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Contos – «George» Glossário

Letra a letra G l os s á r i o
Complexidade da natureza humana O encontro entre as três figuras (George, Gi e Georgina) revela

LDIA12CAD © Porto Editora


uma personagem – George – que, afinal, apesar do dinheiro, da profissão, das viagens, não tem
certezas relativamente às opções do passado. Quis contrariar o olhar tradicional dos pais, que
queriam que ela tivesse uma vida comum de rapariga que junta um «enxoval» e se dedica à casa,
ao marido e aos filhos, por isso partiu e escolheu não se afeiçoar nem se deixar prender a pessoas
ou a coisas, a objetos, a casas, a móveis. No entanto, agora, com quarenta e cinco anos, continua
a guardar com carinho uma fotografia do passado e questiona as suas escolhas.
Ao projetar-se no futuro e ao imaginar como será a sua vida quando tiver setenta anos, George
revela, também, alguma insegurança: vive sozinha porque nunca se prendeu a ninguém, chegou
«à ignomínia de pedir a pessoas conhecidas retratos» da família porque, afinal, precisa de recorda-
ções do passado. E tem só uma fotografia de quando era «rapariguinha».
Como estratégia para se convencer dos benefícios das suas escolhas, bem como para afastar
pensamentos dolorosos, George refugia-se nos bens materiais que possui: «a exposição que
vai fazer, aquele quadro que vendeu muito bem o mês passado, a próxima viagem aos Estados
Unidos, o dinheiro que pôs no banco».
Em síntese, o diálogo que a personagem estabelece com ela própria revela uma mulher com um
passado mal resolvido e com incertezas relativamente ao seu futuro – constituindo, assim, um
bom exemplo da complexidade da natureza humana.
Fragmentação do eu Ao longo do conto de Maria Judite Carvalho, verifica-se a presença de um
sujeito fragmentado, de diferentes personalidades e perspetivas que fazem parte do mesmo indi-
víduo. Efetivamente, Gi, George e Georgina revelam pontos de vista e posições face à sua própria
vida e à relação com os outros que as configuram como diferentes personagens quando, na
verdade, são a mesma, embora em diferentes momentos da sua existência.
Assim, à semelhança do que acontece em Fernando Pessoa ortónimo, podemos encontrar nesta
obra um diálogo entre vários «eus», um drama que se estabelece entre vozes da mesma voz, ainda
que, neste caso, correspondam a diferentes estádios da vida de uma mulher.
Metamorfoses da figura feminina Ao longo do conto, no diálogo que George estabelece com o seu
«eu-passado» e o seu «eu-futuro», as mudanças vividas e protagonizadas pela personagem tradu-
zem a própria evolução do papel da mulher ao longo do século XX. Efetivamente, a jovem George
revela-se sonhadora e anseia pela sua liberdade, num contexto familiar tradicional no qual se
esperava que a jovem se dedicasse à família e à casa. Depois, na vida adulta, após várias mudan-
ças simbólicas de namorado e da cor do cabelo, surge como uma mulher emancipada, indepen-
dente, que quebrou barreiras e convenções. No final, projeta-se no futuro e imagina – ou teme –
novas transformações.
Três idades da vida O conto centra-se na história de George, uma mulher de quarenta e cinco anos,
pintora bem-sucedida, com uma vida financeiramente confortável. Numa visita à localidade onde
cresceu para vender a casa de família, George pensa em Gi – o seu «eu-passado», ela própria
quando tinha dezoito anos. Quando vai embora depois desta visita, no comboio, George imagina-
-se a falar com Georgina – o seu «eu-futuro», ela própria com setenta anos. Estabelece-se, assim,
um diálogo entre a realidade, a memória e a imaginação.

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