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Artigo 3 2015 R
Artigo 3 2015 R
Artigo 3 2015 R
Marcela D’Ambrosio
UNICAMP
marceladambrosio@gmail.com
Resumo
A Pedagogia Freinet teve origem na prática e na história de vida de Célestin Freinet e foca
em uma educação centrada no trabalho coletivo e criador. Tem como preceitos base o
desenvolvimento da autonomia dos educandos, por meio do trabalho, da livre expressão e
da cooperação. O presente trabalho é o relato de uma experiência de estágio
supervisionado nos anos finais do Ensino Fundamental, realizado em uma escola
freinetiana da cidade de Campinas. Conta tanto com algumas observações feitas no
acompanhamento da disciplina de Ciências e do cotidiano da escola, quanto com a
descrição de uma proposta de intervenção, a qual tinha por objetivo explorar o tateio
experimental.
Introdução
Frequentemente o Ensino de Ciências é focados em conhecimentos específicos,
determinados previamente, desvinculados tanto de um contexto fenomenológico quanto da
história da Ciência em si. Com o predomínio das aulas expositivas como método
prioritário de ensino, as aulas de Ciências acabam se limitando a responder à pergunta “O
que é? ” e as perguntas “Como? ” e “Por quê? ”, que estão associadas ao processo que
envolve o fenômeno e a razão de sua ocorrência, acabam sendo esquecidos.
Essa forma de guiar o ensino-aprendizagem não leva em consideração as noções de
mundo que as crianças trazem com si e não estimula seu papel ativo no processo, o que
acaba fazendo com que elas tenham a impressão de que “pensam” de maneira errada e
criando um obstáculo para que pensem livremente (PACHECO, 1996) e que desenvolvam
o pensamento lógico, crítico e argumentativo necessário à alfabetização científica.
Assim, a separação entre a disciplina escolar Ciências e a Ciência como área
acadêmica é intensificada. De acordo com Bizzo (2000) a Ciência é uma forma de planejar,
de coordenar o pensamento e a ação. É uma postura, cujo objetivo é explicar o
desconhecido. O seu ensino não deveria se limitar aos produtos das investigações
científicas, mas “proporcionar a todos os estudantes a oportunidade de desenvolver
de cada bimestre o professor fazia uma roda com os alunos para decidir qual seria o eixo
trabalhado naquele momento.
Em todas essas salas havia uma lousa digital, com projetor e acesso à internet e
mídias diversas. Muitos professores usavam frequentemente esse recurso. No entanto, o
espaço da sala de aula não era o único no qual as aulas de Ciências aconteciam. O
professor levava com grande frequência os alunos para o espaço externo à sala. Várias das
aulas eram realizadas na horta, na sala de música, na quadra, envolta da escola ou até
mesmo em saídas para fora da escola. Essa exploração do espaço é também fundamentada
pela obra de Freinet e é denominada de aula-passeio, cuja experiência, semelhante a uma
pequena expedição, era considera uma das principais atividades discentes (KANAMARU,
2014).
Por fim, outra prática comum do professor de Ciências era levar atividades de
experimentação para os alunos, mesmo sem a estrutura de um laboratório formal, a qual é
denominada nesse contexto pedagógico de tateamento experimental. Presenciei um
momento de tateio experimental que foi interessante por ter partido de uma curiosidade dos
alunos sobre a queda de corpos. A própria sala elaborou um experimento com bexigas
cheias de água, pois queria medir se a água se espalhava de mesmo modo, dependendo da
altura da qual a bexiga fosse lançada. Mesmo não tendo relação com o conteúdo
programático em si, o professor deu espaço para a investigação dos alunos. Essa abertura e
interesse com investigação levou a proposta de intervenção, também com experimentação,
que levei para uma das turmas, a qual será descrita posteriormente.
O tateio experimental, que, para Freinet era um método natural que entrava em
consonância com os interesses, os impulsos e com as necessidades dos estudantes
(FREINET, 1977), era utilizado tanto para resolução dessas inquietações, como em
problemas do dia-a-dia da escola, sendo priorizado que os alunos procurassem resolver
problemas tentando na prática ao invés do problema receber uma solução pronta e teórica.
Outro ponto muito interessante da cooperação e autonomia observado foi que todos
os problemas surgidos eram lidados dentro do grupo, tendo o professor um papel
importante e constante na intermediação dos conflitos. A pedagogia Freinet dispõe de uma
ferramenta específica para isso, chamada Jornal de Parede. Cada sala tem pendurada na
parede um mural construído pela própria turma com quatro envelopes, nos quais estão
escritos: “Eu pergunto”; “Eu felicito”; “Eu critico”; “Eu sugiro”. Alunos e professores
podem escrever a qualquer momento e colocar suas críticas e sugestões nos respectivos
envelopes. A cada quinze dias uma assembleia era feita para a leitura e discussão dos
papéis nos envelopes e tudo era registrado no Livro da Vida (um caderno da sala, no qual
também são registradas atividades, aulas-passeio, entre outros). A maioria dos problemas
de convivência eram resolvidos nesse momento, de forma coletiva. Surgiam também
muitas propostas a partir dos interesses dos estudantes, como fazer um show de calouros de
fim de ano ou um campeonato de futebol. Tais propostas eram encaminhadas para a
coordenação e direção da escola e, frequentemente, eram colocadas em práticas com o
envolvimento de toda a comunidade escolar.
A intervenção
Uma das propostas desse estágio era que propuséssemos uma pequena intervenção
na escola, a partir das observações feitas e do contexto escolar encontrado. Devido à minha
formação científica, interessei-me pelo tateio experimental e resolvi propor uma atividade
investigativa. A escolha foi também embasada em autores como Hodson (2014) que
colocam a importância de se abordar também aspectos da Natureza da Ciência e, além de
desenvolver os conceitos científicos (“aprender ciências”) é importante aprender a “fazer
ciências”, por meio de atividades investigativas.
O chegar em “fazer ciências”, que partiria da premissa que os estudantes
formulassem experimentos científicos inteiros, não é um processo simples e necessita um
contínuo progressivo que vai guiando os alunos no desenvolvimento do pensamento
científico (BANCHI; BELL, 2008). Os autores definiram em quatro os níveis de abertura
das atividades investigativas: investigação de confirmação, investigação estruturada,
investigação guiada e investigação aberta (tradução livre).
A turma escolhida para o desenvolvimento da atividade foi o 7º ano da tarde, cujo
tema do bimestre era “Tecnologia e Sociedade”. Assim, optou-se por trabalhar os conceitos
de eletricidade e circuitos elétricos em uma dinâmica baseada no livro “Projeto Brasileiro
de Física” (1975). A proposta tinha como objetivos a montagem de um circuito elétrico, a
partir dos conhecimentos prévios e do tateio experimental. Tinha-se como objetivo geral
desenvolver também alguns dos aspectos da pedagogia Freinet, como o trabalho e a
cooperação, motivo pelo qual a atividade foi desenvolvida em quatro grandes grupos.
Uma vez que a temática da atividade e o problema inicial foram definidos por mim,
a atividade foi classificada como uma investigação guiada, na definição de Banchi e Bell
(2008). Outros autores como Borges (2002) usam critérios parecidos para estabelecer o
grau de abertura, mas o definirem de 3 (grau máximo de abertura) a 0 (experimento
A partir das instruções, os alunos pediam os materiais que necessitavam, não tendo
sido estipulado nem quantidades, nem materiais obrigatórios. Alguns grupos não tiveram
dificuldade em montar o circuito e logo partiram para segunda parte, de tentar aumentar e
diminuir a intensidade da luz, explorando os materiais disponíveis. Um grupo, em
específico, teve bastante dificuldade e demorou bastante para conseguir montar um circuito
padrão.
Buscaram várias formas de variar a intensidade da luz, como utilizando os
diferentes tamanhos de pilha, mudando o comprimento, ligando mais de uma pilha, ou em
série ou em paralelo (figuras 1 e 2).
No final, fizemos uma discussão geral que foi bem produtiva. Os alunos
participaram bastante e cada grupo compartilhou em detalhes o que tinham feito: suas
tentativas erros e conclusões. Além de terem feito um pequeno relatório da atividade com o
desenho de todos os circuitos que testaram. Os alunos perceberam sozinhos que o tamanho
da pilha não influenciava na intensidade da luz, pois eram todas de 1,5 Ampere.
Perceberam também que o tamanho do fio influenciava (quanto maior o fio, menor a
intensidade) e que, ligando as pilhas em série, a intensidade aumentava. A figura 3
demonstra alguns do os diferentes circuitos criados pelos grupos.
Figura 3. Desenho de um dos grupos representando os circuitos que testaram durante a investigação para
mudar a intensidade da luz emitida pelas lâmpadas.
Considerações finais
Ter a oportunidade de fazer um dos meus estágios supervisionados em uma escola
de Pedagogia Freinet e ter contato com formas diferentes de ver o ensino-aprendizagem foi
de grande riqueza. Muitas coisas me chamaram a atenção, mas fiquei muito impressionada
com a capacidade de escrita e de argumentação dos alunos, o que me mostrou que a livre
expressão e o incentivo à escrita livre são uma ferramenta riquíssima para o
desenvolvimento cognitivo. Da mesma forma, o Jornal de Parede, as assembleias e a
resolução de problemas e conflitos de forma atenciosa e entre pares é para o
desenvolvimento moral (TOGNETTA, 2007). Não existia nessa escola uma preocupação
excessiva com os conteúdos, os alunos eram constantemente incentivados a desenvolver
outras habilidades, a refletir e a tomar decisões relacionadas ao seu aprendizado, fazendo
cotidianamente autoavaliações.
Referências
BANCHI, H; BELL, R. The many levels of inquiry. Science and children, v.46, n.2, p. 26
– 29, out. 2008.
BIZZO, V. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ciências. (3º e 4º ciclos do ensino fundamental). Brasília: MEC,
1998.
BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro
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FREINEI, C. O método natural II: a aprendizagem do desenho. Lisboa: Estampa, 1977.
FUNBEC. Eletricidade - Projeto Brasileiro de Física. São Paulo: Edart, 1976.
GONZÁLEZ-MONTEAGUDO, L. Célestin Freinet. La escritura em libertad y el periódico
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HODSON, D. Learning Science, Learning about Science, Doing Science: Different goals
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15, p. 2534 – 2553, 2014.
KANAMARU, A. T. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de
uma pedagogia solidária internacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 3, p. 767
– 781, jul./set. 2014.
PACHECO, D. Um problema no ensino de ciências: organização conceitual do conteúdo
ou estudo dos fenômenos. Educação e Filosofia, Uberlândia, v.10, n.19, 63-81, jan./jun.
1996.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Quando a escola é democrática: um olhar sobre a
prática das regras e assembléias na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2007.