor exportador). O que determina o destino de uma empresa é seu custo
marginal (quanto mais alto, maior a probabilidade de saída ou contração da firma). Se um
trabalhador mantém seu emprego, seu salário nominal não muda. Isso é o que ocorre com todos
os que trabalham nas firmas que expandem. Por outro lado, todos são obviamente demitidos
em caso de saída da firma do mercado, enquanto os trabalhadores empregados nas firmas que
contraem apresentam probabilidade positiva de demissão.

A maneira mais esclarecedora de analisar esses resultados é “fixando-se” a


produtividade da empresa. Para um determinado nível de produtividade, as empresas que têm
custos marginais mais altos são aquelas com maiores custos de monitoramento. Estas são as
empresas que são mais susceptíveis a saírem do mercado (ou diminuir de tamanho) após a
liberalização comercial. Mas estas são precisamente as empresas que oferecem "bons
empregos", uma vez que precisam pagar altos salários para incentivar o maior esforço do
trabalhador. Por outro lado, para uma dada produtividade, as empresas com baixo custo

116
marginal (baixo custo de monitoramento) se expandem após a liberalização comercial, e são
estas que oferecem empregos relativamente "ruins".

Assim, fixando-se a produtividade, a liberalização comercial levaria à criação de


“empregos ruins” e à eliminação dos “bons empregos”. Embora seja verdade que a liberalização
do comércio possa destruir os melhores postos de trabalho condicional a algum nível de
produtividade, vale lembrar que as empresas mais produtivas são as que se expandem com a
abertura comercial, e, portanto, é possível que o salário médio da economia aumente com a
liberalização. Além disso, o comércio traz mais variedade e menor nível agregado de preços,
aumentando a renda real média dos trabalhadores. E ainda, de acordo com o modelo de Davis
e Harrigan, a existência de "bons empregos" decorre de uma ineficiência na economia, algo que
diminui a renda agregada. A falha de mercado neste contexto é a incerteza sobre o nível de
esforço empregado por um trabalhador em suas tarefas; a ineficiência associada a esta falha no
mercado é maior quanto mais empresas com altos custos de monitoramento há na economia.

Usando simulações, Davis e Harrigan (2011) encontram que 15% dos "bons empregos"
e 19% dos "empregos ruins" são destruídos quando a economia passa de uma autarquia para o
livre comércio. Juntamente com uma diminuição no índice de preços, essas mudanças implicam
numa melhoria significativa no bem-estar médio dos trabalhadores. No entanto, há também um
efeito distributivo importante, com realocação substancial das rendas do trabalho entre os
empregados.

5.1.3. Custos de Ajustamento

Um aspecto importante do mercado de trabalho é que os fluxos brutos inter-setoriais de


trabalhadores são significativamente maiores do que os fluxos líquidos. Nos dados disponíveis
para os Estados Unidos, por exemplo, o fluxo bruto é cerca de uma ordem de grandeza maior
do que o fluxo líquido. Em outras palavras, é provável que um grande número de trabalhadores
se mova em direções opostas entre dois setores em um dado instante do tempo. Este aspecto é
importante para estudar o custo associado ao período de ajuste em direção a um novo equilíbrio
após um choque comercial. Em modelos que levam em consideração custos de ajustamento, a
realocação de trabalhadores após a liberalização do comércio é gradual porque leva tempo para
que os trabalhadores encontrem empregos nos setores em expansão.

117
Surpreendentemente, tal aspecto é bastante negligenciado pelos modelos de comércio
internacional. Há poucos artigos que analisam os custos de ajustamento para um novo equilíbrio
da economia após um choque comercial levando em consideração as diferenças entre fluxos
brutos e líquidos de mão-de-obra. Exceções importantes são os artigos de John McLaren e
coautores, onde o elemento central na análise é o reconhecimento de que estes fluxos diferem
significativamente. Como observam Artuç, Chaudhuri e McLaren (2010), a principal
implicação da discrepância entre os fluxos brutos e líquidos de trabalhadores é que os motivos
idiossincráticos para os trabalhadores mudarem de indústrias devem ser maiores do que suas
motivações relacionadas às características dos mercados. Como resultado, é possível que o
bem-estar e os salários dos trabalhadores em cada indústria se movam em direções opostas após
um choque comercial.

O modelo utilizado por Artuç et al. (2010) assume pleno emprego, ou seja, não se destina
a explicar o desemprego. A sua principal inovação é a introdução de custos (que variam com o
tempo) para os trabalhadores mudarem de indústrias: em cada período, um trabalhador pode
escolher passar de sua indústria atual para outra, mas deve pagar um custo para fazê-lo. O custo
tem um componente constante e um componente idiossincrático. O primeiro não varia ao longo
do tempo e é comum para todos os trabalhadores, enquanto o último varia com o tempo e é
específico do indivíduo, refletindo os possíveis motivos não relacionados à diferença entre
salários de cada setor para que os trabalhadores mudem de emprego.

Artuç et al. (2010) simulam seu modelo usando dados dos EUA e observam que tanto a
média quanto o desvio padrão dos custos de mudança dos trabalhadores entre setores são muito
grandes. Isso implica que, embora os trabalhadores americanos mudem de indústria com
frequência, esses movimentos não são motivados por diferenças de salários entre setores. Tais
movimentos refletem principalmente choques idiossincráticos. Isso tem duas implicações
relevantes para o impacto de choques de comércio sobre o mercado de trabalho. Primeiro, o
mercado de trabalho ajusta-se lentamente após um choque comercial. Nas simulações de Artuç
et al. (2010), a economia pode precisar de quase uma década para alcançar seu novo equilíbrio.
Em segundo lugar, a liberalização comercial aumenta salários em alguns setores, mas também
produz quedas acentuadas e persistentes de salários nos setores que concorrem com produtos
importados. Ainda assim, isso não significa que os trabalhadores dos setores que estão
contraindo perdem com a abertura comercial. Devido à sua elevada mobilidade (associada ao
alto componente idiossincrático dos custos de mudança entre setores), a simples possibilidade
(futura) destes trabalhadores se moverem para setores da economia que se beneficiaram com a

118
liberalização comercial aumenta o bem-estar dos trabalhadores, e esse efeito pode prevalecer
sobre o efeito negativo decorrente de salários mais baixos nesses setores.

De um modo geral, a principal mensagem da análise de Artuç et al. (2010) é que, para
os trabalhadores que enfrentam custos de mudança idiossincráticos relativamente baixos, a
liberalização do comércio provavelmente será uma benção. Por outro lado, para os
trabalhadores com custos de movimentação idiossincráticos relativamente elevados, a
liberalização do comércio será benéfica somente se eles estiverem nos setores "certos" (isto é,
voltados para a exportação). A análise de Artuç et al. (2010) também destaca como diferentes
tipos de liberalização comercial podem ter impactos distintos no mercado de trabalho de um
país. Em particular, os autores mostram que anunciar previamente a abertura comercial tende a
reduzir os potenciais custos para os trabalhadores dos setores importadores e os potenciais
ganhos para os trabalhadores dos setores exportadores. A razão para isso é que um aviso prévio
induz uma mudança antecipada de trabalhadores dos setores afetados negativamente para os
setores beneficiados, aumentando o nível salarial no primeiro tipo de setor e aumentando os
salários no segundo antes mesmo que a liberalização ocorra.

Davidson e Matusz (2002) também modelam explicitamente os custos de ajustamento


dos trabalhadores que mudam de setor. Os autores consideram um modelo de equilíbrio geral
de comércio internacional incluindo a rotatividade de trabalhadores na economia.
Trabalhadores diferem em habilidade, e diferentes empregos exigem diferentes níveis de
qualificação. Trabalhadores escolhem vagas maximizando sua renda esperada ao longo da vida.
Eles alternam entre períodos de emprego, desemprego e treinamento, com a duração de cada
período determinada pelas taxas de rotatividade de trabalhadores em cada setor. O principal
aspecto desse modelo é o detalhamento explícito dos processos de treinamento e procura por
emprego, permitindo aos autores contabilizarem os custos dessas fricções. O objetivo de
Davidson e Matusz é estimar o tamanho e o escopo desses custos quando associados a uma
política comercial. Mesmo considerando hipóteses otimistas sobre o tempo e recursos
dispendidos em atividades de retreinamento, eles apontam que os custos de ajustamento são
consideráveis e podem corresponder de 30% a 90% dos benefícios de longo prazo oriundos da
liberalização comercial.

Davidson e Matusz (2000) fazem uma análise semelhante. Eles mostram que os países
que mais aproveitam os potenciais ganhos trazidos pela liberalização comercial são aqueles
com mercados de trabalho mais flexíveis. Em resumo, o impacto de políticas comerciais numa
economia depende profundamente da estrutura do seu mercado de trabalho.

119
5.2. Integração Comercial e o Mercado de Trabalho Brasileiro

5.2.1. Liberalização Comercial Brasileira

Até o final dos anos 1980, a política comercial Brasileira era orientada por uma política
de substituição de importações. Isso significava que diversas barreiras tarifárias e não-tarifárias
protegiam as firmas nacionais da competição externa, como aponta Abreu (2004). Além disso,
uma fração relevante de produtos era simplesmente proibida de entrar no território nacional.
Vislumbrando a falta de sustentabilidade de tais políticas no longo prazo, o governo Brasileiro
implementou uma primeira série de reformas em junho de 1988, removendo barreiras não-
tarifárias e reduzindo o nível das tarifas. Entretanto, esta primeira reforma implicou apenas
numa pequena redução da proteção efetiva concedida às firmas nacionais, uma vez que ainda
vigorava no Brasil um sistema aduaneiro especial. Este sistema concedia acesso preferencial a
alguns tipos de produtos e o corte nas tarifas procurou apenas eliminar parte da redundância
tarifária na época (Kovak, 2013).

Em março de 1990, uma reforma mais profunda foi implementada. O governo aboliu as
barreiras não-tarifárias que entendeu serem mais relevantes (incluindo uma redução substancial
na lista de produtos suspensos e o fim da maioria dos regimes aduaneiros especiais). Além
disso, as tarifas foram reduzidas em fases entre 1991 e 1994, observando-se uma redução tanto
na média quanto na dispersão das mesmas. Como mostra Kovak (2013) em sua análise
reproduzida aqui na Figura 5.4, a tarifa média no Brasil era aproximadamente igual a 55% em
1987 e possuía grande dispersão entre as indústrias, variando de 16% até mais de 100%. Além
disso, a figura mostra que as mudanças tarifárias foram negativamente correlacionadas com os
níveis tarifários pré-liberalização, ou seja, em média as tarifas caíram mais fortemente nos
setores que eram mais protegidos.

Neste contexto, Kovak (2013) busca entender como o processo de liberalização


comercial afetou os trabalhadores Brasileiros. Baseado nas diferentes configurações industriais
de cada micro-região do Brasil, ele verifica como os trabalhadores nas diversas micro-regiões
foram afetados por diferentes cortes de tarifas. Ele conclui que trabalhadores inicialmente
empregados em regiões que sofreram com maiores cortes tarifários médios foram mais
negativamente afetados em termos relativos, ou seja, um trabalhador numa região que observou
um corte médio nas tarifas de 10 pontos percentuais viu seu salário aumentar 4 pontos
percentuais menos quando comparado a trabalhadores em regiões menos afetadas.

120
Figura 5.4: Relação entre tarifas pré-liberalização e mudanças nas tarifas no Brasil.

Fonte: Kovak (2013)

Dix-Carneiro e Kovak (2017) analisam a evolução do processo de liberalização


comercial Brasileiro. Seus resultados mostram prolongadas quedas na fração de trabalhadores
formais e no salário real médio das regiões que sofreram com maiores cortes tarifários
(relativamente a outras regiões). E surpreendentemente, eles também mostram que os efeitos
de longo prazo (20 anos após a liberalização) sobre a renda nas regiões afetadas são três vezes
maiores que os efeitos de médio prazo (10 anos após a liberalização), ou seja, disparidades
regionais oriundas do choque ficam mais fortes com o passar do tempo. Entretanto, cabe
ressaltar que os artigos de Kovak (2013) e Dix-Carneiro e Kovak (2017) falam apenas dos
efeitos relativos entre regiões e trabalhadores, respectivamente. Nenhum deles consegue
mensurar qual foi o impacto líquido do choque comercial no Brasil. Além disso, não levam em
consideração nenhum dos potenciais efeitos positivos de um choque comercial como, por
exemplo, a expansão de setores exportadores.

Já Paz (2014) estuda não somente como a redução das tarifas de importação Brasileiras
afetaram o mercado de trabalho local, mas também os impactos gerados pela redução das tarifas
impostas aos produtos Brasileiros por outros países (reduções estas não diretamente ligadas à
reforma comercial Brasileira), ou seja, leva em consideração alguns dos aspectos positivos de
uma maior abertura comercial. Ele analisa como essa maior integração comercial modificou a

121
taxa de informalidade do mercado de trabalho Brasileiro, assim como o salário médio dos
trabalhadores formais e informais. Paz argumenta que o Brasil atravessou uma fase de
liberalização nos anos 1990 sem que ocorressem ao mesmo tempo reformas trabalhistas, como
aconteceu no Chile, por exemplo, o que lhe permite encontrar efeitos “mais limpos”
relacionados somente a políticas comerciais.

Paz encontra que uma redução de um ponto percentual nas tarifas de importação
Brasileiras aumentou em 0.129 pontos percentuais a fração de trabalhadores informais, além de
aumentar os salários dos trabalhadores informais (em aproximadamente 0.06%) e diminuir os
salários no setor formal (em aproximadamente 0.05%). Entretanto, uma redução de mesma
magnitude nas tarifas impostas aos produtos Brasileiros no exterior reduziu a fração de
trabalhadores informais em 0.151 pontos percentuais, aumentou o salário dos trabalhadores
formais (em aproximadamente 0.32%) e diminuiu o salário no setor informal (0.34%). Isto
mostra que há perdedores e ganhadores em processos de integração comercial. Além disso, o
autor argumenta que o efeito líquido médio sobre os trabalhadores nos setores formal e informal
resulta num aumento do gap salarial formal-informal (lembrando que em média o salário real é
maior no setor formal).

5.2.2. Crescimento da China

A ascensão da China é um dos eventos mais importantes da economia mundial nas


últimas décadas. Seu crescimento econômico vertiginoso teve enormes implicações dentro do
próprio país, tirando da pobreza milhões de cidadãos chineses. Entretanto, diversos economistas
já documentaram que a competição gerada pela expansão industrial de um determinado país
pode afetar consideravelmente os trabalhadores no setor de manufaturas em outros países.
Considerando o espetacular crescimento da China nas últimas décadas, Autor, Dorn e Hanson
(2013) documentam que o número de empregos diminuiu mais rapidamente em áreas dos
Estados Unidos que produziam bens que passaram a ser importados da China. Efeito semelhante
também foi observado em países da Europa. Por exemplo, Pessoa (2018b) mostra que
trabalhadores do Reino Unido inicialmente empregados em indústrias que competem com
produtos chineses ganharam menos e ficaram mais tempo desempregados no início dos anos
2000. Mais uma vez, ambos os artigos consideram apenas efeitos relativos (entre trabalhadores
e/ou setores) e estudam apenas aspectos negativos da maior integração comercial Chinesa.

122
Entretanto, uma maior integração comercial de um certo país também pode ser uma boa
oportunidade para o crescimento de determinados setores da economia de outros países. A
própria China além de ser uma grande competidora para países industrializados também se
tornou uma voraz compradora de produtos produzidos mundo afora. Em particular, o apetite do
rápido crescimento chinês alimentou o boom mundial de commodities no início da década
passada.

Isto teve um grande impacto em países emergentes cujas pautas de exportações para a
China passaram a ser dominadas por matérias-primas, como bens agrícolas, minérios e petróleo.
As exportações de países de baixa e média renda para a China cresceram doze vezes entre 1995
e 2010. Em comparação, suas exportações para todos os outros países dobraram no mesmo
período. A China, então, se tornou um parceiro comercial crucial para o mundo em
desenvolvimento.

Em 1995, commodities representavam apenas 20% das modestas exportações desses


países para a China. Já em 2010, commodities representavam cerca de 70% das exportações
dos países em desenvolvimentos para a China. Enquanto isso, as crescentes importações desses
países de produtos chineses consistiam quase inteiramente em produtos manufaturados.

Naturalmente, o espantoso crescimento Chinês e a maior integração da China ao


comércio mundial geraram impactos no Brasil. Costa, Garred e Pessoa (2016) usaram o Censo
Demográfico brasileiro de 2000 e 2010 para investigar como a situação dos trabalhadores em
diferentes regiões e indústrias no Brasil evoluiu durante o boom de comércio com a China.

O caso Brasileiro não foi uma exceção e a evolução comercial do Brasil com a China
nos anos 2000 seguiu o padrão dos demais países não-desenvolvidos. Em primeiro lugar, o
comércio bilateral entre os dois países explodiu: a China era o destino de apenas 2% das
exportações Brasileiras em 1995 e esse número subiu para 15% em 2010. Em segundo lugar, a
pauta de exportações para a China foi se concentrando em poucas commodities (Erro! Fonte
de referência não encontrada.A). Em 2010, mais de 80% das exportações brasileiras para a
China eram majoritariamente soja e minério de ferro. Entre 2000 e 2010, praticamente todo o
crescimento na demanda por soja e minério brasileiro veio da China. Por fim, da mesma forma
como o resto dos países em desenvolvimento, as importações brasileiras da China cresceram
rápido e quase exclusivamente de bens industrializados (Erro! Fonte de referência não
encontrada.B).

123
Assim como em alguns países desenvolvidos, Costa, Garred e Pessoa (2016)
verificaram que durante esse período a competição das importações chinesas afetaram
negativamente os trabalhadores da indústria. Nas regiões do Brasil que produziam bens
manufaturados que vieram a ser importados da China (por exemplo, eletrônicos), o salário na
indústria cresceu sistematicamente abaixo das demais regiões entre 2000 e 2010. O salário na
indústria em uma região, entre as 20% mais afetadas pela competição chinesa, cresceu 0.8
pontos percentuais abaixo do salário na indústria em uma outra região entre as 20% menos
afetadas pelas importações chinesas.

Figura 5.5: Fração de commodities no comércio do Brasil

Notas: ‘Commodities’ incluem produtos agrícolas, florestais, pesca, setores mineradores e


petróleo. Dados de comércio de CEPII BACI. Fonte: Costa, Garred e Pessoa (2016)

Entretanto, os autores do trabalho também confirmaram que algumas regiões e setores


no Brasil ganharam com o crescimento do comércio com a China. Os salários cresceram
124
relativamente mais nas regiões que se beneficiaram do crescimento da demanda chinesa,
principalmente regiões produzindo soja e minério de ferro. O salário médio em uma região entre
as 20% mais beneficiadas pela demanda chinesa cresceu 0.9 pontos percentuais acima do salário
médio em uma região entre as 20% menos afetadas pelas exportações para a China.

Eles também verificaram que a fração de trabalhadores em empregos formais cresceu


mais nas regiões mais expostas ao crescimento da demanda chinesa. Diferentemente de
empregos no setor informal, obviamente, um trabalhador formal tem acesso a seguro
desemprego, licença médica remunerada e outros benefícios. Dessa forma, esse crescimento
em formalização pode ser interpretado como um aumento na compensação não-salarial desses
trabalhadores.

5.3. Efeito Líquido na Economia

Apesar dos estudos sobre o Brasil apresentados até aqui considerarem os efeitos do
comércio internacional sobre o nosso mercado de trabalho, nenhum deles mede o efeito líquido
de uma expansão comercial brasileira levando em consideração tais efeitos. Em outras palavras,
será que o crescimento chinês das últimas décadas e a liberalização comercial ocorrida na
década de 1990 aumentaram o bem-estar social no Brasil mesmo levando-se em consideração
eventuais custos de ajustamento? Para se mensurar tais efeitos, é necessário o uso de
sofisticados modelos econômicos de comércio internacional que considerem imperfeições no
mercado de trabalho. E felizmente, a fronteira da literatura de comércio internacional vem
incorporando tais imperfeições para quantificar os ganhos de comércio de forma mais precisa.

Por exemplo, Dix-Carneiro (2014) usa dados Brasileiros (RAIS) para estudar um
choque de comércio em um modelo com fricções de mobilidade entre setores e trabalhadores
heterogêneos. Apesar dos custos de ajustamento, o autor conclui que o bem-estar social
aumenta em média no Brasil. Ele também encontra que: (i) os custos (medianos) de mobilidade
são altos, variando entre 1.4 e 2.7 vezes o salário médio anual dos trabalhadores; (ii) a duração
do período de transição para o novo equilíbrio depende de hipóteses sobre a mobilidade de
capital físico da economia, podendo durar entre 9 e 30 anos (para perfeita mobilidade ou
imobilidade, respectivamente); (iii) custos de ajustamento podem corresponder de 11% a 26%
dos potenciais ganhos advindos da liberalização, dependendo novamente do grau de mobilidade
do capital físico; (iv) os custos da readequação ao novo equilíbrio dependem das características
observáveis e não observáveis dos trabalhadores – mulheres, pessoas mais velhas ou com pouca

125
educação, e aqueles que trabalham em setores industriais de alta tecnologia tendem a ter os
maiores custos de mobilidade entre setores; (v) um subsídio variável condicional ao tamanho
dos custos de realocação dos trabalhadores pode funcionar como uma melhor política de
compensação para os “perdedores” da liberalização do que programas de treinamento.

Caliendo, Dvorkin e Parro (2017) introduzem custos de mobilidade entre setores em um


modelo de comércio com múltiplos países e regiões e conexões insumo-produto. Eles estudam
como o recente crescimento chinês afetou diversos países ao redor do mundo, focando no efeito
sobre os Estados Unidos. Os autores encontram substancial heterogeneidade nos efeitos sobre
as regiões dentro dos Estados Unidos (dependendo de suas composições setoriais), mas
concluem que os Estados Unidos ganham como um todo (em termos de bem-estar). Além disso,
os autores mostram que o Brasil também se beneficia moderadamente: há um aumento de
aproximadamente 0.2% no bem-estar do trabalhador Brasileiro médio.

Já Pessoa (2018a) introduz não apenas fricções de mobilidade entre setores, mas
também fricções de busca por emprego, ou seja, em seu modelo trabalhadores podem ficar
involuntariamente desempregados. O autor analisa como o crescimento da China afetou outras
economias ao redor do mundo. Apesar das fricções no mercado de trabalho, o autor encontra
que todos os países se beneficiaram da expansão chinesa, seja pelo acesso a produtos mais
baratos ou pela possibilidade de exportar mais para China.

E em análises adicionais utilizando o modelo econômico de Pessoa (2018a), podemos


verificar que o Brasil também se beneficiou de tal choque, obtendo um ganho de bem-estar de
aproximadamente 1.3%. Este ganho, no entanto, é heterogêneo. Por exemplo, os trabalhadores
na agricultura têm os maiores ganhos em termos de salário real, enquanto trabalhadores em
setores de manufatura de alta tecnologia obtêm os menores (e até leves perdas durante o período
de transição).

Artuç, Lederman e Rojas (2015) analisam o impacto do crescimento chinês no mercado


de trabalho do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. De modo similar a
Costa, Garred e Pessoa (2016), Artuç e coautores tratam o crescimento da China como um
choque positivo para os produtores de commodities (setores de mineração agricultura) devido
à alta demanda criada pela China nesse período, e como um choque negativo para o setor
manufatureiro/industrial dos países latino americanos, já que tais setores passaram a competir
com produtos importados chineses.

126
Artuç, Lederman e Rojas atribuem índices de vulnerabilidade e oportunidade para cada
país a fim de medir o tamanho do choque gerado pela entrada da China no mercado mundial.
Eles encontram fortes efeitos negativos nos setores manufatureiros no Haiti, Honduras e
México, efeitos positivos nos setores agrários voltados para a exportação no Paraguai,
Argentina, Brasil, Guiana, e Uruguai, e efeitos positivos nos setores de mineração no Brasil,
Chile, Honduras e Peru.

Os autores fazem uma análise mais detalhada para Brasil, Argentina e México. Eles
utilizam um modelo econômico similar ao de Artuç, Chaudhuri e McLaren (2010), mas levando
em consideração que há trabalhadores formais e informais no mercado de trabalho dos países
em questão. Com este modelo, os autores conseguem estimar os custos de mobilidade dos
trabalhadores de um emprego/setor/carreira para outro, incluindo os custos associados às
transições entre os setores formal e informal. Tais estimativas lhes permitem avaliar como o
equilíbrio no mercado de trabalho dos três países é reajustado após o crescimento chinês. De
forma geral, foi encontrado que o maior custo enfrentado pelo trabalhador ocorre quando ele
muda de setor e decide se formalizar, enquanto o menor custo ocorre quando, permanecendo
num mesmo setor, o trabalhador passa a ser informal. Em geral, os custos são menores quando
um empregado permanece no mesmo setor.

Tais custos de mobilidade são altos e limitam o número de trabalhadores absorvidos


pelos setores exportadores durante as transições das três economias após o choque comercial
chinês. E como as firmas que se expandem em geral estão no setor formal, os custos também
limitam a redução da informalidade, algo que traria benefícios adicionais. Ainda assim, para
Brasil e Argentina, Artuç, Lederman e Rojas concluem que os choques positivos na agricultara
e na mineração superaram os negativos na indústria, mantendo o nível de emprego e salários
estáveis no longo prazo.48

Em resumo, podemos ver que diversos estudos na fronteira da literatura mostram que
uma maior integração comercial tende a beneficiar os países envolvidos, especialmente para o
Brasil, mesmo levando em consideração os custos de ajustamento enfrentados pelos
trabalhadores. Esta é uma mensagem importante que deve ser considerada seriamente pelos
delineadores de políticas econômicas. Entretanto, podem existir formas de se diminuir as perdas
enfrentadas pelos trabalhadores, como veremos em seguida.

48Já no México, a magnitude do choque negativo na indústria foi muito elevada para ser compensada por
qualquer choque positivo, levando à redução do emprego e dos salários no longo prazo.

127
5.4. Diretrizes para a Redução dos Custos de Ajustamento

Conforme mostramos anteriormente, custos de ajustamento no mercado de trabalho são


um importante componente na determinação de ganhos de bem-estar decorrentes de episódios
de integração comercial. Se por um lado a pura existência de tais custos não impede que um
país se beneficie de uma maior abertura, certamente os ganhos seriam ainda maiores caso os
custos fossem menores ou inexistentes. De forma geral, uma maior mobilidade de trabalhadores
entre regiões, setores e firmas da economia tornaria mais fácil a apropriação de ganhos
decorrentes de processos de abertura comercial.

Nesta parte do trabalho, começaremos analisando um programa implementado nos


Estados Unidos que tinha entre os seus objetivos diminuir parcialmente tais custos de
ajustamento. Baseado nas conclusões dos artigos que avaliaram o programa americano e nos
estudos apresentados anteriormente, proporemos algumas diretrizes de políticas que busquem
diminuir os custos de ajustamento no mercado de trabalho decorrentes de processos de abertura
comercial no Brasil.

5.4.1. O Caso Americano: Trade Adjustment Assistance

Experiências internacionais mostram que programas focados na compensação de


trabalhadores (e firmas) prejudicados por processos de abertura comercial têm eficácia
duvidosa. Um exemplo é o Trade Adjustment Assistance (TAA), que foi implementado
inicialmente pelo governo americano em 1962 com o objetivo de garantir o apoio dos
trabalhadores na rodada Kennedy de negociações multilaterais de comércio.

O TAA visa promover: (i) a compensação dos trabalhadores afetados pela abertura
comercial; (ii) o subsequente ajuste de mercado; (iii) o ambiente necessário para expansão do
comércio. O programa oferece desde ajuda financeira (uma espécie de seguro desemprego) até
treinamentos e benefícios de deslocamento para outras regiões. O programa se estende não só
a trabalhadores como também a empresas, porém a parte mais expressiva do mesmo se
concentra no primeiro. Desde a sua criação, o programa foi modificado diversas mudanças
foram feitas. Nos anos 80, devido aos volumosos gastos com o TAA, o governo restringiu sua
aplicabilidade. No início dos anos 2000, no entanto, o programa foi ampliado, passando a

128
abranger não só setores afetados diretamente pelo comércio como também os afetados
indiretamente. Além disso, outros benefícios foram incluídos.

Os potenciais benefícios do programa são claros: compensar trabalhadores que


perderam seus empregos e facilitar a mudança destes para outros postos de trabalho. Além
disso, ao diminuir o custo efetivo de busca por oportunidades, tal programa facilitaria o
encontro de “bons empregos” por parte dos indivíduos. Do lado dos custos, além dos gastos
diretos com o programa, é necessário avaliar se ele de fato cumpre o seu objetivo. Uma pura
compensação financeira, por exemplo, pode desestimular o trabalhador a buscar novas
oportunidades de emprego, ou seja, poderia simplesmente aumentar as fricções no mercado de
trabalho.

Naturalmente, avaliar o balanço do programa como um todo seria uma tarefa


extremamente complexa, já que envolveria medir os benefícios para os EUA de uma maior
abertura comercial com o programa e comparar este caso com um contrafactual em que o
processo de abertura ocorre sem o TAA. Isso levaria em conta potenciais ganhos estáticos e
dinâmicos oriundos do processo de abertura, assim como os benefícios (ou custos) gerados pelo
TAA ao potencialmente facilitar a realocação de trabalhadores dentro da economia.

Diante de tal complexidade, a maior parte da literatura sobre o assunto busca avaliar a
eficácia do programa em diminuir as fricções de mobilidade dos trabalhadores, assim como a
qualidade dos novos empregos encontrados por eles. Em particular, Marcal (2001) mostra que
o TAA não proporcionou maiores ganhos salariais aos indivíduos participantes. Isto quer dizer
que independentemente de ganhar a ajuda extra do TAA e/ou participar do programa de
treinamento (treinamento para recolocação profissional), os salários obtidos subsequentemente
pelos beneficiados não diferiram significativamente dos salários dos indivíduos que perderam
seus empregos e não foram ajudados pelo TAA. Em contrapartida, os que participaram do
treinamento tiveram 6% a mais de chance de encontrarem emprego.

Palatucci e Reynolds (2011) analisam uma pergunta semelhante. Eles utilizam técnicas
econométricas para criar um grupo de controle de trabalhadores que não participaram do TAA
mas possuem características semelhantes aos que participaram.49 Eles estimam que o TAA
aumentou a chance dos participantes de encontrarem novos empregos, em especial quando estes
tomam parte nos programas de treinamento. Entretanto, os novos empregos dos participantes
são de pior remuneração. Suas estimativas sugerem que os desempregados que participaram do

49 Utilizam um “propensity score matching”.

129
programa obtiveram um salário 10 pontos percentuais menor do salário dos indivíduos que não
participaram do TAA. Eles argumentam que esses resultados devem ser levados em
consideração pelos governantes. Apesar do TAA prover uma rede de proteção social para os
trabalhadores desempregados e até mitigar sentimentos protecionistas, sua eficácia é altamente
questionável.

Como sugerido pelos artigos anteriores, o treinamento parece um componente


importante na determinação da efetividade do programa. Park (2012) busca medir o quão
efetivo é o treinamento fornecido em termos de alinhamento (se o emprego conquistado após o
treinamento está em linha com o treinamento recebido) e como isso afetou os salários dos
trabalhadores. Eles encontram que o treinamento aumenta a chance do participante de encontrar
um emprego em quase 5 pontos percentuais. O autor também mostra que os trabalhadores que
obtiveram sucesso em termos de alinhamento (após aprenderem novas técnicas e
conhecimentos com o treinamento) se beneficiaram em termos gerais, sugerindo que o
treinamento é de fato parte chave do programa. Porém, muitas vezes os cursos oferecidos não
estão alinhados com a demanda do mercado, e os autores argumentam que um ajuste mais fino
nessa dimensão poderia melhorar a eficácia do TAA como um todo.

Cabe ainda ressaltar que Baicker e Rehavi (2004) questionam a existência de um


programa focado apenas em trabalhadores afetados pelo comércio internacional, argumentando
que não há uma razão clara para se direcionar benefícios a um grupo específico de
desempregados. Eles também questionam a duração do benefício, indicando que prover
benefícios pelo período considerado pelo programa (2 anos e meio na época) pode ter impacto
líquido negativo na prospecção profissional do indivíduo, mesmo quando considerados os
treinamentos realizados (necessários para extensão do benefício).

5.4.2. Diretrizes para o Brasil

Com base na literatura de comércio internacional que leva em conta fricções no mercado
de trabalho, para se diminuir parte dos custos de ajustamento no mercado de trabalho, deve-se
facilitar a mudança dos trabalhadores empregados em setores afetados negativamente para os
setores que estão crescendo. E notem que qualquer medida que aumente a fluidez do mercado
de trabalho vai ajudar nessa dimensão. Ou seja, deve-se buscar políticas que facilitem a
realocação de trabalhadores entre firmas, setores e regiões, seja esta realocação necessárias por
conta de políticas comerciais ou não. Este último aspecto é extremamente importante e

130
corrobora a ideia apresentada por Baicker e Rehavi (2004) de que programas focados em
trabalhadores afetados por políticas comerciais são questionáveis.

De forma geral, pode-se dizer que o mercado de trabalho brasileiro é pouco flexível.
Obviamente, isto dificulta a mobilidade de trabalhadores e torna mais difícil a apropriação de
ganhos decorrentes de processos de abertura comercial. Desta forma, políticas públicas que
facilitem a realocação dos trabalhadores brasileiros podem ajudar a aumentar os ganhos de bem-
estar em processos de abertura. Com base nas análises feitas para o TAA nos EUA, um
programa de requalificação de desempregados parece ser uma opção relativamente eficaz,
especialmente se as qualificações ofertadas nos treinamentos estiverem sendo demandadas por
setores em expansão.

Como sugerido por Kalout et al. (2018), no Brasil já há programas que podem ser
modificados de forma a requalificar profissionalmente os trabalhadores, e consequentemente
aumentar a mobilidade dos mesmos entre firmas, setores e/ou regiões da economia. Além de
potenciais custos financeiros menores, Kalout et al. argumentam que adaptar políticas ou
programas já existentes tem um custo político menor do que criar novas estruturas.

Os autores sugerem que reformulações no Programa Nacional de Acesso ao Ensino


Técnico e Emprego (Pronatec) cumpriria parte desse papel. Seria necessário, por exemplo,
incorporar duas (novas) variáveis ao programa. Em primeiro lugar, seria importante entender
que regiões e setores sofrerão e se beneficiarão com o choque comercial. Em segundo lugar,
seria fundamental mapear quais novas habilidades serão demandadas pela economia depois do
choque. E notem que apesar dos autores estarem analisando um choque de liberalização
comercial, as mesmas diretrizes poderiam ser aplicadas a outros tipos de choque (por exemplo,
um choque tecnológico em algum setor).

De posse das informações acima, é fundamental que o governo possibilite o acesso dos
trabalhadores ao treinamento das habilidades demandadas pelos setores em expansão. Kalout
et al. sugerem que os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) seriam uma boa
alternativa. Os cursos FIC buscam capacitação e aperfeiçoamento de habilidades de forma
rápida (3-6 meses) e desde que estejam alinhados às demandas da economia, permitiriam um
rápido retorno dos trabalhadores ao mercado. Os autores também mencionam que há
instituições de ensino capacitadas para tais ensinamentos (SENAI, SENAC, etc). Por fim,
Kalout et al. apontam que os programas devem ser alvos de avaliação contínua para verificar
se seus benefícios superam seus custos.

131
Referências:

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134
6. Experiências Internacionais
A maior parte da literatura de comércio internacional mostra que processos de
liberalização comercial geram ganhos de bem-estar para sociedade. Entretanto, processos de
liberalização são extremamente complexos, envolvendo diversos agentes com potenciais
interesses distintos. Além disso, certamente haverá perdedores e ganhadores, como mostramos
em nossa análise do impacto de aberturas comerciais sobre o mercado de trabalho.

Desta forma, um melhor entendimento de experiências de liberalização comercial


realizadas em outros países pode nos ajudar a compreender melhor os elementos essenciais para
o sucesso de uma eventual liberalização brasileira. Tais experiências poderiam nos ajudar, por
exemplo, a lidar com os perdedores, a facilitar a realocação de (alguns) recursos (como visto
em nossa análise sobre o mercado de trabalho), a maximizar os ganhos de produtividade, etc.

Nesta parte do relatório, descrevemos dois processos de liberalização de relativo


sucesso que ocorreram na américa latina. Começamos analisando o caso do Chile, que iniciou
seu processo de liberalização em meados da década de 1970. Vários acadêmicos apontam que
a liberalização foi possivelmente o principal fator por trás do crescimento econômico
considerável observado no país (principalmente a partir do início da década de 1990).
Entretanto, cabe ressaltar que a liberalização chilena foi acompanhada de diversas outras
reformas importantes, ou seja, outras políticas foram cruciais para o crescimento observado no
país. Entre os diversos benefícios decorrentes da liberalização, vale destacar o aumento de
produtividade documentado por Pavcnik (2002).

Também analisamos o processo de liberalização ocorrido no México. A liberalização


no México começou na década de 1980 e teve como seu principal episódio a ratificação do
“North American Free Trade Agreement” com os Estados Unidos e o Canadá. A liberalização
comercial mexicana também pode ser considerada um sucesso, promovendo o aumento das
exportações, do crescimento econômico e do bem-estar da população. Entretanto, a
desigualdade no país provavelmente aumentou em decorrência do processo (apesar de todas as
camadas da sociedade terem possivelmente se beneficiado). Este é um aspecto importante que
deve ser levado em consideração pelos delineadores de políticas no Brasil.

6.1. Chile

135
6.1.1. Liberalização Comercial

Desde o início da década de 1980 até o fim dos anos 2000, o Chile obteve uma
integração substancial com o resto do mundo em termos de comércio exterior. Segundo Monfort
(2008), desde a implementação de uma ambiciosa agenda de reformas em meados da década
de 1970, a taxa anual de crescimento do comércio do Chile com o restante do mundo foi de
aproximadamente 8%, mais de 2 pontos percentuais acima do segundo colocado na américa
latina, o México. Entre 1990 e 2007, taxa de abertura chilena (calculada como o volume
exportado mais o importado sobre o PIB) aumentou de 49% para 65%.50 Este (e outros efeitos
que ainda serão discutidos) podem ser vistos na Figura 6.1, que compila quatro figuras de
Monfort (2008).

Essa tendência de crescimento do comércio do Chile com o resto mundo reflete diversas
políticas comerciais relevantes para o país, incluindo uma redução substancial das tarifas. Entre
1998 e 2002, o Chile gradualmente reduziu suas tarifas de 11% para 6%. E notem que esta tarifa
é uniforme (Schiff, 2002), algo que diminui consideravelmente potenciais pressões de alguns
grupos sobre o governo.

Além disso, Monfort (2008) aponta que o Chile assinou diversos tratados comerciais, o
que levou a uma tarifa efetiva de 2% em 2007, substancialmente menor do que a tarifa nominal.
Na segunda parte da década de 1990, o Chile firmou diversos acordos, principalmente com
países vizinhos. E a partir de 2003, o Chile ratificou diversos acordos de livre comércio com
seus parceiros majoritários (União Europeia, Estados Unidos, China e Japão). Desde então, a
fração de comércio chileno coberta por acordos comerciais saltou de 25% no fim de 2002 para
83% no fim de 2007.

Schiff (2002) argumenta que o Chile buscou ativamente tratados de comércio com seus
parceiros “do Norte”, que são aqueles que potencialmente gerariam o maior aumento de bem-
estar para o país. Adicionalmente, o Chile buscou não somente aumentar seu “market share” no
comércio com seus parceiros ou se aproveitar dos produtos mais baratos vindos do exterior. O
país também procurou atrair investimento externo direto (IED) e se tornar um hub de exportação
para aliados comerciais.

50Monfort (2008) observa que um dos principais responsáveis por esse crescimento significativo foi o aumento
do preço do cobre, um dos principais componentes das exportações chilenas. Entretanto, mesmo excluindo-se o
cobre e efetuando alguns outros ajustes, a taxa de abertura comercial do Chile cresceu 12 pontos percentuais
durante o período considerado.

136
Figura 6.6: Processo de abertura comercial no Chile.

Fonte: Monfort (2008).

Monfort (2008) mostra que o comércio chileno se expandiu com o boom do cobre,
mesmo com uma apreciação da moeda chilena. Cabe ressaltar que as exportações chilenas se
diversificaram para além do cobre antes da década de 1990, ainda que o cobre tenha
permanecido como o principal produto de exportação do Chile, representando 2/5 do valor das
exportações antes de um considerável aumento no preço do produto em 2003. Apesar da
apreciação, notem que o volume de exportações do Chile continuou a crescer entre 2003 e 2007
(e isto inclui a parte das exportações que não leva em consideração o cobre).

Entre as lições aprendidas durante o processo de liberalização, Soto (1996) destaca a


importância de um esforço sistemático para a implementação e aprofundamento das reformas
mesmo diante das resistências enfrentadas e dos resultados de certo modo imprevisíveis das
reformas, imprevisibilidade que se deve a choques nacionais e internacionais não esperados.

137
Soto lembra que as reformas foram interrompidas no começo da década de 1980. Devido ao
caos oriundo do colapso do sistema financeiro na época, tarifas aumentaram e controles sobre
fluxos de capitais foram instaurados. Críticos das reformas se multiplicaram e alguns até
clamavam pela volta do sistema de substituição de importações. A estatização de uma parte
relevante do sistema bancário e financeiro marcou o fim do processo de privatização e a volta
do governo ao setor produtivo.

Entretanto, as autoridades persistiram com o objetivo de desregular e abrir a economia


do país. Elas declararam a intenção de reprivatizar bancos e instituições financeiras. O aumento
das tarifas também foi anunciado como temporário: as tarifas deveriam voltar para 15% num
breve horizonte de tempo. Uma vez que os débitos externos foram renegociados, os controles
sobre os fluxos de capitais foram extinguidos. Por fim, o programa de privatizações foi
retomado.

Uma segunda lição mencionada por Soto (1996) é que um sistema de reformas paralelo
é necessário para complementar e reforçar os benefícios da liberalização comercial. Os
benefícios em termos de aumento de eficiência e de crescimento decorrentes de uma maior
abertura requerem um ambiente macroeconômico estável, mercado de fatores livres de
restrições, e um ambiente institucional que reduza o risco e provenha uma estrutura adequada
de incentivos para investimentos privados. A experiência chilena também mostra que regulação
e supervisão de atividades financeiras é crucial para evitar externalidades negativas oriundas de
novas oportunidades criadas.

O caso chileno também mostra que o custo das reformas pode ser muito alto.
Consequentemente, medidas para diminuir o impacto sobre os grupos mais vulneráveis se
fazem necessárias para que o apoio às reformas seja mantido. Mesmo não sendo uma restrição
relevante no caso do Chile, (falta de) apoio político para as reformas pode se tornar um fator
crucial para o avanço das mesmas. Como discutido em outras seções do nosso relatório, o
mercado de trabalho tende a ser uma variável importante nesse processo decisório.

Soto (1996) ainda menciona outros dois fatores importantes para o sucesso de um
processo de abertura. O primeiro deles é um “redesenho” do governo, algo que incluiria o seu
afastamento do setor produtivo acompanhado de uma regulamentação adequada para evitar que
agentes privados incorram em práticas não competitivas. O segundo é a credibilidade da
estratégia da reforma, incluindo-se a habilidade do governo de implementar a mesma. Mais
precisamente, o sucesso da reforma depende substancialmente de uma mudança de atitude dos

138
agentes privados: eles devem mover-se de atividades ineficientes, de baixa lucratividade ou
socialmente não produtivas, para áreas mais eficientes. Para que estas mudanças ocorram, a
credibilidade das reformas é fundamental.

6.1.2. Efeitos

Além de Monfort (2008), que mostra que a liberalização comercial chilena teve um
impacto significativo na expansão das importações e exportações do país, outros artigos
estudam o efeito da liberalização comercial sobre a economia do Chile. Soto (1996), por
exemplo, aponta que o processo de liberalização foi responsável por um período considerável
de crescimento sustentável no Chile.

Agosin (1999) relata que há pouca dúvida de que a liberalização que começou em
meados da década de 1970 foi a razão principal do crescimento chileno observado desde então.
Segundo o autor, o crescimento econômico do país pode ser melhor entendido se dividido em
cinco sub-períodos: i) 1960-1970, marcado pela substituição de importações e domínio do
cobre, responsável por mais de 80% das exportações; ii) 1971-1973, correspondente ao
“experimento sociliasta”; iii) 1974-1981, quando o regime militar implantou reformas na
direção de um mercado mais livre que tiveram um impacto sobre o comércio exterior; iv) 1982-
1989, marcado por um grande pragmatismo na formulação de políticas e v) o período que
começa em 1990 com o retorno da democracia (ver Tabela 6.1 retirada do mesmo artigo).

Desde 1974, o crescimento das exportações manteve-se acima do crescimento do PIB.


Somente a partir de 1989, no entanto, o crescimento das exportações foi acompanhado por um
forte crescimento do PIB e da taxa de investimento. Agosin (1999) mostra evidências de que o
caso chileno é um exemplo de “exportação que leva ao crescimento”, e não o contrário. O autor
argumenta que um dos componentes do sucesso chileno está no surgimento de um diversificado
grupo de exportadores que produziam uma grande variedade de produtos (de acordo com a
vantagem comparativa chilena). No entanto, o autor coloca que esse não foi o único fator por
trás do sucesso. Outras políticas também foram cruciais para o crescimento observado (este
argumento é similar ao de Soto, 1996).

139
Tabela 6.1: Processo de abertura comercial no Chile.

Fonte: Agosin (1999).

Já Pavcnik (2002) estudo o efeito da liberalização sobre a produtividade no Chile. Ela


utiliza um modelo estrutural para estimar os parâmetros da função de produção das firmas, o
que permite à autora recuperar as produtividades das mesmas. Com estas estimativas, Pavcnik
estuda o impacto da abertura comercial chilena sobre a produtividade das firmas. Ela encontra
que a produtividade aumentou nos setores que sofreram com mais competição de produtos
importados (possíveis mecanismos são a adoção de novas tecnologias e a redução de
ineficiências). Ela também mostra evidência de que aumentos agregados de produtividade após
a liberalização decorreram da realocação de recursos das firmas menos produtivas para as mais
eficientes.

6.2. México

6.2.1. Liberalização Comercial

O México é um outro exemplo de liberalização comercial de relativo sucesso. Nicita


(2004) aponta que a liberalização comercial no país pode ser dividida em quatro fases, como
mostra a Figura 6.2 (retirada do mesmo artigo). A figura mostra a evolução do grau de abertura
(importações mais exportações sobre o PIB) e o nível médio das tarifas (ponderadas pelas
importações) da economia Mexicana entre 1985 e 2000.

140
Figura 6.7: Grau de Abertura do México.

Fonte: Nicita (2004).

De acordo com Nicita, o México começou seu processo de abertura comercial em 1985
com a eliminação de uma parte substancial das licenças de importação. No entanto, esta
primeira fase não implicou num aumento significativo das importações já que no mesmo
período as tarifas aumentaram, a taxa de câmbio depreciada tornava os produtos locais mais
atraentes e os bens que continuaram sob controle do governo (através das licenças) eram os que
enfrentavam a maior (potencial) ameaça de produtos estrangeiros.

O segundo estágio, que começa com a adesão ao ``General Agreement on Tariffs and
Trade’’ (GATT) em 1986, foi marcado por uma redução significativa das tarifas. É durante esta
segunda fase que as importações mexicanas começaram a crescer substancialmente, passando
de aproximadamente 17 bilhões de dólares em 1986 para 42 bilhões em 1989. Apesar disso,
alguns setores permaneceram altamente protegidos.

A terceira fase é marcada pelo começo das negociações do “North American Free Trade
Agreement” (NAFTA) em 1990, e vai até a sua implementação em 1994. Esse foi um período
de forte crescimento econômico (aproximadamente 4% ao ano) e aumento significativo no
comércio internacional.

Por fim, a implementação do NAFTA marca o começo da quarta e última fase. O acordo
de livre comércio norte americano reduziu gradualmente as tarifas (de 9% para cerca de 4% em
2000) e aumentou o nível de integração com os Estados Unidos através da desregulação de
alguns setores chaves, da harmonização de padrões e facilitação de fluxos de capital. Foi nessa

141
fase que os fluxos de comércio aumentaram mais fortemente, saltando de aproximadamente 60
bilhões de dólares em 1994 para cerca de 170 bilhões em 2000.51

6.2.2. Efeitos

Diversos artigos estudam o efeito da liberalização mexicana sobre a sua economia


durante a década de 1990, focando, portanto, no efeito do NAFTA. De uma forma geral, os
artigos apontam efeitos positivos sobre o bem-estar geral da população, mas um crescimento
da desigualdade no país.

Por exemplo, Nicita (2004) mostra que a liberalização reduziu os preços de diversos
produtos agrícolas e industriais. Logo, apesar de todos os cidadãos mexicanos terem se
beneficiado com o acesso a uma cesta de consumo mais barata, famílias que eram provedoras
líquidas de bens agrícolas foram prejudicadas pela queda na renda. Nicita também mostra que
apesar de todas as faixas de renda da população terem se beneficiado com a liberalização, esses
benefícios se distribuíram de forma heterogênea, com a maior parte dos benefícios ficando com
a parte mais rica da população. Logo, podemos dizer que houve um aumento de desigualdade
decorrente do processo de liberalização. O autor ainda mostra que houve efeitos regionais
substanciais: estados mexicanos mais próximos dos mercados importadores (e exportadores) se
beneficiaram mais (em termos de aumento da renda real das famílias).

Hanson (2003) estuda o efeito do NAFTA sobre o mercado de trabalho mexicano. Ele
aponta que o NAFTA aumentou os retornos sobre qualificação do trabalho. Ele argumenta que
isso se deveu em parte ao aumento do fluxo de capital para o México, já que trabalho qualificado
e capital são complementares e, portanto, um maior fluxo de capital tende a aumentar a
demanda por qualificação e consequentemente seus retornos. Hanson mostra que entre 1980 e
1994 o IED correspondia a apenas 1.3% do PIB mexicano. Já entre 1995 e 2000 esse número
pulou para 2.8%. E cerca de dois terços deste valor vem dos Estados Unidos. A criação de
setores de montagem no México voltados para a exportação (indústrias “maquiladoras”) por
firmas dos Estados Unidos (com subsidiárias no México) aumentou o comércio de bens

51Nicita (2004) ainda aponta que no ano 2000 aproximadamente 80% das linhas tarifárias já haviam sido
removidas. E as 20% restantes seriam eliminadas dali em diante. Besedes et al. (2015) apontam que em 2003 a
maior parte das tarifas restantes já haviam sido retiradas.

142
intermediários.52 Em 2000, 47.7% das exportações e 35.4% das importações mexicanas eram
feitas por “maquiladoras”.

Assim como Nicita (2004), Hanson mostra que durante a década de 1990, os retornos
sobre a qualificação aumentaram no México, assim como as disparidades regionais de salários.
Os ganhos salariais foram maiores em regiões mais expostas a comércio internacional, IED e
oportunidades de migração para os Estados Unidos. Os ganhos foram maiores para indivíduos
mais qualificados vivendo mais perto dos Estados Unidos, e menores para indivíduos menos
qualificados morando no sul do país. Além disso, há pouca evidência de uma eventual
convergência salarial entre os Estados Unidos e o México (como parte da literatura teórica de
comércio internacional prevê).

Referências:
Agosin, M. R. (1999): “Trade and growth in Chile,” CEPAL Review 68.

Besedes, T., Tristan Kohl e James Lake (2015): “Phase Out Tariffs, Phase In Trade?,”
mimeo.

Hanson, Gordon (2003). “What Has Happened to Wages in Mexico since NAFTA?
Implications for Hemispheric Free Trade,” NBER working paper.

Monfort, B. (2008): “Chile: Trade performance, Trade Liberalization, and


Competitiveness,” IMF working paper WP/08/128.

Nicita, A. (2004): “Who Benefited from Trade Liberalization in Mexico? Measuring the
Effects on Household Welfare,” World Bank Policy Research Working Paper 3265, World
Bank.

Pavcnik, N. (2002): “Trade Liberalization, Exit, and Productivity Improvements:


Evidence from Chilean Plants,” The Review of Economic Studies, Volume 69, Issue 1.

Schiff, M. (2002): “Chile’s Trade Policy: an Assessment,” Central Bank of Chile


working paper 151.

Soto, R. (1996): “Trade Liberalization in Chile: Lessons for Hemispheric Integration,”


ILADES Documento de Investigación #95.

52No setor de montagem mexicano, IED quase sempre aumenta o comércio do México com
o resto do mundo diretamente, já que o setor é focado em exportação.
143
7. Análise de Impacto de Cenários de Abertura, via Modelagem de
Equilíbrio Geral Computável Dinâmico

Os cenários de abertura comercial, a serem analisados nesta seção, buscam delinear o


conjunto das principais alternativas ora disponíveis para a economia do Brasil, tendo em vista
o aumento de sua inserção internacional. Em primeiro lugar, serão avaliados os impactos
econômicos (de longo prazo) de possíveis cenários de abertura comercial unilateral, com
destaque para a redução das tarifas de importação de bens de capital, de informática e de
telecomunicações. Em seguida, serão avaliados os impactos econômicos de uma abertura
unilateral total para o Brasil, além do acordo Mercosul – União Europeia.

7.1. O Caso da Abertura Unilateral

7.1.1. Análise de Impacto para a liberalização de Insumos no Brasil.

Motivada pelos resultados amplamente reportados na literatura empírica (nacional e


internacional) sobre os benefícios de uma maior liberalização de insumos, esta análise parte da
constatação de que o Brasil (assim como a Argentina) está entre os países do mundo que
aplicam as maiores tarifas de importação para bens de capital (doravante BK), e para bens de
informática e telecomunicações (doravante BIT). Além disso, a atual estrutura tarifária dos
principais sócios do Mercosul conserva as mesmas características do período de substituição de
importações, em contraste com um mundo em que a estrutura tarifária se modificou, tendo em
vista a formação de cadeias globais e regionais de valor. Neste sentido, mesmo concorrendo
com bens que são, cada vez mais, produzidos “made in the world”, a estrutura tarifária no
Mercosul continua a seguir a lógica do adensamento das cadeias locais de produção.

Em 2016, as importações de bens de capital do Brasil representaram cerca de 35,30%


da importação total de bens do país. Este valor está abaixo da média da América Latina
(38,71%) e bem abaixo de países como o México (46,72%), República Checa (41,54%) ou
mesmo a China (42,58%), os quais possuem forte integração em cadeias globais/regionais de
valor.

Em uma perspectiva mais ampla, as Figuras 1 e 2 reportam os 30 maiores importadores


de bens de capital e intermediários do mundo, em 2016, de acordo com a sua participação nas
importações mundiais. O Brasil, a despeito de estar posicionado entre as 10 maiores economias

144
do mundo, ocupa a 27a e a 22a posições, respectivamente, nestas classificações. De forma geral,
os dados apresentados parecem não corroborar a tese, comumente veiculada, de que a indústria
Brasileira estaria sofrendo um “surto” de importações nesta categoria de bens.

Figura 7.1. Ranking dos 30 maiores importadores de bens de capital em 2016 (%)

EUA 14,73
China 11,37
Hong Kong 7,11
Alemanha 6,11
México 3,27
Reino Unido 3,04
França 3,01
Japão 2,87
Holanda 2,77
Canadá 2,73
Coréia do Sul 2,64
Singapura 2,27
Taiwan 1,84
Italia 1,66
India 1,57
Espanha 1,53
Vietnam 1,44
Malásia 1,39
Tailândia 1,35
Bélgica 1,32
Polônia 1,27
Rússia 1,23
Emirados Árabes 1,20
Turquia 1,04
República Checa 1,03
Australia 0,98
Brasil 0,90
Indonesia 0,86
Austria 0,83
Suiça 0,82

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

A Figura 7.3 reporta a média (simples) da tarifa aplicada para bens de capital no Brasil,
em 2016, em uma perspectiva comparada, envolvendo outros países em desenvolvimento e a
média mundial. Como observado, a tarifa aplicada no Brasil e na Argentina está
significativamente acima dos valores reportados para outros países em desenvolvimento, assim
como para a média mundial.

145
Figura 7.2. Ranking dos 30 maiores importadores de bens intermediários em 2016 (%)

EUA 10,18
China 9,30
Alemanha 6,19
Reino Unido 4,65
França 3,72
Alemanha 3,20
India 3,16
Bélgica 3,12
Suíça 3,10
Itália 3,10
Hong Kong 3,02
Japão 2,52
Coréia do Sul 2,43
México 2,23
Canadá 2,16
Vietnam 2,01
Espanha 1,80
Tailândia 1,61
Turquia 1,49
Polônia 1,46
Taiwan 1,42
Brasil 1,29
Singapura 1,28
Emirados Árabes 1,26
Indonésia 1,25
Malásia 1,09
Áustria 1,01
Rússia 0,84
Austrália 0,80
República Checa 0,80

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Figura 7.3. Média simples (%) da tarifa aplicada e MFN para bens de capital, em 2016.
13,10 13,07
12,12 12,02

8,21 7,87
6,42
5,66 5,88 5,89 5,93

3,87
2,91
2,21 1,90 2,00 2,11
1,30 1,06
0,37

Brasil Argentina India China Mundo México Coréia África do Chile Turquia
Sul
Aplicada MFN

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

146
Já a Figura 7.4 reporta valores para a média simples das tarifas de importação aplicada
sobre bens intermediários, também em uma perspectiva comparada. Como observado, as tarifas
de importação aplicadas no Brasil estão significativamente acima da média aplicada no resto
do mundo.

De forma geral, os dados das Figuras 3 e 4 revelam barreiras tarifárias persistentemente


altas no Mercosul, que colocam Brasil e Argentina em clara desvantagem competitiva na
absorção de insumos mais baratos e com maior conteúdo tecnológico para a sua indústria, assim
como no que tange a uma possível integração de suas cadeias produtivas com as demais
existentes nos países do resto do mundo.

Figura 7.4. Média simples (%) da tarifa aplicada e MFN para bens intermediários, em 2016.

11,81 11,72 11,44


10,69 10,56
9,60

7,76 7,73 7,40


6,89
6,35 6,00
5,34 5,46
4,67
3,66 3,95 3,55
1,95
1,07

Brasil Argentina India China Coréia Mundo México África do Turquia Chile
Sul
Aplicada MFN

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Contudo, os altos valores reportados para a média das tarifas aplicadas em bens de
capital e intermediários no Mercosul, quando analisados em seu conjunto, compõem uma
estrutura de incentivos de caráter ainda mais protecionista. Como observado na Figura 7.5, a
estrutura tarifária no Mercosul apresenta a chamada “escalada tarifária”, a qual ocorre quando
os valores médios das tarifas aplicadas crescem, a medida em que os estágios de processamento
agregam mais valor. Tal estrutura tarifária foi predominante entre os países que praticaram
políticas de substituição de importações até o final dos anos oitenta, como os países da América
Latina. Contudo, com o crescente comércio de bens intermediários e de bens de capital, a partir
dos anos noventa, tal estrutura tarifária vem perdendo relevância mundialmente, conforme
sugerido na Figura 7.5. O México, por exemplo, que praticava escalada tarifária até o início dos
anos noventa, é atualmente um país que oferece proteção efetiva menor que a observada nas já

147
modestas tarifas nominais aplicadas, tanto para bens intermediários, quanto para bens de
capital53.

Figura 7.5. Média simples (%) da tarifa aplicada por estágio de processamento, em 2016.

18,0
16,4

12,1 12,0 11,7 11,8


10,7 10,5 10,7
9,6 9,4
8,2 8,6
7,8
6,8 6,4 6,4 6,8
5,5 5,7 5,7
4,9 4,3 4,7
3,5 3,7 3,6 3,9
2,2 2,6 2,0
1,3

Brasil Argentina México China India Russia África do Mundo


Sul
Matérias primas Intermediários Bens de capital Bens de Consumo

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Figura 7.6. Escalada tarifária no Brasil (%)

51,8
41,7
39,9
35,2
28,3
20,1 21,7
18,0
10,6 10,7 12,1
4,9

Matérias primas Intermediários Bens de capital Bens de Consumo


1989 1991 2016

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

53 A argumentação descrita não exclui a possibilidade de que, em níveis de desagregação menores, ainda seja
possível identificar a presença de escalada tarifária em vários países do mundo. Contudo, chama a atenção o fato
de que, na desagregação por estágios de processamento utilizada neste trabalho (com dados provenientes do Banco
Mundial), os países do Mercosul figurem entre os únicos, em uma amostra de mais de 200 países, a apresentar tal
estrutura de tarifas.

148
A Figura 7.6 ressalta o fato de que, mesmo após a reforma tarifária de 1991, o Brasil
continuou a praticar o mesmo tipo de estrutura tarifária dos anos de substituição de importações
(com escalada tarifária), a despeito da ocorrência de todo o processo de fragmentação
internacional da produção, que ganha fôlego particular a partir dos anos noventa.

7.1.2. Aspectos da Modelagem

O modelo de equilíbrio geral computável dinâmico GDyn foi utilizado nas simulações
a seguir. O modelo GDyn é um modelo global de equilíbrio geral dinâmico aplicado em
competição perfeita. Em sua versão mais recente (base de dados GTAP 9), o modelo identifica
57 setores em 140 regiões do mundo. Seu sistema de equações é baseado em fundamentos
microeconômicos que fornecem uma explicação detalhada dos comportamentos dos
consumidores e das firmas perfeitamente competitivas existentes em regiões individuais, além
da descrição das relações comerciais e de investimentos externos diretos entre regiões. Assim
como sua versão estática (modelo GTAP), o modelo GDyn também reconhece custos globais
de transporte.

O modelo GDyn se classifica como do tipo Johansen, que estima os impactos de


choques externos (por exemplo, ganhos e perdas advindas de acordos preferenciais de
comércio) por meio de modelagem em estática comparativa (antes e após a aplicação do
choque). Como na sua versão estática, os resultados do modelo GDyn são obtidos por meio da
solução de um sistema de equações em sua versão linearizada. Um resultado padrão, por
exemplo, mostra a variação percentual no conjunto pré-estabelecido de varáveis endógenas
(PIB, importações e exportações, etc.) após a aplicação de choques em políticas comerciais,
comparando os valores finais com os presentes no equilíbrio inicial. A apresentação
esquemática das soluções de Johansen para tais modelos é padrão na literatura (ver Dixon et al
(1992) e Dixon e Parmenter (1996)).

O modelo GDyn trabalha com dinâmica recursiva (não há perfect-foresight) e


expectativas adaptativas. Para tanto, projeta uma trajetória “baseline” para o futuro, a qual é
alimentada com dados de projeções para PIB, força de trabalho e população, provenientes de
fontes diversas, como Banco Mundial, FMI e CEPII. De forma simultânea, o modelo projeta
uma trajetória “policy” (que considera o impacto do choque de abertura comercial). O resultado
da política em questão é dado pela diferença entre a trajetória “policy” e o “baseline”, para cada
variável endógena que se queira avaliar, no período de 2017 até 2030.

149
A base de dados GTAP 9 combina dados detalhados acerca de comércio bilateral,
transporte e proteção comercial, de modo a caracterizar as relações comerciais entre 140
regiões, juntamente com dados individuais de insumo-produto para cada país, que consideram
relações inter-setoriais entre regiões. A base de dados é harmonizada e completada por fontes
adicionais como Banco Mundial e FMI, que fornecem a descrição mais realista da economia
mundial em 2011 (a última base de dados disponibilizada para o GTAP). A partir de 2011, a
base de dados é atualizada até o ano de 2017. O modelo GDyn projeta a trajetória “baseline”
desde 2018 até 2030.

O modelo Gdyn possui dois tipos de fechamentos básicos:

 Curto-prazo: Livre mobilidade inter-setorial de mão-de-obra; Capital, terra e recursos


naturais são fatores fixos;

 Longo prazo: Livre mobilidade inter-setorial de mão-de-obra e capital, com mobilidade


imperfeita de recursos naturais e terra (Fechamento utilizado neste estudo);

Intrinsecamente ao fechamento de longo prazo está a hipótese de que a taxa de


desemprego de uma economia é resultante do conjunto de políticas macroeconômicas
implementadas pelo governo, e não de políticas comerciais. Estas, por sua vez, tendem a ser
neutras, tanto do ponto de vista dos saldos comerciais como proporção do PIB, quanto do seu
impacto sobre as taxas de desemprego agregadas.

Quando aos investimentos no modelo Gdyn, os mesmos são distribuídos de forma a


igualar as taxas de retorno em cada região, tendo-se em conta os fatores de risco inerentes às
mesmas. Assim, de forma distinta à modelagem estática, o modelo Gdyn incorpora o aumento
do estoque de capital advindo dos investimentos (domésticos e estrangeiros, líquidos da
depreciação), sendo que os mesmos são absorvidos pela demanda setorial das firmas, de acordo
com a rentabilidade do capital (diferença entre o aluguel do capital e o custo unitário do bem
de investimento).

Desta forma, na formulação padrão do modelo Gdyn, os ganhos de bem-estar advindos


da abertura comercial são determinados pelo impacto na eficiência alocativa dos fatores de
produção domésticos, nos termos de troca, e no aumento do estoque de capital advindo do
investimento.

150
7.1.3. Seleção de bens e desgravamento tarifário

A Tabela 7.1 reporta os códigos da nomenclatura comum do Mercosul (NCM), a 8


dígitos, para bens de capital - seguidos de desgravamento tarifário de 4 anos – que foram
utilizados como referência neste estudo. Como observado, a lista de bens de capital inclui,
majoritariamente, bens que pertencem à tarifa externa comum (TEC) do bloco, seguido de uma
pequena fração de bens (0,77%) que fazem parte da lista de exceção à tarifa externa comum
(LETEC).

Tabela 7.1. NCMs para desgravação de bens de capital.


Desgravação para BK
Nº de
TEC-BK LETEC 2018 2019 2020 2021
NCMs
8% 2 6% 4% 4% 4%
10% 19 8% 6% 4% 4%
14% 879 10% 8% 6% 4%
14% 2 10% 8% 6% 4%
20% 1 12% 8% 6% 4%
25% 1 14% 10% 6% 4%
30% 2 14% 10% 6% 4%
35% 1 14% 10% 6% 4%
TOTAL 907 NCMs

Devido à ausência de correspondência entre os 57 setores da base de dados GTAP9 e a


nomenclatura comum do Mercosul a 8 dígitos, optou-se por trabalhar aos 6 dígitos do sistema
harmonizado54, mantendo o cronograma de desgravamento da Tabela 7.1 como referência.

Já a Tabela 7.2 reporta os códigos de bens intermediários que também sofrerão redução
tarifária neste exercício de simulação. Os códigos estão originalmente reportados a 8 dígitos,
mas, pelas razões já levantadas, a correspondência com os setores da base GTAP9 foi feita a 6
dígitos.

De forma complementar, simulou-se também a redução tarifária para uma dezena de


bens do setor de siderurgia, os quais estão reportados na Tabela 7.3.

54
O sistema harmonizado e a NCM coincidem até o sexto dígito, permitindo, assim, a devida
correspondência com os 57 setores da base de dados GTAP9.
151
Tabela 7.2. NCMs para a desgravação de bens de informática e telecomunicações.
Desgravação para BITs
Nº de
TEC-BIT LEBIT 2018 2019 2019 2020
NCMs
6% 8 4% 4% 4% 4%
8% 24 6% 4% 4% 4%
10% 5 8% 6% 4% 4%
12% 85 10% 8% 6% 4%
14% 23 10% 8% 6% 4%
16% 63 12% 8% 6% 4%
12% 24 10% 8% 6% 4%
16% 1 12% 8% 6% 4%
20% 1 14% 10% 6% 4%
25% 1 14% 10% 6% 4%
TOTAL 235 NCMs

Tabela 7.3. NCMs para a desgravação de bens do setor siderúrgico.


Desgravação para SD
NCM TEC-SID jan/18 jan/19 jan/20 jan/21
7210.49.10 12% 10% 8% 6% 4%
7210.61.00 12% 10% 8% 6% 4%
7207.12.00 8% 6% 4% 4% 4%
7210.12.00 12% 10% 8% 6% 4%
7225.40.90 14% 10% 8% 6% 4%
7210.70.10 12% 10% 8% 6% 4%
7210.50.00 12% 10% 8% 6% 4%
7220.20.90 14% 10% 8% 6% 4%
7225.11.00 14% 10% 8% 6% 4%
7209.16.00 12% 10% 8% 6% 4%
TOTAL 10 NCMs

Os códigos reportados nas Tabelas 1,2 e 3 foram devidamente identificados em seis


macro setores da indústria de transformação brasileira, do total de cinquenta e sete setores
representados na base de dados GTAP9, conforme Tabela 7.4. Em termos relativos, o setor de
“Máquinas & Equipamentos” tende a ser o mais atingido pela redução tarifária (61% dos
códigos HS6 são afetados), especialmente concentrados em bens de capital. Os setores de
“Equipamentos Eletrônicos”, “Veículos & Partes” e “Outros equip. de transporte” também são
significativamente afetados pelo corte tarifário (em % de linhas atingidas). Contudo, enquanto
no primeiro setor os cortes estão concentrados em bens de informática e telecomunicações, nos
dois últimos setores as reduções tarifárias estão concentradas em bens de capital.

152
A Figura 7.7 reporta os valores das tarifas médias aplicadas e das tarifas efetivas
(calculadas sob a ótica do valor adicionado) para um grupo de bens da indústria de
transformação, segundo Castilho (2015). Os setores reportados, ainda que não exatamente
idênticos, em sua composição, aos setores da Tabela 7.4, revelam que a escalada tarifária no
Brasil confere proteção efetiva significativamente acima da tarifa nominal.

Tabela 7.4. Parcela dos setores atingida pela redução tarifária (HS6).
Setores GTAP BK BIT SD Total Setor
Máquinas & Equipamentos 58,2% 2,8% 0,0% 61,0%
Equipamentos eletrônicos 9,1% 30,6% 0,0% 39,7%
Veículos & Partes 18,9% 1,9% 0,0% 20,8%
Outros equip. de transportes 41,5% 0,0% 0,0% 41,5%
Produtos metálicos 8,3% 0,0% 0,0% 8,3%
Ferro & Aço 0,0% 0,0% 4,6% 4,6%

Fonte: Elaboração própria.

Figura 7.7. Comparativo entre média simples da tarifa nominal e efetiva (2014).

31,7 32,7

16,7 17,7 16,9


11,8 12,2
10,7

Outros equip. de Máquinas & Equipamentos Peças & Acessórios para Eletrônicos &
transportes veículos Comunicações
Tarifa Efetiva Tarifa Nominal

Fonte: Castilho (2015).

7.1.4. Resultados das Simulações

A Figura 7.8 reporta os impactos dinâmicos sobre o PIB, da redução tarifária dos bens
BK/BIT/SD, conforme desgravamento tarifário sugerido nas Tabelas 1,2 e 3. No longo prazo,
como efeito da redução dos preços dos insumos industriais importados, espera-se um
incremento permanente do PIB nacional da ordem de 0,43%. Quando a evolução da

153
produtividade total dos fatores (PTF)55 do Brasil é acomodada pelo modelo, o impacto final do
PIB alcança 0,5%.

A redução de custo dos insumos industriais tende a aumentar a rentabilidade dos


investimentos na economia Brasileira (no modelo Gydn, a taxa bruta de retorno dos
investimentos é dada pela diferença entre o preço de aluguel do capital e o custo médio do “bem
de investimento”, produzido por um setor à parte). Como reportado na Figura 7.9, o incremento
da taxa bruta de retorno do capital é acompanhado dos incrementos de abertura até o ano de
2021, ponto de máximo sobre o impacto no volume de investimentos e término do ciclo de
desgravamento tarifário. A partir de então, a taxa bruta de retorno do capital tende a convergir
para a taxa de equilíbrio de longo prazo especificada para o Brasil (composta por uma taxa
internacional livre de risco, acrescida da depreciação do capital e de uma taxa de risco país),
por meio de uma dinâmica adaptativa. Em 2030, já exauridos os ganhos de produtividade
trazidos pela abertura, espera-se que o volume de investimentos para a economia Brasileira seja
1,21% maior (1,37%, com PTF variável) em relação ao projetado no cenário baseline.

Figura 7.8. Impacto da liberalização de insumos industriais sobre o PIB (%).

0,48 0,49 0,50


0,47
0,45 0,43 0,43 0,43
0,42 0,42
0,40
0,38 0,38
0,33 0,35
0,31
0,28
0,26
0,22
0,20

0,130,14
0,070,08
0,030,03

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

55 O impacto na TFP foi estimado a partir de do trabalho de Halpern, Koren e Szeidl (2015) “Imported Inputs and
Productivity”. American Economic Review, 105(12), 3660-3703. Este trabalho está descrito na revisão da
literatura deste projeto. Basicamente, parte-se do princípio de que 10% de aumento nos insumos importados por
uma firma no setor industrial, causa um aumento de 2,4%, em média, na sua PTF.

154
Figura 7.9. Impacto da liberalização de insumos industriais sobre o volume de investimentos
agregado (%).

3,29 3,37 3,29 3,39 3,26


3,15 3,04
2,92
2,77
2,64
2,45 2,51 2,33
2,47
2,03 2,17
1,88
1,73
1,60 1,64 1,61
1,45
1,21 1,37
0,78
0,77

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Dada a poupança agregada da economia do Brasil, o estímulo inicial ao volume de


investimentos requer absorção adicional de poupança externa, o que se traduz em uma
contribuição negativa para a balança comercial da economia até o ano de 2023, quando, a partir
daí, os ganhos de produtividade advindos da abertura passam a ter efeito predominante sobre o
comportamento da balança, no sentido da geração de superávit comercial. Em 2030, espera-se
que o volumes exportados e importados sejam 2,85% (2,84%, com PTF variável) e 1,54%
(1,64%, com PTF variável) maiores que os projetados pelo cenário baseline, respectivamente
(Figuras 10 e 11).

Figura 7.10. Impacto da liberalização de insumos sobre o volume exportado (%).

2,85 2,84
2,60 2,57
2,27 2,24
1,891,85
1,441,39

0,950,89

0,430,37

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
-0,33 -0,35 -0,08 -0,15
-0,62 -0,65 -0,81-0,86 -0,55 -0,61
-0,88 -0,93

PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Como esperado, a abertura à concorrência externa na produção de insumos, se por um


lado tende a trazer benefícios generalizados para setores à jusante nas diversas cadeias
produtivas, tende a forçar uma realocação dos fatores de produção, de setores menos eficientes

155
que a fronteira internacional, para setores que se beneficiam com a abertura e sofrem expansão.
A Figura 7.12 reporta o impacto da abertura no PIB setorial para os 42 setores produtores de
bens do modelo utilizado. Dentre ganhos generalizados para quase todos os setores reportados,
destaca-se a queda de participação no PIB nacional para o setor de “máquinas e equipamentos”
(-3,9%), o qual é atingido em mais de 60% dos códigos HS6 que o compõem. O contrário
ocorre, por exemplo, com “outros equipamentos de transporte”, setor que embora fortemente
atingido pela abertura, sofre expansão de 2,1%56.

Figura 7.11. Impacto da liberalização de insumos sobre o volume importado (%)

3,82 3,88 3,703,77


3,55
3,47
3,19 3,27
2,90 2,94 2,88 2,97
2,67
2,57
2,27 2,37
1,93 1,96 2,00 2,10
1,75 1,85
1,54 1,64

0,95 0,97

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Figura 7.12. Impacto da liberalização de insumos sobre o PIB setorial, em 2030 (%)

2,70
2,26
1,94 2,12
1,82
1,37 1,28 1,26 1,39 1,43
1,12 1,16 1,10 1,12 1,00
0,97 0,83
0,60 0,69 0,73 0,71
0,52 0,38 0,29 0,39 0,44
0,25

-3,89

PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

56
Ester setor compreende, entre outros, o setor aeronáutico Brasileiro, que é sabidamente competitivo
internacionalmente e, com a abertura em insumos, tende a uma expansão adicional.

156
7.2. Outros Cenários de Abertura Comercial

7.2.1. Análise de Impacto para a Liberalização Tarifária Total no Brasil

Mesmo com a forte liberalização tarifária ocorrida em 1991, O Brasil continua como
uma das economias mais fechadas do mundo (ver Figura 7.13). Já em 2016, enquanto a média
simples da tarifa aplicada no Brasil estava em 13,7%, este valor correspondia a 6,2% para a
média mundial.

A evolução recente da penetração das importações sobre o PIB é reveladora de um país


que comercializa menos que a média da América Latina e muito menos do que a média mundial,
conforme ilustrado na Figura 7.14.

Figura 7.13. Média simples das tarifas aplicadas em 1990 e 2016.


55,0

33,5 33,5
28,1

16,5
13,7 14,3 13,9
11,2 9,9 10,2
8,9
6,2 5,4 4,9 3,8

Brasil Sul da Ásia África A. Latina & Mundo Oriente Leste Asiático Europa e Ásia
Subsaariana Caribe Médio& N. central
África
1990 2016

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Para o caso de uma liberalização tarifária total e unilateral, com desgravamento tarifário
com queda uniforme no intervalo 2018-2021, simulações com o modelo GDyn apontam, no
cenário onde a PTF da economia varia ao logo do tempo, para um incremento no PIB do Brasil
da ordem de 1,5%, no longo prazo.

Com relação ao volume de investimentos, assim como no caso da liberalização em


BIT/BK, nota-se a formação de um ciclo inicial de investimentos, com impacto permanente, no
longo prazo, da ordem de 4,0%.

157
Figura 7.14. Evolução da penetração das importações (Importações totais/PIB).
35,00

30,00 28,68

25,00
22,77

20,00

15,00 14,07

10,00

5,00

0,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Brazil América Latina Mundo

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)


Figura 7.15. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o PIB (%)
1,47 1,49
1,44
1,39
1,32
1,23 1,22 1,25 1,26 1,26
1,12 1,17
1,10
0,98 1,00
0,88
0,82
0,75
0,65
0,60
0,46
0,42
0,25 0,28
0,11 0,12

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.16. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume de


investimentos (%).
9,17 9,25
8,91 8,92 8,93
8,55 8,38
7,95 7,69
6,77 7,22 6,93
6,57 6,42 6,14
5,61 5,38
4,82 4,66
4,37
4,23 4,00
4,08
3,41

2,00 2,07

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

158
As Figuras 17 e 18 ilustram os impactos da liberalização unilateral sobre o volume
exportado e importado, respectivamente. Quando as variações (positivas) de PTF são
acomodadas pelo modelo, nota-se uma ligeira tendência de aumento do volume importado, em
detrimento do volume exportado, reflexo do maior aumento do volume investido na economia,
sobre a poupança doméstica disponível. Contudo, de forma distinta à liberalização de BIT/BK,
a pressão inicial sobre o câmbio real no Brasil é menor no caso da liberalização total unilateral,
pois os preços domésticos são impactos negativamente de forma mais forte, desde o início, dada
a maior amplitude desta liberalização (ver Figura 7.20). Por outro lado, em consonância com o
cenário de liberalização de BIT/BK, nota-se uma tendência de aumento do saldo comercial ao
longo do tempo. No longo prazo, espera-se expressivo aumento da corrente de comércio do
Brasil, particularmente do lado do volume exportado, com incremento da ordem de 14,8%.

Figura 7.17. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume exportado (%).
14,83 14,81
14,14 14,08
13,28
12,26 13,18
12,13
11,09
10,92
9,79
9,60
8,42
8,22
7,05
6,85
5,81
4,92 5,62
4,74
2,76
2,62
1,34
0,49 1,23
0,43

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.18. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume importado (%).

16,04 15,77
15,83 15,52 15,20
14,91 14,49
14,18 13,71
13,38 12,92
12,58 12,17
11,66 11,82 11,46
11,50 11,11 10,82
10,47 10,26
9,90

7,49
7,39

3,53 3,58

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

159
Como todo processo de abertura comercial, haverá ganhadores e perdedores no Brasil.
A Figura 7.19 sugere que os ganhos de comércio (em termos de PIB setorial) são predominantes
em boa parte dos setores produtores de bens na economia. A perdas, por outro lado, estão
concentradas nos setores “Têxtil” (-11,23%), “Vestuário” (-6,49%) e “Couros” (-4,80%). Os
setores mais beneficiados da indústria de transformação são “Metais não-ferrosos” (13,81%) e
“Outros Equipamentos de Transporte” (11,61%), sendo que este último inclui o setor produtor
de aeronaves no país.

Figura 7.19. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o PIB setorial, em 2030
(%).

13,81

10,76 11,61

8,24

4,81 5,62
3,87 3,96 4,13 4,75 4,07
3,44 3,39 3,41 3,11
2,29 2,49 2,11 2,47 2,38 1,96 2,44
1,58 1,63 1,08 0,93 0,86 0,86
0,24 0,25

-0,83 -0,27
-1,06 -0,50-0,13 -0,20 -0,13 -0,58-0,56

-4,80
-6,49

-11,23

PTF constante PTF variável

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

Por fim, a Figura 7.20 ilustra um comparativo entre as duas estratégias de abertura
comercial unilaterais (BIT/BK x Total) sobre o nível de preços ao consumidor privado. Como
esperado, ambas as políticas têm impacto negativo sobre a inflação, com destaque para a
abertura total unilateral, que, dada sua maior abrangência, propicia uma maior participação dos
bens importados na sexta de consumo das famílias.

160
Figura 7.20. Impacto sobre o índice de preços ao consumidor privado (PTF variável)

0,23 0,30 0,34 0,23


0,12 0,08

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
-0,12 -0,36 -0,10 -0,28 -0,46
-0,78 -0,62 -0,77 -0,90 -1,01
-1,42
-1,70
-2,09
-2,52
-2,96
-3,38
-3,78
-4,14
-4,46
-4,74
Unilateral BIT/BK Unilateral total

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

7.2.2. Acordo Mercosul - União Europeia: Impactos sobre o Brasil, considerando-se a


negociação eventual de barreiras não-tarifárias.

Esta seção do projeto tem por objetivo avaliar os impactos econômicos do Acordo
Mercosul – União Europeia sobre a economia do Brasil. Para tanto, além da redução das tarifas
de importação e flexibilização de quotas para agricultura, consideraremos também os possíveis
impactos da redução de barreiras não-tarifárias, como medidas TBT/SPS e eficiência portuária.
Data a complexidade das considerações mencionadas, adotaremos a hipótese simplificadora de
que o Brasil negocia o acordo sem a participação dos demais membros do Mercosul. Para a
análise em questão, utilizaremos o modelo Gdyn.

7.2.2.1. Barreiras Regulatórias ao comércio

Uma importante tendência das últimas décadas em políticas comerciais tem sido a
notável redução de barreiras tarifárias impostas ao comércio internacional. Tal padrão é
resultado de diversas rodadas de liberalização comercial no âmbito do GATT/OMC e, mais
recentemente, consequência da explosão de acordos comerciais regionais em todo o mundo. Só
nos últimos 20 anos, foram notificados mais de 400 acordos preferenciais de comércio à OMC.
Durante esse mesmo período, no entanto, o sistema multilateral de comércio também
presenciou um crescente número de notificações sobre barreiras não-tarifárias, como TBT
(barreiras técnicas ao comércio) e SPS (medidas sanitárias e fitossanitárias), sendo submetidas

161
pelos países membros, com seus fundamentos legais sendo baseados em ambos os acordos de
TBT e SPS firmados durante a Rodada Uruguai da OMC.

Apesar de que se espere que notificações de medidas de TBT e SPS sejam


fundamentadas em padrões internacionais pré-existentes e evidências científicas, a
disseminação generalizada dessas medidas entre países membros da OMC tem suscitado
preocupação acerca de uma nova onda de protecionismo, agora disfarçada sobre o “guarda-
chuva” de regulação comercial em padrões de produção, qualidade e segurança.

Surpreendentemente, há uma escassa literatura acerca dos efeitos de tais regulações no


comércio internacional, particularmente com relação aos seus possíveis efeitos heterogêneos
entre países com diferentes níveis de renda. Já existe, no entanto, metodologia econométrica
para se estimar equivalentes tarifários para tais barreiras, o que torna possível a análise dos
efeitos das mesmas nos fluxos de comércio bilaterais entre Brasil com os demais parceiros.

7.2.2.2. TBT e SPS

Segundo a OMC (Organização Mundial de Comércio), medidas sanitárias e


fitossanitárias (SPS) podem ser definidas como quaisquer medidas que se aplicam para: (1)
proteger a vida humana e animal de riscos derivados de aditivos, contaminantes, toxinas ou
organismos causadores de doenças em seus alimentos; (2) proteger a vida humana de doenças
transmitidas por animais e/ou plantas; (3) proteger a vida de animais e plantas com relação a
pestes, doenças ou doenças causadas por micro-organismos; (4) prevenir ou limitar danos a
países, provenientes da entrada, estabelecimento e disseminação de pestes. De maneira similar,
barreiras técnicas ao comércio (TBT) incluem regulamentos, normas técnicas ou padrões
voluntários e procedimentos que garantam os objetivos pretendidos. Incluem desde segurança
automobilística a aparelhos para conservação de energia, até mesmo ao formato de embalagens
alimentícias. Medidas TBT podem cobrir, também, tópicos relacionados à saúde humana, como
restrições farmacêuticas ou o empacotamento de cigarros, alegações e preocupações
nutricionais e regulações de qualidade e empacotamento.

Medidas de TBT e SPS são comumente classificadas como medidas não-tarifárias


(MNTs). A maioria dos estudos empíricos acerca dos efeitos de MNTs em fluxos bilaterais de
comércio é baseada em modelos gravitacionais convencionais. Independentemente dos
objetivos reais da imposição de medidas não-tarifárias como as TBT e SPS por países

162
importadores, os diversos estudos existentes apontam para os possíveis impactos negativos das
mesmas sobre o comércio (Leamer, 1990; Moenius, 2004; Disdier et al, 2008; Kee et al, 2009).

Foram realizadas estimativas das barreiras não-tarifárias para os setores de agricultura,


agronegócios e indústria, por meio de regressões de Poisson sobre dados em painel, as quais
possibilitam o cálculo dos respectivos equivalentes ad-valorem. Depois de estimados, os
equivalentes ad-valorem são utilizados como inputs para a simulação de acordos regulatórios
entre as partes mencionadas, por meio de ganhos de eficiência no comércio bilateral via
modelagem de equilíbrio geral computável (CGE). O racional para ganhos de eficiência é
fundamentado na possível negociação de acordos de reconhecimento mútuo, harmonização de
procedimentos e convergência regulatória, entre outros, os quais impactam nas preferências dos
consumidores (importadores).

Fluxos bilaterais de importações (em dólares correntes), assim como dados de tarifas de
importação, foram obtidos a partir do World Integrated Trade Solutions (WITS) do Banco
Mundial. Os dados são anuais de 2005 a 2013, de acordo com a classificação do GTAP. Dados
tarifários utilizados neste estudo são médias simples setoriais, cuja vantagem de utilização – ao
invés de médias ponderadas de fluxos comerciais – é a possibilidade de contornar possível
endogeneidade no procedimento de estimação. Dados de PIB encontram-se em dólares
correntes e também foram obtidos a partir do Banco Mundial.

A maior parte das medidas de TBT e SPS impostas pelos países foi obtida a partir do
site da Organização Mundial de Comércio (OMC). Uma quantidade significativa de
notificações reportadas à OMC, no entanto, não necessariamente informa os códigos de
produtos afetados por tais notificações. Desta maneira, a base de dados utilizada neste estudo
precisou ser complementada com informações disponíveis em outras fontes, como o Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e o Centro de Estudos da OMC da
Índia (CWS). Enquanto o Inmetro nos forneceu códigos de produtos para notificações de TBT,
o CWS forneceu códigos para as notificações de SPS. Essas informações encontram-se
disponíveis na classificação de quatro dígitos do sistema harmonizado (HS04). De maneira a
combinar esses dados com outras variáveis ao nível do GTAP, utiliza-se correspondência entre
a classificação setorial do GTAP e o sistema HS04. A medida para barreiras não-tarifárias foi
construída como a proporção de setores no nível HS04 que compõem um setor do GTAP, que
possuem pelo menos uma barreira não-tarifária (tanto de TBT, quanto SPS).

163
7.2.2.3. Modelo Econométrico

O modelo gravitacional utilizado na estimação dos equivalentes tarifários das medidas


TBT/SPS foi especificado conforme abaixo, via regressão de Poisson:

𝑦_𝑖𝑗𝑠𝑡 = 𝛼_𝑖𝑗 + 𝜐_𝑠 + 𝜂_𝑡 + 𝛾_𝑠⁡𝜏_𝑖𝑠𝑡 + 𝑋_𝑖𝑗𝑠𝑡⁡𝛽 + 𝛼_𝑠⁡𝑁𝑇𝐵_𝑖𝑠𝑡 + 𝛼_𝑖𝑗𝑠⁡𝑁𝑇𝐵_𝑖𝑠𝑡⁡⁡ × ⁡𝟙{𝑖


= 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙⁡𝑎𝑛𝑑⁡𝑗 = 𝑘⁡𝑜𝑟⁡𝑖 = 𝑘⁡𝑎𝑛𝑑⁡𝑗 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙} + 𝜀_𝑖𝑗𝑠𝑡, 𝑘 = {𝐸𝑈28}

onde 𝑖 denota o país importador57, 𝑗 denota o país exportador, 𝑠 o setor e 𝑡 o período de


tempo. Portanto, 𝑦𝑖𝑗𝑠𝑡 denota o valor (CIF) das importações do país 𝑖 provenientes do país 𝑗, do
setor 𝑠 no período 𝑡. As variáveis dummy 𝛼𝑖𝑗 , 𝜐𝑠 and 𝜂𝑡 controlam pelos efeitos fixos de pares
de países, setor e ano, respectivamente. O vetor 𝑋𝑖𝑗𝑠𝑡 representa o logaritmo do PIB de ambos
os países importadores e exportadores. A variável 𝑁𝑇𝐵𝑖𝑠𝑡 controla pela existência ou não de
medidas impostas pelo importador 𝑖 no setor 𝑠, que ainda estão ativas no ano 𝑡. Esta variável é
definida como a proporção de setores ao nível HS04 - compondo um dado setor do GTAP –
que possuem ao menos uma medida TBT/SPS ativa. τist denota a tarifa de importação aplicada
pelo importador 𝑖 no setor 𝑠 no ano 𝑡. 𝟙{𝑖 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙⁡𝑎𝑛𝑑⁡𝑗 = 𝑘⁡𝑜𝑟⁡𝑖 = 𝑘⁡𝑎𝑛𝑑⁡𝑗 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙} é
uma variável indicador que identifica o fluxo bilateral de comércio entre Brasil e a UE28.

Para a estimativa do equivalente tarifário das medidas TBT/SPS incidentes sobre o fluxo
bilateral de comércio entre o Brasil e os países do bloco Europeu (EU28), em nível setorial
exp(⁡αs +αijs )−1
correspondente à classificação GTAP, tem- se que: 𝑇𝐸𝑖𝑗𝑠 = .
𝛾𝑠

Dado que a variável NTB equivale a uma proporção (por construção), a tarifa
equivalente será uma medida correspondente à diferença entre a proporção “zero” (ausência de
medidas ao nível HS04 dentro de um setor GTAP) e 1 (quando todos os setores ao nível HS04,
que compõem um dado setor GTAP, possuem, ao menos, uma medida TBT/SPS).

7.2.2.4. Resultados para estimação de barreiras não-tarifárias em fluxos bilaterais entre


Brasil e União Europeia

57Para os efeitos de medidas TBT/SPS sobre os fluxos bilaterais de comércio entre Brasil e a UE28, foram
considerados como importadores o Brasil e os seguintes países Europeus: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia,
Chipre, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália,
Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha,
Suécia e Reino Unido, tendo por base as respectivas datas de acesso ao bloco Europeu.

164
A amostra para a estimativa Brasil x UE28 apresenta 696 989 observações, com quase
50% das mesmas correspondendo a fluxos de importação iguais a zero. Utilizamos apenas os
anos ímpares entre 2005 e 2013 de modo a intervalar os efeitos e melhor identificá-los na
regressão de Poisson. As estimativas para os equivalentes tarifários são apresentadas na Tabela
7.5 abaixo. A primeira coluna da tabela apresenta os setores no nível do GTAP, enquanto a
segunda e terceira colunas apresentam os equivalentes tarifários para as importações da UE
provenientes do Brasil e do Brasil provenientes da UE, respectivamente. Equivalentes tarifários
não reportados significam que ou o impacto calculado sobre os fluxos bilaterais de comércio
era positivo ou era estatisticamente não diferente de zero.58

Tabela 7.5. Equivalentes ad-valorem (%) para BNTs no comércio bilateral – Brasil e UE28.

Setor UE-BRA BRA-UE

Arroz

Trigo 26.05

Cereais em grãos 5.60

Vegetais/frutas 9.99

Sementes oleaginosas 2.76

Cana-de-açúcar

Fibras de plantas 3.13

Culturas agrícolas 3.06

Gado, cavalos, ovelhas 1.63 2.17

Produtos animais

Leite não pasteurizado

Lã, casulo de bicho-da-seda 2.41

Silvicultura 1.27 1.38

Pesca 0.99 1.39

58
Equivalentes tarifários são calculados por meio do impacto estimado das BNTs sobre os fluxos de comércio,
conforme explicado no item 3.2. Quando o impacto estimado é negativo, depreende-se que a BNT é, de fato, um
obstáculo ao comércio e, portanto, passível de negociação tendo em vista a redução dos seus efeitos para o
exportador (caso dos equivalentes tarifários reportados na Tabela 1. Quando o impacto estimado é positivo, a BNT
existente incentiva as exportações, ao invés de obstruí-las. Isso ocorre, por exemplo, quando o impacto positivo
da demanda pelo produto no país importador supera o impacto negativo sobre a oferta no país exportador. Para
estes casos, e para os casos onde o impacto detectado é nulo (estatisticamente não diferente de zero), pressupõe-
se que não serão alvos de demanda por negociação por parte do setor privado.

165
Carvão 1.39 1.35

Petróleo 1.03 1.36

Gás 1.39 0.51

Outros minerais 1.26

Carne: Gado, ovelhas cavalos 4.31

Produtos de carne 0.72

Óleos vegetais e gorduras

Laticínios 2.33

Arroz Processado 4.69

Açúcar 10.89

Outros prod. Alimentícios 6.32

Bebidas, prod. do tabaco

Têxteis 55.02 52.81

Vestuário 6.75 6.91

Produtos de couro 6.79

Produtos de madeira

Papel

Derivados de petrol./carvão 3.08 2.50

Químicos, borracha/plást. 4.47

Produtos minerais 3.78

Metais ferrosos 3.31

Metais 8.22

Produtos de metal 7.15

Veículos motorizados/peças 3.95

Outros equip. de transporte 4.98 6.92

Equipamentos eletrônicos 6.85 6.70

Outros maquinários 13.98

Outras manufaturas 6.95 6.95

Nota: (UE-BRA) são os equivalentes tarifários das BNTs que incidem sobre as exportações do Brasil
para a UE. Já (BRA-UE) são os equivalentes tarifários das BNTs que incidem sobre as exportações da
UE para o Brasil.

166
7.2.2.5. As exportações do Brasil em Laticínios

Conforme observado na Tabela 7.5 acima, as barreiras não-tarifárias impostas pela


UE28 às exportações Brasileiras em Laticínios equivalem a uma tarifa adicional de 2,33%. Este
ponto merece um detalhamento maior, uma vez que é sabido que as exportações bilaterais neste
setor são próximas de zero. Desta forma, a barreira estimada refere-se apenas aos sub-setores –
dentro do macro setor do GTAP denominado “Laticínios” – que possuem exportação positiva
(independentemente da magnitude) para a UE28 no período de 2005 a 2013. Ao nível HS6,
portanto, correspondem aos seguintes setores para o ano 2011 (baseyear da base GTAP 9
utilizada neste estudo) : HS-040110; HS-040120; HS-040130; HS-040210; HS-040221; HS-
040291; HS-040299; HS-040310; HS-040620; HS-040690; HS-170211; HS-170219; HS-
210500.

7.2.2.6. Facilitação do Comércio

Hummels & Schaur (2013) desenvolvem metodologia para o cálculo do equivalente


tarifário devido a atrasos portuários, para cerca de 5000 produtos importados pelos Estados
Unidos no intervalo 1991-2005. Segundo estimativas dos autores, cada dia em trânsito custa,
em média, entre 0,6 % a 2,1 % do valor da carga comercializada. Além disso, Hummels &
Schaur apontam que a sensibilidade ao tempo do comércio para produtos manufaturados (partes
e componentes, por exemplo) é cerca de 60 % maior, quando comparada a outros produtos.

A ideia central do artigo de Hummels e Schaur é a existência de um custo de


oportunidade em cada dia adicional que uma mercadoria demora para ser entregue ao
importador. Para estimar os equivalentes tarifários dos atrasos alfandegários, os autores partem
da tomada de decisão de exportadores entre utilizar transporte marítimo ou aéreo. A
metodologia consiste em explorar o trade-off dos maiores custos de frete por via aérea, contra
os benefícios de se agilizar a entrega de um produto. Dito de outra forma, a proposta é extrair
a disposição dos consumidores a pagar mais caro pelo tempo salvo via exportação aérea, tendo
como alternativa o transporte marítimo, mais barato, porém mais lento.

167
Figura 7.21. Equivalente ad-valorem médio das barreiras portuárias por faixa de renda

25

19.4
20 18.2

15

9.1
10
7.7
6.5
4.9 5.5
4.5
5 3.1 3.3
1.7 1.5
0.1 0.4 0.4 0.5
0
Agriculture Agribusiness Extrac ve Manufacturing

High Upmed Lowmed Low

Fonte: Ferraz et al (2017).

Para este trabalho, utilizaremos a média mundial setorial, de acordo com a classificação
de renda dos países pelo Banco Mundial, calculada a partir das estimativas de Hummels and
Schaur (2013) e aplicada em Ferraz et al (2017), conforme mostrado na Figura 7.21. Na
classificação de renda do Banco Mundial, o Brasil está incluído no grupo de países Upper-
medium e a UE, por sua vez, em High income.

No presente relatório, a melhoria da eficiência portuária no comércio bilateral (BRA-


UE28) foi considerada como um choque de 10% de redução nos custos dos atrasos portuários,
a partir dos resultados reportados por Hummels and Schaur (2013) e sintetizados no gráfico
acima.

7.2.2.7. Resultados

No cenário em questão foi considerada a negociação bilateral entre Brasil e UE28,


conforme os parâmetros de negociação tradicionais59, além de uma redução de 20% nas

59Redução de 100% das tarifas bilaterais em 10 anos, começando em 2018. Além disso, o setor de etanol foi
considerado fora da oferta da EU-28 e, para o setor de carnes, foi considerada uma ligeira flexibilização da quota
europeia da ordem de 2%. O setor de laticínios foi considerado fora da negociação bilateral, além do setor de
couros, que foi considerado fora da oferta Brasileira. Portanto, acreditamos que se trata de um cenário conservador,
porém realista, dadas as características defensivas de cada região.

168
barreiras TBT/SPS (conforme Tabela 7.5), além de uma redução de 10% nas barreiras
portuárias (conforme Figura 7.21).

Figura 7.22. Impacto do acordo sobre o PIB do Brasil (%)

0,47 0,49
0,43
0,39
0,34
0,29
0,24
0,19
0,15
0,11
0,07
0,02 0,04

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.23. Impacto do acordo sobre o volume de investimentos no Brasil (%)

3,45
3,23 3,16
2,97
2,67 2,8
2,34 2,41
1,98
1,59
1,18
0,76
0,36

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.24. Impacto do acordo sobre o volume de comércio no Brasil (%)

5,9
5,33 5,49
5,04
4,76 4,58
4,19 4,23
3,6 3,73
3,01 3,2
2,4 2,68
1,79 1,97
1,17 1,36
0,57 0,84
0,13 0,43

-0,09 -0,16 -0,15 -0,07

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030
Volume Exportado Volume Importado

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

169
Figura 7.25. Impacto do acordo sobre o PIB setorial no Brasil, em 2030 (%)
12,68

6,43

2,3 2,2 2,67 2,77


1,79 1,79 1,37 1,46 2,24
0,62 1,39 0,69 0,6 0,50 1,06 0,84 0,54 1,38 1,41
0,77 0,03 0,77 0,05 0,270,23 0,31
0,35 0,36

-0,42 -0,65 -0,80 -0,63 -0,66


-0,86
-2,15 -1,86

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

Referências

Dixon, P. and Pearson, K. “Notes and problems in applied general equilibrium economics”.
North-Holland Amsterdam, 1992.

Hertel, T. “Global trade analysis: modeling and applications”. Cambridge university press,
1998.

Hummels, D. and Schaur, G. “Time as a Trade Barrier”. American Economic Review, vol. 103,
issue 7, december, 2013.

Ianchovichina, E.I.; Walmsley, T.L. “Dynamic Modeling and Applications for Global
Economic Analysis”. Cambridge university press, 2012.

170
8. A Inserção da Indústria Brasileira nas Cadeias Globais de Valor,
Serviços e Facilitação do Comércio

8.1. Introdução

Há muito se tem advogado que o Brasil é um país fechado, pouco inserido nas Cadeias
Globais de Valor (CGV) e com um número relativamente pequeno de Acordos Preferenciais de
Comércio (APC). No entanto, apesar dos diversos trabalhos sobre esses temas, ainda são
escassas as propostas que procuram enxergá-los de maneira conjunta e quantitativa. Nesse
sentido, a falta de estudos recentes que visam compreender de modo amplo a inserção brasileira
no mercado internacional contribui para que seja dificultada a criação de políticas públicas
específicas, dentro do contexto de um comércio internacional cada vez mais alicerçado na
fragmentação e na especialização em estágios produtivos.

Este tópico do projeto de pesquisa tem dois objetivos centrais. O primeiro deles é traçar
um panorama quantitativo da recente evolução do comércio internacional brasileiro, com foco
em bens intermediários, nas perspectivas agregada e setorial, tendo por base seu nível de
integração às cadeias globais de valor. Esta análise se diferencia das comumente encontradas
na literatura empírica uma vez que busca avaliar o desempenho comercial brasileiro (e global)
sob a ótica do valor adicionado. Esta perspectiva, além de inovadora, encontra-se mais
adequada para a análise de um mundo em contínuo processo de fragmentação da atividade
produtiva, onde cada vez menos os fluxos de comércio bruto se correlacionam com os ganhos
de bem-estar advindos da atividade comercial. O segundo objetivo deste artigo é contribuir para
o debate de políticas públicas sobre o papel do governo no aprimoramento das condições
necessárias para ampliar a integração do setor produtivo brasileiro às cadeias globais de valor.
Para tanto, tendo por base a evidência empírica internacional, é analisada a importância da
realização de um número maior de acordos preferenciais de comércio, além do papel da
estrutura tarifária, dos serviços e da facilitação do comércio.

As principais conclusões deste estudo podem ser sintetizadas da seguinte forma: (1) A
fragmentação internacional da atividade produtiva aumentou significativamente nas décadas
recentes até o período pré-crise internacional, em 2008. Ao menos em seu conjunto, este
processo tem beneficiado em maior grau os países emergentes, em detrimento dos países
desenvolvidos; (2) A constatação de que o Brasil (e o Mercosul) não está inserido de modo
relevante nas CGV advém, tanto da análise de indicadores tradicionais de abertura comercial,

171
quanto da análise de indicadores específicos para CGV, os quais sugerem que a estrutura
produtiva do Brasil é ainda muito verticalizada para padrões globais, mesmo quando o foco da
análise é voltado para a indústria de transformação, excluindo-se o setor agrícola; (3) A análise
setorial aponta que, no período recente, houve um aumento significativo na participação de
insumos importados para todos os setores da economia brasileira. Contudo, quando confrontada
com a evidência internacional, a penetração dos bens intermediários (partes e componentes)
importados na indústria brasileira é ainda relativamente baixa. Além disso, o crescimento da
participação dos bens intermediários importados foi relativamente maior em setores mais
intensivos em tecnologia; (4) No que tange à produção de bens intermediários, a economia
brasileira vem direcionando seus recursos produtivos para a produção e exportação de bens
intermediários em setores menos intensivos em tecnologia. Para setores mais intensivos em
tecnologia, a análise dos dados sugere que o Brasil tem se especializado na produção e
exportação de bens finais; (5) O conceito de “parceiro natural de comércio”, já estabelecido na
literatura econômica de Integração Regional, pode ser adaptado para o caso da análise de
acordos preferencias de comércio sob a lógica das CGV. Sua utilidade consiste no mapeamento
ex-ante dos parceiros comerciais do Brasil, com os quais o padrão bilateral de comércio segue,
o mais próximo possível, a lógica das CGV. Este exercício revelou que, para o Brasil, estes
parceiros são: a União Europeia (EU_28), o NAFTA e a China. Para o caso da UE_28, este
resultado é corroborado por meio da simulação de um acordo de livre comércio hipotético,
envolvendo o Mercosul e a UE, onde os índices de conexão em CGV são comparados antes e
depois do acordo.

Os resultados desta etapa do projeto foram, em parte, construídos a partir do uso de


medidas em valor adicionado. Essa abordagem permite estimar as fontes de valor adicionado
na produção de mercadorias e serviços para a exportação e importação, além de reconhecer a
importância das trocas de bens intermediários. Assim, fazendo-se uso de medidas em valor
adicionado, de interpretações com dados brutos de comércio e utilizando técnicas de insumo-
produto, compôs-se diversos indicadores que possibilitaram extrair as conclusões deste
trabalho.

Além desta introdução, esta etapa do projeto está estruturada em mais 6 seções. A seção
(8.2) apresenta uma revisão bibliográfica da mais recente literatura empírica e teórica sobre
cadeias globais de valor. A seção (8.3) descreve os principais aspectos metodológicos utilizados
para a construção dos indicadores de CGV apresentados neste trabalho. A seção (8.4) apresenta
os fatos estilizados da evolução do comércio brasileiro e mundial nas últimas décadas, com

172
foco em cadeias globais/regionais de valor. As implicações de políticas públicas são discutidas
na seção (8.5) na qual o caso dos acordos preferenciais de comércio (APC) é apresentado. A
seção (8.6) descreve um panorama sobre o setor de serviços, com foco particular no setor de
serviços financeiros e, por fim, a seção (8.7) discute a importância da facilitação do comércio
para o Brasil.

8.2. Revisão da Literatura

Pode-se definir Cadeias Globais de Valor (CGV)60 como o conjunto de atividades que
firmas e trabalhadores desempenham para levar um produto de sua concepção até o consumidor
final (Gereffi & Fernandez-Stark 2011 apud Backer & Miroudot, 2013). Alternativamente,
também é possível defini-las como a coleção de todas as atividades necessárias para produzir e
entregar um produto a esse mesmo consumidor (Timmer et al, 2013).

A qualificação do processo como cadeia de valor advém do fato de a produção se dar em


estágios que agregam valores adicionados. Em cada estágio o produtor adquire seus insumos e,
então, emprega fatores de produção (capital, terra e trabalho) cujas remunerações correspondem
ao valor adicionado por ele. Este processo se repete no próximo estágio, de tal sorte que o valor
adicionado anteriormente se transforma em custo para o próximo produtor (Koopman et al,
2014). O conjunto dessas atividades pode ser desempenhado dentro de uma mesma firma ou
em firmas distintas. Quando tais ações são divididas em mais de um país ou região, temos uma
cadeia de valor que é global (Backer & Miroudot, 2013).

O fenômeno de terceirização de estágios produtivos não é algo novo no mundo. Antes dos
anos 80 já é possível encontrar exemplos de CGV. Àquela época, porém, a importância das
CGV para o comércio era bem menos significativa, sendo estruturadas, predominantemente,
entre nações desenvolvidas (comércio Norte-Norte). O interesse da literatura econômica pelo
assunto cresceu à medida que alguns padrões foram se alterando: 1) os fluxos decorrentes de
CGV passaram a representar uma parcela significativa do comércio mundial (Backer &
Miroudot, 2013); e 2) esses fluxos de comércio começaram a ocorrer entre nações
desenvolvidas (Norte) e nações em desenvolvimento (Sul) (Baldwin & Lopez-Gonzalez, 2013)

60 Trata-se de um conceito mais amplo do que o de cadeia internacional de suprimentos. Este último, compreende
tipicamente os estágios físicos necessários para produção de um bem, não abarcando os serviços utilizados para
produção e entrega do produto. Assim, CGV compreendem um conjunto de serviços anteriores à produção, tais
como P&D, software, design, branding, financiamento, sistemas de integração de atividades; serviços de pós-
produção (logística) e serviços de pós-venda (Timmer et al 2013). No entanto, outros autores como Koopman et
al (2014) utilizam os conceitos de CGV e cadeias internacionais de suprimentos como sinônimos.

173
o que, em princípio, tem sido benéfico para alguns países emergentes, de acordo com a
evidência empírica recente. Tal movimento foi capaz, inclusive, de impulsionar uma nova
forma de industrialização por meio da associação a CGV, a exemplo da China e, mais
recentemente, de países do leste europeu, como República Checa, Hungria e Polônia.

Segundo Grossman & Rossi-Hansberg (2006) o processo de integração das estruturas


produtivas dos países (também conhecido na literatura econômica como offshoring) sofreu forte
impulso com a significativa redução dos custos de transporte e avanços alcançados em
tecnologia da informação, ao longo das últimas décadas. É importante ressaltar que este
processo beneficiou, em maior medida, o comércio de bens intermediários manufaturados,
sobretudo pela menor correlação destes produtos com a dotação relativa de fatores de produção
existente nos países, como terra e recursos naturais. Por trás desta constatação está a lógica de
que, em princípio, um bem manufaturado pode ser produzido em qualquer região
economicamente ativa do planeta, o que não ocorre com a produção de um bem agrícola, por
exemplo.

Dentre os diversos aspectos da fragmentação da atividade produtiva em nível mundial, é


importante ressaltar que a mesma ocorre, com mais intensidade, entre países localizados no
entorno das grandes economias industriais do mundo, como os EUA, Alemanha e Japão 61, o
que destaca o caráter marcadamente regional das CGV (Johnson & Noguera, 2012). Contudo,
tendo em vista a continuidade dos avanços tecnológicos, Timer et al (2014) apresentam
evidência empírica de que as cadeias regionais de valor estão se tornando, cada vez mais
globais, incorporando países de várias regiões distintas do mundo. Este processo, contudo,
parece perder impulso a partir do início da crise financeira internacional de 2008, ainda que não
se tenha, até o momento, qualquer evidência sólida de reversão do mesmo.

Segundo Baldwin (2016), as cadeias globais de valor não se restringem apenas a um maior
fluxo de bens e serviços entre as fronteiras dos países, mas também se verifica um aumento da
mobilidade internacional de conhecimento gerencial e produtivo, ou seja, as firmas estrangeiras
levam aos países de montagem não só as partes para serem montadas, aproveitando-se de custos
mais baixos, mas também o conhecimento de como montá-las, de como gerir a firma montadora
e de como entregar o produto gerado (Baldwin & Lopez-Gonzalez, 2013). Neste sentido, as
cadeias globais possibilitaram um processo de arbitragem entre países com custos de mão-de-
obra distintos, por meio da transmissão de know-how do país de maior salário, para aquele de

61Estas economias são chamadas por Baldwin et al (2013) de “headquarters”, caracterizando-se por serem grandes
fornecedoras de bens intermediários intensivos em tecnologia.

174
menor salário. Desta forma, mais além do aumento do fluxo internacional de bens
intermediários, cadeias globais de valor possibilitaram ganhos significativos de spillovers
tecnológicos em escala global.

As implicações teóricas da fragmentação da atividade produtiva sobre os preços dos fatores


de produção foram primeiramente discutidas nos trabalhos de Kohler (2004) e Antràs et al
(2006), com abordagens variadas sobre a mobilidade dos fatores de produção. O trabalho de
Grossman & Rossi-Hansberg (2008) propõe um modelo em competição perfeita, onde o
comércio bilateral em estágios de produção (offshoring) surge de forma endógena. Em termos
de suas implicações, a relevância do trabalho de Grossman & Rossi-Hansberg (2008) reside no
fato de que foi o primeiro artigo a formalizar a analogia entre a terceirização da atividade
produtiva e um choque de progresso técnico. De acordo com os autores, é teoricamente possível
que os ganhos de produtividade auferidos pelo país que optou por terceirizar parte de sua cadeia
de produção para um país estrangeiro, seja de tal ordem de magnitude que eleve o salário e
aumente o nível de emprego na cadeia doméstica remanescente.

Os resultados das análises de insumo-produto realizadas em Timer et al (2013) sugerem


que, para o caso da Alemanha, a terceirização de parte de suas atividades de produção para as
economias do leste europeu, como Hungria, Polônia e República Tcheca foi feita com perda de
emprego em setores diretamente envolvidos nestas atividades, porém com forte aumento de
emprego em outros setores integrantes da cadeia de produção doméstica, em particular no setor
de serviços. No geral, houve aumento líquido das vagas de emprego na Alemanha. A análise
de Timer et al (2013), portanto, parece dar sustentação aos resultados teóricos encontrados em
Grossman & Rossi-Hansberg (2008). Mais recentemente, estudo publicado pela OCDE (2016),
utilizando base de dados mundial em painel, sugere que as cadeias globais de valor contribuíram
para diminuir a desigualdade salarial nos países mais integrados às mesmas, a despeito do
aumento da desigualdade de renda observado na maior parte do mundo.

O novo paradigma produtivo estabelecido pelas CGV também tem auxiliado a melhor
compreensão e abordagem de alguns fenômenos recentes da economia mundial, tais como: 1)
o impulso à fragmentação produtiva e interdependência dos países, ocasionado pela redução
significativa dos custos de transação, fazendo com que o conceito de produtividade deixe de
ser um conceito local, para ser global; 2) a especialização dos países em tarefas e funções nas
quais a competição relevante não se dá entre o produto doméstico e o produto estrangeiro, mas
sim, entre quais papéis desempenhar dentro da cadeia de valor; e 3) a nova estrutura de
governança global do comércio, visto que a análise das CGV possibilita a compreensão sobre

175
quais firmas e atores controlam e coordenam as atividades produtivas ao longo de uma cadeia
(Backer e Miroudot 2013). Além disso, o aumento da importância das CGV no comércio
mundial também acentua problemas encontrados nas estatísticas usuais de comércio, tais como:
1) problemas de múltipla contagem e o potencial superdimensionamento da importância das
exportações/importações para a geração de emprego e renda em um país; 2) a dificuldade de se
compreender o real peso das relações comerciais entre países; e 3) a dificuldade de se mensurar
a importância do setor de serviços para o comércio (OECD-WTO 2012).

Dado que as trocas comerciais ao longo das CGV se dão prioritariamente entre bens
intermediários, ou seja, bens que serão utilizados como insumos no processo produtivo de
outras nações, a análise das CGV pressupõe a devida identificação destes fluxos. Contudo, estes
dados não estão disponíveis diretamente nas bases de dados de comércio. Assim, para que se
consiga tais informações, deve-se utilizar matrizes de insumo-produto que rastreiam os fluxos
de usos.

8.3. Base de Dados e Metodologia Empregada

A estratégia adotada nesta etapa do trabalho é a de utilizar matrizes de insumo-produto


mundiais. Essas matrizes são fruto da estimação de fluxos contábeis entre indústrias de diversos
países. De forma precisa, elas contêm as inter-relações entre produtores de bens e serviços
(indústrias) e aqueles que utilizam tais produtos e serviços (OECD-WTO 2011).

A construção das matrizes de insumo-produto é extremamente dado-intensiva. Além disso,


as informações necessárias para a estruturação dessas mesmas matrizes envolvem diferentes
países. Conjuntamente, essas duas características fazem com que tais tabelas sejam elaboradas,
em sua maioria, por projetos de grande envergadura, geralmente liderados por organismos
multilaterais. Nesse trabalho, foram utilizadas as matrizes de insumo-produto provenientes de
três projetos: Global Trade Analysis Project (GTAP), OECD Inter-country Input-Output
database (OECD-WTO), World Input-Output Database (WIOD)62.

62 Tabela adaptada de OECD-WTO 2011.

176
8.3.1. Indicadores Utilizados

A construção dos indicadores utilizados neste estudo está baseada na recente literatura
empírica de insumo-produto aplicada à análise das cadeias globais de valor (Hummels et al
(2001), Daudin et al (2011), Jonhson & Noguera (2012), Koopman et al (2010, 2014)). São
eles: 1) A exportação em valor adicionado, a qual parte do conceito de “comércio em valor
adicionado” desenvolvido por Johnson & Noguera (2012). Esse indicador busca captar o quanto
de valor adicionado doméstico um dado país exporta para outro embutido nos bens finais
consumidos pelo último (Stehrer 2012)). 2) Ainda seguindo Johnson & Noguera (2012), utiliza-
se a decomposição das exportações a fim de evidenciar algumas triangulações comerciais entre
países de um dado bloco ou região; 3) Seguindo Koopman et al (2010, 2014), considera-se o
conteúdo importado das exportações de um dado país (VS) o qual, de acordo com Backer e
Miroudot (2013), é possível de ser interpretado como um índice de ligação backward nas
cadeias de valor (ou encadeamento upstream); e por fim, tem-se 4) a proporção da exportação
total correspondente a bens intermediários domésticos que serão reexportados (VS1), o qual
também de acordo com Backer e Miroudot (2013) pode ser interpretado como índice de ligação
forward (ou encadeamento downstream).

8.4. O Brasil e as Cadeias Globais de Valor

Esta seção apresenta uma perspectiva comparada do desempenho comercial da


economia do Brasil nas últimas décadas, tanto sob o ponto de vista macro, quanto sob o ponto
de vista setorial. Dado o objetivo de se identificar canais de integração às CGV, o foco das
análises realizadas está fortemente direcionado para o comércio de bens intermediários e para
a quantificação e segregação, por origem, do valor adicionado das exportações brutas.

8.4.1. Alguns fatos estilizados sobre o desempenho comercial do Brasil no período 1995-
2011

A primeira questão a ser investigada é relativa às evidências existentes quanto a


possíveis sinais de integração do Brasil às cadeias globais de valor. Para tanto, num primeiro
momento, será analisada a evolução recente do comércio global e sua relação com essas cadeias.
Como mencionado na seção 8.2, ao longo das últimas décadas, ao menos até 2011, percebeu-
se um contínuo processo de fragmentação da produção entre os países. Esse aumento, por sua

177
vez, resultou em um maior comércio internacional de bens intermediários (insumos em geral),
o que pode ser visto no painel direito da Figura 8.1. Nele também verificamos que a exportação
de bens intermediários correspondeu, em 2011, a mais de dois terços das exportações mundiais
e que, entre 1995 e 2008, essa participação cresceu cerca de 8%. Ademais, há evidências de que
esse processo foi benéfico aos países em desenvolvimento, ao menos em termos agregados. Tal
indicativo pode ser observado no painel central da Figura 8.1, que apresenta a evolução da
participação dos países de renda alta e de renda média63 no valor adicionado gerado pelas
exportações globais. Verifica-se, pois, que os países com renda média aumentaram sua
participação em cerca de 10 pontos percentuais no valor adicionado gerado pelas exportações
mundiais, e que esse aumento ocorreu em detrimento da participação dos países de renda alta.

Um resultado esperado do crescimento da fragmentação da atividade produtiva no


mundo é o aumento da parcela de conteúdo importado nas exportações domésticas, o que
significa menos geração de valor adicionado doméstico para cada unidade de valor exportada.
No painel esquerdo da Figura 8.1 pode-se notar que, no caso da China, um país notoriamente
integrado às CGV, para cada dólar exportado, 61 cents correspondem ao pagamento de fatores
domésticos, sendo o restante (39 cents) correspondente ao pagamento de fatores de produção
utilizados em outros países. No caso brasileiro, apenas 13 cents remuneram fatores estrangeiros,
número próximo ao da Rússia, que remunera somente 10 cents64.

Figura 8.1 – Valor adicionado por exportações brutas, evolução da exportação de BI e


evolução da participação da renda com exportação

Fonte: OECD-WTO e WIOD. Elaboração Própria.

63De acordo com classificação do Banco Mundial.


64Por serem grandes exportadores de commodities, é esperado que Brasil e Rússia tenham um menor conteúdo
importado em suas exportações. O mesmo não seria esperado para as exportações de manufaturados destes países,
caso a indústria de transformação doméstica fosse, de fato, integrada em CGV.

178
Em resumo, os dados da Figura 8.1 sugerem que o processo de fragmentação
internacional da produção evoluiu continuamente nas décadas recentes e que, em paralelo a
isso, houve um crescimento relativo dos ganhos de comércio por parte dos países em
desenvolvimento. Dadas essas constatações, cabe-se indagar sobre em que medida o Brasil se
inseriu nesse processo. Como uma primeira abordagem, nota-se que Brasil e Rússia são aqueles
que, dentre os BRICS, possuem os mais elevados índices de valor adicionado doméstico em
suas exportações brutas, o que vai na contramão do esperado, dentro do novo contexto de
fragmentação internacional da produção. Vale a ressalva, porém, que para a análise mais
rigorosa de grandes exportadores de commodities, como o Brasil e Rússia, faz-se necessário
controlar pelo tamanho da importância destes setores em suas exportações agregadas, haja visto
que são setores estruturalmente menos integrados em CGV, pela ótica do conteúdo importado.

A partir da matriz de insumo-produto fornecida pelo projeto da WIOD, foram calculadas


algumas estatísticas diretas (Figura 8.2) que nos auxiliam a compreender o posicionamento do
Brasil no contexto das CGV65, tendo por foco o desempenho da sua indústria de transformação.

Figura 8.2 – Evolução IBI/PIB, EBI/PIB, CID/CIT das manufaturas

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

65Uma ressalva importante é que em grande parte desse trabalho computaremos estatísticas apenas para o setor de
indústria de transformação (manufaturas). Isso se justifica porque tais indústrias são as mais propensas ao processo
de fragmentação internacional (Timmer et al 2012) e logo são aquelas que mais nos interessam.

179
A primeira estatística calculada é a importação de bens intermediários manufaturados
sobre o PIB da indústria de transformação (IBI/PIB). A análise do perfil deste indicador para
um conjunto de indústrias de transformação de vários países, ao longo do período 1995-2011,
revela que, de forma geral, há uma tendência de elevação deste indicador (painel esquerdo da
Figura 8.2). Em específico para o Brasil, nota-se que o país apresentou um IBI/PIB, apesar de
ligeiramente crescente, ainda abaixo de outros países que são comumente identificados na
literatura como economias altamente integradas a CGV, tais como China, Coréia, Alemanha e
México. No caso analisado, o IBI/PIB brasileiro é próximo daqueles encontrados em países
desenvolvidos e altamente eficientes que, por consequência, tem uma indústria verticalizada,
como Japão e EUA.

Os dados das exportações de bens intermediários manufaturados sobre o PIB da


indústria de transformação (EBI/PIB) são apresentados no painel central da Figura 8.2.
Verifica-se, novamente, a mesma debilidade para o Brasil. Enquanto que, para países como
Alemanha e Coréia, esse índice chegou a quase 100% em 2011, no Brasil o mesmo índice não
passa de 30%. O comportamento da indústria do Brasil é, portanto, corroborado pela evidência
empírica de que países que importam pouco, também exportam pouco.

O baixo nível do comércio internacional de bens intermediários praticado pela indústria


de transformação no Brasil, é consistente com a análise do comportamento do indicador de
participação dos bens intermediários domésticos no total de bens intermediários consumidos
pela indústria de transformação (CID/CIT) (painel direito da Figura 8.2). Apesar da tendência
de queda mundial ao longo do período analisado, este indicador alcança cerca de 87,5% para a
indústria de transformação no Brasil em 2011, distante dos valores encontrados para indústrias
consideradas referências em fragmentação, tais como Alemanha e México, com valores
próximos a 65%.

Outro indicador importante na avaliação do grau de conexão de uma indústria às CGV


refere-se ao conteúdo importado de suas exportações. Na Figura 8.3 são apresentadas
informações deste indicador (VS), a partir dos dados fornecidos pela OECD-WTO. Nota-se que
o Brasil continua apresentando resultados muito baixos e descolados de outros países
emergentes, o que reforça o indicativo de que a economia brasileira é fechada e pouco integrada
às cadeias globais de valor. Além disso, nota-se que as economias emergentes aumentaram
significativamente seu VS entre 1995 e 2009, enquanto que o Brasil permaneceu estagnado em
11%, valor cerca de quatro vezes menor que o da Coréia, em 2009. Para os 55 países

180
considerados pela OECD, o Brasil está posicionado no 53º lugar, só ficando à frente de Arábia
Saudita e Federação Russa.

Figura 8.3 – Conteúdo Importado das Exportações de Manufaturados (VS)

Fonte: OECD-WTO. Elaboração Própria.

Quando considerado o Mercosul, principal projeto de integração comercial brasileiro


nos últimos 27 anos, as evidências de fragmentação e especialização das atividades produtivas
também não inspiram otimismo. Em primeiro lugar, o índice de ligação backward do segundo
país mais importante do bloco, a Argentina, é apenas uma posição acima do brasileiro (Figura
8.3) o que é um indicativo de que a Argentina também é um país relativamente pouco integrado
em cadeias de valor internacionais. Em segundo lugar; os indicadores de importações de bens
intermediários manufaturados sobre o PIB e de importações totais de bens manufaturados sobre
o PIB, medidos para as indústrias de transformação do Brasil e da Argentina são bastante baixos
em uma perspectiva comparada com 133 países, como pode ser visto na Tabela 8.1 (ano 2007).
Estes resultados, portanto, também reforçam a impressão geral de que o Brasil e Argentina são
países ainda pouco abertos ao comércio internacional. De acordo com a Tabela 8.1, a indústria
de transformação no Brasil chega a ocupar a posição 132º, em um total de 133 países, com
relação à penetração total das importações (M/PIB).

181
Tabela 8.1 – Indicadores de Integração Produtiva para os principais países do Mercosul
(ano=2007)

Fonte: GTAP 9.1. Elaboração Própria.

Por fim, com o objetivo de avaliar até que ponto há, de fato, uma cadeia de valor em
formação no MERCOSUL, foram construídas tabelas de “triangulação”. Seguindo a proposta
contida em Johnson & Noguera (2012), tem-se a decomposição das exportações em três termos:
1) o primeiro é chamado de absorção, pois captura a porção das exportações bilaterais de um
país que são absorvidas e consumidas em um país de destino, incluindo tanto bens finais do
país de origem, quanto intermediários do país de origem que estão embutidos no consumo dos
próprios bens produzidos pelo país de destino; 2) o segundo termo é chamado de reflexão, pois
captura os bens intermediários que voltam embutidos nos bens exportados pelo país de destino;
3) o terceiro termo é chamado de redirecionamento e captura o somatório dos bens
intermediários do país de origem embutidos nos bens exportados por um outro país e
consumidos em todos os demais países (Johnson & Noguera 2012).

Além do caso do MERCOSUL, foram calculadas outras triangulações como as do


NAFTA (North American Free Trade Agreement), da União Europeia e uma cadeia
denominada de “trans-pacífica”, tendo em vista o estabelecimento de um padrão relativamente
amplo de comparação.

Tabela 8.2 - Tabelas de Triangulação Mercosul (ano=2011)

182
Tabela 8.3 - Tabelas de Triangulação Regionais e Trans-Regionais (ano=2011)

Fonte: GTAP 9. Elaboração Própria.

A análise da Tabela 8.2 sugere que a reflexão (reexportação do bem intermediário


importado de volta para o país de origem) e o redirecionamento (reexportação do bem
intermediário importado para países terceiros) do comércio do MERCOSUL são relativamente
baixos se comparado com as demais cadeias analisadas. Como exemplo, para cada 100 dólares
exportados do Brasil para a Argentina, somente 32,80 dólares são redirecionados para outros
países, dos quais apenas 5,5 dólares voltam para o Brasil (reflexão), embutidos nos produtos
exportados pela Argentina. Quando se compara ao NAFTA (Tabela 8.3), cuja reflexão é de
cerca de 20%, e ao redirecionamento da cadeia europeia que, no caso das exportações da
Alemanha para a República Tcheca, chega a 48% (com a reflexão incluída), nota-se o quão
pouco integrada é a cadeia do MERCOSUL. Já para a cadeia “trans-pacífica”, dos 100 dólares
exportados da Coréia do Sul para a China, cerca de 38 dólares são redirecionados para outros
destinos, embutidos nas exportações chinesas, dentre os quais 11,2 dólares para os EUA.

Em resumo, baseado nos dados apresentados, é possível concluir que o comércio mundial
se alicerçou numa crescente fragmentação da atividade produtiva, ao menos até o ano de 2011.
O Brasil, contudo, a julgar pelos dados de comércio em valor adicionado mais recentes, não foi
capaz de se inserir nesse movimento. Esta impressão advém, tanto da análise de indicadores de
abertura comercial em geral, quanto da análise do grau de integração do Brasil com seu bloco
regional, o MERCOSUL. Na próxima seção será analisado como esses movimentos agregados
operaram em nível micro-setorial.

183
8.4.2. A evolução do panorama setorial no período 1995-2011

Essa seção abordará três perguntas específicas, quais sejam66: 1) Qual o nível de
participação e distribuição dos bens intermediários importados na atividade setorial do Brasil?
2) Está havendo alguma tendência de especialização da produção nacional de bens
intermediários em setores específicos da economia brasileira? 3) É possível inferir como está
evoluindo a produção setorial no Brasil em termos de estágios de maior ou menor valor
adicionado?

Para a abordagem da primeira questão, a Figura 8.4 (painel esquerdo) representa a


evolução dos bens intermediários importados para 14 setores da indústria de transformação no
Brasil, entre 1995 e 201167, medido como a parcela destes bens no total de bens intermediários
consumidos setorialmente. É possível constatar que, entre 1995 e 2011, a participação dos bens
intermediários importados aumentou para todos os setores da economia brasileira, com
destaque para os setores manufatureiros mais sofisticados, os quais apresentaram maior
aumento dessa razão. Em particular, vale destacar o setor de Equipamentos Elétricos e Ópticos,
o qual apresenta, tanto o maior nível de insumos importados no total de insumos utilizados ao
final do período (26,4%), quanto o maior crescimento relativo ao longo do período analisado
(cerca de 15 pontos percentuais). Uma observação importante é a de que, apesar da evolução
significativa, a participação dos bens intermediários domésticos ainda é predominante para
todos os setores da economia do Brasil (mediana, do consumo de insumos domésticos sobre o
consumo total é de 86,7%68) e acima do esperado em uma perspectiva comparada internacional,
como discutido na seção anterior. Como complemento a essas informações, o painel direito da
Figura 8.4 permite identificar a origem dos novos insumos importados utilizados, e em troca de
quais países eles passaram a ser consumidos. Conforme sugerido pelos dados, a China foi o
país que mais ganhou espaço enquanto supridor de insumos importados pelo Brasil, tendo papel
destacado em todos os setores da economia brasileira. Além disso, o aumento da presença da
China se deu, predominantemente, em detrimento da participação doméstica. Dessa forma,
observa-se que houve um aumento na integração produtiva brasileira, sob a lógica do comércio
de bens intermediários, a qual se deu, em grande parte, por uma maior integração comercial
com a China.

66 A análise desta seção segue parcialmente a abordagem apresentada em Baldwin et al, 2013, para o caso
específico da China.
67 Consideramos aqui 17 setores: os 14 setores da indústria de transformação disponíveis na WIOD, 1 setor de

Serviços agregado, 1 setor de Agricultura e mais 1 setor de Indústria Extrativa.


68 Dados disponíveis perante solicitação.

184
Figura 8.4 - Razão de intermediários importados (1995 vs 2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

O próximo ponto a ser verificado é se o Brasil desenvolveu algum tipo de vantagem


comparativa setorial na produção de intermediários ao longo do período analisado, controlando-
se pela evolução da economia mundial no mesmo período. Para tanto, seguindo a análise feita
em Baldwin et al 2013, foi utilizado o conceito de Vantagem Comparativa Revelada na
Produção de bens Intermediários (RIPA - Revealed Comparative Intermediate Production
Advantage). O cálculo da RIPA é dado por: RIPA = (% do setor i no total da produção doméstica
de intermediários) - (% do setor i na produção global de intermediários). Os resultados dos
cálculos da RIPA, para os anos de 1995 e 2011, podem ser observados na Figura 5.2 (painel
direito). De acordo com os resultados reportados, o Brasil tem desenvolvido vantagens
comparativas, de forma geral, na produção de bens intermediários em setores de baixa
tecnologia e desvantagens em setores mais sofisticados, o que vem se acentuando ao longo do
período analisado. Em particular, setores mais sofisticados, tais como Equipamento de
Transporte, Químico e Equipamentos Elétricos e Ópticos estão cada vez mais perdendo
vantagem comparativa na produção de bens intermediários. Esta realocação produtiva
corrobora a observação já feita de que as importações de bens intermediários foram mais
significativas nos setores mais intensivos em tecnologia da economia brasileira, em comparação
com as importações de bens intermediários nos setores de baixa tecnologia. Assim, de acordo
a evidência encontrada, é possível afirmar que a economia do Brasil vem se especializando,
ainda que de forma lenta, na produção de bens intermediários menos intensivos em tecnologia.

185
Este processo está claramente correlacionado com uma maior participação de bens
intermediários importados na economia Brasileira, principalmente em setores mais intensivos
em tecnologia, como Equipamento de Transporte, Químico e Equipamentos Elétricos e Ópticos
(Figura 8.4). Vale ressaltar também que, no período analisado, houve forte realocação setorial
no sentido de uma maior especialização na produção de insumos relacionados a serviços. Em
2011, este setor foi responsável por cerca de 50,1% da produção total de bens intermediários
no Brasil, acima da média internacional de 48,5% (Figura 8.5, painel esquerdo). Em 1995, a
média internacional superava a média do Brasil em cerca de 4 pontos percentuais.

Figura 8.5 - Vantagem Comparativa Revelada na Produção de Intermediários (ano=2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Um outro conceito utilizado em Baldwin et al 2013 é o de vantagem comparativa


revelada em cadeia de suprimentos (RSCA - Revealed Supply Chain Advantage). À semelhança
do índice anterior, o cálculo da RSCA também é bastante simples: RSCA = (Participação dos
intermediários nas exportações totais do setor doméstico i) - (Participação dos intermediários
nas exportações globais do setor i). Os resultados dos cálculos da RSCA para os anos de 1995
e 2011 estão representados na Figura 8.6, na qual é possível verificar que o Brasil tem, em geral,
aumentado sua vantagem comparativa no suprimento de bens finais para setores manufaturados
sofisticados, ao passo que também tem aumentado sua vantagem comparativa no suprimento
de bens intermediários nos setores manufaturados menos sofisticados. Dessa forma, estes
resultados parecem guardar uma coerência com os resultados anteriores. Primeiro, nota-se que,
para aqueles setores em que o Brasil tem apresentado crescimento de vantagem comparativa na

186
produção de bens intermediários (RIPA positiva), também é possível perceber que houve
aumento de vantagem comparativa no suprimento destes bens via exportação (aumento de
RSCA). Segundo, para os setores em que o Brasil vem perdendo vantagem comparativa na
produção de intermediários, há uma tendência para uma maior especialização na exportação de
bens finais (decréscimo de RSCA), que são exatamente aqueles setores mais intensivos em
tecnologia e que estão apresentando maior penetração de insumos importados.

Figura 8.6 - Vantagem de Cadeia de Fornecimento Revelada

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Diante da mudança estrutural em andamento, a próxima questão a ser analisada é se a


economia do Brasil vem “subindo” ou “descendo” degraus nas cadeias de valor. Quando se diz
que um dado país “subiu” na cadeia de valor, quer-se denotar que o país está mais especializado
em tarefas de maior valor agregado por unidade produzida.

Na Figura 8.7 é possível verificar em que medida os setores produtivos brasileiros


evoluíram em termos de valor adicionado por unidade de produto69. Espera-se que, ao menos
em parte, as mudanças na razão valor adicionado por unidade de produto observadas, guardem
correlação com as mudanças estruturais na produção de bens intermediários ora em curso na
economia brasileira e já reportadas anteriormente. Por um lado, observa-se que o setor de
Equipamentos Elétricos e Ópticos, que sofreu forte aumento da participação de intermediários
importados ao longo do período 1995-2011, “subiu” na sua cadeia, apresentando uma evolução
positiva na razão valor adicionado por unidade de produto, fato que sugere um movimento na

69Vale ressaltar que se trata de uma análise aproximada, na medida em que outros fatores, não necessariamente
relacionados ao processo de fragmentação da atividade produtiva, podem estar afetando a produtividade dos
setores relacionados na Figura 8.7. Até o ponto em que estes outros fatores afetam os setores de forma homogênea,
é possível atribuir os efeitos observados ao processo em estudo.

187
direção da produção de partes mais sofisticas. Outros setores igualmente sofisticados, como
Equipamentos de Transporte e Químicos, sofreram queda na razão valor adicionado por
unidade de produto, sugerindo especialização em estágios menos “nobres” de suas respectivas
cadeias. O setor de equipamentos de transporte inclui empresas como a Embraer, que está
profundamente inserida em CGV. Outros setores que sofreram forte aumento da penetração de
bens intermediários importados também “desceram” degraus em suas respectivas cadeias
internacionais de suprimentos, como parece ser o caso do setor Têxtil e Vestuário,
especializando-se em estágios possivelmente menos nobres das cadeias. Por fim, o setor de
serviços, de importância estratégica para a indústria de transformação, também apresentou
perda de valor adicionado por unidade produzida, sugerindo especialização em estágios de
menor nível de sofisticação.

Figura 8.7 – Crescimento anual do valor adicionado por unidade de produto (1995-2011)

Couro, Produtos do Couro e Calçados 2,193%


Coque, Refino e Combustível Nuclear 1,100%
Equipamentos Elétricos e Ópticos ,443%
Celulose, Papel, Impressão e Publicação ,320%
Subindo na cadeia
Indústria Extrativa ,315%
Borraça e Plásticos ,298%
Reciclagem e Indústrias Diversos ,039%
Metais Básicos e Produtos do Metal -,132%
Serviços -,136%
Indústria Textil e Vestuário -,291%
Outros Máquinas e Equipamentos -,429%
Outros Minerais Não-metálicos -,453% Descendo na cadeia
Equipamento de Transporte -,514%
Agricultura e Extrativismo -,639%
Alimentos, Bebidas e Tabaco -,663%
Madeira e Cortiça -,758%
Químicos e Produtos Químicos -,968%
-1,500% -1,000% -,500% ,000% ,500% 1,000% 1,500% 2,000% 2,500%

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Em síntese, as evidências apontam que na última década parece ter havido uma melhora
da integração produtiva de todos os setores do Brasil, no que tange à participação de produtos
intermediários importados. Esse aumento foi relativamente maior em setores de tecnologia mais
avançada e a principal fonte desses bens foi a China, a qual ganhou espaço em detrimento da

188
produção doméstica brasileira. Outro ponto é que o Brasil apresenta vantagem comparativa
revelada crescente na produção de bens intermediários com viés para os setores de baixa
tecnologia. Ademais, quando analisada a vantagem comparativa revelada em cadeia de
suprimentos, há a sugestão de que, no Brasil, houve crescimento na exportação de bens finais
em setores de maior tecnologia, como também na exportação de intermediários em setores de
menor tecnologia. Por fim, até onde as mudanças estruturais em curso guardam correlação com
o comportamento dos setores em termos de valor adicionado por unidade de produto, setores
intensivos em tecnologia, como Equipamentos de Transporte e Químicos, parecem caminhar
para especialização em estágios menos nobres das cadeias nas quais estão inseridos. Evidência
contrária foi obtida para o setor de Equipamentos Elétricos e Ópticos, que parece caminhar para
uma maior especialização em tarefas que geram maior valor adicionado por unidade de produto.

Por fim, vale ressaltar que as análises realizadas nada afirmam sobre a geração ou destruição
de empregos tanto intra-setorialmente, quanto inter-setorialmente. Como sugerido por
Grossman e Rossi-Hanberg (2008) e Timmer et al (2013), para o caso da Alemanha, é possível
que o tímido processo de integração a que vem se submetendo a economia do Brasil seja, ao
final, liquidamente criador de empregos. Para a realização de tal análise, o conceito de cadeia
de valor deve ser colocado em uma perspectiva ampla, envolvendo setores direta e
indiretamente relacionados com a produção do bem final. Esta, seguramente é uma agenda de
pesquisa promissora e altamente relevante para o Brasil.

8.4.3. Implicações de Política Pública

O crescimento das cadeias globais de valor deu novo impulso ao debate sobre políticas
industriais no Brasil e no mundo. Antigos paradigmas, como o imperativo do adensamento das
cadeias de produção domésticas, ou mesmo a essencialidade da exportação de produtos de alto
valor agregado para o crescimento de um país, foram cada vez mais colocados à prova, diante
do dinamismo alcançado por economias emergentes da Ásia e do Leste Europeu. Ao contrário,
o modelo de industrialização perseguido por estas economias pressupôs a fragmentação
internacional da atividade produtiva e o consequente aumento do conteúdo de bens
intermediários importados em suas exportações, resultando em menos valor adicionado
doméstico por unidade de produto exportada. Por outro lado, os ganhos de competitividade
auferidos, os quais se refletiram em expressivo aumento do volume exportado por estas

189
economias, possibilitou o crescimento de suas participações no valor adicionado global gerado
pelas exportações mundiais.

Os dados mais recentes do comércio internacional de bens intermediários apontam para


um arrefecimento do processo de fragmentação internacional da produção nos anos seguintes à
crise internacional de 2008 (Ver Figura 8.8). Segundo a OMC (2016), este fenômeno pode ser
entendido como uma conjunção de fatores que se acumularam no período pós-crise,
compreendendo desde o próprio processo de maturação das cadeias globais, com o crescimento
do custo unitário do trabalho na Ásia, como até mesmo a mudança do padrão de crescimento
chinês, que vem progressivamente se deslocando do investimento para o consumo interno. É
prematuro, contudo, afirmar que o processo de fragmentação internacional da produção
encontrou seu equilíbrio final, uma vez que continentes como África e América Latina (à
exceção do México) ainda se encontram significativamente distantes desta realidade, dados
seus altos custos de transação, principalmente no que tange à logística comercial. Neste sentido,
é possível que, no longo prazo, reformas que promovam uma maior inserção internacional
destas economias conduzam a uma nova onda de fragmentação mundial/regional da produção,
sendo a recente aprovação do Acordo de Facilitação de Comércio, no âmbito da OMC, apenas
um exemplo a ser observado. Por outro lado, é também possível que o avanço tecnológico
futuro, simbolizado na chamada Indústria 4.0, promova incentivos contrários ao da
fragmentação da atividade produtiva, na medida em que relativize a importância do custo do
trabalho nos processos produtivos. Sem negar a sua possibilidade, claro está que o processo de
integração às cadeias globais e regionais tem, hoje, um custo significativamente maior para os
chamados “latecomers”, como é o caso da Economia do Brasil.

Figura 8.8. Fração de bens intermediários nas exportações globais

66% 65.1%
65% 64.5% 64.7% 64.6%
63.8%
64% 63.4%
63% 62.3% 62.6%
61.9%
62% 61.3%
61% 60.5%
59.7% 59.7%
60%
59.1% 59.1%
59%
58%
57%
56%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

190
Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Uma vez reconhecida a importância da integração da estrutura produtiva da economia


brasileira às cadeias globais/regionais de valor, o debate local passou a se concentrar na criação
de mecanismo de incentivos governamentais, os quais permitiriam o desenvolvimento local de
estágios de produção de alto valor agregado, preferencialmente em setores criadores de
externalidades tecnológicas positivas, tais como o aeroespacial, eletroeletrônicos e
telecomunicações. São exemplos destes mecanismos a criação do RECOF70, que permite a
isenção tributária sobre insumos importados destinados às exportações, para setores
específicos, assim como uma maior rapidez no desembaraço aduaneiro, fundamental para o
funcionamento just in time das cadeias globais de valor. Por outro lado, é importante ressaltar
que muitas das políticas industriais postas em prática pelo governo nos anos recentes, como
exigências de conteúdo local e outros incentivos ao adensamento das cadeias de produção
domésticas, parecem ir contra a própria lógica de funcionamento das cadeias globais de valor,
que pressupõe flexibilidade na escolha de fornecedores internacionais por parte das firmas
locais.

Seria pouco razoável esperar que exista um único requisito fundamental para a
integração de um país às cadeias globais de valor. Contudo, parece haver sim um conjunto de
condicionantes capazes de criar os incentivos necessários para uma maior integração, de acordo
com a realidade de cada país, sem garantir, contudo, a sua suficiência. Para o caso do Brasil,
mais importante que políticas industriais voltadas para setores específicos da economia, parece
ser a implementação de políticas públicas de cunho horizontal. São exemplos de tais políticas
aquelas focadas na redução generalizada dos altos custos de transação existentes no país,
refletidos em uma infraestrutura logística que dá claros sinais de esgotamento, no seu
persistente isolacionismo comercial, com a consequente permanência de altas barreiras
tarifárias e não-tarifárias, além da má qualidade do ambiente de negócios doméstico e a
insuficiência de mão-de-obra qualificada.

Sem negar a importância estratégica de políticas de cunho setorial, para setores onde há
claras externalidades a serem incentivadas, é pouco provável que as mesmas alcancem a
plenitude dos objetivos a que se propõem, sem a melhoria expressiva do quadro geral de
negócios do país. Dito de outra forma, o impacto esperado das políticas setoriais tende a ser

70 Regime Aduaneiro de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado, criado em 1997.

191
muito reduzido em um ambiente de baixa eficiência sistêmica no uso dos recursos produtivos
de uma economia. A melhoria da eficiência sistêmica, pois, é matéria para as políticas públicas
de cunho horizontal, quais sejam, aquelas capazes de impactar positivamente todos os setores
da economia, incentivando o aumento da produtividade total dos fatores de produção.

De forma ilustrativa, esta seção trata de algumas das principais condicionantes


apontadas na literatura empírica recente, todas elas necessárias para a integração de um país às
cadeias globais de valor: os acordos preferenciais de comércio, a influência da política tarifária
(descrito no relatório de análise de impacto), o papel dos serviços e da facilitação do comércio.

8.5. Os acordos preferenciais de comércio

A literatura empírica sobre Acordos Preferenciais de Comércio (APC) e Cadeias


Globais de Valor (CGV) também é relativamente recente e, de forma geral, busca identificar
uma possível relação causal entre a formalização de APC e a formação de CGV. São exemplos
desta literatura os trabalhos empíricos de Blyde et al 2013, Hayakawa & Yamashita 2011 e
Orefice & Rocha 2011, que tem encontrado correlações positivas entre APCs e linkages
produtivos entre países. Contudo, segundo Blyde et all (2013), boa parte dos modelos
econométricos tratados pela literatura sofrem de causalidade reversa (APC induzem a formação
das CGV, mas a integração produtiva existente também pode criar a demanda para a formação
de um APC). Mais recentemente, Johnson e Noguera (2017), trabalhando com matrizes de
insumo-produto globais, com 42 países mais o resto do mundo, no período entre 1970 a 2009,
apontam que acordos preferenciais de comércio teriam sido responsáveis por 15% do declínio
global (de 10%) na razão entre valor adicionado exportado e exportações brutas.

Segundo Baldwin et al (2012) os possíveis canais que fazem com que APC gerem maior
integração em CGV são: 1) redução de tarifas de importação e 2) Estabelecimento de disciplinas
comuns (integração profunda) em investimentos, serviços, eliminação de barreiras não
tarifárias e facilitação de comércio.

Considerando que tais indicativos empíricos presentes na literatura sejam causais e que
o Brasil esteja interessado no fortalecimento de sua integração produtiva via formação de APC,
quais parceiros comerciais deveriam ser priorizados pelos formuladores de política no Brasil?
Esta questão poder ser abordada por meio de uma extensão do conceito de “parceiros naturais
de comércio” advindo da literatura de integração regional (Wonnacott e Lutz, 1989; Krugman,
1991; Venables, 2003; Ferraz et al, 2018), segundo a qual a formalização de acordos

192
preferencias com os fornecedores mais eficientes, em detrimento dos menos eficientes, tende a
ser criadora de comércio ou bem-estar social. Para o caso de cadeias de valor, a extensão deste
conceito pode ser feita por meio do rastreamento dos indicadores de ligação backward e
forward, como destacado em Ferraz et al (2018). Para o caso do primeiro indicador, quanto
maior a relevância de um dado país como fonte de intermediários para a exportação do Brasil
(backward linkage), maior será o potencial de criação de uma cadeia internacional de
suprimentos envolvendo o Brasil. De forma similar para o segundo indicador, porém sob a ótica
da utilização das exportações de bens intermediários do Brasil, quanto maior a relevância de
um parceiro comercial como demandante de bens intermediários do Brasil, a serem empregados
em suas exportações (forward linkage), maior será o potencial para a criação de uma cadeia
internacional de suprimentos envolvendo o Brasil (neste caso, como fornecedor de bens
intermediários, ao invés de demandante dos mesmos).

A decomposição dos índices de ligação pode ser visualizada na Figura 6.1. No painel
esquerdo da figura, verificam-se as ligações para trás (backward) encontradas. As evidências
mostram que China, o NAFTA e a União Europeia respondem por mais de 54% do conteúdo
estrangeiro presente nas exportações brasileiras, sendo que, em média71, a região mais
importante na composição do conteúdo estrangeiro é a UE, com cerca de 25%. Já no painel
direito (ligações para frente ou forward linkages), verifica-se que essas mesmas três regiões
recebem, em média, mais de 60% dos bens intermediários exportados pelo Brasil, que serão
posteriormente processados e reexportados. Novamente, a União Europeia se destaca como a
região mais relevante, sendo destino de quase 38% dos intermediários exportados pelo Brasil.

Os dados apresentados na Figura 8.9 sugerem que, caso os formuladores de política


decidam incentivar a formalização de acordos preferenciais de comércio, como forma de
incentivar a integração do Brasil às cadeias globais de valor, os parceiros mais propícios
(naturais) para o alcance desta meta seriam a União Europeia, a região do NAFTA e a China.
Vale ressaltar que estes são também “parceiros naturais” de comércio do Brasil, pela ótica
Vineriana tradicional (Viner, 1950)72.

71Média simples tomada entre os setores.


72Poder-se-ia argumentar que os resultados obtidos são viesados para a UE devido ao fato de que a base de dados
utilizada possui quase majoritariamente países europeus, o que estaria causando um viés de agregação em favor
da UE. No entanto, efetuamos os mesmos cálculos para o ano de 2007 com uma agregação muito menos
concentrada na Europa utilizando a IOT estimada através dos dados do GTAP e chegamos a essa mesma conclusão.
Esses resultados estão disponíveis perante solicitação.

193
Figura 8.9 - Decomposição por região dos Backward e Forward Linkages para o Brasil
(ano=2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

O fato de a UE ser um parceiro natural de comércio do Brasil, também sob a lógica das
cadeias globais de valor, gera expectativas ainda maiores quanto à possível conclusão de um
APC entre o Mercosul e a UE, ora em negociação. Simulações de um APC entre a União
Europeia e o Mercosul foram analisadas em Ferraz et al (2014b), por meio da utilização de
modelos de equilíbrio geral computável (EGC). Para o caso específico da análise causal entre
APC e CGV, os autores argumentam que a utilização de modelos EGC é mais adequada que a
análise econométrica, na medida em que a realização de um APC pode ser caracterizada como
um fenômeno exógeno, por construção. O potencial de integração em cadeias de valor foi
medido por meio da simulação de um corte hipotético de 100% das tarifas e quotas bilaterais
de comércio entre os países dos dois blocos. As ligações backward e forward foram medidas
antes e após a simulação do acordo. Para o primeiro indicador, as simulações sugerem que a
UE aumentaria sua participação no conteúdo importado, presente nas exportações de
manufaturas brasileiras, de 24% para cerca de 32%. Por outro lado, para o segundo indicador,
do total de bens intermediários exportados pela indústria do Brasil, que seriam utilizados em
reexportações no resto mundo, a parcela correspondente à UE aumentaria de 32% para 37%.

194
8.6. O Comércio de Serviços

 A Recente Evolução do Comércio de Serviços no Mundo

A recente fragmentação internacional da produção em nível global colocou em


evidência o comércio internacional de serviços. Bens que cruzam fronteiras várias vezes, aliado
ao significativo aumento das transferências de dados e informações entre os países, levaram ao
aumento dos fluxos de serviços de conexão, como os serviços de transportes marítimo e aéreo,
além dos serviços de telecomunicações, dos serviços bancários, de engenharia e negócios em
geral.

Com o advento das cadeias globais, os fluxos de comércio bruto se tornaram menos
representativos do real valor adicionado exportado entre os países. Para além de problemas de
dupla contagem nas estatísticas tradicionais de comércio, há também um fator relacionado à
relativização da real importância dos serviços no volume de comércio mundial. Conforme
ilustrado na Figura 8.10, a participação dos serviços nas exportações brutas mundiais alcançou
cerca de 28% do total exportado, em 2014. Contudo, quando avaliado sob a ótica do valor
adicionado exportado, a participação dos serviços sobe para 49% do total mundial. A Figura
8.10 revela que o crescimento da participação dos serviços é feito em claro detrimento da fração
do valor adicionado exportado pelas manufaturas, colocando em evidência o fato de que parcela
significativa dos serviços mundiais são exportados de forma indireta, embutidos nas
exportações manufatureiras. Há, portanto, uma crescente correlação entre a competitividade
dos serviços e a competitividade dos bens industriais.

Figura 8.10. Participação dos serviços nas exportações mundiais, em valor bruto e adicionado
(ano 2014)

Exportações Globais (%) Exportações Globais em valor adicionado (%)

11 16
28

49

35
61

Serviços Manufaturas Primários Serviços Manufaturas Primários

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.


195
O aumento da participação e relevância dos serviços no comércio mundial também pode
ser observado pela quantidade de novos acordos comerciais envolvendo cláusulas para o
comércio de bens e serviços, conforme ilustrado na Figura 8.11.

Figura 8.11. Evolução do número de acordos regionais com compromissos para o comércio
de serviços.

Fonte:OMC.

Ainda no que tange ao comércio mundial de serviços, é importante ressaltar que as


cadeias globais induziram a formação de um novo padrão de comércio internacional, onde as
regiões mais desenvolvidas do mundo se tornaram mais especializadas nas exportações de
serviços de alto valor agregado, enquanto o continente asiático se tornou mais especializado em
exportações de bens manufaturados, de baixo valor agregado (Ferraz e Bertini, 2018; Timer et
al, 2014). A este respeito, os dados reportados na Tabela 8.4 revelam algumas regularidades
importantes sobre o padrão de comércio e especialização da economia global no período entre
1995 e 2008, auge do processo de fragmentação internacional da produção. Em primeiro lugar,
a importância dos empregos relacionados à cadeia doméstica manufatureira perdeu importância
no total da mão-de-obra empregada no mundo, à exceção da China, e com maior velocidade
nos países desenvolvidos (colunas 2 e 3). Em segundo lugar, cerca de 50% dos empregos
envolvidos nas cadeias de manufaturados domésticas estão fora da própria indústria
manufatureira. Para o Brasil, em particular, cerca de 65% dos empregos estão fora da indústria
de transformação (colunas 4 e 6), ressaltando a importância e maior eficiência de políticas de

196
cunho horizontal, quando o objetivo é aumentar a produtividade da indústria. Em terceiro lugar,
a coluna 8 revela como os empregos diretos, na indústria, perderam importância relativa nas
cadeias de manufaturados dos países desenvolvidos. Por fim, as colunas 7, 8 e 9 evidenciam
como a produção manufatureira se tornou mais intensiva em serviços, particularmente nos
países desenvolvidos, mas também no Brasil, ainda que este último tenha se mantido pouco
integrado às cadeias globais e regionais de valor, até o presente momento. Como será visto mais
adiante, o caso da “servicificação” (de baixo valor agregado) Brasileira, diferente dos demais
países/regiões representados na Tabela 6.1, parece ter sido consequência direta da perda de
competitividade relativa do setor industrial, dado o seu isolamento da nova arquitetura mundial
do comércio.

Tabela 8.4. Emprego relacionado à atividade manufatureira em várias regiões do mundo


Trabalho na cadeia de manufaturas Trabalho na cadeia de manufaturas por setor (2008) Evolução do emprego na cadeia de manufaturados 1995-2008 (%)
Agricultura Manufaturas Serviços
País 1995 2008 Agricultura Manufaturas Serviços Total
(% total) (% total) (% total)
Europa Ocidental 24.40 20.40 5.60 49.90 44.50 -35.30 -12.90 21.40 -2.50
Europa do Leste 31.20 28.20 17.30 53.80 28.90 -34.30 -3.50 18.70 -6.10

EUA 16.04 11.12 6.77 52.38 40.85 -22.43 -26.24 -14.17 -21.47
Japão 22.55 19.36 10.64 53.18 36.19 -37.96 -25.53 3.47 -19.04
Canada 20.76 16.02 5.64 41.00 53.36 -39.52 -10.69 15.00 -1.60
Coréia do Sul 29.69 22.83 12.18 49.20 38.62 -41.67 -21.74 33.77 -11.20
Taiwan 30.95 29.23 3.73 62.48 33.79 -64.31 9.12 22.25 4.89

Mexico 30.26 24.45 23.18 50.43 26.38 -12.42 29.70 53.76 21.19
China 31.73 33.35 46.96 33.89 19.15 8.95 30.58 31.90 19.65
India 27.92 27.27 45.85 33.19 20.96 3.80 35.10 36.10 18.85
Brasil 29.60 28.70 30.18 34.31 35.51 -7.79 34.81 72.19 26.90

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

 O Setor de Serviços no Brasil

Há cerca de quatro décadas o setor de serviços vem aumentando continuamente a sua


participação no PIB do Brasil - processo que ficou conhecido como “servicificação” da
economia – em detrimento da participação do setor manufatureiro. No final dos anos setenta,
por exemplo, a participação da indústria no PIB do Brasil alcançou cerca de 23%, próximo ao
nível de países da OCDE no mesmo período. Atualmente, a indústria de transformação
corresponde a cerca de 10% do PIB nacional, enquanto o setor de serviços perfaz cerca de 70%
do mesmo. Vale ressaltar que o fenômeno da “servicificação” teve amplitude mundial e está

197
intrinsecamente relacionado ao fenômeno da fragmentação internacional da produção. No caso
da Ásia, por exemplo, região que foi - e ainda é, em menor escala - destino de investimentos
relacionados à terceirização de etapas de processos produtivos desenvolvidos alhures, a
participação da indústria no PIB da região aumentou de 22% para 28%, entre 1984 e 2010.

A importância do setor de serviços para a produção de bens pode ser avaliada sob as
óticas da produção total doméstica e das exportações. Sob a ótica da produção doméstica, a
Figura 8.12 ilustra a fração dos serviços na produção da indústria têxtil, para um grupo de
países.

Figura 8.12. Participação dos serviços no valor adicionado: Setor Têxtil

Brasil Mexico Alemanha


0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995 1995 1995


1996 1996 1996
1997 1997 1997
1998 1998 1998
1999 1999 1999
2000 2000 2000
2001 2001 2001
2002 2002 2002
2003 2003 2003
2004 2004 2004
2005 2005 2005
2006 2006 2006
2007 2007 2007
2008 2008 2008
2009 2009 2009

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

Coréia do Sul Hungria República Tcheca


0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995 1995 1995


1996 1996 1996
1997 1997 1997
1998 1998 1998
1999 1999 1999
2000 2000 2000
2001 2001 2001
2002 2002 2002
2003 2003 2003
2004 2004 2004
2005 2005 2005
2006 2006 2006
2007 2007 2007
2008 2008 2008
2009 2009 2009

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

Nota-se que, não apenas para o Brasil, mas como para todos os países da amostra, os
serviços representam parcela significativa do valor adicionado da produção, somado à
participação dos bens intermediários importados. Para este último, é notória a sua baixa

198
relevância para o caso da indústria têxtil Brasileira, o que corrobora o claro isolamento do setor,
no que tange à sua integração às cadeias de suprimentos internacionais.

Sob a ótica das exportações Brasileiras, a Figura 8.13 revela a importância dos serviços
domésticos para as exportações de bens do país. Nota-se que, em consonância com a tendência
mundial, a participação dos serviços é mais alta no setor exportador de bens manufaturados,
chegando a perfazer 31% do valor adicionado exportado.

Figura 8.13. Participação dos serviços domésticos nas exportações setoriais do Brasil

31% 31% 31% 31%


29% 29% 30%
27%

23%
22%
21%
20% 19%
19%
18%
17% 16% 17% 17%
16%
15%
14% 13%
13%

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014

Agriculture
Agricultura Mining
Extrat. Manufacturing
Manufaturas

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC, 2016), a despeito de estar entre


as 10 maiores economias do mundo, o Brasil figurou na 32a posição entre os maiores
exportadores de serviços em 2016, com uma participação de 0,7% nas exportações mundiais.
O maior exportador de serviços do mundo, os EUA, participaram com 15,2% das exportações
mundiais, seguidos pelo Reino Unido, com participação de 6,7%. No que tange às importações,
o Brasil figurou na 21a posição entre os maiores importadores de serviços do mundo, com uma
participação de 1,3% das importações mundiais. O maior importador de serviços do mundo, os
EUA, participou com 10,3%, seguido da China, com participação de 9,6%.

A Figura 8.14 ilustra a evolução recente da participação dos serviços no total exportado
e importado pelo Brasil. Em 2016, os serviços representaram 15% do total exportado pelo
Brasil, contra 30,6% do total importado. Vale ressaltar que tanto a pauta de exportação do
Brasil, quanto a pauta de importação, são altamente concentradas em poucas posições e países.

199
Por exemplo, em 2016, os cinco principais serviços exportados pelo Brasil foram: serviços
profissionais, técnicos e gerenciais (11% do total exportado); serviços gerenciais e de
consultoria gerencial (10,8%); serviços auxiliares aos serviços financeiros (8,2%); serviços de
manuseio de cargas (5,9%) e serviços de transporte aquaviário de cargas (5,6%), perfazendo
41% do total exportado pelo país. Quanto à pauta de importação, os cinco principais serviços
importados foram arrendamento mercantil operacional (38,4% do total importado pelo Brasil
em 2016); licenciamento de direitos de autor (7,8%); serviços de transporte aquaviário de cargas
(7,8%); serviços financeiros (5,3%); serviços profissionais, técnicos e gerenciais (3,7%). As
cinco principais posições representaram 63% do total importado pelo Brasil.

Figura 8.14. Participação (%) dos serviços no valor exportado/importado pelo Brasil

30,6
28,5
27,1
25,2 25,2
23,8

14,8 14,8 15,0


13,3 13,1
12,1

2011 2012 2013 2014 2015 2016


Exportações Importações

Fonte: MDIC

Em 2016, o Brasil teve como principais mercados de destino para suas exportações de
serviços os Estados Unidos (33% do total exportado pelo Brasil), Países Baixos (6,7%), Reino
Unido (6,3%), Alemanha (6,1%), e Suíça (5,5%). Apenas esses cinco países absorveram 57%
de nossas exportações de serviços. No que tange às importações, os principais mercados
fornecedores de serviços para o Brasil foram Estados Unidos (30,1%), Países Baixos (25,5%),
Reino Unido (7,5%), Alemanha (5,9%) e Noruega (3,2%). Apenas estes cinco países
corresponderam a 72% das importações brasileiras, sendo 55,6% somente para os dois
primeiros (MDIC, 2016).

Dada a sua baixa participação no comércio internacional de serviços, e dado que os


serviços de maior valor adicionado são, via de regra, os serviços transacionáveis, não

200
surpreende que a produtividade dos serviços no Brasil esteja muito abaixo da média mundial.
Como representado na Tabela 8.5, a produtividade dos serviços no Brasil (medida em paridade
de poder de compra) é cerca de 3 vezes mais baixa que a média mundial e cerca de 5,4 vezes
menor que a produtividade dos serviços nos EUA. Vale ressaltar que o setor de serviços nos
EUA é cerca de 4,4 vezes mais produtivo que a própria indústria Brasileira, o que sugere que a
baixa produtividade é generalizada entre os setores da economia Brasileira (Veloso et al, 2016).

Tabela 8.5. Produtividade setorial do trabalho, estimada para um grupo de países, em PPC.

Fonte: Veloso et al, 2016.

Figura 8.15. Produtividade do Trabalho: Serviços tradicionais x serviços modernos

201
180 168.04

160

140 130.7
119.7
120 108.2
97.3
100 87.2

80 69.3
63.9
55.3 54 53.8 53.3
60 51.2
46.2 45.1
40 30.4 33.8
28.8
17.7 18.9
20 12.7
10.9

0
EUA Irlanda França Australia Japão Reino Coréia México China Brasil India
Unido

Serv_Tradicionais Serv_Modernos

Fonte: Veloso et al, 2016. Elaboração própria.

Quando os serviços são desagregados em serviços tradicionais e serviços modernos (de


maior valor agregado, em geral transacionáveis), a Figura 8.15 revela que mesmo os serviços
considerados mais sofisticados no Brasil são menos produtivos que os serviços tradicionais em
uma série de países mais desenvolvidos.

 A importância do comércio de serviços para o aumento da produtividade

A baixa produtividade dos serviços no Brasil é, possivelmente, um problema


multifatorial, abrangendo temas relacionados ao “custo Brasil”, como complexidade tributária,
carência de mão-de-obra qualificada e infraestrutura precária, só para citar alguns exemplos.
Adicionalmente, a questão da “pressão competitiva” aparece como um tema recorrente na
literatura empírica de estudos setoriais sobre produtividade (Duarte e Restuccia, 2010). Uma
vez que serviços são, em geral, menos transacionáveis que bens manufaturados, há,
naturalmente, uma tendência de que serviços sejam menos submetidos às pressões competitivas
de mercado, o que possivelmente ajuda a explicar o diferencial de produtividade entre serviços
e manufaturas, observado mundialmente.

Uma vez que a abertura comercial em bens, via de regra, não gera a necessária pressão
competitiva nos mercados de serviços, fatores adicionais, como a questão do ambiente
regulatório do país e seus compromissos assumidos no GATS (General Agreement on Trade in
Services), aparecem como temas potencialmente relevantes para explicar a produtividade dos
serviços em uma dada economia (Baily e Solow, 2001).

202
Potenciais barreiras regulatórias às importações de serviços estão possivelmente
correlacionadas ao desempenho das próprias exportações do setor, conforme ilustrado na Figura
8.16, para uma amostra de 135 países, extraídas da base de dados GTAP9. A Figura sugere que
não há precedente na economia global, de um grande exportador de serviços, que não seja
também um grande importador. Desta forma, a redução das potenciais barreiras regulatórias às
importações de serviços é, também, fator de estímulo as suas exportações, ao impactar a
competitividade dos serviços exportados.

Outro aspecto destacado na literatura empírica recente é a causalidade entre abertura


comercial em serviços (via redução das barreiras regulatórias às importações) e o estímulo às
exportações de produtos manufaturados (ver, por exemplo, Barone & Cingano, 2011; Bas,
2014; Hoekman & Shepherd, 2017) Como já destacado nas Figuras 8.12 e 8.13, dada o alto
conteúdo de serviços domésticos nas exportações de bens manufaturados, é razoável esperar
que o aumento da pressão competitiva via importações, seja um fator de estímulo adicional para
as exportações de bens, particularmente manufaturados.

Figura 8.16. Exportações e Importações totais de serviços (ano base:2011).


160000

Japan
Italy
Importações Totais (US$ milhões)

France
120000

Spain
Holand
Canada Ireland
0 20000 40000 80000

Belgium
Russia
India
Brazil Singapore
Australia
Austria
Indonesia

0 25000 50000 75000 100000 125000 150000


Exportações Totais (US$ milhões)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria, 135 países.

203
8.6.1. A barreiras regulatórias ao comércio de serviços no Brasil

Dada a intangibilidade do setor de serviços, barreiras ao comércio do setor são


principalmente de natureza regulatória (Whalley, 2004; Dee, 2005). De maneira a propriamente
avaliar os prováveis ganhos advindos de uma liberalização comercial em serviços, torna-se
necessário, pois, estimar os equivalentes ad-valorem das barreiras regulatórias impostas nas
fronteiras dos países e que, em maior ou menor grau, constituem impeditivos ao fluxo de
comércio do setor.

Embora a literatura em comércio de serviços ainda seja relativamente escassa em


comparação à literatura tradicional de comércio de bens, existe um número crescente de estudos
empíricos particularmente concentrados na identificação e estimação de barreiras regulatórias
para o comércio de serviços. O trabalho de Deardoff e Stem (1998) classifica as existentes
metodologias para a estimação de equivalentes ad-valorem de barreiras regulatórias para
comércio em serviços em três categorias: (i) métodos qualitativos baseados em índices de
cobertura e frequências; (ii) métodos baseados em diferenças de preços; (iii) métodos
quantitativos baseados em equações gravitacionais. Devido aos níveis inerentemente elevados
de arbitrariedade incorporados aos métodos qualitativos, os mesmos têm sido frequentemente
criticados e vêm progressivamente perdendo espaço na literatura empírica73. Métodos baseados
em preços74, no entanto, comparam diferenças pré-existentes entre preços domésticos e
externos, de modo a acessar potenciais barreiras regulatórias de fronteiras, sendo responsáveis
por contribuições substanciais na literatura empírica.

Desde a publicação de Tinbergen (1962), equações gravitacionais têm sido utilizadas


intensivamente na literatura empírica internacional sobre comércio, devido a sua aderência
particularmente notável para fluxos comerciais de bens. No que tange aos seus fundamentos
teóricos, uma literatura relativamente recente tem mostrado que equações gravitacionais podem
ser derivadas de uma diversidade de modelos teóricos de comércio, baseados em diferentes
premissas75.

73 Ver Hoekman (1995) and Hardin & Holmes (1997) para exemplos de abordagens qualitativas. A Australian
Productivity Commission (APC) também possui diversos estudos setoriais específicos: Kalijaran (2000) para o
setor de distribuição; McGuire e Schuele (2000) para o setor de transporte marítimo e Warren (2000) para
telecomunicações; Mattoo et al. (2006) avaliam tanto telecomunicações como setores de serviços financeiros.
74 Ver Francois and Hoekman (1999), Dihel and Sheperd (2007) e diversos estudos setoriais específicos da APC:

Nguyen-Hong (2000) para serviços de engenharia, Trewin (2001) para telecomunicações e Kalijaran et al. (2001)
para o setor bancário.
75 Ver Anderson (1979), Helpman & Krugman (1985), Bergstrand (1990), Deardorff (1998), Feenstra (2002,

2004), Anderson & van Wincoop (2003), Helpman et al. (2008), Melitz & Ottaviano (2008) and Costinot and
Rodríguez- Clare (2014).

204
A literatura empírica sobre modelos gravitacionais aplicados ao comércio de serviços
ainda se encontra nos seus estágios iniciais. Os trabalhos de Francois (2001, 2005), Kimura e
Lee (2006) e Walsh (2006), no entanto, já demonstraram o poder explicativo significativo das
equações gravitacionais quanto ao comércio de serviços. Para a estimação de equivalentes ad-
valorem de barreiras regulatórias ao comércio de serviços, utilizando-se abordagens
relativamente simples de mínimos quadrados ordinários, o artigo de Fontagné et al. (2011)
discute diversos aspectos metodológicos e limitações na literatura existente sobre o tema,
começando pela ausência de estimativas confiáveis para as elasticidades em comércio de
serviços76.

Park (2002) estima os equivalentes ad-valorem de barreiras regulatórias para sete


setores de serviços em 62 países, utilizando a base de dados do GTAP para 1997. Fluxos de
comércio bilaterais para serviços são explicadas de acordos com os PIBs dos países, distância,
índices de preços para importadores e exportadores e um conjunto de variáveis dummy
incluindo língua comum e contiguidade. O autor mostra que países asiáticos tendem a impor
barreiras regulatórias menos restritivas para serviços. Fontagné et al (2011) estende o trabalho
de Park (2002), incluindo um novo conjunto de variáveis nas equações gravitacionais, como
dummies para RTAs (se os países são (ou não) membros de um acordo regional de comércio) e
vínculos coloniais. Utilizando-se de uma base de dados mais recente do GTAP (ano base 2004),
os autores calcularam os equivalentes ad-valorem baseados nos efeitos fixos estimados para
importadores, para sete setores de serviços em 65 países. Os autores mostram que países
desenvolvidos impõem barreiras regulatórias para serviços menos restritivas. Em se tratando de
barreiras regulatórias em nível setorial, os autores mostram que o setor de transportes – com
um equivalente ad-valorem médio de 26% - é o menos restritivo da amostra. Por outro lado, o
setor de construções apresenta as barreiras mais elevadas, com um equivalente ad-valorem
médio de 75%. De maneira geral, os equivalentes ad-valorem estimados por Fontagné et al
(2011) são mais elevados que aqueles estimados por Park (2002). Os autores concluem que
estimativas de equivalentes ad-valorem baseados nos resíduos de regressões gravitacionais
(como em Park (2002)) podem ser viesados para baixo. Ambos os estudos utilizam fluxos de
dados de serviços do balanço de pagamentos de diferentes fontes.

O presente relatório seguirá a metodologia de efeitos fixos desenvolvida por Fontagné


et at (2011). Baseando-se nos recentes avanços na literatura acerca de modelos gravitacionais,

76Outros aspectos negativos são: falta de consenso claro acerca da abordagem correta para estimações
gravitacionais (resíduos x efeitos fixos) e a frequentemente baixa qualidade de dados para comércio de serviços.

205
no entanto, decidiu-se por trabalhar com dados em painel, utilizando estimações em Poisson
(ver Silva e Tenreyro, 2006, 2011; Baldwin e Taglione, 2006; Head e Mayer, 2014).

Nesta seção, estimamos barreiras regulatórias setoriais para uma amostra ampla,
compreendendo o Brasil e seus possíveis parceiros comerciais. As estimativas resultantes
correspondem a equivalentes ad-valorem obtidos a partir dos efeitos fixos dos importadores,
convertidos, em seguida, utilizando-se a definição estrutural de custos de comércio (ver
Anderson e Wincoop, 2003).

Comparado à estimativa de barreiras não-tarifárias para o comércio de bens, a avaliação


quantitativa de barreiras regulatórias para o comércio de serviços apresenta novos desafios.
Primeiramente, não existe uma base de dados global para serviços que forneça informações
confiáveis sobre todos os módulos de serviços existentes. Dessa forma, a maioria dos trabalhos
empíricos anteriores são baseados em informações sobre fluxos agregados de serviços
provenientes das contas de balanço de pagamentos dos países, o que exclui o módulo 3
(presença comercial). Ademais, diferentemente do comércio de bens, não existem tarifas para
o comércio de serviços, o que torna necessário, a rigor, a estimativa das elasticidades setoriais.

Este relatório utilizou dados de duas fontes principais. Os dados para exportações de
serviços, por dupla de países, têm origem no GTAP e referem-se aos anos 2004, 2007 e 2011.
Dados do GTAP referem-se ao comércio de serviços para os módulos 1, 2 e 4 (ou seja,
excluindo investimento estrangeiro direto) e são baseados nos dados do Eurostat, Nações
Unidas e FMI. Os dados para as variáveis gravitacionais tiveram origem no CEPII. As variáveis
gravitacionais utilizadas na presente estimação foram distância bilateral (em logs, ponderadas
por população), contiguidade, língua comum e colonização, além dos PIBs dos países
exportadores e importadores. A base de dados para esse estudo é, portanto, composta de fluxos
de comércio entre o Brasil e seus parceiros comerciais. Serviços são divididos em 14 setores e
os dados estão disponíveis para 3 anos, fornecendo em torno de 130 000 observações no total.

Algumas questões importantes sobre a base de dados do GTAP podem dificultar a


comparabilidade das estimações com outros estudos empíricos. Em primeiro lugar, a maneira
como serviços são classificados no GTAP não permite que se realize uma comparação direta
com outras classificações apresentadas em estudos prévios utilizando dados da OCDE. De fato,
é necessário fazer uma correspondência aproximada entre as classificações do GTAP e do
EBOPS por meio dos códigos ISIC, o que torna algumas categoriais incompatíveis devido a
decisões de agregação. Para a validade externa dos resultados, comparamos os setores com a

206
mesma ou a mais próxima correspondência. Em segundo lugar, até mesmo os dados de fluxos
comerciais para categorias comparáveis podem variar em grande medida de uma base de dados
para outra. Por fim, a amostra dos parceiros comerciais consideradas nas estimativas é outra
dimensão potencialmente importante, que faz com que os resultados não sejam diretamente
comparáveis: os coeficientes de interesse, para cada país e setor, são uma média entre parceiros
comerciais e, portanto, são potenciais fontes de diferenças, quando da comparação com
estimativas, por exemplo, que utilizam subconjuntos de amostras.

A estratégia de estimação utilizada nesse estudo baseia-se em uma regressão de Poisson,


assumindo que uma média condicional para os fluxos comerciais bilaterais é dada de forma
exponencial, abordando tanto a possibilidade de uma grande quantidade de fluxos nulos nos
dados, quanto a possibilidade de heterocedasticidade nos resíduos, o que pode gerar viés em
uma simples regressão MQO utilizando logs (ver Silva e Tenreyro, 2006).

A seguinte equação foi estimada:


𝑘
𝑋𝑖𝑗,𝑡 = exp[𝛽1𝑘 𝑙𝑛𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 + 𝛽2𝑘 𝑙𝑛𝐺𝐷𝑃𝑗,𝑡 + ∑4𝑚=3 𝛽𝑚
𝑘
ln 𝐷𝐼𝑆𝑇𝑖𝑗,𝑚 + 𝛽5𝑘 𝐶𝑁𝑇𝐺𝑖𝑗 + 𝛽6𝑘 𝐿𝐴𝑁𝐺𝑖𝑗 +
𝛽7𝑘 𝐶𝐿𝑁𝑌𝑖𝑗 + 𝜂𝑖 + 𝜃𝑗 + 𝛿𝑡 ] + 𝜀𝑖𝑗,𝑡 (1)

𝑘
Na qual 𝑋𝑖𝑗,𝑡 são fluxos de exportações de serviços no setor k, do país i para o país j no
ano t. As variáveis explicativas (gravitacionais) são tradicionais da literatura empírica: log-PIBs
de exportadores e importadores, DIST (em log, ponderado pela população) é a distância entre
pares de países da amostra, a qual foi dividida entre as distâncias abaixo e acima da mediana
da amostra, de modo a permitir efeitos não-lineares; CNTG é uma dummy para contiguidade;
LANG é uma dummy para língua comum e CLNY é uma dummy para relação colonial.
Controlou-se, também, para os efeitos fixos anuais e de país, tanto exportadores, quanto
importadores. Resíduos foram agrupados em clusters, de forma a acomodar possíveis
correlações entre pares de países.

Para o cálculo dos equivalentes ad-valorem, seguiu-se a literatura empírica e foram


utilizados os efeitos fixos dos países importadores. É necessário definir o benchmark para cada
setor (o país mais aberto), ou seja, o importador com o efeito o mais elevado, de modo que este
seja, na média, mais propenso a importar. Relativamente a este benchmark, calculamos os
equivalentes tarifários para cada país e setor, de acordo com a fórmula:
1−𝜎
ln(1 + 𝑡𝑗𝑘 ) = 𝐹𝐸𝑗𝑘 − 𝐹𝐸𝑏𝑒𝑛𝑐ℎ𝑚𝑎𝑟𝑘
𝑘
(2)

207
Na qual 𝑡𝑗𝑘 é o equivalente ad-valorem, FE são os efeitos fixos do benchmark para cada setor e
σ é a elasticidade de substituição, assumida como 5.6, seguindo a literatura empírica (Park,
2002, Fontagné et al, 2011).

Os resultados das estimativas por meio da equação (1) estão reportados nas Tabelas 8.6
e 8.7. Como nas regressões tradicionais envolvendo o comércio de bens, as variáveis
gravitacionais como língua, contiguidade, acordos de comércio e colônia são significativas e
apresentam os sinais esperados na maior parte dos casos. Por outro lado, vale destacar que, para
o comércio de serviços, o modelo gravitacional tende a relativizar a importância da variável
distância e do PIB das economias envolvidas. Dada a característica de intangibilidade de muitos
serviços comercializados, esse resultado não parece de todo surpreendente.

Tabela 8.6. Regressões de Poisson para Serviços

Setor Aéreo Telecom Construção Eletricidade Dist. Gás Seguros Negócios

PIB exp. (log) 0.296*** 0.088 0.242*** -0.168 1.232 0.036 0.235***
(0.078) (0.072) (0.066) (0.262) (0.953) (0.071) (0.061)

PIB imp. (log) 0.207*** 0.113 0.343 -0.130 -0.603*** 0.083 0.325***
(0.073) (0.074) (0.261) (0.391) (0.187) (0.140) (0.077)

Distância (log) -0.003 -0.095 0.109 -0.656*** 0.005 0.288* 0.041


(0.079) (0.081) (0.105) (0.116) (0.222) (0.153) (0.0750)
Dist>mediana -0.024 -0.011 -0.021 0.084*** -0.021 -0.023 -0.014
(log) (0.016) (0.021) (0.025) (0.026) (0.030) (0.024) (0.023)

Contiguidade 0.643*** 0.856*** 0.707*** 2.439*** 1.075** 1.161*** 0.622***


(0.105) (0.092) (0.107) (0.190) (0.456) (0.258) (0.083)
Língua 0.260** 0.216** 0.350 1.189*** 1.422*** 0.584*** 0.341***
comum (0.127) (0.092) (0.215) (0.325) (0.252) (0.163) (0.106)

Colônia 0.291* 0.106 0.594*** -0.075 -0.165 -0.133 -0.205*


(0.172) (0.147) (0.142) (0.266) (0.294) (0.179) (0.106)
Acordo 0.877*** 0.833*** 0.789*** 0.604*** 0.581 0.570*** 0.857***
Comércio (0.117) (0.144) (0.281) (0.212) (0.386) (0.192) (0.194)
Obs 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112
Nota: Exportador/importador/ano. Efeitos fixos incluídos em todas as especificações. Erro padrão robusto em
R² 0.613 0.638 0.612 0.780 0.857 0.819
parênteses (cluster de importador). *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
0.700

208
A Figura 8.17 reporta a média ponderada (pelos fluxos de comércio) dos equivalentes
ad-valorem estimados para cada modalidade de serviços da amostra, em cada país. Os valores
estimados sugerem que o Brasil está melhor posicionado que a média da América Latina, mas
ainda muito acima da média Europeia e dos EUA.

Já a Figura 8.18 faz um comparativo das barreiras de serviços estimadas para 13


modalidades, entre Brasil, e as médias ponderadas dos países da América Latina e dos países
da OCDE. Como observado, o Brasil é mais aberto ao comércio de serviços que a média da
América Latina, mas significativamente mais fechado que a média dos países da OCDE,
particularmente para as importações de serviços financeiros, construção civil, transportes
terrestres e telecomunicações e correios.

Tabela 8.7. Regressões de Poisson para Serviços

Setor Financeiro Ad. Rod./Ferrov. Cultura/Lazer Comérv Transp. Dist

PIB exp. (log) -0.035 0.360***


Pública 0.118 0.295*** 0.046 0.192
Mar 0.270**
Água
(0.166) (0.096) (0.104) (0.093) (0.074) (0.121) (0.108)

PIB imp. (log) 0.018 0.158 0.117 0.200*** 0.040 0.140* 0.163
(0.151) (0.130) (0.076) (0.074) (0.078) (0.081) (0.103)

Distância (log) 0.170** 0.054 -0.092 -0.083 0.046 0.226** -


(0.067) (0.193) (0.119) (0.079) (0.093) (0.114) (0.081)
0.244***

Dist>mediana(log) -0.050* 0.010 -0.017 -0.040** - - -0.012


(0.026) (0.016) (0.012) (0.017) (0.023)
0.064*** (0.023)
0.087*** (0.017)

Contiguidade 0.646*** 1.361*** 1.130*** 1.106*** 0.839*** 0.610*** 1.130***


(0.159) (0.232) (0.124) (0.108) (0.145) (0.114) (0.098)

Língua Comum 0.679*** 0.577*** 0.270*** 0.494*** 0.565* 0.431** 0.593***


(0.178) (0.191) (0.081) (0.109) (0.305) (0.186) (0.135)

Colônia 0.129 0.032 0.272* 0.116 -0.029 0.278 0.285***


(0.189) (0.174) (0.153) (0.094) (0.174) (0.220) (0.094)

Acordo Comércio 1.140*** 0.944*** 0.568*** 0.739*** 0.961*** 0.959*** 0.727***


(0.223) (0.158) (0.125) (0.148) (0.176) (0.162) (0.134)
Obs 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112 8,112
Nota: Exportador/importador/ano. Efeitos fixos incluídos em todas as especificações. Erro padrão robusto em
R² 0.824 0.579 0.573 0.727 0.820 0.821 0.670
parênteses (cluster de importador). *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

209
Figura 8.17. Equivalente ad-valorem das barreiras regulatórias às importações em serviços

250,0%

200,0%

150,0%

100,0%
71,5%
44,3%
50,0%
24,6%
5,2%
0,0%

N. Zelândia
Chile
Suiça
Canadá

Portugal

Lituânia
Holanda

Slovakia
Italia

Grécia

Paquistão
Luxemburgo

Irlanda

Europa
China

Coréia

Hungria
Polônia

Estônia
EUA

Reino Unido

Rep. Tcheca

Malta
Japão

Áustria

Panamá
Turquia
Dinamarca

Eslovênia
Rússia
Brasil

Finlândia

México

Colômbia

Latvia
Alemanha

Espanha

Suécia

Bélgica

Costa Rica
Ilhas Maurício

Paraguai
Noruega
França

Hong Kong

Croácia
A. Latina

Bulgária

Ciprus

Peru
Israel

Áfric do Sul

Argentina
Fonte: Elaboração própria, baseado nos resultados das regressões.

Figura 8.18. Equivalente ad-valorem das barreiras regulatórias às importações em serviços

200 181,2
189,1
180,7
180
160 142,9
140 123,5
120 110,5
98,1 96,1 96,4 102,3 100,9
100 82,7 83,6
77,1
80 67,2
55,9 56,6 53,7 53,5
60 41,4 40,8 39,4 38,9
48,6
38,2 39,6
32,7 30,5 32,7
40 24,3 26,1 21,8 24,3 28,6
20,6
17,4 17,9 17,3 16,9
20
0

A. Latina Brasil OCDE

Fonte: Elaboração própria, baseado nos resultados das regressões.

Dado a baixa produtividade em serviços e a já amplamente reportada causalidade entre


a abertura em serviços e o aumento das exportações de bens manufaturados, como já citado na
literatura empírica recente, cabe avaliar um eventual cenário de liberalização comercial em
serviços para a economia do Brasil.

Uma vez que o governo Brasileiro já manifestou seu interesse em aderir à OCDE, é
razoável esperar que haja uma tendência de convergência regulatória entre o Brasil e os
membros desta organização, em vários setores. Portanto, um cenário relevante a ser considerado
seria o de avaliar os possíveis impactos sobre a economia do Brasil, caso o país decidisse alinhar
suas barreiras regulatórias às importações de serviços, às regulações impostas pelos países da

210
OCDE. Conforme representado na Figura 8.18, uma forma de emular quantitativamente este
cenário seria considerar que o Brasil reduzisse os valores de seus equivalentes ad-valorem
setoriais às médias setoriais encontradas na OCDE. A Figura 8.19 reporta os resultados
encontrados para algumas das principais variáveis macroeconômicas Brasileiras, por meio de
uma simulação com modelo de equilíbrio geral computável estático (GTAP). Como observado,
o alinhamento regulatório do Brasil nas importações de serviços, às práticas do OCDE,
impactaria positivamente o PIB do país no longo prazo (0,47%), o volume de investimentos
(0,60%), o comércio internacional e o salário dos trabalhadores, particularmente os mais
qualificados. Como revelado na Figura 8.20 e em consonância com a recente literatura empírica,
a abertura em serviços estimula particularmente as exportações de produtos manufaturados, que
utilizam em grande volume os serviços comercializáveis, de maior valor agregado. Esta
realocação de fatores explica porque os salários dos trabalhadores mais qualificados sofrem um
impacto (positivo) maior, vis à vis os trabalhadores não-qualificados.

Figura 8.19. Impacto da convergência regulatória Brasileira na importação de serviços para o


padrão regulatório da OCDE

2,5 2,32

2
1,67
1,5

1
0,60
0,47 0,50 0,43
0,5

0
PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investmento Salários Salários (não-
(qualificados) qualificados)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Por fim, um aspecto relevante desta análise seria avaliar qual a contribuição de cada
choque setorial (redução do equivalente ad-valorem setorial do Brasil aos níveis das médias
setoriais da OCDE) para o desempenho positivo das variáveis macroeconômicas representadas
na Figura 8.19. A Figura 8.21 traz esta decomposição, numa escala de 0 a 100% para todas as
variáveis reportadas. Em primeiro lugar, vale ressaltar a importância da redução das barreiras

211
regulatórias às importações de serviços de “transportes” em geral, que chega a representar cerca
de 27% do crescimento das exportações e 36% do crescimento do salário dos trabalhadores
qualificados. Em segundo lugar, a redução das barreiras regulatórias às importações de serviços
relacionados a “negócios” (consultorias, serviços gerenciais, arrendamento mercantil, etc..) tem
impacto relevante sobre todas as variáveis macroeconômicas. No caso do impacto sobre a
demanda por investimento, chama a atenção a importância da liberalização dos serviços de
construção civil.

Figura 8.20. Impacto da convergência regulatória: exportações setoriais do Brasil (%)

2,65

1,69
1,56

0,68
0,37

Manufaturas Serviços Agronegócio Ind. Extrativa Agricultura


Vol. Exportado

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Figura 8.21 Contribuição de cada choque de abertura em serviços, por variável macro

100%
0,10 0,16 0,16 0,09
0,17 0,23 0,07
80% 0,06 0,07 0,04 0,02
0,10 0,07
0,04 0,08
0,06 0,16 0,10 0,09
60% 0,09 0,12
0,07 0,42
0,27 0,10 0,26
0,23
40% 0,14 0,36
0,08
0,03
20% 0,32 0,35 0,37
0,30 0,23 0,20
0%
PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investimento Salário Salário (não-
(qualificado) qualificado)
Negócios Transportes Serv. Financeiros Seguros
Telecom&Correios Construção Serv. Públicos Demais serviços

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

212
A clara conexão entre abertura em serviços e desempenho do setor de bens
manufaturados é sugestiva de que, países com maiores barreiras regulatórias em serviços, terão
mais dificuldade no aumento de sua inserção internacional via cadeias globais de valor (que são
majoritariamente em bens manufaturados). Para o caso da economia do Brasil, a análise
realizada chama a atenção para a relevância dos serviços de conexão (transportes), de negócios
em geral, dos serviços financeiros e construção civil. Por fim, vale ressaltar que as barreiras
regulatórias aqui estimadas também podem incluir eventuais tributos relacionados à atividade
importadora. Tributos relacionados à importação de serviços são particularmente altos no caso
do Brasil.

8.6.2. Análise de impacto do refinamento da regulamentação brasileira do setor financeiro,


tendo em vista as melhores práticas internacionais

O objetivo desta seção é avaliar, de forma isolada, os possíveis impactos de um eventual


refinamento da regulamentação Brasileira no comércio de serviços financeiros. Para tanto,
como na seção anterior, assumiremos como melhores práticas internacionais o padrão
regulatório vigente nos países da OCDE.

Como já mencionado no exercício anterior, o equivalente tarifário das barreiras


regulatórias ao comércio de serviços, estimadas para este estudo, captam, apenas, os módulos
existentes no balanço de pagamentos dos países, ou seja: módulo 1 (comércio transfronteiriço),
módulo 2 (consumo no exterior) e módulo 4 (movimento temporário de mão-de-obra). De
acordo com os indicadores de restrição ao comércio internacional de serviços financeiros,
estimados pela OCDE (STRI - Services Trade Restrictiveness Index)77, em uma amostra de 44
países (todos os países da organização mais os BRICS) o Brasil está entre as 3 economias mais
fechadas do grupo, atrás de Índia e Indonésia, mas à frente de China, México, Rússia e África
do Sul, além de todos os demais países da OCDE. O indicador estimado destaca ainda a
importância das barreiras regulatórias ao comércio de serviços financeiros no módulo 3
(presença comercial), representando cerca de 45% do valor final estimado para o índice
Brasileiro. Obviamente, a parcela complementar corresponde aos módulos 1,2 e 4. Dada a
complexidade intrínseca em estimar - e simular - a redução de barreiras regulatórias para fluxos
de investimento externo direto, caso do módulo 3, este potencial canal de abertura comercial
não será explorado nesta análise.

77 Acessar http://www.oecd.org/tad/services-trade/services-trade-restrictiveness-index.htm

213
Com base na classificação ISIC Rev.3.1 (International Standard Industrial
Classification of All Economic Activities), o setor de serviços financeiros da base de dados do
GTAP, a ser utilizado nesta análise, inclui: 1. Intermediação monetária; 2. Atividades próprias
de Central Banking, tais como manejo de depósitos compulsórios, gerenciamento das reservas
internacionais, supervisão do sistema financeiro, etc..; 3. Leasing, Intermediação financeira e
Crédito imobiliário de quaisquer instituições (tomadoras de depósitos ou não); 4. Oferta de
crédito de longo prazo para indústria e crédito a consumidores; 5. Investimento externo em
títulos, ações, atividades de hedge, etc...Portanto, trata-se de um setor em que a redução das
barreiras regulatórias ao comércio externo implicará, necessariamente, em maior oferta de
liquidez internacional para a economia doméstica e, por consequência, maior concorrência no
mercado de crédito Brasileiro.

8.6.2.1. Aspectos da modelagem

Conforme ilustrado na Figura 6.11, o equivalente tarifário das barreiras regulatórias ao


comércio de serviços financeiros foi estimado em 82,7% para a economia Brasileira e 32,7%
para a média dos países da OCDE. Para simular o refinamento da regulação Brasileira às
melhores práticas internacionais, utilizou-se um modelo de equilíbrio geral computável
(modelo GTAP em sua versão estática), aplicando-se um choque de eficiência nas importações
mundiais de serviços do Brasil, em valor proporcional à redução de 82,7% para 32,7%.

8.6.2.2. Resultados

Figura 8.22. Impacto da convergência regulatória Brasileira na importação de serviços


financeiros para o padrão regulatório da OCDE

0,26
0,24

0,04 0,05
0,03

PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investimento Salário real

214
Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Os resultados do refinamento regulatório Brasileiro no comércio de serviços financeiros, para


as principais variáveis macroeconômicas, estão indiretamente apresentados na Figuras 8.19 e
8.21. No intuito de facilitar a visualização dos resultados, os mesmos estão reportados (de forma
direta), na Figura 8.22

Como observado na Figura 8.22, o alinhamento regulatório Brasileiro com os países da


OCDE, no que tange às importações de serviços financeiros, tem impacto positivo (ainda que
muito pequeno) no PIB real da economia do Brasil. Por outro lado, como já sugerido na
literatura, é notória a causalidade entre aumento das importações de serviços (no caso, serviços
financeiros) e o desempenho exportador do país.

A Figura 8.23 revela quais os setores da economia do país tendem a ser mais
beneficiados com o aumento do acesso a serviços financeiros internacionais, sob o ponto de
vista das exportações de bens. Corroborando o dado empírico sobre a alto emprego de serviços
nas exportações de produtos manufaturados no Brasil (cerca de 32% do valor adicionado
exportado), nota-se que são estes os setores cujas exportações são as mais beneficiadas com a
maior abertura do setor de serviços financeiros.

Figura 8.23. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços


financeiros internacionais, sobre as exportações setoriais (%)

0,91
0,73
0,63 0,63 0,65
0,53 0,55 0,55 0,57
0,44 0,44 0,47
0,39 0,42
0,31 0,32 0,32 0,33 0,34 0,34
0,27 0,30
0,19
0,13 0,14 0,14 0,15 0,17
0,07 0,08 0,09 0,10 0,11
0,01 0,02 0,04 0,05 0,05

-0,09 -0,07 -0,05

-0,38

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Com relação ao impacto sobre o PIB setorial, nota-se que os resultados são qualitativamente
similares, como observado na Figura 8.24, ou seja, a redução das barreiras regulatórias às

215
importações de serviços financeiros tende a ser mais benéfica, em média, para os setores mais
intensivos em capital.

Figura 8.24. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços


financeiros internacionais, sobre o PIB setorial (%)

0,45

0,27 0,28
0,23
0,18 0,19
0,16
0,13 0,14 0,14
0,11 0,11 0,11 0,11 0,12 0,12 0,12
0,08 0,10 0,11
0,08
0,06 0,07 0,07 0,08
0,04 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,06
0,03 0,03 0,03 0,03 0,04 0,04 0,04 0,04
0,01 0,02

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Com a diminuição das barreiras regulatórias às importações de serviços financeiros, espera-se


uma redução do custo médio destes serviços no mercado doméstico, tanto para empresas como
para consumidores. Este impacto médio está representado na Figura 8.25. Corroborando o
melhor desempenho observado para os setores manufatureiros, nota-se uma maior redução do
custo médio para setores, em geral, capital intensivos. Para o consumidor das famílias, o modelo
projeta uma redução do custo médio dos serviços financeiros da ordem de -0,27%.

Figura 8.25. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços


financeiros internacionais, sobre o custo médio destes serviços (%)

-0,52 -0,54 -0,56


-0,61 -0,63 -0,68
-0,71 -0,74 -0,77
-0,82
-0,91 -0,95
-1,00 -1,02 -1,05
-1,09 -1,10 -1,15
-1,16 -1,20 -1,21 -1,21 -1,22
-1,27 -1,28
-1,39 -1,40 -1,45
-1,49 -1,50 -1,50 -1,52 -1,56
-1,64 -1,68
-1,77 -1,78
-1,92
-2,06
-2,26 -2,32 -2,32

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

216
8.6.2.3. Implicações de Política

Segundo o índice de restrição ao comércio de serviços financeiros da OCDE, estimado para o


Brasil, a composição (subjetiva) do mesmo é pode ser descrita como: 11,03% (restrições ao
movimento de mão-de-obra temporária); 19,78% (barreiras discriminatórias); 23,35%
(transparência regulatória); 28,54% (barreiras à competição). Aplicando-se essa distribuição
(subjetiva) ao equivalente tarifário estimado para este estudo, seria possível, em escala
aproximada, ter uma estimativa preliminar do real custo destas barreiras para o importador
Brasileiro. Esta distribuição é proposta na Figura 8.26.

Figura 8.26. Decomposição qualitativa do equivalente tarifário estimado para as importações


de serviços financeiros no Brasil, com base na OCDE

Total 82,7

Barreiras à competição 28,54

Transparência regulatória 23,35

Barreiras discriminatórias 19,78

Mão-de-obra temporária 11,03

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Segundo a Figura 8.26, as restrições ao movimento de mão-de-obra temporária em serviços


financeiros, existentes no Brasil, representam um custo adicional de 11% na importação dos
mesmos. Trata-se de um conjunto de restrições pertencentes ao módulo 4 de serviços, sendo,
de forma mais geral, um dos módulos do GATS mais regulados do mundo. A existência de
regulações que impõem “barreiras à competição”, por sua vez, representa um equivalente
tarifário, em média, da ordem de 28,54% para o importador Brasileiro de serviços financeiros.
Neste quesito, segundo a OCDE, os principais entraves existentes à importação de serviços
financeiros internacionais no Brasil são: 1. Forte presença do estado na oferta de serviços

217
financeiros, com significativo “market-share”; 2. Intervenção do estado nas taxas de juros
cobradas em casos de “default” de crédito; 3. Existência crédito direcionado; 4. Existência de
controle discricionário do governo sobre o “funding” da agência supervisora do mercado
bancário (Banco Central); 5. Inexistência de mandatos fixos (em lei) para diretoria do Banco
Central, entre outros. Para o caso das “barreiras discriminatórias”, a OCDE aponta os seguintes
“gargalos regulatórios” para a importação de serviços financeiros no Brasil: 1. Tratamento
discriminatório na oferta de serviços financeiros por fornecedor estrangeiro, no caso de
impostos e subsídios; 2. Preferência por fornecedores locais de serviços financeiros, no caso de
compras governamentais (papel dominante do Banco do Brasil); 3. Existência de restrições a
empréstimos e depósitos em moeda estrangeira; 4. Existência de restrição a empréstimos a não-
residentes por bancos locais, entre outros. Para o caso dos gargalos regulatórios relativos à
“transparência regulatória”, a OCDE aponta os seguintes pontos: 1. Inexistência de obrigação
legal de comunicação prévia com o mercado (inclusive fornecedores estrangeiros), em tempo
adequado, sobre eventuais mudanças regulatórias no setor; 2. Elevada burocracia para emissão
de visas e registros de empresas estrangeiras, etc...

8.7. A Facilitação do Comércio no Brasil

A baixa qualidade da infraestrutura logística no Brasil há muito é apontada por


especialistas como uma das possíveis causas da fraca participação do país no comércio
internacional de bens e serviços, somada a sua localizacão geográfica desfavorável e a
existência de barreiras tarifárias (e regulatórias) em patamares relativamente elevados para
padrões internacionais.

Mais recentemente, no âmbito do sistema multilateral de comércio, foi aprovado o


Acordo de Facilitação de Comércio de Bali78, primeiro acordo multilateral firmado desde a
criação da OMC em 1995. Este acordo se concentra, fundamentalmente, no aumento da
eficiência dos processos aduaneiros. Uma vez que suas diretrizes sejam seguidas, espera-se que
as economias percebam aumento substancial nos fluxos de importação e exportação de
mercadorias, sobretudo no caso dos países pobres ou em desenvolvimento, onde a logística
portuária tende a ser menos eficiente.

Ao mesmo tempo em que o número de acordos preferenciais de comércio evolui em

78
Para detalhes do acordo, ver: www.wto.org/english/tratop_e/tradfa_e/tradfa_e.htm.

218
escala global e as tarifas efetivas de importação são significativamente reduzidas, o tema da
facilitação do comércio, encenado de forma geral pelos atrasos aduaneiros, é destacado pela
literatura empírica de comércio internacional como uma barreira não tarifária cuja redução tem
importância crucial para a continuidade do crescimento do comércio mundial. Mais
recentemente, com o significativo aumento das exportações de bens intermediários
manufaturados, o fator tempo se tornou condição necessária para a integração das economias
às chamadas cadeias globais de valor.

Considerando esses aspectos, e tendo em vista as características da estrutura aduaneira


brasileira, esta etapa do projeto busca estimar os possíveis impactos das reduções dos atrasos
portuários sobre a economia do país. Além disso, busca-se também entender os desdobramentos
específicos para os diferentes setores produtivos da economia doméstica, em particular para a
sua indústria de transformação, a qual, como será visto mais adiante, tende a ser mais sensível
aos atrasos portuários vis à vis os demais setores da economia.

Tais objetivos serão perseguidos utilizando-se como ferramenta primária a modelagem


em equilíbrio geral computável, tendo por base dados consolidados e estimativas recentes de
custos diários de atrasos para uma ampla gama de mercadorias, sob duas perspectivas centrais:
em primeiro lugar, da aderência unilateral do governo brasileiro a ações que visem a facilitação
do comércio, resultando em queda significativa dos atrasos portuários no Brasil e, em segundo
lugar, sob a hipótese de que as demais economias do mundo também procedam a uma redução
proporcional dos atrasos em seus portos, em consonância com os compromissos assumidos no
Acordo de Bali.

Os resultados obtidos neste estudo sugerem que os atrasos aduaneiros são hoje, para o
Brasil, barreiras ao comércio mais relevantes que as próprias barreiras tarifárias de importação,
tanto domesticamente, como em seus principais destinos comerciais. Além disso, sugere que os
atrasos portuários são particularmente prejudiciais para a indústria de transformação, haja vista
a maior sensibilidade ao tempo para os bens capital-intensivos vis-à-vis os demais bens da
economia. Neste sentido, aponta que a melhoria da logística de comércio no Brasil, como uma
política pública de cunho horizontal, é potencialmente capaz de aumentar a inserção da indústria
brasileira no comércio internacional.

Este estudo está organizado em mais cinco seções. Na seção 8.7.1 é feita uma revisão
da literatura. Na seção 8.7.2 é apresentada a base de dados utilizada. A seção 8.7.3 discute os
principais aspectos e premissas da modelagem em equilíbrio geral. Na seção 8.7.4 são

219
apresentados os resultados e algumas implicações de política pública. A seção 8.7.5 apresenta
as principais conclusões do estudo.

8.7.1. Revisão da Literatura

Para a estimativa dos impactos econômicos da facilitação de comércio 79 , predominam


na literatura empírica a utilização de modelos econométricos gravitacionais (Anderson, 1979;
Anderson & Wincoop, 2003; Yotov et al., 2016) e modelos de equilíbrio geral computável
(Ginsburg & Keyzer, 1997; Hertel, 1997; Dixon & Jorgenson, 2013). Sobre a primeira vertente
da literatura, Wilson et al. (2005) estimam o impacto da facilitação por meio de um modelo
gravitacional com dados em painel, para uma amostra de 75 países. Os autores trabalham com
quatro medidas de facilitação do comércio (infraestrutura portuária aérea e marítima, qualidade
das aduanas, ambiente regulatório e e-business) e estimam ganhos potenciais da ordem de $377
bilhões em exportações adicionais, quando os indicadores nacionais de facilitação são
aproximados em 50% em relação às respectivas médias mundiais. Iwanow e Kirkpatrick (2007)
empregam um modelo gravitacional clássico, estendido para um grupo de indicadores
relacionados à facilitação do comércio, qualidade do ambiente regulatório e da infraestrutura,
a fim de estimar seus respectivos impactos sobre as transações bilaterais, utilizando uma
amostra representativa de países. Os resultados estimados sugerem que uma melhora da ordem
de 10% no indicador de facilitação de comércio levaria a um aumento médio das exportações
em 5%. Melhorias percentuais idênticas nos indicadores de qualidade regulatória e
infraestrutura resultariam em aumentos médios dos fluxos bilaterais de comércio da ordem de
9-11% e 8%, respectivamente. Os autores concluem que, embora importante sob o ponto de
vista individual, o aumento da eficiência portuária deve vir acompanhado de reformas que
também envolvam melhorias mais amplas nas cadeias logísticas do comércio internacional.

Empregando metodologia similar, porém com um detalhamento mais amplo, o relatório


da OCDE (2013) apresenta estimativas dos impactos de vários indicadores de facilitação de
comércio sobre os fluxos bilaterais, para um grupo de 106 países não membros da OCDE. No

79Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o termo facilitação de


comércio se refere à "políticas e medidas voltadas para redução dos custos de comercialização por meio do
aumento da eficiência em cada estágio das transações internacionais". Já de acordo com a definição da OMC
(Organização Mundial de Comércio), facilitação de comércio é a ’simplificação de procedimentos de troca’,
entendido como ’atividades, práticas e formalidades envolvidas na coleta, apresentação, comunicação e
processamento de dados necessário para a movimentação de bens nas trocas internacionais’

220
relatório são construídos dezesseis indicadores de Facilitação de Comércio80 (IFCs), cujos
impactos são estimados a partir de um modelo gravitacional clássico, estendido para incluir tais
indicadores e inferir suas respectivas elasticidades. Os exercícios econométricos realizados pela
OCDE sugerem que as medidas de facilitação com maior impacto sobre o volume
comercializado estão relacionadas à (i) disponibilidade de informação, (ii) harmonização e
simplificação de documentos, (iii) automação de processos e gestão de riscos, (iv) simplificação
dos procedimentos de fronteiras e (v) boa governança e imparcialidade. Como pode ser
observado, todas estas medidas estão fortemente correlacionadas com os atrasos portuários, o
quais serão objeto central do presente trabalho.

Por meio de uma equação gravitacional em diferenças e dados de exportações bilaterais,


em conjunto com o tempo despendido no processo de exportação da fábrica ao porto para uma
amostra de 98 países, Djankov et al (2010) sugerem que o efeito de um dia de atraso pode
significar cerca de 1% a menos em exportações para um país. Em uma perspectiva equivalente,
os autores sugerem que cada dia de atraso corresponde, em média, a um distanciamento
adicional de 70km do país exportador ao país de destino. Já Persson (2008) sugere que a redução
do tempo de exportação (importação) em um dia, implicaria incremento das exportações
(importações) de magnitude equivalente a 1% (0.5%), consistente com as estimativas de
Djankov et al (2010). Nordas e Piermartini (2004), por sua vez, ressaltam a importância do
tempo para a conexão das indústrias nacionais às cadeias globais de valor, colocando a
qualidade logística de um país como condição necessária para a sua integração ao comércio de
bens intermediários, ainda mais importante que eventuais cortes tarifários. Sobre a variedade
de bens exportados, Dennis e Shepherd (2011) sugerem que a melhoria dos indicadores de
facilitação de comércio atua no sentido de ampliar a diversificação da pauta exportadora de um
país, contribuindo não somente para a expansão da margem intensiva do comércio, como
também para a sua margem extensiva.

Quanto a abordagem via modelos de equilíbrio geral computável, estudo realizado pela
APEC (1999), utilizando a versão dinâmica do modelo GTAP – Global Trade Analysis Project
(Ianchovichina & Walmsley, 2012), aponta que uma redução de 1% nos custos alfandegários

80Mais especificamente, cada um dos indicadores busca mensurar os seguintes determinantes: disponibilidade de
informação, envolvimento da comunidade comercial, resoluções antecipadas, procedimento de recursos, taxas,
formalidades - documentação, automação e procedimentos, cooperação interna, cooperação externa,
consularização, governança e imparcialidade, taxas de trânsito, formalidades de trânsito, garantias de trânsito e
acordos e cooperação de trânsito.

221
(diretos e indiretos)81 para países industrializados, e de 2% para países em desenvolvimento,
implicaria em um ganho anual de PIB de até 0,25 p.p para a região da APEC (Asia-Pacific
Economic Cooperation). O trabalho de Dee (1998) utiliza um modelo EGC dinâmico, em
competição imperfeita, também para o caso dos países da APEC. O autor estima que uma
redução uniforme de 5% nos custos alfandegários (diretos e indiretos) é capaz de gerar
incrementos de renda da ordem de 1,1% de PIB para os países do bloco.

Para estimar os impactos da facilitação do comércio em nível global, Francois et al.


(2003) utiliza uma versão estendida do modelo GTAP estático (Hertel, 1998), incorporando
uma estrutura de mercado em competição monopolística no setor de bens manufaturados.
Assumindo uma redução de 1,5% e de 3% nos custos alfandegários totais (diretos e indiretos),
os autores estimam um incremento nas taxas de crescimento anuais do PIB global da ordem de
0,25% e 0,52%, respectivamente. Já o relatório da OECD (2003), utilizando a estrutura básica
do modelo GTAP (estática e com competição perfeita), estima que a redução de 1% nas
barreiras alfandegárias traria um impacto estimado da ordem de 0,26% sobre o crescimento
anual do PIB global. O trabalho de Hertel et al (2001) estima os impactos econômicos esperados
para o acordo preferencial de comércio entre Japão e Singapura, via modelagem EGC dinâmica.
Considerado um acordo “New Age”, a negociação previa, para além dos instrumentos
tradicionais do GATT, como cotas, tarifas e subsídios, também a negociação de barreiras não-
tarifárias, sobretudo em facilitação de comércio, onde os autores reportam ganhos potenciais
significativos. A contribuição metodológica mais importante do trabalho de Hertel et al (2001),
contudo, reside na simulação da redução dos atrasos portuários como ganhos potenciais de
eficiência no comércio bilateral, os quais podem ser também entendidos como choques
positivos de demanda, quando ao fator tempo é atribuído uma dimensão de qualidade capaz de
influenciar o comportamento do consumidor-importador.

A maior parte das análises de impacto reportadas na literatura empírica de facilitação do


comércio, realizadas por meio de modelos de equilíbrio geral computável, estão baseadas,
contudo, em estimativas ad hoc dos custos implícitos (indiretos) dos atrasos aduaneiros. No
caso do presente estudo, foram utilizadas estimativas de custos dos atrasos portuários para o
Brasil baseadas primariamente por estudo científico realizado por Hummels & Schaur (2013).
Em seguida, estas estimativas foram incorporadas em um modelo EGC global de larga escala,

81Custos diretos envolvem desembolsos efetivos (ex. taxas portuárias), enquanto os custos indiretos se referem
aos atrasos aduaneiros. Este trabalho estará focado, pois, nos custos indiretos relacionados à facilitação do
comércio.

222
possibilitando a captação dos prováveis ganhos de comércio em um arcabouço de equilíbrio
geral.

Alguns dos principais resultados de Hummels e Schaur (2013) são úteis para o
entendimento das discussões que se seguirão ao longo deste estudo. Por exemplo, os autores
destacam que os custos associados aos atrasos na entrega podem ser magnificados para bens
associados a cadeias globais/regionais de valor. A ideia é que o atraso na entrega de um dado
bem intermediário pode afetar negativamente todos os estágios de produção envolvidos na
fabricação de um bem final, causando spillovers negativos ao longo de toda a cadeia de valor
global. Outro resultado importante, e consequência do resultado mencionado anteriormente, é
a significativa heterogeneidade nas estimativas dos custos dos atrasos em função do tipo de
produto em questão. No que tange ao Brasil, os resultados encontrados por Hummels e Schaur
são sugestivos de que, para além dos problemas de produtividade setorial relativa, o custo dos
atrasos portuários domésticos pode ter impactos não desprezíveis sobre a composição da pauta
de comércio brasileira, contribuindo, por exemplo, para o declínio da participação de produtos
de alto valor agregado no total exportado pelo país.

Como será avaliado nas próximas seções, atrasos portuários representam barreiras
comerciais potencialmente mais relevantes que as barreiras tarifárias, sendo particularmente
prejudiciais para a competitividade dos bens manufaturados produzidos e exportados pela
indústria Brasileira, comprometendo seu potencial de integração em cadeias globais/regionais
de valor.

8.7.2. Aspectos da Modelagem: Base de dados e seus cruzamentos

Esta seção apresenta a base de dados utilizada neste estudo, os tratamentos realizados
para adequação ao seu escopo, a definição dos aspectos da modelagem e das premissas
utilizadas.

 Base de Dados
As simulações realizadas neste estudo utilizaram três fontes primárias de dados: (1) a
matriz de insumo produto global do GTAP 9; (2) o custo diário dos atrasos, estimados para
vários produtos por Hummels & Schaur (2013); (3) a média nacional dos atrasos portuários,
estimadas para vários países pelo Doing Business (Banco Mundial).

223
A base de dados global GTAP 9 combina informações de comércio bilateral, custos de
transporte e proteção tarifária, caracterizando as ligações econômicas entre 140 regiões e 57
setores por região, a partir das matrizes de insumo produto nacionais fornecidas por cada país
representado na base. Adicionalmente, a base de dados contém informações sobre as relações
de insumo-produto por regiões individuais, as quais revelam as conexões inter-setoriais dentro
de cada região. O conjunto dos dados é harmonizado e completado com fontes adicionais de
informações, descrevendo a economia mundial para o ano base 2011.

 Cálculo do equivalente tarifário dos atrasos portuários

Para cada uma das 140 regiões e 57 setores considerados neste estudo, têm-se, a partir
das estimativas realizados por Hummels & Schaur (2013) para cerca de 5.000 produtos ao nível
de desagregação HS6, os custos dos atrasos (por dia) referenciados pelo seu equivalente ad
valorem. A multiplicação destes valores pelo tempo médio para exportar e importar no Brasil,
a partir dos dados do Doing Business (Tabela 1), permite a estimativa do equivalente ad valorem
referente aos atrasos portuários totais no Brasil, tanto para as exportações, quanto para as
importações.

O procedimento para o cálculo do equivalente tarifário dos atrasos portuários é realizado


em três etapas. Na primeira etapa, descrita com detalhes em Hummels & Schaur (2013), estima-
se o custo de um dia de atraso para cerca de 5000 produtos. Para tanto, os autores utilizam uma
base de dados ampla, a partir de duas fontes de informações distintas. A primeira delas reporta
os produtos importados pela economia americana ao nível HS6, no período 1991-2005, com
valores mensais, quantidades, modal de transporte utilizado (aéreo ou marítimo, com os valores
dos respectivos fretes), desagregados por produto, porto de entrada e país exportador. A
segunda fonte de dados reporta o tempo de comercialização (shipping times) entre os portos de
saída (países exportadores) e os portos de entrada na economia americana82. A ideia é explicar
a escolha da via aérea em função do prêmio pago por esta via, além do tempo em dias
economizado83. Hummels & Schaur estimam um custo implícito em cada dia adicional que uma
mercadoria demora para ser entregue ao importador, na forma do seu equivalente tarifário. Para
tanto, os autores partem da tomada de decisão de exportadores entre utilizar transporte marítimo

82Port2port Evaluation tool, fourth quarter 2006, Compair data, Inc.


83No modelo econométrico de Hummels & Schaur (2013) o tempo de translado aéreo é aproximado para 1 dia,
qualquer que seja o par produto-país exportador. Portanto, por construção, os dias economizados por via aérea
corresponderão aos dias necessários para o translado marítimo, subtraídos da unidade.

224
ou aéreo. A metodologia consiste em explorar o trade-off dos maiores custos de frete por via
aérea, contra os benefícios de se agilizar a entrega de um produto. Dito de outra forma, a
proposta é extrair a disposição dos consumidores a pagar mais caro pelo tempo salvo via
exportação aérea, tendo como alternativa o transporte marítimo, mais barato, porém mais lento.
Segundo estimativas dos autores, cada dia em trânsito custa, em média, entre 0,6 % a 2,1 % do
valor da carga comercializada. Além disso, Hummels & Schaur apontam que a sensibilidade ao
tempo do comércio para produtos manufaturados (partes e componentes, por exemplo) é cerca
de 60% maior, em média, quando comparada a outros produtos. A segunda etapa do
procedimento consiste na adequação dos custos diários dos atrasos, originalmente estimados ao
nível HS6, para os (macro) setores correspondentes da base GTAP 9. Esta última, como já
mencionado, contém 57 setores, sendo 42 referentes a bens e 15 a serviços. Portanto, tendo por
base a “quebra” setorial de cada um dos 42 setores da base GTAP 9 em seus respectivos códigos
HS6, foi possível construir uma média ponderada setorial, tanto para exportação, quanto para
importação, para cada um dos 140 países e cada relação bilateral de comércio existente na base
GTAP 9. Por construção, o valor das médias ponderadas setoriais será função da pauta de
exportação/importação ao nível HS6 de um determinado país, para o resto do mundo. Por
exemplo, países que exportam majoritariamente bens manufaturados, como é o caso dos países
da OCDE, tenderão a ser mais penalizados por atrasos portuários vis à vis países
majoritariamente exportadores de commodities, como é o caso dos países da OPEP. Isto porque,
segundo Hummels & Schaur, o custo diário de atrasos para bens manufaturados tende a estar
entre os maiores dentre todos os estimados em sua amostra, contendo cerca de 5000 produtos84.

84 Apesar de trabalharem com dados de importação da economia americana, as estimativas de custo diário dos
atrasos, realizadas por Hummels & Schaur, não são, a priori, país-específicas. No modelo desenvolvido pelos
autores, o parâmetro equivalente ao custo diário dos atrasos capta a desutilidade do importador com eventuais
atrasos de entrega, representando uma dimensão da qualidade média atribuída ao produto importado, que pode ter
origem em países os mais diversos. No cálculo feito pelos autores, esta dimensão de qualidade é capturada “livre”
da influência da elasticidade de substituição entre os bens consumidos pelos importadores americanos, a qual é,
claramente, país-específica. Portanto, como os próprios autores deixam claro nas conclusões do seu artigo (página
2958), a base de dados estimada por eles pode ser potencialmente utilizada para estudos de facilitação de comércio
em outros países: “With our estimates of the value of each day saved one can then calculate the monetary benefits
of these initiatives and how they compare to the cost incurred”.

225
Tabela 8.8. – Atrasos Portuários: Exportação/Importação (2012)

Fonte: Adaptado de Doing Business (2013)


Nota: A média leva em conta os intervalos de tempo gastos para completar todos os
procedimentos necessários para a exportação ou para a importação de um container de 20ft.
Caso alguns desses procedimentos possam ser acelerados (ainda que implique em custos
adicionais), são escolhidos os procedimentos legais mais rápidos.

Por fim, a terceira etapa do procedimento consiste em estimar o equivalente tarifário


“total” para cada um dos 129 países e respectivos fluxos bilaterais de comércio. Para tanto, uma
vez calculadas as médias ponderadas da etapa 2, multiplicou-se os valores médios diários pelo
tempo médio dos atrasos portuários (nacionais) estimados pelo Doing Business (Trading Across
Borders, Banco Mundial), conforme ilustrado na Tabela abaixo, para uma pequena amostra de
países, incluindo o Brasil85.

A Tabela 8.8 reporta o tempo médio gasto nos portos, conforme categoria de
procedimentos, para uma amostra de países/regiões. A obtenção de documentação vai desde a
elaboração e o processamento de documentos, até a preparação para o desembaraço, o que
abrange inspeções anteriores ao carregamento. Desembaraços e inspeções tratam da verificação
de documentação, controles e inspeções técnicas e sanitárias. O manuseio portuário refere-se
às atividades desenvolvidas dentro do porto, como a espera para carregar os containers nas
embarcações. O manuseio interno envolve a obtenção e o carregamento de containers, o

85 Para detalhes sobre a metodologia para a estimativa do tempo médio dos atrasos portuários ver
www.doingbusiness.org/methodologysurveys/tradingacrossborders.aspx. Tratam-se de médias de atrasos
nacionais, compatíveis com a estrutura de representação do modelo GTAP, a qual, em seu estado padrão, não
possibilita a incorporação de heterogeneidades portuárias em nível micro-regional. Vale ressaltar que as médias
nacionais reportadas para os diversos países são referendadas por especialistas locais.

226
transporte até a fronteira, espera para carregamento, espera para cruzamento de fronteira, e
transporte da fronteira até o porto (Djankov, Freund e Pham, 2010).

O tempo gasto no Brasil em procedimentos anteriores ao carregamento é praticamente


equivalente ao tempo total dos demais procedimentos, o que ocorre também para demais países
em desenvolvimento. Os maiores intervalos de tempo totais aparecem na África Subsaariana.
Também merece destaque o longo intervalo de tempo necessário para a documentação de
importações na Argentina, que leva em média 22 dias.

Comparando-se com os demais países reportados no ranking do Doing Business


(amostra de 189 países/regiões), o tempo médio de exportação para o Brasil toma a posição de
número 64, sendo similar ao tempo encontrado para países como Arábia Saudita, República
Dominicana, El Salvador, Romênia e Turquia. Para o tempo médio de importação, o Brasil fica
na posição 87, em conjunto com a Arábia Saudita, além da Bulgária, Jamaica, Paquistão, Peru,
e República Tcheca.

 O Custo do tempo para as relações comerciais do Brasil

As Figuras 8.27 e 8.28 ilustram o equivalente ad valorem dos atrasos aduaneiros


calculados para um grupo de países, incluindo o Brasil, a partir das bases de dados utilizadas e
discutidas no item acima. O resultado encontrado é tanto função do tempo médio de atraso nos
portos, assim como da composição setorial da pauta de exportação/importação de um dado país.
Desta forma, tudo o mais constante, quanto maior o tempo médio de atraso em portos, maior
será o equivalente ad valorem de um dado país, tanto para suas exportações, quanto para suas
importações. No que tange à composição setorial da pauta comercial, tudo o mais constante,
quanto maior a participação de produtos manufaturados nas suas exportações e importações,
maior será o equivalente ad valorem e, portanto, a relevância dos atrasos portuários para o seu
desempenho comercial.

Como observado nas Figuras 8.27 e 8.28, o Brasil é o país mais bem posicionado dos
Brics (grupo de países envolvendo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ainda que o
tempo médio para exportar na Alemanha (9 dias) seja mais baixo que no Brasil (13 dias), o
maior equivalente ad valorem obtido para o primeiro é função da composição de sua pauta de
exportação, fortemente concentrada em produtos manufaturados. Vale ressaltar a menor
magnitude do custo dos atrasos portuários para os Estados Unidos, tanto para exportação,

227
quanto para importação, consequência direta da alta eficiência média de seus portos (6 e 5 dias
de atraso médio, respectivamente), em que pese a predominância de produtos capital intensivos
em sua pauta de exportação.

As Figuras 8.29 e 8.30 representam o equivalente ad valorem dos atrasos portuários por
parceiro comercial do Brasil, para as exportações e importações de produtos manufaturados
(indústria de transformação). Enquanto a Figura 3 faz um comparativo com as tarifas médias
impostas às exportações de produtos manufaturados Brasileiros por país de destino, a Figura 4
faz um comparativo com as tarifas médias de importação impostas pelo Brasil por país/região
de origem.

Conforme observado, os equivalentes ad valorem dos atrasos aduaneiros tende a ser


maior que a tarifa de importação aplicada, tanto para as exportações bilaterais de produtos
manufaturados pelo Brasil, quanto para as suas importações bilaterais.

Este resultado sugere a importância do tempo para o desempenho comercial da indústria


brasileira e, mais importante, que a melhoria deste desempenho pode ser alcançada, em
princípio, por medidas unilaterais de caráter regulatório como, por exemplo, a redução da
burocracia portuária e a melhor coordenação dos órgãos anuentes envolvidos nos
procedimentos de importação e exportação no país.

As Figuras 8.31 e 8.32 reportam o equivalente ad valorem dos atrasos portuários nas
exportações e importações do Brasil, respectivamente, para 42 setores da economia,
compreendendo (da esquerda para a direita) 13 setores agrícolas, 6 da indústria extrativa e 23
setores da indústria de transformação. Conforme observado, tanto para as exportações, quanto
para as importações, os setores que compõem a indústria de transformação, por serem capital
intensivos (Hummels & Schaur, 2013), são os mais sensíveis aos atrasos portuários. Desta
forma, uma vez reduzido o tempo dos atrasos nos portos do Brasil, conforme previsto no acordo
de facilitação do comércio da OMC, é esperado que os setores que compõem a indústria de
transformação sejam relativamente mais atingidos por esta medida, por meio do aumento da
sua inserção no comércio internacional.

228
Figura 8.27. Equivalente Ad Valorem dos Figura 8.28. Equivalente Ad Valorem dos
atrasos nas exportações totais (2012). atrasos nas importações totais (2012).
Custo do atraso em exportações Custo do atraso em importações
33,07
30 24,13 35 28,80
Percentual do valor f inal

26,97

Percentual do valor f inal


25 30
20 17,75 25 18,95
15,48
20 16,00
15 9,93 9,74 9,27 13,19
8,54 15
10 6,09 6,04
10 4,09
5 5
0 0

Custo do atraso Custo do atraso

Fonte: Elaboração própria. Fonte: Elaboração própria

Figura 8.29. Equivalente Ad Valorem dos Figura 8.30. Equivalent Ad Valorem dos
atrasos nas exportações de manufaturados atrasos nas importações de manufaturados
e tarifa aplicada no destino (2012). e tarifa aplicada por origem (2012).

Fonte: Elaboração própria. Nota: Mena Fonte: Elaboração própria. Nota: Mena
(Oriente médio e norte da África); ASS (Oriente médio e norte da África); ASS
(África subsaariana) (África subsaaria

229
Figura 8.31. Equivalente ad valorem das exportações setoriais (2012)

Fonte: elaboração própria

Figura 8.32. Equivalente ad valorem das importações setoriais (2012)

Fonte: elaboração própria

62
8.7.3. Modelo de Equilíbrio Geral Computável Utilizado86

O modelo utilizado neste estudo foi o GTAP (Global Trade Analysis Project). Trata-se
de um modelo de equilíbrio geral computável global, que considerada estruturas de mercado
em competição perfeita. Em sua versão mais recente, o modelo representa 57 setores produtivos
em 140 regiões do mundo. Seu conjunto de equações é totalmente baseado em fundamentos
microeconômicos, contendo uma descrição detalhada do comportamento das famílias e firmas
pertencentes a cada uma das regiões modeladas, além dos fluxos de comércio inter-regionais.

O GTAP se qualifica como um modelo do tipo Johansen, no qual as soluções são obtidas
resolvendo-se um sistema de equações linearizadas do modelo. A apresentação sistemática das
soluções de Johansen para tais modelos é padrão na literatura (ver Dixon et al (1992) e Dixon
e Parmenter (1996)).

Os três principais módulos do modelo GTAP são detalhados nos itens que seguem87.

 Consumo das famílias

O modelo GTAP assume um consumidor representativo em cada região, o qual


maximiza sua utilidade de maneira a alocar a renda regional entre consumo privado, serviços
governamentais e poupança, em proporções fixas. A demanda privada do consumidor
representativo é do tipo CDE (Constant Difference of Elasticities). Seguindo a tradicional
hipótese de Armington (1969), bens domésticos e estrangeiros podem ser diferenciados por
origem.

 Oferta das Firmas

As firmas são price takers e maximizam lucro em uma estrutura de mercado


perfeitamente competitiva. O comportamento “tomador” de preços, típico de mercados de
commodities, fará com que cada preço reflita o custo marginal de produção do bem associado.
Os 57 setores representados no modelo operam com tecnologia de retornos constantes de escala,
seguindo uma mesma lógica de estrutura aninhada de produção. De maneira geral, no último
estágio de produção uma dada commodity será produzida a partir da combinação de 57
compostos de inputs intermediários e um único composto de fatores primários de produção

86 Ver Brockmeier (1996) ou Hertel (1997) para um exposição detalhada do modelo GTAP.
87 A descrição dos módulos segue Zhang e Fung (2006), mas com uma maior riqueza de detalhes.

231
(trabalho, capital, terra e recursos naturais), segundo uma tecnologia Leontief (proporções
constantes). O composto de fatores primários é formado a partir de uma tecnologia CES
(Constant Elasticity of Substitution), combinando cada um dos fatores de produção
mencionados, supondo-os substitutos imperfeitos. Cada um dos 57 compostos de inputs
intermediários será também formado a partir de uma CES, subdividida em dois estágios. No
primeiro estágio, o produtor doméstico poderá escolher entre os diversos fornecedores
estrangeiros, os quais oferecem inputs substitutos imperfeitos, diferenciados a partir de sua
origem. No segundo estágio, a escolha é feita entre o input similar doméstico e o composto de
inputs similares importados, também por meio de uma CES. Portanto, não só a diferenciação
entre produtos importados e domésticos, como também a diferenciação entre importados por
origem, segue a hipótese de Armington (1969).

 Fechamento

Todos os fatores de produção (trabalho, capital, terra e recursos naturais) são


considerados em pleno emprego e com mobilidade zero entre as regiões. Seguindo o
fechamento clássico do modelo GTAP, capital e trabalho possuem livre mobilidade entre
setores, mas o estoque de ambos é fixo por região. Já os fatores terra e recursos naturais possuem
mobilidade intersetorial parcial, sendo que seus estoques também são considerados fixos por
região, assim como a tecnologia das firmas. Todos os fatores de produção são homogêneos. No
equilíbrio final, as taxas de retorno do investimento são equalizadas entre as regiões do modelo.

 Modelagem dos choques de eficiência portuária

A fundamentação teórica do modelo econométrico proposto por Hummels and Schaur


(2013) parte de uma função demanda, derivada a partir da maximização de utilidade de um
consumidor representativo sobre diferentes variedades de um bem k, produzido pelo exportador
j, de acordo com uma função CES (Constant Elasticity of Substitution):

(1) 𝑈 = (∑𝑗 ∑𝑘 𝜆𝑗𝑘 (𝑞𝑗𝑘 )𝜃 )1/𝜃

onde 𝜃 = (𝜎 − 1)/𝜎, e 𝜎 é a elasticidade de substituição entre as distintas variedades do bem


k, com origem nos diversos exportadores j.

232
Um parâmetro chave no modelo de Hummels e Schaur é 𝜆𝑗𝑘 , que captura uma dimensão
de qualidade atribuída ao bem k, exportado pelo país j. A ideia central dos autores é associar os
atrasos à qualidade do bem em questão, de modo que 𝜆𝑗𝑘 é definido como:

𝜅 𝑑𝑖𝑎𝑠
(2) 𝜆𝑗𝑘 = 𝑒 −𝜏 𝑗

Desta forma, o aumento de um dia no tempo de translado de um dado bem k reduz a sua
𝜅
percepção de qualidade em 𝜆𝑗𝑘 = 𝑒 −𝜏 . A resolução do problema do consumidor resulta na
seguinte função demanda:

−𝜎 −𝜎
𝑝𝑗𝑘 𝑝𝑗𝑘
(3) 𝑞𝑗𝑘 = ( 𝑘) 𝑘
𝐸 =⁡( −𝜏𝜅 𝑑𝑎𝑦𝑠𝑗 ) 𝐸𝑘
𝜆𝑗 𝑒

onde 𝐸 𝑘 corresponde às despesas reais do importador com o bem k, 𝑝𝑗𝑘 é o preço do bem k,
exportado por j e pago pelo consumidor (importador) representativo, incluindo os custos de
produção, transporte, e o lucro da firma. Hummels & Schaur (2013) estimam o equivalente ad
valorem dos atrasos portuários - representado pelo parâmetro 𝜏 𝜅 - a partir da função demanda
por importação representada em (3). Depreende-se, pois, que variações noS atrasos portuários
para a entrega de um determinado bem k impliquem em variações nas preferências (utilidade)
do importador pelo mesmo bem. Desta forma, fica clara a correspondência entre choques de
eficiência portuária – os quais alteram o tempo de atraso para a entrega de um bem – e choques
de demanda pelo produto importado k, com origem em j. Ademais, a especificação da demanda
por bens importados (equação (3)) segue a hipótese de Armington (1969), sendo consistente
com a função de demanda por bens importados para o consumidor regional representativo,
proposta no modelo GTAP.

A abordagem adotada neste trabalho seguirá, pois, a metodologia desenvolvida em


Hertel et al (2001) para choques de eficiência portuária com o modelo GTAP, a qual também
pode ser compreendida como um choque de demanda por importação e, desta forma, é capaz
de representar variações na percepção de qualidade de um bem importado a partir de alterações
no prazo de entrega, como proposto por Hummels e Schaur (2013). Hertel et al (2001) se

233
baseiam em custos de transporte iceberg e introduzem o conceito de "preço efetivo" de uma

commodity i, importada de um país r aos preços domésticos no mercado de destino s, 𝑃𝑀𝑆irs .

Por sua vez, este preço efetivo se relaciona com o preço observado⁡𝑃𝑀𝑆𝑖𝑟𝑠 , de acordo
com 𝑃𝑀𝑆 ∗ = 𝑃𝑀𝑆/𝐴𝑀𝑆. A variável de ajuste AMS é não observável e, no equilíbrio inicial,
vale 1, situação na qual o valor implícito do custo dos atrasos portuários é integralmente
repassado aos agentes da economia.

Para uma variação positiva de AMS, correspondente ao equivalente ad valorem


estimado para o custo do atraso portuário de importação, haverá uma queda do preço efetivo da

mercadoria importada (𝑃𝑀𝑆irs .), consequência da redução integral dos atrasos portuários.
Variações parciais de AMS corresponderão a reduções parciais, de igual proporção, dos custos
dos atrasos portuários nas importações da commodity i, proveniente do país r, destinadas ao
país s.

Quando esta teoria é incorporada ao modelo GTAP, e os preços de importação e as


equações de demanda são totalmente diferenciados e reescritos como variações porcentuais,
obtém-se as seguintes equações:
𝑖
(4) 𝑞𝑥𝑠𝑖𝑟𝑠 = −𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 + 𝑞𝑖𝑚𝑖𝑠 − 𝜎𝑚 . [𝑝𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 − 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 − 𝑝𝑖𝑚𝑖𝑟𝑠 ]

O preço composite das importações é definido por:

(5) 𝑝𝑖𝑚𝑖𝑠 = ⁡ ∑𝑘 𝜎𝑖𝑘𝑠 . [𝑝𝑚𝑠𝑖𝑘𝑠 − 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑘𝑠 ]

onde:
𝑖
𝜎𝑚 = elasticidade de substituição entre os bens i importados;

𝑞𝑥𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual das exportações bilaterais do bem i, provenientes de r, destinadas


a s;

𝑞𝑖𝑚𝑖𝑠 = variação porcentual das importações totais do bem i, por s;

𝑝𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual no preço das importações do bem i, provenientes de r, com destino
a s;

𝑝𝑖𝑚𝑖𝑠 = variação porcentual no preço médio das importações do bem i, por s;

𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual no preço efetivo do bem i importado por s, proveniente de r,


devido a custos de transação não observáveis.

Das equações (4) e (5) é possível compreender de que forma choques na variável 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠

234
são repassados aos agentes da economia. A equação (4) revela que um aumento de 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 ,
correspondente ao aumento da eficiência portuária na importação do bem i, pelo país s, diminui
o preço efetivo do bem importado i, proveniente de r, tornando este país relativamente mais
𝑖
competitivo em relação ao resto do mundo, de acordo com a elasticidade de substituição 𝜎𝑚 .
Ao mesmo tempo, e de forma compensatória, dado que a quantidade efetiva aumenta, menos
importações são requeridas para suprir a demanda do país s. Já a equação (5) revela que, com a
redução dos atrasos na importação do bem i, proveniente de r, o preço médio das importações
totais de i, com destino em s, tende a cair, aumentando a quantidade importada do bem i, em
detrimento da produção local88.

 Análise de Sensibilidade

Com o intuito de testar a robustez dos resultados obtidos, procedeu-se a uma análise de
sensibilidade sistemática (SSA na sigla em inglês) dos resultados obtidos nas simulações. O
objetivo é avaliar quão sensíveis são as soluções do modelo a variações nos valores de alguns
parâmetros adotados, considerados de fundamental importância para os resultados obtidos.
Como de praxe na modelagem EGC, possíveis erros de estimativas nas elasticidades de
substituição entre bens domésticos e importados serão aqui avaliados.

Os resultados da SSA correspondem a estimativas do valor médio e do desvio padrão


de cada variável endógena do modelo, obtidos por meio da resolução do mesmo repetidas vezes
para diferentes valores de parâmetros, selecionados através da quadratura de Strouds89 com
distribuição triangular simétrica90. Estas estimativas permitem a inferência do intervalo mais
provável de valores para cada uma das variáveis. O intervalo de confiança, por sua vez, é
elaborado de forma conservadora utilizando-se a desigualdade de Chebyshev91, dado o
desconhecimento quanto à distribuição de probabilidade das variáveis endógenas do modelo.

88 Para uma ampla discussão sobre formas alternativas de modelagem de choques de eficiência portuária ver
Fugazza e Maur (2008), cujas conclusões corroboram a estratégia adotada neste estudo.
89 A quadratura de Strouds é um caso particular da quadratura gaussiana, utilizada para tornar discretas as

distribuições contínuas de variáveis. Os primeiros momentos idênticos entre a curva contínua e a discreta, que
definem a ordem da quadratura, nesse caso são 3.
90 Distribuição simétrica de probabilidade que varia linearmente de um valor máximo (max) até a média (med),

com inclinação -1/(𝑚𝑎𝑥 − 𝑚𝑒𝑑)2 e da média até um valor mínimo (min) com inclinação⁡1/(𝑚𝑒𝑑 − 𝑚𝑖𝑛)2
91 A desigualdade de Chebyshev afirma que, independentemente da distribuição da variável Y em questão, para

cada número positivo k, a probabilidade de que o valor de Y não esteja dentro de k desvios padrões (D) da média
(M) é inferior a 1/𝑘 2 . Assim, com 95% de certeza (1 − 1/4,472 ), a média está dentro do intervalo entre (M-
4,47*D) e (M +4,47*D).

235
8.7.4. Resultados

8.7.4.1. O Impacto da Facilitação do Comércio

Foram estudados três cenários distintos para a estimativa do impacto econômico da


facilitação do comércio sobre a economia do Brasil. No primeiro cenário, avaliou-se o impacto
do aumento da eficiência portuária de forma unilateral. No segundo cenário, foram
considerados ganhos de eficiência portuária não apenas no Brasil, como também em seus
principais parceiros comerciais92. Já no terceiro cenário, considerou-se um aumento de
eficiência portuária em escala global.

Para a análise em questão, e em todos os cenários avaliados, foram desprezados os


tempos médios de atrasos com a obtenção de documentos, tanto para exportação, quanto para
importação. Este procedimento segue observação feita em Minor & Tsigas (2008) e se justifica
pelo fato da existência, segundo os autores, de vários documentos de natureza periódica e,
portanto, não necessários marginalmente, ou seja, para cada ordem de exportação/importação
realizada. Uma vez que neste estudo os choques de eficiência portuária têm natureza marginal,
a introdução do tempo de documentação poderia levar a distorções nos resultados obtidos.
Portanto, as estimativas aqui realizadas são conservadoras, na medida em que tendem a
subestimar o real tempo despendido com os procedimentos burocráticos.

Por fim, foi considerado que, de forma realista, os ganhos de eficiência portuária
levariam a uma redução de cerca de 50% dos atrasos médios nas aduanas. Esta, portanto, seria
uma conjectura sobre o máximo de redução esperado para o tempo médio de atrasos, após a
implementação do Acordo de Facilitação do Comércio de Bali, no contexto da atual rodada
Doha de negociações multilaterais de comércio da OMC93.

Sob o ponto de vista da economia do Brasil, na medida em que mais países resolvem
implementar as reformas de facilitação do comércio previstas no acordo de Bali, dois efeitos se
contrapõem. Se por um lado haverá mais competição por parte de países exportadores que
concorrem com as exportações Brasileiras, por outro lado o aumento da eficiência aduaneira
nos países importadores tende a operar como um choque de demanda positivo para as

92Principais países considerados: EUA, China, Argentina, Alemanha, França, Itália e Holanda.
93O programa Portal Único de Comércio Exterior, ora implementado pelo MDIC e Receita Federal do Brasil,
almeja a redução em cerca de 40% no tempo médio dos atrasos nas aduanas do Brasil. Este programa, embora
correlato, é uma iniciativa unilateral do governo brasileiro, independente das diretrizes firmadas no Acordo de Bali
da OMC, em dezembro de 2013.

236
exportações do Brasil. Como pode ser visto na Tabela 8.9, pelo impacto nos termos de troca do
país, o resultado líquido destes dois efeitos tende a ser positivo para o Brasil, muito embora a
maior contribuição dos termos de troca para o aumento da renda do país ocorra no cenário 1,
quando o Brasil é o único país a auferir ganhos de eficiência portuária.

Sob o ponto de vista do estímulo ao crescimento do PIB, os ganhos para o Brasil tendem
a ser maiores, quanto maior o número de países que implementam reformas de facilitação do
comércio. Dado o impacto observado para o custo relativo dos fatores, o teorema de Stolper
Samuelson94 sugere que os ganhos de termos de troca refletem o aumento dos preços de bens
manufaturados exportados (capital intensivos), demandantes de mão de obra qualificada, em
detrimento dos bens exportados intensivos em terra (em geral, bens agrícolas). Mais ainda,
sugere um aumento das taxas de crescimento da economia induzidas por exportações de bens
intensivos em capital, para todos os cenários avaliados.

A Tabela 8.10 reporta os resultados das simulações para as exportações/importações


setoriais do Brasil. Para todos os cenários avaliados, a redução dos atrasos aduaneiros causa
impacto positivo nas importações do país, principalmente para os produtos relativamente
capital intensivos. Quanto às exportações, há clara tendência para um aumento da participação
dos produtos manufaturados na pauta exportadora do país, quanto maior o número de países
que aderem às reformas de facilitação do comércio. Este resultado tem forte impacto de política
pública, na medida em que a contínua primarização da pauta exportadora do país tem sido alvo
de preocupação e debate entre policy makers do governo brasileiro. Em resumo, a redução dos
atrasos portuários, para todos os cenários avaliados, altera os preços relativos de forma
favorável aos bens manufaturados produzidos no Brasil95.

A Tabela 8.11 ilustra os resultados obtidos para as demais regiões do mundo, no que
tange ao impacto da facilitação do comércio sobre o PIB e os termos de troca. Como esperado,
quando as medidas de facilitação do comércio são implementadas apenas no Brasil (Cenário1),
o impacto no resto do mundo tende a ser próximo de zero. Para os demais cenários (cenários 2

94 A relação entre o custo relativo dos fatores e os termos de troca foi originalmente explicada no artigo clássico
escrito por Wolfgang Stolper e Paul Samuelson “Protection and Real Wages”, Review of Economic Studies, 9,
Novembro, 1941, pp.58-73.
95 Dado que os maiores custos dos atrasos estão concentrados em bens de maior valor agregado, e os choques

aplicados foram uniformes entre os setores (50%), este resultado era, ao menos qualitativamente, esperado.
Choques heterogêneos (por países e setores) certamente aproximariam melhor a realidade dos efeitos esperados
para o Acordo de Bali. Contudo, dado o viés existente na distribuição dos custos dos atrasos – com maior
penalização para bens de alto valor agregado – as implicações qualitativas deste trabalho parecem ser robustas a
possíveis estratégias alternativas para os choques.

237
e 3), na medida em que as reformas são progressivamente implantadas no resto do mundo, os
impactos sobre o PIB e os termos de troca passam a ser relevantes.

Os números reportados sugerem que as reformas tendem a estimular o crescimento do


PIB em todas as regiões representadas. Para os termos de troca, contudo, os resultados são
menos uniformes. Em particular para o cenário 3, a América do Norte e a EU_28 são as únicas
regiões do mundo onde o impacto nos termos de troca contribuem negativamente para a criação
de renda e bem-estar. Entre outros fatores, o maior estímulo causado às exportações de produtos
manufaturados nos países em desenvolvimento, que estão relativamente mais distantes da
fronteira de eficiência portuária, exerce impacto negativo sobre o preço das exportações dos
países desenvolvidos.

Tabela 8.9. Resultado Macroeconômico Tabela 8.10. Comércio Setorial do Brasil


Cenário 1 (%) Cenário 2 (%) Cenário 3 (%) Setor Cenário 1 (%) Cenário 2 (%) Cenário 3 (%)

PIB 0,52 0,64 1,14 Exp Imp Exp Imp Exp Imp

Agricultura -2,30 4,00 0,60 1,51 -5,00 2,56


Termos de troca 1,69 0,86 1,40
Ind. Extrativa -3,26 1,56 -3,97 0,66 3,58 7,81
Trab. n/qualificado 0,77 0,77 1,25
Agronegócio -8,16 12,29 -7,52 11,53 -5,65 12,42
Trab. qualificado 0,97 0,98 1,69
11,6
Manufaturas 12,05 12,67 11,95 17,56 20,13
Retorno do Capital 0,71 0,73 1,21 1

Retorno da Terra -4,52 -2,11 -4,79 Serviços -9,13 5,39 -5,69 3,62 -7,87 5,09

Fonte: Elaboração Própria. Modelo GTAP Fonte: Elaboração Própria. Modelo GTAP

238
Tabela 8.11. – Desempenho da Economia Internacional
Região Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
PIB Pexp/Pim PIB Pexp/Pim PIB Pexp/Pim
p p p

Oceania 0,00 0,00 0,16 -0,69 1,10 1,22


Leste Asiático 0,00 -0,03 0,16 -0,17 0,98 0,33
Sudeste Asiático 0,00 -0,01 0,28 -0,47 2,16 0,65
Sul Asiático 0,01 0,03 0,10 -0,43 2,12 2,07
América do 0,01 0,41 -0,46 0,54
Norte -0,03 -0,70
América Latina 0,10 -0,09 0,34 -0,73 1,61 1,23
EU_28 0,00 -0,02 0,37 -0,51 0,71 -0,49
Resto do Mundo 0,01 -0,01 0,35 -0,71 1,87 0,58
Fonte: Elaboração própria. Modelo GTAP. Para o cenário 2, o desempenho das
regiões não inclui os principais parceiros comerciais do Brasil. Para estes,
considerando-se o PIB e os termos de troca, respectivamente, os resultados são: China
(1,57; 0,70), EUA (0,28; 0,31), Argentina (1,28; 1,65), França (1,01; 1,03), Itália (1,24;
1,78), Holanda (0,71; 0,69), Alemanha (0,82; 0,97).

 Análise de sensibilidade

Para verificar a robustez dos resultados obtidos, analisou-se o impacto de


variações nos parâmetros de elasticidade do modelo GTAP, sobre as variáveis endógenas
PIB e termos de troca do Brasil. Para tanto, assumiu-se que os parâmetros de elasticidade
do modelo (elasticidade de substituição entre produtos domésticos e importados para os
diversos setores analisados)96 são variáveis aleatórias com distribuição triangular
simétrica no intervalo de +/- 25% do valor original da elasticidade empregada97. A análise
sistemática retorna o primeiro e segundo momentos das variáveis endógenas de interesse,
permitindo, de forma conservadora, a estimativa de um intervalo de confiança por meio
da desigualdade de Chebyshev. Os resultados reportados na Tabela 8.12 revelam que,
com 95% de probabilidade, os resultados estimados para o crescimento do PIB e termos

96 Na base de dados GTAP9, os valores estimados para as elasticidades de substituição setoriais são:
Agricultura: 2,44; Indústria Extrativa: 5,12; Agronegócio: 2,84; Manufaturas: 3,33; Serviços: 1,94. Dado
que o canal de transmissão primário dos choques de eficiência portuária se dá por meio das trocas
comerciais entre os países/regiões, estes parâmetros são de fundamental importância para os resultados do
modelo.
97 Uma outra possibilidade, obviamente menos realista, seria considerar uma distribuição uniforme.

239
de troca do Brasil estão compreendidos em intervalos de confiança relativamente
próximos da média, a qual é idêntica aos valores simulados para cada cenário. Portanto,
eventuais incertezas sobre os parâmetros de elasticidade do modelo não parecem ser
capazes de modificar, ao menos qualitativamente, os resultados obtidos para o Brasil, a
partir das simulações realizadas.

Tabela 12 – Análise de sensibilidade


Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
Produto Interno Bruto
Média Inter. Conf. Média Inter. Conf. Média Inter. Conf.
0,52 [0,43;0,61] 0,64 [0,55;0,73] 1,14 [0,96;1,32 ]
Termos de Troca
Média Inter. Conf. Média Inter. Conf. Média Inter. Conf.
1,69 [1,47;1,91] 0,86 [0,73;0,99] 1,40 [1,13;1,67 ]
Fonte: Elaboração própria. Modelo GTAP.

 Implicações de Política Pública

O crescimento das cadeias globais de valor vem dando novo impulso ao debate
sobre políticas industriais no Brasil e no mundo. Antigos paradigmas, como o imperativo
do adensamento das cadeias de produção domésticas ou mesmo a essencialidade da
exportação de produtos de alto valor agregado para o crescimento de um país, foram cada
vez mais colocados à prova, diante do dinamismo alcançado por economias emergentes
da Ásia, como a China e Vietnã, ou mesmo do leste Europeu, como a República Tcheca
e a Hungria. Ao contrário, o modelo de industrialização seguido por estas economias
pressupôs a fragmentação internacional da atividade produtiva e o consequente aumento
do conteúdo de bens intermediários importados em suas exportações, resultando em
menor valor adicionado doméstico por unidade de produto exportada. Por outro lado,
ganhos de competitividade e volume exportado significativos, que mais que superaram a
queda do valor adicionado por unidade exportada.

Para o caso do Brasil, tão ou mais importante que políticas industriais voltadas
para setores específicos da economia, parece ser a implementação de políticas públicas

240
de cunho horizontal. São exemplos de tais políticas aquelas focadas na redução
generalizada dos altos custos de transação existentes no país, refletidos em uma
infraestrutura logística que dá claros sinais de esgotamento, no seu persistente
isolacionismo comercial, com a consequente permanência de altas barreiras tarifárias e
regulatórias, além da má qualidade do ambiente de negócios doméstico e a insuficiência
de mão-de-obra qualificada.

Sem negar a importância estratégica de políticas de cunho setorial, para setores


onde há claras externalidades a serem incentivadas, é pouco provável que as mesmas
alcancem a plenitude dos objetivos a que se propõem, sem a melhoria expressiva do
quadro geral de negócios do país. Dito de outra forma, o impacto esperado das políticas
setoriais tende a ser muito reduzido em um ambiente de baixa eficiência sistêmica no uso
dos recursos produtivos de uma economia. A melhoria da eficiência sistêmica, pois, é
matéria para as políticas públicas de cunho horizontal, quais sejam, aquelas capazes de
impactar positivamente todos os setores da economia, incentivando o aumento da
produtividade total dos fatores de produção.

Sob o ponto de vista das implicações de políticas públicas de cunho horizontal, os


resultados deste estudo oferecem ao menos duas contribuições. Em primeiro lugar, é
oferecida uma perspectiva comparada da magnitude das barreiras aduaneiras (sob o ponto
de vista dos atrasos de importação e exportação) para várias regiões do mundo, com
destaque para o Brasil e seus principais parceiros comerciais. Para além das tradicionais
tarifas de importação, os valores estimados proporcionam ao formulador de política uma
visão mais detalhada sobre as barreiras aduaneiras mais relevantes, por origem e destino,
impostas ao comércio exterior no Brasil. Em segundo lugar, com base nas barreiras
aduaneiras estimadas para o país, é feita uma análise de impacto acerca dos possíveis
benefícios para a economia brasileira, caso os atrasos domésticos sejam reduzidos em
50%, sobretudo diante da expectativa de implementação futura do Acordo Mundial de
Facilitação do Comércio. Os resultados reportados revelam alta sensibilidade do
comércio exterior brasileiro às barreiras aduaneiras, principalmente para produtos de
maior valor agregado, fato que sinaliza a importância da melhoria da eficiência aduaneira
para a integração da indústria brasileira ao comércio mundial, sobretudo às cadeias
globais de valor.

Dada a natureza marcadamente regulatória dos atrasos portuários no Brasil,


simbolizada por excesso de burocracia e ineficiência micro gerencial de procedimentos,

241
os resultados deste estudo sugerem que medidas de custos relativamente baixos e rápida
implementação podem ter impactos significativos sobre a produtividade da economia
brasileira, por meio do aumento da sua participação no comércio internacional e melhoria
da eficiência na alocação dos fatores produtivos.

O tema da facilitação de comércio ganhou destaque no debate econômico


internacional com a celebração do Acordo de Bali, em dezembro de 2013, no âmbito da
OMC, e sua aprovação final pelos membros da organização em dezembro de 2014. De
forma geral, o acordo de Bali propõe um cronograma ambicioso de medidas para os países
membros da OMC, com foco na redução de duas categorias de custos de transação ao
comércio internacional: os custos diretos e indiretos. Como já mencionado, os custos
diretos ao comércio se caracterizam pelo consumo de recursos reais na movimentação de
bens, sendo representados por encargos e taxas aduaneiras em geral, além de taxas de
carga, descarga e armazenamento de mercadorias. Já os custos indiretos são aqueles
relacionados ao custo econômico dos atrasos nas aduanas, devido à existência de
procedimentos ineficientes. Como já mostrado nas seções anteriores, a redução dos custos
indiretos é potencialmente mais significativa para o comércio mundial que a própria
redução das tarifas de importação atualmente aplicadas.

A análise detalhada do texto final do Acordo de Bali permite concluir que a maior
parte do seu conjunto de medidas se refere à redução dos custos indiretos (atrasos) nas
aduanas dos países membros da OMC, seja pelo aumento da informatização dos
procedimentos aduaneiros em geral, pela maior racionalização dos procedimentos de
inspeção e requerimentos de segurança, além de medidas relacionadas a maior
transparência e implantação de mecanismos de facilitação de acesso à informação
relevante. Segundo a OMC (WTO, 2015) o Acordo de Facilitação de Comércio, uma vez
implementado, pode aumentar as exportações globais em cerca de um trilhão de dólares
por ano.

Aqui, no Brasil, em consonância com o Acordo de Bali, o programa “Portal Único


de Comércio Exterior”, ora em implantação, visa a reformulação de processos de
importação, exportação e trânsito aduaneiro no Brasil. De acordo com as informações
disponibilizadas pelo governo98, a implantação do programa resultará na redução do prazo

98
Ver http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/programa-portal-unico-de-comercio-exterior.

242
médio de exportação de 13 para 8 dias (38%), como também na redução do prazo médio
de importação de 17 para 10 dias (40%) nas aduanas brasileiras, percentuais próximos
aos simulados neste artigo. Conforme reportado na seção 5, dada a magnitude relativa das
barreiras dos atrasos aduaneiros no Brasil, é possível inferir que a implantação do
programa resulte não só em significativo estímulo à corrente de comércio do país como
um todo, mas que este efeito seja particularmente relevante para a indústria de
transformação brasileira. Além da montagem e operacionalização do guichê único,
previsto pelo Acordo de Bali, o programa brasileiro também abordará outros tópicos
previstos no Acordo e que estão majoritariamente voltados para a redução dos atrasos,
tais como: 1. Disponibilidade de informação (Artigos 1 e 2); 2. Formalidades e
Documentos (Artigos 7 e 10); 3. Formalidades e Automação (Artigos 7 e 10); 4.
Cooperação interna entre aduanas (Artigos 9 e 12); entre outros.

Por fim, outra iniciativa relevante ora sendo implementada no Brasil, ainda que
de forma preliminar e em relativo atraso com relação ao resto do mundo, refere-se ao
programa “Operador Econômico Autorizado” (OEA). Trata-se de um programa de
certificação dos intervenientes da cadeia logística de um produto a ser comercializado,
que representam baixo grau de risco em suas operações comerciais, tanto em termos de
segurança física da carga, quanto ao cumprimento de suas obrigações aduaneiras. O
programa é de adesão voluntária e objetiva, até 2019, atingir a meta de 50% das
declarações de exportação e de importação registradas no país, por empresas certificadas
OEA. Segundo estimativas do governo, a implantação do programa OEA trará redução
adicional de custos totais de exportação/importação da ordem de 20% para as empresas
certificadas.

Como sugerido pela análise ex-ante realizada neste artigo, tanto o programa Portal
Único de Comércio Exterior, quanto o programa OEA, ao abordarem “gargalos”
burocráticos relevantes nas aduanas Brasileiras, são ferramentas potencialmente valiosas
para impulsionar o comércio exterior do país, caso sejam de fato implementadas em sua
integralidade. Cabe, pois, fiscalizar a devida implementação destes dois programas.

8.7.5. Comentários Finais

Este estudo ressalta a importância do tempo como fator relevante para o aumento
da competitividade da indústria brasileira. Ao penalizar em maior grau o comércio

243
internacional de bens manufaturados, a deterioração da logística portuária no Brasil
parece contribuir, ao menos em parte, para o fenômeno da primarização da pauta de
exportação do país. De forma mais geral, constitui barreira significativa a uma maior
inserção internacional da indústria de transformação brasileira na economia global,
limitando, portanto, seu potencial de ganhos de produtividade.

O forte crescimento do comércio global por via aérea, observado nas últimas quatro
décadas (cerca de 2,5 vezes mais rápido que o comércio por via marítima),
concomitantemente ao crescimento do comércio internacional de bens intermediários,
que hoje representam cerca de 66% das exportações mundiais, ressaltam a importância
do fator tempo para as relações de comércio atuais, as quais são fortemente baseadas na
integração das capacidades produtivas das economias em escala global.

Com as cadeias globais de valor, o conceito de produtividade deixa de ser local e passa a
ser global. É fundamental, pois, que a indústria brasileira, visando assegurar sua
competitividade no longo prazo, busque aumentar a sua inserção internacional. No
sentido mais amplo, os resultados deste artigo sugerem que políticas públicas de cunho
horizontal, voltadas para a melhoria da logística de comércio exterior do Brasil, podem
contribuir, de forma significativa, para este fim. Em particular, o tema da facilitação
comercial, objeto do recente Acordo de Bali e de políticas ora em curso no Brasil, passa
a ter caráter estratégico para a agenda de crescimento econômico nacional.

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