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FUNDAMENTOS ETIMOLÓGICOS

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de


aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar,
interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja
esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em
voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa.
Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento
que serão respondidas em tempo hábil.

Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é


preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações
propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para
isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos
definidos para as atividades.

Bons estudos!
1. DA ROMANIZAÇÃO À RECONQUISTA CRISTÃ

Em 218 a.C., os romanos desembarcaram na Península Ibérica, marcando um


dos eventos da Segunda Guerra Púnica, que chegou ao fim em 209 a.C. com a vitória
romana. Os romanos conquistaram todo o território e, como resultado, os habitantes
locais foram obrigados a adotar o latim como idioma, com exceção dos bascos, que
mantiveram sua língua nativa. Esse processo de adoção da cultura romana e da língua
latina é conhecido como romanização, conforme mencionado pelo autor Silva:

A Península Ibérica esteve por muitos séculos sob a dominação romana.


Sofreu um processo de romanização tão profundo que acabou por assimilar
não só a língua, mas também os costumes, leis, religião, usos romanos.
Como a língua é dinâmica, visto que a cultura também o é, foi-se modificando
através dos séculos. (SILVA, 2014, p. 2284).

Após isso, em 409 d.C., os vândalos, suevos e alanos invadiram a Península


Ibérica, sendo posteriormente seguidos pelos visigodos, como descrito pelo autor Paul
Teyssier:

Os alanos foram rapidamente aniquilados. Os vândalos passaram para a


África do Norte. Os suevos, em compensação, conseguiram implantar-se e,
por muito tempo, resistiram aos visigodos, que tentavam reunificar a
Península a seu favor. No século V o reino suevo era muito extenso, mas por
volta de 570 reduziu-se à Gallaecia e aos dois bispados lusitanos de Viseu e
Conímbriga. Em 585, esse território foi conquistado pelos visigodos e
incorporado ao seu Estado. (TESSIER, 1998, p. 5).

Tanto os suevos quanto os visigodos não trouxeram grandes contribuições


culturais e linguísticas. Nesse contexto, o latim na forma escrita continuou a ser a
única língua para comunicação e disseminação cultural. No entanto, na forma oral, o
latim evoluiu rapidamente e se diferenciou. Essa observação está em conformidade
com o que é afirmado pelo autor Silva.

[...] Quando o Império Romano ruiu e a unidade política cessou, as mudanças


linguísticas acentuaram-se, ainda mais porque foram assimilados diversos
fatores provenientes das invasões dos povos ditos bárbaros. De uma só
língua falada, o latim vulgar, surgiram variações cada vez mais acentuadas
[...]. (SILVA, 2014, p. 2284).

No ano de 711, os muçulmanos ocuparam e conquistaram a Península Ibérica


em um curto período de tempo, incluindo as regiões da Lusitânia e Galécia. Esses
muçulmanos, que influenciaram a região com a religião islâmica, língua e cultura
árabe, eram conhecidos como "mouros".
Ao longo do tempo, os cristãos do norte gradualmente expulsaram os mouros
em direção ao sul durante o período conhecido como Reconquista. Foi durante o
século XII que o reino independente de Portugal surgiu.
Tanto a invasão muçulmana quanto a reconquista cristã foram eventos
históricos decisivos para a formação das línguas peninsulares subsequentes: o
catalão (no leste), o castelhano (no centro) e o galego-português (no oeste).

1.1 Do galego-português

O galego-português tem origem no latim vulgar, que surgiu no século IX,


durante o período em que a Península Ibérica estava sendo dominada pela presença
árabe. Nesse período, houve um processo de isolamento dos dialetos, levando ao
desenvolvimento e diferenciação do galego-português. Só então no século XIII é que
começam a aparecer os primeiros textos escritos em galego-português, conforme
mencionado pelos autores Saraiva e Lopes.

Os mais antigos textos literários em língua portuguesa são composições em


língua portuguesa em verso coligadas em cancioneiros de fins do século XIII
e do século XIV, que reúnem textos desde fins do século XII. Mas devemos
supor muito anteriormente a tal época produção verificatória e cantada
testemunhado por estes textos escritos. A literatura oral, com efeito, só se
fixa por texto escrito em época tardia da sua evolução, quando as condições
ambientes já divergem daqueles que deram a sua origem (SARAIVA; LOPES,
2010, p.45-46).

Nessas composições, podemos observar um léxico de formação popular, ou


seja, palavras que sofreram modificações ao longo do processo de evolução da
língua.

[...] Pero que troban e sabenloar


sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, sõo sabedor
que os que troban, quand’a frol sazon
há e nom ante, se Deus mi perdom,
nom ham tal coita qual eu hei sem par [...]
[...] Mesmo(os) que trovam e sabem louvar
às suas senhoras o mais e o melhor
que eles podem, sabem
que os que trovam (o faz) quando éa estação
da flor e não antes, se Deus (conceder a) a mim (o) perdão,
não hão (de ter) tal sofrimento que eu hei (de ter) sem par. [...]

No mundo non me sei parelha,


mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós e ai
mia senhor branca e vermelha, [...]

No mundo não sei (se há) alguém semelhante a mim


Enquanto (minha vida) for como vai,
Pois já morro por vós e ai
Minha senhora (pele) branca (face) rosada [...]

Amigos, nomposs’ eu negar


a gran coita que d’amor hei,
me vejo sandeu andar,
e con sandece o direi:
os olhos verdes que eu vi
me fazen ora andar assim [...]

Não posso eu negar


o grande sofrimento de amor (que)hei (de ter)
pois me vejo louco andar
e com loucura o direi:
os olhos verdes que vi
me fazem (por) ora andar assim

Ai, dona fea, fostes-vos queixar


que vos nunca louv’en (o) meu cantar;
mais ora quero fazer un cantar
en que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai, dona feia,


fostes-vos queixar que nunca vos louvo em meu cantar;
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvarei todavia;
e vedes como vos quero louvar;
dona feia, velha e louca.

(DINIS, 2011).

Estes fragmentos das cantigas medievais escritas em galego-português ou


português arcaico, trazem nas palavras em destaque, termos que datam entre os
séculos XII e XIV de acordo com a tabela abaixo:

Tabela 1 – Léxico de formação popular

Fonte: HOUAISS, 2009.

A palavra "branco(a)" é de origem germânica e é apenas uma das muitas


palavras que têm raízes etimológicas herdadas na formação da língua portuguesa. Ao
longo do tempo, o português incorporou influências de diferentes fontes, resultando
em um vocabulário diversificado, como pode ser observado na tabela 2.
Tabela 2- Léxico de origem germânica

Fonte: HOUAISS, 2009.

A formação do léxico da língua portuguesa ocorreu tanto por hereditariedade,


ou seja, pela incorporação de palavras de origem germânica, latina, grega, entre
outras, que foram transmitidas ao longo do tempo, como também por empréstimos
linguísticos, quando palavras de outras línguas foram adotadas e adaptadas ao
português. Tema que será apresentado na nossa próxima aula.
2. DO PORTUGUÊS MODERNO

As grandes navegações portuguesas, que ocorreram no século XV,


desempenharam um papel fundamental na expansão do império português e tiveram
um impacto significativo no léxico da língua portuguesa. Durante esse período de
exploração e descobrimentos, os portugueses estabeleceram contatos com diferentes
povos e culturas ao redor do mundo.
Essas interações resultaram em um intenso intercâmbio linguístico, com a
incorporação de novas palavras e termos provenientes de empréstimos de outros
idiomas. Por exemplo, o português adotou palavras de origem africana, indígena
americana, árabe, persa e asiática, entre outras. Essas palavras enriqueceram o
vocabulário da língua portuguesa e refletiram as influências culturais e comerciais das
rotas marítimas exploradas pelos portugueses.
Além disso, os avanços científicos e as descobertas geográficas da época
também trouxeram a necessidade de criar novos termos para descrever os fenômenos
e lugares recém-descobertos. Assim, o vocabulário moderno do português foi
enriquecido com palavras relacionadas à navegação, astronomia, geografia, flora,
fauna e muito mais.
Portanto, as grandes navegações portuguesas contribuíram não apenas para
a expansão geográfica do império, mas também para a expansão e enriquecimento
do léxico da língua portuguesa, incorporando novas palavras e expressões
provenientes de empréstimos linguísticos.

[...] português teve contato, durante a sua fase clássica, com diversas línguas,
literalmente das mais diferentes partes do globo. Alguns exemplos dessas
incorporações lexicais são: zebra (do etíope), canja (do malabar, língua
falada no Sri-Lanka), chá (mandarim), condor e lhama (do quéchua),
chocolate (azteca), manga (indonésio), sagu (malaio), várias palavras de
origem tupi, como ananás, amendoim, mandioca etc. (GONÇALVES;
BASSO, 2010, p. 98).

Ao longo da evolução da língua portuguesa, ocorreram várias mudanças,


incluindo a perda do gênero neutro, que ocorreu na fase arcaica da língua,
especificamente no galego-português. No galego-português, assim como em outras
línguas românicas, havia três gêneros gramaticais: masculino, feminino e neutro. No
entanto, ao longo do tempo, o gênero neutro foi gradualmente desaparecendo, e as
palavras que anteriormente eram neutras passaram a ser classificadas como
masculinas ou femininas.
Essa mudança linguística pode ser observada nos estágios mais antigos do
português, entre os séculos XIII e XIV. Nessa fase, a distinção entre gênero masculino
e neutro foi sendo gradualmente perdida, até que o gênero neutro deixou de existir na
língua. Essa evolução gramatical faz parte do processo natural de transformação da
língua ao longo do tempo, e o português atualmente possui apenas dois gêneros
gramaticais, masculino e feminino.
É interessante observar como o idioma evolui e passa por mudanças ao longo
dos séculos, moldando a sua estrutura e características. Conforme o autor Bagno:

Na 1ª declinação não existiam nomes neutros: eram quase todos femininos,


de tal forma que a terminação -a passou a ser característica dos nomes
femininos em português, ao contrário do latim, em que as palavras femininas
podiam ter as mais diversas terminações (inclusive -o, como no nominativo
de passio, religio, virgo, vertigo etc.). Na 2ª declinação, a maioria dos nomes
eram masculinos e neutros. Com isso, a terminação -o (do acusativo singular
-um > - u > -o) se tornou a característica dos nomes masculinos em
português. Os substantivos neutros, como tinham suas desinências idênticas
às dos masculinos, também passaram a esse gênero: pratum > pratu > prado;
exemplum > exemplu >e xemplo; templum > templu > templo; uinum > uinu >
vino > vinho etc. No entanto, como a terminação do plural dos neutros era -a
(exemplum – exempla), ocorreram confusões desse plural com o gênero
feminino. É o que se verifica com as palavras usadas com o valor de
pluralidade ou de coleção que, neutras plurais em latim, se transformaram em
femininas singulares em português (BAGNO, 2007, p. 31)

Observe na tabela 1- a transição do gênero neutro para o feminino.

Tabela 1 – Transição do gênero neutro para o feminino

Fonte: BAGNO, 2007, p. 31.


Na evolução do latim para o português, muitos nomes neutros da 3ª declinação
passaram a assumir o gênero masculino na 2ª declinação. Essa mudança aconteceu
durante o processo de transição do latim para o português e resultou na perda do
gênero neutro.
No latim, havia substantivos neutros que pertenciam à 3ª declinação, e esses
substantivos geralmente assumiam uma forma idêntica tanto no nominativo quanto no
acusativo. No entanto, durante o desenvolvimento do português, muitos desses
substantivos neutros passaram a ser tratados como substantivos masculinos na 2ª
declinação, adotando a forma de masculino tanto no nominativo quanto no acusativo.
Por exemplo, o substantivo "mare" (mar) no latim era neutro na forma
nominativa e acusativa, mas no português evoluiu para assumir o gênero masculino.
Assim, temos "o mar" em vez de "o maren" como seria esperado se ainda
mantivéssemos o gênero neutro.
Essa mudança do gênero neutro para o gênero masculino ocorreu em alguns
nomes específicos, enquanto outros nomes neutros evoluíram para o gênero feminino.
Cada palavra passou por um processo de mudança e adaptação ao longo do tempo,
resultando no sistema de gênero atualmente presente na língua portuguesa.
É interessante observar como essas transformações ocorreram durante a
evolução do latim para o português, moldando a gramática e o vocabulário da língua
ao longo dos séculos.
A transição do latim para o português e as mudanças na atribuição de gênero
dos substantivos causaram flutuações no gênero das palavras, especialmente durante
a fase de transição da língua. Isso pode ser observado no fragmento de cantigas
trovadorescas, onde ocorrem variações entre os gêneros masculino e feminino.

No mundo non me seiparelha,


mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós e ai
mia senhor branca e vermelha, [...]
No mundo não sei (se há) alguém semelhante a mim
Enquanto (minha vida) for como vai,
Pois já morro por vós e ai
minha senhora (pele) branca e (face) rosada [...] Dinis (2011).
No fragmento da cantiga trovadoresca, o termo "senhor" foi usado no feminino,
indicado pela presença do pronome possessivo arcaico "mia" (minha). No entanto, ao
longo do tempo, houve uma normatização no uso do masculino e feminino, ocorrendo
a padronização do gênero no século XV, na fase moderna da língua portuguesa.
Na língua portuguesa moderna, de fato, não existe mais o gênero neutro, no
entanto, podemos encontrar vestígios do gênero neutro em certos pronomes
demonstrativos, como "isto", "isso" e "aquilo". Esses pronomes não possuem distinção
de gênero e são usados indistintamente para objetos, ideias ou conceitos.
Por exemplo:
➢ Isto é interessante. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro)
➢ Isso é importante. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro)
➢ Aquilo é bonito. (usado para algo de gênero desconhecido ou neutro)
Esses pronomes demonstrativos neutros são remanescentes do antigo gênero
neutro presente nas línguas indo-europeias, do qual o português evoluiu.
Além dos pronomes demonstrativos, existem outros vestígios do gênero neutro
na língua portuguesa moderna:
Pronomes indefinidos: os pronomes "nada", "tudo" e "algo" são exemplos de
pronomes indefinidos que não possuem distinção de gênero.
Exemplos:
➢ Nada aconteceu. (gênero neutro)
➢ Tudo está bem. (gênero neutro)
➢ Algo me incomoda. (gênero neutro)
Adjetivos substantivados: quando um adjetivo é utilizado como substantivo,
ele pode assumir o gênero neutro.
Exemplos:
➢ A bela (referindo-se a uma pessoa)
➢ A linda (referindo-se a uma pessoa)
➢ O agradável (referindo-se a algo)
Infinitivo substantivado: quando o infinitivo de um verbo é utilizado como
substantivo, ele também pode ser considerado de gênero neutro.
Exemplos:
➢ O amar é importante. (gênero neutro)
➢ O fazer é necessário. (gênero neutro)
➢ O trazer é um ato de gentileza. (gênero neutro)

Ao abordar novamente o assunto dos empréstimos, é importante destacar que,


durante esse período, o idioma português moderno obteve influências de outras
línguas pertencentes a povos de diferentes continentes, como América, Europa e
Ásia. Além disso, houve também posteriormente contribuições do latim, provenientes
de palavras clássicas.

2.2 Da relatinização

Após estabelecida a fronteira entre o português arcaico e o português moderno,


o século XVI marca o início de um movimento durante o renascimento cultural na
Europa. Esse movimento contou com a participação de renomados gramáticos e
intelectuais, conforme mencionado por Bagno:

[...] no empenho de criar uma língua de cultura erudita capaz de transmitir os


novos valores humanistas, filosóficos e científicos, e de ser veículo de uma
literatura requintada, recorreram à obra dos grandes escritores romanos, de
onde tomaram emprestados muitos termos com os quais esperavam conferir
à língua portuguesa uma feição clássica. Não por acaso também deste
período que datam as primeiras gramáticas da língua portuguesa, sendo a
pioneira delas a de Fernão de Oliveira, de 1536. (BAGNO, 2007, p. 53).

O termo utilizado para descrever esse movimento é relatinização. Essa


expressão engloba o processo de desenvolvimento de palavras com influência latina.
É importante destacar que esse fenômeno tem sido observado desde a Idade Média,
como mencionam os autores Saraiva e Lopes.

O Latim, e, sobretudo o Latim escolástico, foi como não podia deixar de ser,
a língua sobre a qual a prosa doutrinal portuguesa apoiou os primeiros
passos, que decalcando nele suas formas, quer aprovisionando-se do
vocabulário que lhe faltava. [...] D.Duarte socorre-se frequentemente a
latinismos, embora condene seu uso imoderado. Palavras como: abstinência,
infinito, fugitivo, evidente, sensível, intelectual, circunspecção e etccontam-se
entre os latinismos que nesta época são enxertados no tronco da língua.
(SARAIVA; LOPES, 2010, p. 115).

A inserção de termos latinizados, impulsionada por esse movimento, ocorreu


de duas maneiras: por meio da introdução de palavras novas ou da reconfiguração de
palavras existentes. A utilização de neologismos latinos pode ser identificada, por
exemplo, na obra de Camões, "Os Lusíadas", como evidenciam os trechos a seguir:

E se buscando vás mercadoria


Que produz o aurífero
[...]
Ou se queres luzente pedraria
[...]

[...]
Não foge, mas espera confiado,
E o ginete belígero arremessa.
[...]

Mas neste passo a Ninfa, o som canoro


Abaixando, fez ronco e entristecido
[...]

[...]
Num globo vão, diáfano, rotundo,
Que Júpiter em dom lho concedeu
[...]

[...]
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando
[...]
(CAMÕES)

Os termos mencionados nos fragmentos citados possuem origem recente,


como demonstrado na tabela a seguir:
Tabela 2 – Léxico inovador

Fonte: HOUAISS, 2009.

Conforme mencionado, além da introdução de termos inovadores, a


relatinização também ocorre por meio da recondução, ou seja, formas derivadas do
processo natural de evolução das palavras foram rejeitadas em favor de formas mais
próximas da língua latina. Isso pode ser observado na tabela a seguir:

Tabela 3 – Léxico reconduzido

Fonte: HOUAISS, 2009.


3. ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

Apesar de ter existido imposição linguística, é comprovado que a sociedade


passa por mudanças e a língua é um reflexo dessas transformações. Isso significa
que se o meio em que vivemos não é uniforme, a língua também não será. Assim
como existem variantes linguísticas nas línguas contemporâneas, conforme
demonstrado por estudos sincrônicos atuais, o latim também possuía "subdivisões": o
latim clássico e o latim vulgar. O latim clássico era usado pela elite, classe dominante
do Império, bem como por poetas, senadores, filósofos, entre outros. Era
caracterizado por ser o latim correto e culto. Por outro lado, o latim vulgar, além de
apresentar características de outros idiomas falados pelas classes dominadas, era
usado por grupos considerados inferiores.
Durante muitos séculos, Portugal enfrentou diversas guerras e invasões, e, ao
mesmo tempo, a língua portuguesa passou por transformações até se configurar no
idioma que conhecemos hoje. De acordo com Cardeira (2006), existem quatro fases
fundamentais para a língua portuguesa: o português antigo ou arcaico, o português
médio, o português clássico e o português moderno.
Na monarquia de D. Dinis, no século XIII, o português arcaico foi elegido como
língua escrita. Sendo utilizado em documentos como o pacto de Gomes Pais e Ramiro
Pais (1173-1175) e o testamento de Afonso II (1214), entre outros escritos em
português antigo. Entretanto, devido à diversidade linguística, ao lado do português
antigo, surgiu a produção poética galego-portuguesa, associada aos trovadores.
O português médio, embora não tenha sido a língua escrita de Camões,
floresceu no início do século XV. Essa época foi crucial para a autonomia da língua
portuguesa, pois a sua utilização começou a fazer parte da cultura de Portugal.
Cardeira (2006) explica que um processo de grande expressão do português a partir
do século XV é a relatinização do português", indicando que, embora a língua
portuguesa tenha alcançado sua autonomia nas instituições de ensino, somente no
século XVII, visto que, os primeiros passos foram dados pelo menos duzentos anos
antes desta data. Além do mais, este período ficou caracterizado pela separação do
galego e do português.
A expansão da língua portuguesa durante as grandes navegações foi
impulsionada pela exigência de afirmar a identidade nacional e consolidar uma nova
monarquia. Essa situação guarda semelhanças com o que aconteceu no Império
Romano, onde o latim se restabeleceu como língua oficial através de imposição
linguística, um processo que também aconteceu com o português. Somente após a
ruína do Império Romano, a crise feudal e a proclamação de independência por parte
do rei D. Afonso Henriques, é que Portugal renasceu para uma nova era: a época das
grandes navegações e descobrimentos. Nessa fase, aqueles que outrora foram
dominados se tornaram desbravadores e dominadores, e a sua dominação incluía a
imposição linguística.
A época das grandes navegações desempenhou um papel fundamental na
formação do português clássico. À medida que os portugueses avançavam em suas
conquistas, eles descobriam novas terras, línguas e realidades. A relação com a igreja
católica e a permanência de impor uma cultura oficial levaram à oficialização não
apenas da língua portuguesa, mas também da língua espanhola. Portugal e Espanha
foram duas nações poderosas durante o período de dominação no Brasil. O Reino de
Castela, originou à língua espanhola, enfrentou o mesmo desafio que Portugal: a
urgência de dominar as novas nações conquistadas. Além disso, de acordo com
Azeredo (2001), esse período foi marcado pelo Renascimento Cultural e Urbano
(séculos XV a XVIII), que viu o surgimento das primeiras gramáticas das línguas
vernáculas.
Assim, a primeira gramática das línguas neolatinas ou românicas foi a
gramática espanhola, intitulada "Gramática de la lengua castellana" e escrita por Elio
Antonio de Nebrija em 1492. Após chegar ao Brasil em 1500, Portugal se atentou a
mesma necessidade e deu início à normatização da língua. A primeira gramática da
língua portuguesa, foi escrita por Fernão de Oliveira, data de 1536, enquanto a
gramática de João de Barros foi publicada em 1540. Tanto uma quanto a outra, foram
veemente influenciadas pelas gramáticas clássicas.
Essa fase foi de grande importância para o desenvolvimento da língua
portuguesa. Ao mesmo tempo em que a primeira gramática do português foi
produzida, o último auto de Gil Vicente foi representado e, nessa mesma época, o
Santo Ofício da Inquisição foi estabelecido. Gil Vicente estabeleceu uma ponte
linguística e cultural entre o português médio e o clássico. Além disso, a língua começa
a ser considerada pelos portugueses não apenas como um meio de comunicação,
mas como um objeto em si. Dessa forma, a importância linguística para a consolidação
de um império foi estabelecida.
O interesse pelo estudo, organização e planejamento da língua como um objeto
é um reflexo do movimento humanista. As gramáticas e os dicionários surgiram por
meio de um movimento europeu que buscava unificar e proteger as línguas nacionais.
Nesse contexto, Cardeira (2006, p. 69) afirma que "[...] nacionalismo, ideal unificador
e expansionista traduzem-se em preocupação com o ensino da língua portuguesa.
Multiplicam-se as gramáticas, os vocabulários e as cartilhas [...]".
No final do século XVII, o português era uma língua em expansão, difundida
por grandes escritores. De acordo com Azeredo (2001), o racionalismo dos séculos
XVII e XVIII fortaleceu a conexão “linguagem e o pensamento”, considerando "abusos"
ou "imperfeições" tudo o que estivesse fora dessa concepção de língua. Embora os
séculos XVII e XVIII tenham sido ocasiões primordiais para a consolidação da língua
portuguesa, eles representam um período de transição. O século XVIII marca a nova
fase do português: o português moderno.
Em 1759, a Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal e o monopólio
educacional jesuíta chegou ao fim. Isso levou à criação da Escola dos Nobres e da
Academia Real da Ciência, bem como à reforma da universidade. O ensino da língua
portuguesa e das línguas modernas passa a integrar o currículo escolar, e estudos
linguísticas passaram a ser parte integrante da educação em Portugal. Com isso, se
deu a fixação da norma culta, até os dias de hoje. No entanto, embora o século XVIII
tenha sido fundamental para o português moderno, Portugal teve uma história
paradoxal em sua existência.

Quando se inicia o português moderno, no século XVIII, Portugal encontra-se


dividido entre Europa e Brasil e entre um pensamento conservador e uma
nova mentalidade. Na Europa, as inovações tecnológicas “iluminavam” o
conhecimento; no Brasil, as riquezas agrícolas e minerais atraíam a
emigração e alimentavam, em Portugal, um trono absolutista e uma
aristocracia nobiliária e clerical (CARDEIRA, 2006, p. 74).

Essa situação perdurou durante a maior parte do século XVIII, porém a coroa
portuguesa não imaginava que o Brasil se tornaria oficialmente sua nova morada no
século XIX. Em 1808, após a invasão francesa, enquanto a Inglaterra lutava contra os
franceses em Portugal, a corte portuguesa se estabeleceu no Brasil.
Foi partir desses acontecimentos, que a história da língua portuguesa entrou
em um novo período, na qual ocorreu a expansão oficial do português culto de
Portugal, mas também emergiu a identidade nacional da língua portuguesa falada no
Brasil, que se tornou uma variante distinta. É crucial compreender a história da língua
portuguesa europeia e a imposição linguística no Brasil para entender o português
brasileiro falado nos dias de hoje.

3.1 Português lusitano e português brasileiro

A língua é um reflexo da comunidade que a fala. Conforme afirmado por Calvet


(2002), as línguas só existem porque há pessoas que as falam, e a história de uma
língua é a história de seus usuários. Embora haja uma suposta unificação da língua
portuguesa, é importante destacar que o português expresso em Portugal e o
português expresso no Brasil são duas línguas com histórias distintas. A língua
portuguesa se estabeleceu oficialmente há quase 900 anos, o que significa que tem
duas vezes mais a idade do português brasileiro. Portanto, para compreender as
diferenças entre essas duas variantes do português, é necessário refletir sobre a
história da língua portuguesa no Brasil.
A história do Brasil, após as grandes navegações e a vinda dos colonizadores
europeus, é marcada por vários idiomas devido aos diversos contatos linguísticos que
ocorreram desde o século XVI. Segundo Mello (2011, p. 175), "[...] o contato inicial
entre os portugueses e os povos indígenas de línguas tupis-guaranis levou à formação
da língua brasílica, que chegou a ser falada como língua materna por parte da
população da área que hoje é a cidade de São Paulo [...]". conforme Battisti (2014),
durante o período colonial do Brasil (1530-1815), o português entrou em contato com
as línguas indígenas faladas pelos nativos brasileiros, bem como com as línguas
africanas dos mais de quatro milhões de escravos trazidos para o país.
De fato, desde 1500, o Brasil nunca foi um país monolíngue, mesmo que o
português tenha sido a língua oficial. Como mencionado, a comunidade já falava
línguas indígenas desde a imposição inicial do português, e o contato não se restringiu
apenas às línguas africanas, mas também ocorreu com outras nações europeias,
como espanhóis, franceses, holandeses e ingleses. Essas interações linguísticas
ocorreram nos primeiros trezentos anos a partir do descobrimento. Conforme afirmado
por Mello, Altenhofen e Raso (2011, p. 13), "[...] ao longo dos mais de cinco séculos
desde o descobrimento, no território brasileiro, conviveram, comunicaram e se
misturaram populações ameríndias, europeias, africanas e asiáticas. Embora a língua
dominante tenha sido o português, essa língua coexistiu e ainda coexiste em muitos
lugares e domínios do repertório linguístico com muitas outras [...]".
Battisti (2014) esclarece que durante o período colonial do Brasil que se
estabeleceu a identidade nacional, baseada na interação entre brancos, índios e
negros. Além disso, segundo a autora, foi nesse contexto que surgiram características
distintivas do português brasileiro, como a colocação dos pronomes antes do verbo
em início de sentença ("Me viu" em vez de "Viu-me").
Na visão de Mello (2011), a língua portuguesa se estabeleceu após a família
real portuguesa vir de vez para o Brasil em 1808 e a expansão da educação no século
XIX. Além disso, Andreazza e Nadalin (2011) destacam que o descobrimento do ouro
no século XVIII atraiu um grande número de colonos portugueses em busca de
enriquecimento através da mineração, o que resultou na ocupação de áreas até então
não colonizadas, como Goiás e Mato Grosso. Isso, por sua vez, demandou uma nova
onda de importação de africanos.
É verdade que ao longo do tempo, o plurilinguismo inicial do Brasil foi
gradualmente diminuindo e o português se fez a língua efetivamente falada por uma
população mestiça, com os brancos ocupando o topo da hierarquia social. Conforme
Calvet (2002) menciona, existem atitudes e sentimentos dos falantes em relação às
suas línguas, às variedades linguísticas e àqueles que as utilizam. Nesse contexto, se
o homem branco português ocupa uma posição privilegiada na hierarquia social, é
natural que sua língua seja progressivamente estabelecida na sociedade.
Esse processo de imposição linguística está intimamente ligado ao poder e às
relações de dominação. A língua de um grupo dominante tende a se tornar a língua
oficial e ser valorizada socialmente, enquanto as línguas de grupos subalternos muitas
vezes são marginalizadas ou até mesmo reprimidas. No caso do Brasil, a
disseminação do português como língua dominante ocorreu em grande parte devido
à colonização portuguesa e à imposição cultural e social exercida pela elite branca.
No entanto, é importante reconhecer que a diversidade linguística e cultural do
Brasil é um aspecto fundamental de sua identidade. Mesmo com a predominância do
português, as influências das línguas indígenas, africanas e de outras origens ainda
estão presentes no vocabulário, nos sotaques e nas variações regionais do português
brasileiro. A valorização e o respeito por essa diversidade linguística são essenciais
para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

3.2 A relação atual entre a língua portuguesa brasileira e a lusitana

A relação entre a língua do colonizador e a língua do colonizado é um tema


complexo e controverso. No caso específico do português brasileiro e do português
europeu, é importante notar que ambos são variantes de uma mesma língua, o
português. Embora existam diferenças linguísticas entre as duas variantes, como
pronúncia, vocabulário e algumas construções gramaticais, elas ainda são
mutuamente inteligíveis, ou seja, os falantes de uma variante conseguem entender a
outra.
No entanto, é válido reconhecer que o português brasileiro e o português
europeu também têm suas particularidades e características distintas. Essas
diferenças são resultado de uma série de fatores históricos, culturais e sociais que
influenciaram o desenvolvimento dessas variantes ao longo do tempo.
A unidade maior observada na língua espanhola em comparação com o
português pode ser explicada pelo fato de o espanhol ter uma presença mais ampla
em diferentes países, com variações regionais menores em comparação ao
português. Além disso, a normatização da língua espanhola, com a publicação da
primeira gramática pelo latinista Elio Antonio de Nebrija em 1492, contribuiu para uma
maior uniformidade e aceitação da língua.
Por outro lado, no contexto do português, a normatização e a padronização da
língua ocorreram posteriormente, com a publicação da primeira gramática em 1536.
As diferenças entre o português brasileiro e o português europeu também foram
acentuadas pela distância geográfica e pelas influências culturais e linguísticas de
outras línguas presentes nas respectivas regiões.
Em resumo, embora o português brasileiro e o português europeu sejam
variantes da mesma língua, eles possuem diferenças resultantes de fatores históricos
e culturais. Ambas as variantes são reconhecidas como parte do patrimônio linguístico
da língua portuguesa, e a compreensão e valorização dessas diferenças são
importantes para uma comunicação mais efetiva e uma maior compreensão mútua
entre os falantes das duas variantes.
É verdade que a normatização linguística e a padronização ortográfica têm
como objetivo criar uma unidade linguística e facilitar a disseminação da língua em
contextos de colonização e conquista. Essas medidas visam fornecer diretrizes e
regras para a escrita e a gramática da língua, tornando-a mais acessível e uniforme.
No entanto, é importante ressaltar que a normatização linguística não é um
processo instantâneo, nem totalmente artificial. Ela é construída ao longo do tempo e
baseada nas práticas linguísticas existentes em determinada comunidade de falantes.
A normatização é uma tentativa de estabelecer uma forma padrão da língua que seja
amplamente compreendida e aceita.
No caso específico do português, é verdade que a unificação ortográfica entre
os países falantes da língua só foi alcançada em 2009, com a última reforma
ortográfica. No entanto, é importante notar que a língua portuguesa já possuía uma
base comum compartilhada por todos os falantes, mesmo antes dessa unificação
oficial. A compreensão mútua entre falantes de diferentes variantes do português,
como o brasileiro e o europeu, é possível e ocorre na prática, apesar das diferenças
regionais.
No caso do espanhol, é verdade que a unidade linguística entre os países
hispanofalantes é maior do que a unidade entre os países lusofalantes. Isso se deve
em parte à padronização da língua espanhola e à influência cultural e política da
Espanha ao longo dos séculos. No entanto, ainda existem diferenças regionais na
pronúncia, vocabulário e até mesmo na gramática do espanhol falado em diferentes
países.
Em resumo, a normatização linguística busca criar uma unidade linguística e
facilitar a comunicação, mas a unificação completa de uma língua é um processo
complexo e contínuo. As diferenças regionais e históricas entre as variantes
linguísticas podem persistir, mas ainda é possível alcançar uma compreensão mútua
e efetiva entre os falantes das diferentes variantes.
É correto afirmar que o português lusitano e o português brasileiro têm histórias
distintas e apresentam diferenças significativas em termos de vocabulário, pronúncia,
gramática e até mesmo em aspectos culturais. Essas diferenças são reflexo das
diferentes trajetórias históricas, sociais e culturais vivenciadas pelos dois países.
O estabelecimento da Real Academia Española na Espanha contribuiu para a
unificação e normatização da língua espanhola, promovendo uma maior coesão
linguística entre os países hispanofalantes. Essa instituição desempenha um papel
importante na definição de padrões linguísticos, na criação de dicionários e na
regulação da língua espanhola.
No caso do português, não existe uma instituição equivalente à Real Academia
Española. No entanto, tanto Portugal quanto o Brasil possuem órgãos reguladores da
língua, como a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa,
que desempenham um papel consultivo na promoção e preservação da língua, mas
não têm o mesmo nível de autoridade normativa e unificadora que a Real Academia
Española.
Embora o português brasileiro tenha uma unidade dentro de sua variedade
territorial, é verdade que a comunicação entre brasileiros e portugueses pode
apresentar desafios de compreensão devido às diferenças linguísticas e culturais.
Essas diferenças incluem o uso de vocabulário específico, variações na pronúncia e
na gramática, além de expressões idiomáticas e aspectos culturais distintos.
Portanto, é válido afirmar que o português lusitano e o português brasileiro são
duas línguas que carregam suas próprias histórias, identidades e características
linguísticas. Embora exista uma base comum e a possibilidade de comunicação entre
falantes das duas variantes, as diferenças são notáveis e fazem parte da riqueza
linguística e cultural do português.

3.4 O contraste estrutural entre o português do Brasil e o português


europeu
É importante ressaltar que há diferentes perspectivas e opiniões em relação à
questão de considerar o português brasileiro e o português de Portugal como duas
línguas distintas. O linguista Para Câmara Jr. (1976), argumenta que são de fato dois
idiomas distintos.

[...] as discrepâncias de língua padrão entre Brasil e Portugal não devem ser
explicadas por um suposto substrato tupi ou por uma suposta influência
africana, como se tem feito às vezes. Resultam essencialmente de se achar
a língua em dois territórios nacionais distintos e separados (CÂMARA JR.,
1976, p. 30–31).
As evidências linguísticas que estabelecem as diferenças entre o português
brasileiro e o português europeu refletem a identidade linguística de cada
comunidade. De acordo com Souza (2011), à medida que a linguística avança, surgem
novos delineamentos nas discussões sobre o português no Brasil. Busca-se
compreender como essas línguas, embora relacionadas, funcionam de maneira
diferente em sua estrutura, resultando em sistemas linguísticos ou até mesmo idiomas
distintos.
Segundo Perini (2011), atualmente no Brasil, a população urbana e
escolarizada utiliza uma variedade do português que pode ser considerada padrão,
pois é a língua falada pela elite culta do país. O autor ressalta que também existem
outras variedades não padrão (geralmente estigmatizadas) presentes nas áreas rurais
e entre pessoas com menor grau de escolaridade nos centros urbanos. Além disso,
existe uma língua padrão escrita que difere de todas as variedades faladas e ainda se
baseia no modelo do português escrito com base nas gramáticas da língua portuguesa
europeia.
Assim como há uma forma padrão de fala entre os brasileiros, também existe
uma forma padrão de fala entre os portugueses. No entanto, segundo Perini (2011, p.
140), "o padrão falado brasileiro difere em muitos aspectos importantes do padrão
falado europeu, de modo que não é ficção falar em um português americano como um
bloco, em contraste com o bloco do português europeu". A seguir, apresentamos
algumas diferenças sintáticas existentes entre o português lusitano e o brasileiro.
.

A morfologia verbal

Em Portugal, de acordo com Holm (2011), o pronome de tratamento "tu" é


usado informalmente, enquanto "você" é empregado em situações formais. No Brasil,
os locais que utilizam o pronome "tu" o conjugam na terceira pessoa do singular,
enquanto os locais que usam "você" o empregam tanto em contextos formais quanto
informais. Além disso, os falantes brasileiros não fazem uso do pronome de sujeito
"vós". Conforme observado por Perini (2011), o pronome "vós" está completamente
extinto no Brasil. De modo geral, há uma redução na conjugação verbal no português
brasileiro. Como pode ser observado no Quadro 1:
Quadro 1– Redução na conjugação verbal no português brasileiro

Fonte: própria autoria.

De acordo com Mello (1997), os falantes brasileiros utilizam os pronomes de


sujeito com mais frequência do que os falantes portugueses. Isso ocorre porque os
pronomes são necessários em todas as pessoas, exceto na primeira pessoa, uma vez
que ela mantém sua forma flexionada distinta.
Perini (2011), por sua vez, destaca que a simplificação também é observada
na substituição do pronome da primeira pessoa do plural, "nós", por "a gente", que é
conjugado na terceira pessoa do singular. Portanto, de acordo com o autor, o
panorama do português falado no Brasil, como pode ser observado no Quadro 2:

Quadro 2– Simplificação na substituição do pronome da primeira pessoa do


plural, "nós", por "a gente.

Fonte: própria autoria.

O uso dos pronomes em relação à substituição de oblíquo por reto


No português brasileiro, uma das características mais distintas é o uso de
formas pronominais plenas como objeto direto, em vez dos pronomes clíticos que
seriam esperados na norma padrão. Por exemplo, pode ser observado no Quadro 3:

Quadro 3 – Uso de formas pronominais plenas como objeto direto, em vez dos
pronomes clíticos.

Fonte adaptada de Perini (2011).

O uso dos pronomes em relação à ordem

No Brasil há o hábito de usar o pronome oblíquo para iniciar a oração. Por


exemplo:
Quadro 4 – Uso do pronome oblíquo no início da oração

Fonte adaptada de Perini (2011).

Tempos verbais

Segundo Perini (2011), o futuro do presente ("chegarei"), o mais-que-perfeito


("chegara") e o futuro do pretérito ("chegaria") são praticamente inexistentes no
português brasileiro. O autor argumenta que a noção de futuro é expressa pelo
presente do indicativo, como pode ser visto no Quadro 5.

Quadro 5 – Tempo futuro sendo representado por um verbo no presente do


indicativo.

Fonte adaptada de Perini (2011).

Segundo Perini (2011), está em formação uma nova língua no Brasil e em


Portugal, uma vez que o processo de afastamento é mútuo. Isso significa que as
diferenças linguísticas abrangem todas as áreas da gramática - não apenas a sintaxe,
mas também a fonologia, a morfologia e a semântica. Com o avanço da linguística e
o progresso dos estudos linguísticos, há uma tendência gradual de separação.
4. LEIS FONÉTICAS

De acordo com Coutinho (1976), as leis fonéticas são princípios que descrevem
os padrões e as regularidades das mudanças sonoras que ocorrem nas línguas ao
longo do tempo. Elas são formuladas com base nas observações sistemáticas das
transformações fonéticas que ocorrem em diferentes contextos linguísticos. Essas leis
buscam explicar as regras e os processos pelos quais os sons das palavras sofrem
alterações e se desenvolvem ao longo da história de uma língua.
As leis fonéticas são fundamentais para entender a evolução das línguas, pois
ajudam a explicar como os sons podem se modificar de uma geração para outra. Elas
são influenciadas por fatores como o ambiente fonético em que os sons estão
inseridos, a interação com outros sons na mesma palavra ou em palavras vizinhas, e
os processos de assimilação, dissimilação, elisão, entre outros.
Elas também, são estabelecidas a partir de padrões recorrentes de mudanças
sonoras, permitindo reconstruir o estado anterior de uma língua, comparar diferentes
línguas relacionadas e traçar relações históricas entre elas. As leis fonéticas
constituem uma importante ferramenta para os linguistas no estudo da fonética
histórica e na compreensão da diversidade linguística e da evolução das línguas ao
longo do tempo.
Coutinho (1976), acrescenta que as modificações nas palavras decorrem das
limitações que temos para compreender um idioma: a imperfeição das representações
sonoras e a incapacidade de reproduzir com precisão os sons que ouvimos. A
transmissão da linguagem não pode ser representada como uma entidade contínua,
como uma linha reta em que o falante e o ouvinte ocupam as extremidades. Pelo
contrário, observa-se uma completa descontinuidade nessa transmissão, o que faz
com que cada geração tenha que realizar as mesmas tentativas que as anteriores
para adquirir o domínio da linguagem.
Durante a fase de formação dos órgãos emissores e receptores, o sistema
fonético das crianças está em desenvolvimento e, portanto, é improvável que seja
idêntico ao de seus pais, mesmo após um longo e desafiador processo de
aprendizado, as crianças não recebem a língua pronta, pois só conseguem reproduzir
aquilo que ouvem, e é inevitável que nuances mais sutis escapem à sua atenção.
Devido à natureza descontínua da linguagem, sua transmissão dá lugar a diversas
modificações.
Conforme Elia (2003), as causas das mudanças fonéticas são semelhantes
para toda uma geração em um determinado local e época, levando em consideração
as mesmas condições sociais, biológicas, entre outras, que produzem efeitos
semelhantes em todos. Essas transformações apresentam três características
principais:
São inconscientes: As modificações observadas nas palavras de uma língua
são independentes da vontade do povo. Falamos de acordo com as tendências
próprias da época em que vivemos, e essas tendências podem variar, explicando a
diversidade de tratamento dado às palavras ao longo da história de uma língua.
São graduais: A evolução das palavras ocorre de acordo com a lei natural,
seguindo o princípio de que a natureza não dá saltos abruptos. Muitas vezes, há uma
compreensão equivocada da evolução das palavras ao comparar formas latinas com
as formas atuais em português. É necessário restabelecer todos os estágios
intermediários, citando as formas intermediárias, para entender como essa evolução
ocorreu gradualmente. As alterações manifestadas nas fases finais de uma língua já
estavam presentes nos estágios anteriores.
São constantes: Foi graças aos neogramáticos que foi atribuído esse caráter
de constância às leis fonéticas. A regularidade das transformações permitiu a
generalização das leis fonéticas. Sempre que um fonema ocorrer em uma
determinada circunstância, ele deve ser modificado da mesma maneira.
Existem três leis que governaram a evolução das palavras em português:
Lei do menor esforço (ou economia fisiológica): Essa lei é universal e se
aplica a todas as áreas da atividade humana. No contexto das leis fonéticas, a lei do
menor esforço busca simplificar os processos articulatórios envolvidos na produção
das palavras. As modificações e perdas de fonemas ocorreram em conformidade com
essa lei, que busca alcançar a eufonia e o ritmo. Um princípio fundamental baseado
nessa lei é a queda frequente das consoantes sonoras intervocálicas latinas em
português.
Lei da permanência da consoante inicial: A fonética histórica revela que a
evolução das consoantes depende da posição em que se encontram dentro da
palavra. As oclusivas surdas (p, t, c) se transformam em sonoras fracas (b, d, g),
enquanto as consoantes no meio e no final das palavras estão frequentemente
submetidas à sonorização ou quedas. No entanto, as consoantes iniciais são
preservadas integralmente em português, com poucas exceções.
Lei da persistência da sílaba tônica: As palavras em português mantêm a
mesma acentuação tônica do latim. Mesmo com as transformações e perdas de
fonemas, o acento tônico desempenhou um papel fundamental na preservação da
unidade da palavra, pois a pausa prolongada na sílaba acentuada torna evidente a
sua resistência. Os exemplos contrários a essa lei, alguns dos quais remontam ao
latim vulgar, são resultado de causas fonéticas, morfológicas e analógicas.
Causas fonéticas: Uma das causas fonéticas do deslocamento do acento
tônico no português está relacionada aos casos em que ocorre o hiato com as vogais
"i" ou "e" em palavras de origem latina, ou seja, quando essas vogais estão seguidas
de outra vogal. No latim vulgar, havia uma tendência de evitar o hiato, então o acento
tônico foi deslocado para a última vogal, frequentemente reduzindo-as a uma única
vogal que era a última. Alguns filólogos explicam esse deslocamento com base na
regra fisiológica segundo a qual, entre duas vogais contíguas, a vogal mais sonora
tende a predominar. O quadro 1– traz alguns exemplos:

Quadro 1 – O deslocamento do acento tônico para a última vogal.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).

Ainda conforme Elia (2003), outra causa fonética ocorre nos polissílabos, em
que no latim havia vogal em “posição débil” a qual era seguida de grupo consonantal
formado de muda (p, b, t, d, c, g) e líquidas (l, r). A sílaba em que figurava esta vogal
era considerada comum no latim clássico, ou seja, podia ou não receber o acento,
segundo as necessidades do verso. Na prosa, porém, era átona. O latim vulgar tornou-
a tônica, e o português conservou a acentuação do latim vulgar como podem ser
observadas no quadro 2.

Quadro 2– Conservação dos grupos consonantais do latim vulgar átonas, que se


tornaram tônicas e permaneceram tônicas no português.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).

É claro que os acentos gráficos colocados nas palavras latinas representadas


no quadro 2– servem apenas para indicar a vogal tônica e seu timbre.
Uma terceira causa fonética para o deslocamento do acento tônico no
português está relacionada a palavras que, de acordo com a etimologia, deveriam
terminar em "â" tônico final fechado, caso a língua portuguesa os permitisse. Nesse
caso, temos exemplos como "quinta", "campa" e "venta", que no período arcaico eram
pronunciados como "quintãa", "campãa" e "ventãa". Essas palavras têm sua origem
no latim "quintana", "campana" e "ventana".
Causas morfológicas: além das causas fonéticas, existem também causas
morfológicas. No latim vulgar, ocorria a transposição do acento tônico para o segundo
elemento nas palavras compostas, quando havia consciência da composição e o
segundo elemento carregava a ideia principal. Isso pode ser explicado pelo fato de
que o segundo elemento era considerado mais significativo. No português, essas
palavras se mantiveram como paroxítonas, herdada do latim vulgar nesses casos de
palavras compostas, como podem ser observadas no quadro 3.
Quadro 3 – Palavras que se mantiveram como paroxítonas, herdada do latim vulgar

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).

Causas Analógicas: a analogia é uma força poderosa que atua como um


agente transformador. No caso do deslocamento do acento tônico, a analogia também
desempenhou um papel importante, como pode ser observado nas conjugações
verbais. Os verbos da terceira conjugação do latim erudito, que possuíam terminação
em "ĕre", acabaram se identificando, no latim vulgar lusitânico, com os verbos da
segunda conjugação, que tinham terminação em "ēre", resultando no
desaparecimento da terceira conjugação. A força analógica também influenciou
alguns verbos da segunda conjugação latina erudita, que passaram para a quarta
conjugação no latim vulgar, assim como nas primeiras e segundas pessoas do plural
de certos tempos verbais do indicativo e do subjuntivo. Na transição para o português,
as formas tônicas do latim vulgar foram preservadas, como podem ser observadas no
quadro 4.
Quadro 4 – Permanência das formas tônicas do latim vulgar preservadas no
português.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).

Muitas palavras, em vez de permanecer a silaba tônica latina, tomaram entre


nós a grega, como pode ser observada no quadro 5.

Quadro 5 – Palavras do português que tem sílaba tônica grega em vez de latina.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).


Observe no quadro 6– os verbos da terceira conjugação clássica latina ĕre
identificaram-se por analogia com os da segunda ēre no latim vulgar da península.
.

Quadro 6 – Verbos da terceira conjugação clássica latina ĕre identificaram-se


por analogia com os da segunda ēre no latim vulgar da península.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).

Como você pode observar no quadro 7– na 1ª e 2ª pessoa do plural do


imperfeito, mais-que-perfeito do indicativo e imperfeito do subjuntivo, houve
deslocamento, por influência da acentuação das três pessoas do singular.

Quadro 7 – Deslocamento, por influência da acentuação das três pessoas do


singular.

Fonte: adaptada deTrujillo (2011).


5. METAPLASMOS

Metaplasmos é uma designação comum a todas as figuras que acrescentam,


suprimem, permutam ou transpõem fonemas nas palavras. Os metaplasmos são
modificações fonéticas que sofrem as palavras na sua evolução. Tais modificações
não somente se deram do Latim para o Português, mas se dão no interior do próprio
idioma, fato que se evidencia ao analisar as vozes de épocas distanciadas.

É que cada geração altera inconscientemente, segundo as suas tendências,


as palavras da língua, alterações essas que se tornam perfeitamente
sensíveis, só depois de decorrido muito tempo (Coutinho, 1976, p. 143).

Todas as modificações sofridas na língua podem ser motivadas pela troca, pelo
acréscimo, pela supressão de fonemas e ainda pela transposição de fonemas ou do
acento tônico. Os Metaplasmos dividem-se em quatro grupos:

1 – Metaplasmos por permuta: Consistem na substituição de um fonema por


outro e se dividem em:
A) Sonorização: é a troca de um fonema surdo por um fonema sonoro
homorgânico. Dá-se a sonorização, em português, dos seguintes fonemas latinos,
quando colocados entre vogais:
➢ P > B: lupu > lobo;
➢ T > D: cito > cedo;
➢ C > G: acutu > agudo;
➢ F > V: profectu > proveito.

B) Vocalização: É a transformação de um fonema consonantal num fonema


vocálico. As consoantes b, c, l, n, p, nos grupos ct, lt, lc, lp, pt, bs, gn, pt, transformam-
se em i ou u, ao passarem do latim para o português:
➢ CT: octo > oito
➢ LT: multu > muito
➢ LC: falce > fouce = foice
➢ LP: palpare > poupar
➢ PT: conceptu > conceito
➢ BS: absentia > ausência
➢ GN: regno > reino
➢ PT: cap(i)tale > caudal

C) Consonantização: Consiste na transformação de um fonema vocálico num


fonema consonantal. O i e o u transformam-se, respectivamente, em j e v: ieiunu >
jejum; iam > já; uagare > vagar; Hieronymu > Jerônimo; uiuere > vever.

D) Assimilação: é a troca de um fonema por outro igual ou semelhante ao que


antecede ou segue o fonema que se troca: inregular > irregular. O fonema que exerce
influência sobre o outro chama-se assimilador; o que se modifica, assimilado. No
exemplo acima, o fonema assimilador é o r, e o assimilado o n. A assimilação divide-
se em:
Total: quando o fonema assimilado é igual ao assimilador: saeta>seeta>seta.
Parcial: quando entre o fonema assimilado e o assimilador existe semelhança,
sem haver perfeita identidade: tauru > touro.
Progressiva: quando o fonema assimilador vem antes do assimilado:
nostru>nosto>nosso.
Regressiva: quando o fonema assimilador vem depois do assimilado: persicu
> pêssego.

E) Dissimilação: é a queda ou a transformação de um fonema, quando já


existe na palavra fonema igual ou semelhante àquele que se modifica ou desaparece:
calamellu > caramelo (transformação); cribru > crivo (queda). A dissimilação também
poder ser:
Progressiva: quando o fonema dissimilador vem antes do dissimilado: prora >
proa.
Regressiva: quando o fonema dissimilador vem depois do dissimilado:
horologiu > rologio > relógio.

F) Nasalização (ou nasalação): consiste na transformação de um fonema oral


em um fonema nasal: mihi > mim; sic > si > sim; mac(u)la > mancha; matre > mãe.
G) Desnasalização (ou desnasalação): é a transformação de um fonema
nasal em um fonema oral: luna > lua; corona > coroa; bona > boa; persona > pessoa;
sonare > soar.

H) Apofonia ou deflexão: é a modificação que sofre a vogal da sílaba inicial


de uma palavra, quando se lhe acrescenta um prefixo: in + amigo > inimigo; per +
factum > perfeito; ad + cantu – accentu > acento.

I) Metafonia: é a modificação do som, ou mais propriamente do timbre de uma


vogal, em virtude da influência que sobre ela exerce a vogal seguinte: décima >
dízima; debita > dívida;

2– Metaplasmos por aumento: consiste no acréscimo de um fonema à


palavra. São os seguintes
A) Prótese: é o acréscimo de um fonema no início do vocábulo: stare > estar;
spíritu > espíritu; scribere > escrever; scutu > escudo.
B) Epéntese: acréscimo do fonema no meio da palavra: masto > mastro; stella
> estrela.
C) Anaptixe ou suarabácti: é a epéntese especial qu consiste em desfazer
um grupo de consoantes pela intercalação de uma vogal: grupa > garupa; bratta –
blatta > barata; febrariu > fevereiro.
D) Paragoge ou epítese: acréscimo de fonema no fim da palavra: ante > antes.

3 – Metaplasmos por subtração: é a eliminação de fonemas na palavra. Os


metaplasmos por subtração classificam-se em:
A) Aférese: perda de fonema no início da palavra: episcopu > bispo; acume >
cume; inamorare > namorar.
B) Síncope: é a subtração de fonema no interior do vocábulo: legale > leal;
male > mau; opera > obra; liberare > livrar.
C) Haplologia: é a síncope especial que consiste na queda de uma sílaba
medial quando há outra igual ou semelhante na palavra: idololatria > idolatria;
semimimo > semínimo; bondadoso > bondoso.
D) Apócope: é a queda de fonema no fim do vocábulo: atroce > atroz; legale >
legal; servum > servo; capitale > capital; mense > mês.
E) Crase: é a fusão de dois sons vocálicos contíguos: pede – pee > pé; legere
– leere > ler; videre – veer > ver; colore – coore > cor.
F) Sinalefa ou Elisão: é a queda do fonema vocálico no final de uma palavra
quando esta se une a outra iniciada por vogal: de + aquele > daquele; de + este >
deste; de + um > dum; de + intro > dentro.

4– Metaplasmos por transposição: consiste na deslocação de fonema ou de


acento de uma sílaba para outra. Classificam-se em:
A) Metátese: deslocação de fonema: pro > por; inter > entre; semper > sempre;
inter > entre; super > sobre.
B) Hiperbibasmo: transposição do acento de uma para outra sílaba.
Subdivide-se em:
C) Sístole: é a transposição do acento tônico de uma sílaba para a sílaba
anterior: pantánu > pântano; erámus > éramos; amabámus > amávamos.
D) Diástole: é a transposição do acento tônico de uma sílaba a posterior:
cáthedra > cadeira; íntegru > inteiro; mulíere > mulher; júdice > juiz.

5.1 A formação do léxico português

De acordo com Trujillo (2011), há três fontes básicas do léxico português:


derivação latina (as que remontam ao latim vulgar e as de formação etimológica que
remontam ao latim clássico e ao grego); criação ou formação vernacular; importações
ou empréstimos estrangeiros.

As palavras eruditas:
São consideradas palavras eruditas aquelas criadas diretamente a partir de
formas latinas e/ou gregas que já haviam dado origem a outras palavras. O
conhecimento das línguas clássicas foi por muito tempo uma condição à qual todo
cientista teria de sujeitar-se para a criação de sua terminologia especializada e, ainda
hoje, este material serve de instrumento para enriquecer o léxico científico.
As palavras de formação vernacular:
Os recursos mais usados no processo de criação vernacular são os da
morfologia derivacional (sufixação, prefixação, e derivação parassintética) e; a
chamada derivação imprópria ou conversão em que uma palavra muda de classe e
passa a desempenhar outra função gramatical. Também se pode encontrar o
mecanismo de “composição” em que de várias palavras se forma uma só expressão.
Além da composição temos a formação de expressões complexas que geralmente
recebem a denominação de locuções.

Campos “marginais” do léxico:


A) Antroponímicos: a história dos prenomes usados no português do Brasil
atravessou as mesmas etapas que a história da própria língua. Além dos prenomes
herdados do latim como Antônio, Marcos, César, Cláudia; encontram-se nomes
germânicos como Diego, Diogo, Guilherme, Roberto; é possível também encontrar
prenomes de origem indígena como Moacir, Jurandir, Maíra e; prenomes africanos
como Janaína. O Brasil tem sido importador de prenomes estrangeiros, assim como
criador de prenomes por combinação Norberto + Walnice = Walnor.
B) Hipocorísticos: São nomes caracterizados pela insuficiência de pronúncia
infantil ou utilizados para expressar carinho: Alberto – Beto – Betinho; Alexandre –
Xando, Xandinho, Xandoca etc. Na formação dos hipocorísticos sempre há mutilação
do nome originário. Nessa mutilação, observa-se que geralmente se conserva a sílaba
tônica como em: Joaquim – Quim, José – Zé; ou das sílabas mais importantes do
nome: Antônio – Tônio, Sebastião – Tião. Também há casos de manutenção, nos
hipocorísticos, de sílabas átonas no nome: Filomena – Filó, Guiomar – Guio, Beatriz
– Bea (Bia). Outro processo comum nos hipocorísticos é o redobro: Zezé, Lulu,
Quinquin.
C) Patronímicos: Na idade média era praxe juntar-se ao nome de batismo o
nome próprio do pai para distinguir pessoas diferentes, mas que tinham nome idêntico.
Tais nomes se conhecem pela terminação, primeiro em “ez” e, depois “es”
correspondente ao genitivo latino “ci”. Assim, José Fernandes significa José, filho de
Fernando. Posteriormente deixaram de indicar filhação, e são hoje empregados como
simples agnomes ou sobrenomes.
D) Toponímia: Na toponímia brasileira é comum encontrar nomes de lugares
de origem indígena. Muitos desses nomes descrevem a maneira como os indígenas
representavam o relevo, a vegetação, ou o clima de certas localidades. Cumbica, por
exemplo, significa “nuvem baixa”; Jundiaí alude a rios habitados em outros tempos
por muitos bagres “jundiás”.

5.2 A Língua Portuguesa no Mundo

Elia (2001), considera como o estágio atual da língua portuguesa no mundo, a


situação da Lusitânia após a segunda guerra mundial, sendo que diferencia cinco
faces da Lusitânia atual:
➢ Lusitânia Antiga: constituída por Portugal e pelos Arquipélagos de Madeira
e Açores;
➢ Lusitânia Nova: corresponde ao Brasil;
➢ Lusitânia Novíssima: composta pelas cinco nações africanas constituídas
em consequência do processo chamado de “descolonização” e que
adotaram o Português como língua oficial. São essas nações: Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, e São Tomé e Príncipe;
➢ Lusitânia Perdida: constituída pelas regiões da Ásia – Macau (na China) e
Goa (na Índia) e; da Oceania – Timor Leste;
➢ Lusitânia Dispersa: constituídas palas comunidades de fala portuguesa
espalhadas pelo mundo não lusófono, em consequência do afluxo de
correntes migratórias.

Elia (2001) define os seguintes traços sociolinguísticos do português europeu,


indicando que excluindo o primeiro traço, todos os outros se aplicam ao Português
Brasileiro, acrescentando a este o traço de língua transplantada:
➢ O primeiro traço do português europeu é o de ser língua-berço: traço
importante porque não se encontra em nenhuma das outras faces da
Lusitânia;
➢ O segundo traço é o de Língua materna: em Portugal há uma sensível
unidade linguística: os diversos falares pouco diferem entre si;
➢ O terceiro traço é o de ser Língua oficial: o primeiro passo nesse sentido
foi dado por D. Dinis em 1290 quando decretou que a língua portuguesa fosse
adotada nos atos e documentos públicos. Essa língua é a única reconhecida,
até hoje, pelo Estado português como válida em sua vida política e
administrativa.
➢ O quarto traço define o português como Língua nacional do povo
lusitano: isso quer dizer que a língua é falada sem contraste em toda a
extensão do Portugal continental e insular. Mesmo a existência do Mirandês,
em Miranda do Douro, não impede que o Português seja predominante na
região.
➢ O quinto traço do Português é o de ser Língua de cultura: desde o século
XIII já surge como língua gráfica e “literatada”, segundo descrição de Antônio
Houaiss.

A importância literária do português já se encontra no lirismo do trovadorismo


medieval; no Renascimento com autores como Luís de Camões e Gil Vicente; a
grande voz seiscentista ecoa nas palavras do Padre Antônio Vieira; são Camilo
Castelo Branco, Eça de Queiros e Garrett os autores que tornam adulto o romance
português; para chegar aos grandes expoentes da contemporaneidade que são
Fernando Pessoa e José Saramago entre outros.
6 A PERSPECTIVA LINGUÍSTICA DESDE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Ao refletir sobre as mudanças linguísticas da língua portuguesa no território


brasileiro, é importante considerar três marcos históricos que tiveram um papel
significativo: a chegada dos portugueses ao Brasil, a vinda da família real portuguesa
e a imigração de portugueses.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, no período do descobrimento,
encontraram uma sociedade indígena bem estruturada, com sua própria cultura e
diversidade linguística. Com o objetivo de evangelizar, doutrinar e impor sua própria
cultura, os colonizadores tiveram que mesclar o português com o latim e algumas
palavras indígenas, resultando na criação da língua geral. Dessa forma, os indígenas
mantinham suas línguas nativas dentro de suas tribos, mas utilizavam a língua geral
para se comunicarem com a comunidade externa. Desta forma:

[...] as línguas gerais eram línguas de base tupi, em uso por grande parte da
população. As mais importantes foram a Geral Paulista e a Geral Amazônica.
Constituíam a língua do contato entre os indígenas, entre os indígenas e
portugueses e todos que iam se agregando ao novo território. Em termos
gerais, era a língua da informalidade, comum a nativos e não nativos, sendo
instrumento básico no processo de catequização dos povos indígenas. Já o
português, era a língua oficial do Estado, empregada em atos e documentos
oficiais relacionados à administração colonial. (SANTANA; MÜLLER, 2015, p.
3).

Após a chegada da família real ao Brasil em 1808, devido à Revolução Liberal


do Porto, eles retornaram a Portugal em 1820. No entanto, D. João I deixou seu filho,
D. Pedro II, como governante representante da corte portuguesa. Em 1822, o príncipe
proclamou a independência do Brasil, tornando-se o imperador do país. O português
brasileiro se desenvolveu a partir da língua portuguesa trazida pelos colonizadores,
que foi adquirida como segunda língua por milhões de africanos e povos indígenas.
Essa língua sofreu alterações influenciadas por outras nações europeias desde o
início da colonização e continuou a evoluir por meio de contatos linguísticos após
1822.
A partir da independência, conforme apontado por Andreazza e Nadalin (2011),
uma nova sociedade começou a ser construída, com o objetivo de povoar e
"branquear" a nação. Nesse contexto, a imigração passou a ser extremamente
necessária para trazer progresso e colonizar as áreas internas do país. Entre o final
do século XIX e grande parte do século XX, mais de cinco milhões de imigrantes
italianos, alemães, espanhóis, ucranianos, poloneses e japoneses entraram no Brasil.
Esses imigrantes ocuparam pequenas propriedades em colônias, principalmente no
Sul do país, conforme o propósito estabelecido.
Entretanto, a entrada dos imigrantes, embora tenha tido o objetivo de
"branquear" a nação, nem sempre foi vista de forma positiva. A abolição da escravidão
em 1888 ocorreu devido a um movimento significativo de resistência por parte dos
escravizados, resultando em uma grande fuga dos afrodescendentes. Os negros
estavam formando suas próprias comunidades quilombolas, e a mão de obra escrava
tornou-se cada vez mais escassa. Por questões de necessidade e também sob
pressão da sociedade intelectual abolicionista, a Lei Áurea foi assinada.
No entanto, o país viveu uma contradição entre aqueles que detinham o poder.
Enquanto os latifundiários buscavam apenas substituir a mão de obra escrava, a
burocracia imperial e a intelectualidade estavam preocupadas com a configuração
social e cultural do país. Seu objetivo era transformar a imigração em um processo de
"civilização", visando construir a identidade nacional. Eles se baseavam em teorias
sobre o "branqueamento" da população e almejavam a "melhora" da raça brasileira.
Segundo Croci (2011), a entrada de imigrantes europeus foi estrategicamente
planejada para promover o "branqueamento" da sociedade em formação. Apesar de
os imigrantes terem recebido terras, suas condições ainda eram subalternas. Além
disso, quando sua cultura passou a ser efetivamente inserida na sociedade, mesmo
os brancos, que antes eram desejados, passaram a ser considerados indesejáveis.
Devido a promessas não cumpridas e às péssimas condições de trabalho, o fluxo de
emigração dos imigrantes europeus superou o de entrada. Em 1902, o governo
italiano emitiu o decreto Prinetti, afirmando que o governo brasileiro tratava seus
imigrantes como "escravos brancos" e proibindo a emigração subsidiada.
Diante da necessidade de mão de obra, o Brasil conseguiu firmar um acordo
com o Japão como solução imediata. Assim, em 1907, Brasil e Japão estabeleceram
um acordo migratório. No entanto, o governo japonês, além de possuir uma cultura
completamente diferente da brasileira, era mais imperialista do que os governos
europeus. Por esse motivo, o acordo não agradou aos governantes nem à elite
brasileira.
Com o crescimento populacional e o aumento da imigração, em 1900, havia
17.318.556 habitantes no território brasileiro, e em 1960, esse número já havia
alcançado 70.967.185 habitantes, de acordo com Andreazza e Nadalin (2011). As
metrópoles brasileiras foram se formando e se tornando verdadeiras misturas étnicas,
configurando assim uma cultura e uma variedade linguística diversificada. Mello,
Altenhofen e Raso (2011), afirmam que, apesar de o Brasil parecer um país
monolíngue, é na verdade um dos territórios com maior diversidade linguística do
mundo.
Além disso, com os processos de globalização, a internet e o turismo, o Brasil,
por ser um país jovem e pluricultural, constantemente absorve novas características
em sua linguagem. Mello, Altenhofen e Raso (2011), se opõem à visão de que o
português do Brasil é uma evolução linguística do português de Portugal. Para a
autora, não houve um processo de crioulização e descrioulização, ou seja, o
português falado no Brasil não se formou apenas por influência do português falado
em Portugal, mas também foi influenciado por inúmeras línguas indígenas, africanas,
europeias, entre outras.
Noll (2004), identifica oito variedades do português no Brasil nesse período: o
português europeu escrito/impresso; as variedades dos colonos vindos de diferentes
regiões de Portugal; o português dos índios integrados em contato permanente com
os portugueses; o português dos mamelucos, resultante da união entre brancos e
índios; o português dos negros boçais trazidos da África; o português dos negros
crioulos e mulatos; o português falado no ambiente da casa-grande e da senzala, e o
português das populações urbanas (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 8). Essa
miscigenação do povo também se refletiu na língua falada no país. De forma alguma
podemos considerar isso como um prejuízo linguístico; pelo contrário, essa
diversidade linguística é um aspecto enriquecedor e característico da identidade
brasileira.

[...] foi justamente essa contribuição e influência vocabulares que propiciaram


a ampliação do léxico brasileiro. O contato entre as populações autóctone,
branca e africana, dado por diversos motivos, no que tange ao aspecto
linguístico resultou no processo natural de renovação lexical. (SANTANA;
MÜLLER, 2015, p. 10).
6.1 Diversidade linguística regional

O território brasileiro constitui-se de uma grande diversidade linguística. Desde


o início da colonização portuguesa, o país sofreu influência de diferentes culturas, as
quais caracterizam a língua falada das regiões brasileiras. Além disso, existiram as
contribuições idiomáticas dos indígenas, dos africanos e dos europeus. São
regionalismos as expressões próprias de uma região específica. Observe algumas
expressões regionais: Observe nos Quadros 1, 2 e 3 algumas expressões regionais:

Regionalismos – região nordeste


Quadro 1– Regionalismos – região sul.

Baixa da égua - Lugar onde ninguém quer ir, lugar muito longe
Balaio de gato - Desorganização, confusão
Bater a caçoleta – Morrer
Cambito - Perna fina
Cão chupando manga - Pessoa muito feia
Caxaprego - Lugar muito distante
Dar o prego - Enguiçar
Dar pitaco - Dar opinião
Encangado - Em cima, montado
Ensacar - Por a blusa dentro da calça
Fastiado - Sem fome
Fez mal - Engravidou alguém
Gaia - Chifre, traição
Invocado - Corajoso ou “muito bom”
Jerimum - Abóbora
Liso - Sem dinheiro
Mangar - Ridicularizar
Nome feio - Palavrão
Pastorar - Vigiar
Quenga - Prostituta
Racha - Pelada, jogo de futebol ou disputas em geral
Sustança - Energia dos alimentos
Triscar – Tocar
Varapau - Homem alto
Zambeta - De pernas tortas.
Fonte da imagem: Variação Linguística (2013).
Quadro 2 – Regionalismos – região sul

Alçar a perna - Montar a cavalo


Campo santo - Cemitério
Embretar-se - Meter-se em apuros
Guacho - Animal ou pessoa criada sem mãe ou sem leite materno
Lindeiro - Ao lado de, vizinho
Maleva - Bandido, malfeitor, perverso
Olada - Ocasião, oportunidade
Parada - Importância em dinheiro pela qual se contrata uma corrida de cavalos
ou uma rinha de galos
Relho - Chicote pequeno com cabo de madeira e cabo torcido
Solito - Isolado, sozinho, sem companhia
Tirana - Cantiga e dança popular, acompanhada de viola. Variedade de
fandango.

Fonte da imagem: Variação Linguística (2013).

Regionalismos – região norte.

De rocha - Palavra ou assunto com convicção


Égua de largura - Muita sorte
Essa é da grife do varal - Roupa roubada
Levou o farelo - Morreu
Muidinho - Pequeno
Paga uma aí - Paga uma bebida
Vigia bem - Preste muita atenção
Umborimbora? - Vamos embora?
Zé ruela - Abestado, besta.

Fonte da imagem: Variação Linguística (2013).


6.2 A diversidade linguística na sala de aula

Ao abordar o ensino da língua portuguesa em sala de aula, os professores


frequentemente se deparam com a diversidade linguística presente nas falas dos
alunos. Estudos demonstram que a forma de falar de cada indivíduo é influenciada
por diversos fatores, como nível de escolaridade, status socioeconômico, faixa etária
e gênero (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 49). Esses fatores podem ser considerados
atributos estruturais, ou seja, fazem parte da individualidade de cada falante. Além
disso, existem fatores funcionais que resultam das interações sociais.
Portanto, ao tratar do ensino da língua portuguesa no Brasil, é necessário
prestar uma atenção maior à forma como esse ensino tem sido conduzido e aos
desafios enfrentados pelos professores. A perspectiva sociolinguística em geral
reconhece que um dos principais problemas no ensino da língua é o uso de um padrão
linguístico, no caso, a norma padrão, que difere da fala dos alunos e não leva em
consideração suas vivências linguísticas. Para os sociolinguistas, essa questão é
crucial, uma vez que a participação dos alunos é fundamental para promover a
integração social e enriquecer o repertório linguístico do grupo.
Atualmente, as variações linguísticas presentes nas falas dos alunos no
contexto escolar não recebem a devida importância, apesar das pesquisas apontarem
a necessidade de considerá-las. Essa controvérsia levanta a discussão sobre como
conciliar o estudo da língua falada e escrita nas escolas.
É importante ressaltar que a variação linguística está presente em todas as
línguas e em todos os períodos históricos. A escola desempenha um papel social, e
os estudos sociolinguísticos destacam que não se pode ser ignorado o contexto
cultural e linguístico dos alunos, subjugando-os a um único padrão, a língua padrão
instituída.
Na escola, é fundamental se aprender as dominar o uso da língua culta e
escrita, porém, também é relevante reconhecer e valorizar a fala, pois ela faz parte da
identidade dos estudantes. A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas.
Tanto os professores quanto os alunos precisam estar cientes de que existem
diferentes formas de expressar a mesma ideia, e essas formas alternativas servem a
propósitos comunicativos distintos e são percebidas de maneiras diferentes pela
sociedade (BORTONI-RICARDO, 2005).
7. DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO PELA ABORDAGEM DIACRÔNICA DOS
FENÔMENOS LINGUÍSTICOS

A linguística, assim como outras ciências, possui um objeto e um método de


estudo. Isso significa que, quando a linguística começou a ser considerada uma
ciência, foi necessário estabelecer o que ela investigaria e como seria conduzida essa
investigação. No início do século XX, Ferdinand de Saussure (1857-1913) definiu o
objeto de estudo da linguística como sendo a língua. Além disso, ele introduziu os
conceitos de sincronia e diacronia para delinear a abordagem de estudo da língua.
Saussure distinguia dois aspectos da linguagem: o individual, relacionado à fala
de cada indivíduo, e o social, relacionado à língua como um sistema compartilhado
por uma comunidade. Por exemplo, a língua portuguesa é compartilhada por todos os
falantes dessa comunidade, tornando-se, portanto, um fenômeno social. No entanto,
a maneira como cada pessoa utiliza a língua é individual, embora todos sigam regras
pré-estabelecidas. Diante da ampla natureza da linguagem e sua relação com outras
disciplinas, como história e psicologia, a linguística definiu a língua como seu objeto
de estudo (SAUSSURE, 2012).

7.1 Sincronia e diacronia

A diacronia diz respeito aos fatos da língua ao longo do tempo, ou seja, como
a língua evoluiu, o que foi modificado, quais termos deram origem a outros e assim
por diante. Os estudos diacrônicos consideram a história e a formação da língua no
tempo. Por exemplo, atualmente, falamos “você”, que veio de “vosmecê”, que por sua
vez já havia sofrido uma alteração, substituindo “vossa mercê”. Essa mudança já está
estabelecida entre os falantes, mas ainda é possível que, gradualmente, mais
alterações aconteçam, reduzindo ainda mais o pronome, como a substituição por “cê”.
Segundo Silva (2014, p. 34), “[…] quando o linguista se coloca na perspectiva
diacrônica, percebe uma série de acontecimentos que modificam a língua, mas não a
língua viva em uso”.
Já a sincronia tem relação com o momento atual da língua. Os estudos
sincrônicos se ocupam de uma época específica, observam o agora. Para o falante
comum, normalmente interessa o aspecto sincrônico da língua: os usos que esse
falante faz dos termos que estão em voga e do vocabulário do momento. Por isso,
Saussure defendia que a língua deveria ser estudada de maneira sincrônica, sem
levar em conta seus processos evolutivos.
Abaixo, estão relacionados alguns aspectos dos estudos sincrônicos e
diacrônicos apontados por e Neves (2019):

Sincronia
➢ É momentânea; estudada em um momento específico.
➢ Apresenta características estáticas e descritivas, referindo-se ao estado da
língua naquele momento específico.
➢ Estuda apenas as variações da língua que coexistem em uma determinada
época, como variações regionais, sociais e situacionais.
➢ Analisa a língua como um conjunto fechado que apresenta regularidade e
homogeneidade própria de uma determinada época.

Diacronia
➢ Apresenta a evolução que as palavras sofrem ao longo do tempo, analisando
as transformações ocorridas até à palavra atual.
➢ Apresenta caraterísticas dinâmicas e históricas, remontando à origem das
palavras.
➢ Ao incidir sobre o processo evolutivo da língua, caracteriza-se como o estudo
da sucessão de diversas diacronias, possibilitando comparações.

7.2 Mudanças consolidadas no português e processos de variação em curso

A variação linguística é uma característica constante da língua, que está sujeita


a mudanças ao longo do tempo. Essas variações podem ocorrer de acordo com
diversos fatores, como época, situação, região geográfica, idade ou grupo social do
falante. No entanto, mesmo diante dessas variações, a língua continua sendo um
sistema organizado e estruturado, capaz de atender às necessidades comunicativas
dos falantes (FARACO, 2005).
No contexto brasileiro, é possível identificar uma grande variedade de
distinções relacionadas à pronúncia, à construção sintática, ao uso de palavras, gírias
e à morfologia. Essas diferenças podem ser encontradas tanto entre diferentes
regiões geográficas quanto dentro de uma mesma região. Isso demonstra que não
existe uma única variedade fixa da língua, pois os mesmos indivíduos podem
participar de múltiplos contextos sociais. Por exemplo, uma pessoa pode viver em uma
cidade onde prevalece um determinado modo de falar, enquanto utiliza uma
linguagem específica no meio acadêmico como estudante universitário, e adota outra
forma de comunicação ao interagir com seus pais. Essa diversidade é conhecida como
variação linguística.
A variação linguística pode ser classificada em diferentes tipos. A variação
estilística, também conhecida como contextual ou de registro, varia de acordo com a
situação em que nos encontramos no dia a dia. Por exemplo, utilizamos diferentes
registros linguísticos ao falar com amigos, no ambiente acadêmico ou em uma
entrevista de emprego.
A variação social, também chamada de diastrática, refere-se a contextos
socioeconômicos e culturais, como classe social, gênero, idade, nível de escolaridade
e profissão. Um exemplo dessa variação é a concordância nominal e verbal, que pode
ocorrer de maneiras diferentes, como em frases como "os meninos saíram cedo" e
"os meninos saiu cedo".
Já a variação geográfica, também conhecida como regional ou diatópica, está
relacionada às diferenças entre regiões dentro de um mesmo país ou entre países
diferentes. No Brasil, por exemplo, utilizamos termos diferentes para se referir a um
jovem, como "guri" no Rio Grande do Sul e "moleque" no Rio de Janeiro e em outras
regiões. Em Portugal, utilizam-se os termos "miúdo" ou "rapaz" (GÖRSKI; COELHO,
2009).
É importante ressaltar que a língua falada é mais dinâmica do que a língua
escrita e passa por mudanças em um ritmo mais acelerado. É a língua falada que dita
as regras do que está em uso em determinado momento, resultando em mudanças
que podem estar consolidadas ou em processo de variação. Consequentemente,
quando não há mais falantes de uma determinada variedade linguística, ela deixa de
ser utilizada pelas gerações seguintes e cai em desuso. A linguística acompanha
constantemente esses processos de variação da linguagem falada. O Quadro 1
apresenta a classificação dessas variações.

Quadro 2. Classificação das variações linguísticas

Fonte: Adaptado de Monteiro (2014)

Mudanças consolidadas

Contração de + o, a, os, as e de + ele, ela, eles, elas com verbos no infinitivo


Observe as frases:
Antes de ela ir para a Espanha, falarei com ela.
Antes dela viajar, conversarei com ela.

Existe um debate entre gramáticos em relação à forma contraída (de + ela), em


comparação com a forma não contraída (dela). Alguns gramáticos valorizam a forma
não contraída, argumentando que se trata da combinação de uma preposição (de)
com o pronome sujeito (ela), seguindo uma estrutura mais tradicional da língua. Por
outro lado, outros gramáticos argumentam que a forma contraída (dela) está mais
alinhada com a linguagem oral e coloquial. Ambas as formas são aceitas na norma-
padrão da língua, sendo utilizadas por diversos autores, como o gramático.

Dupla concordância de um dos que


Neste caso, há duas possibilidades, já aceitas, para a concordância com “um
dos que”: singular ou plural.
Assim:
Ela é uma das que estavam em minha casa.
Ela é uma das que estava em minha casa.

Expressão a gente
Aceitam-se a expressão “a gente” e todas suas variantes — “da gente”, “para a
gente” — como possibilidade de pronome para a primeira pessoa do plural.

Extinção dos pronomes vós, vos, vosso, vossos


No caso da segunda pessoa, o pronome correspondente passa a ser "vocês",
indicando um tratamento plural ou de respeito. Os pronomes possessivos associados
a essa forma são "seu" ou "de vocês". No Quadro 3, é possível observar como esses
pronomes são utilizados.

Fonte: Adaptado de Rafael (2010)

Mudanças ou variações em andamento


Advérbio melhor como comparativo de superioridade antes de particípio
“Melhor” é usado como comparativo de superioridade tanto para o adjetivo
“bom” quanto para o advérbio “bem”. A substituição de “melhor” por “mais bem” não é
bem vista por todos os gramáticos.
Por exemplo:
João é melhor em matemática do que Carlos.
João é melhor apresentado do que Carlos. = João é mais bem apresentado do
que Carlos.

Regência de verbos de movimento com uso da preposição em


Alguns autores apontam para a possibilidade de uso das formas “chegar em” e
“chegar a” como sinônimas. Ainda que não se perceba muita evidência do uso com a
preposição “em”, Monteiro (2014) destaca que, no latim, a preposição “in” podia ser
usada com verbos em movimento.
Por exemplo:
João chegará em São Paulo hoje à tarde.
João chegará a São Paulo hoje à tarde.

Pronome reflexivo se como sujeito


São observadas construções de verbos no singular quando o sujeito da oração
está no plural.
Observe:
Compra-se casas.
Vende-se pães.

O sujeito das frases, na voz passiva e na voz ativa, é o mesmo: casas são
compradas; pães são vendidos. Desse modo, aceita-se a forma no plural em ambos
os casos.

Através de com o significado de por meio de


Na tradição da língua portuguesa, a expressão "através de" possui o sentido
de indicar uma passagem de algo de um lugar para outro. No entanto, essa expressão
é fortemente condenada, pois muitas vezes é utilizada de maneira generalizada para
substituir a locução "por meio de", mesmo quando poderia ser substituída por uma
única palavra. Observe o exemplo:

O tratamento foi feito através da medicina alternativa.


O tratamento foi feito com medicina alternativa.

Alguns gramáticos condenam o uso dessa expressão para evitar o uso de uma
locução quando uma preposição simples seria suficiente para suprir a necessidade.

7.3 Abordagem descritiva e abordagem normativa

A abordagem descritiva refere-se à descrição dos fenômenos linguísticos no


processo de mudança de uma língua. Ela busca entender e explicar como a língua é
utilizada pelos falantes em diferentes contextos, sem necessariamente estabelecer
normas rígidas.
Por outro lado, a abordagem normativa está relacionada às normas da língua,
ou seja, às regras gramaticais que devem ser seguidas para que a comunicação esteja
em conformidade com um padrão gramaticalmente aceitável (BINDA; ALMEIDA;
FRAGA, 2011).
É interessante observar que, muitas vezes, existem pessoas que possuem
habilidades na escrita e conseguem se expressar bem, mesmo sem dominar as regras
da gramática tradicional, ou seja, a abordagem normativa. Por outro lado, há pessoas
que possuem um conhecimento profundo das regras gramaticais, mas enfrentam
dificuldades ao utilizar a linguagem em diferentes contextos nos quais estão inseridas.
Essa distinção mostra que ser habilidoso na linguagem vai além do domínio
estrito das regras gramaticais. A competência comunicativa abrange a capacidade de
se adaptar à linguagem de acordo com os diferentes contextos sociais e
comunicativos, levando em consideração aspectos linguísticos, culturais e
pragmáticos.
8. O CONCEITO DE LINGUÍSTICA SOB A ÓTICA DOS ESTUDOS
ESTRUTURALISTAS, FUNCIONALISTAS, GERATIVISTAS E
SEMANTICISTAS E SUAS RELAÇÕES COM AS VARIADAS TEORIAS
LINGUÍSTICAS

Saussure (2012), estabelece o conceito de língua como um sistema de signos,


um código utilizado para comunicação e troca de informações. Nessa formulação,
reconhecemos a presença do enunciador como um elemento fundamental no ato da
fala. A concepção de Saussure desfaz da visão comparatista da linguística do século
XIX, em que a língua era entendida como expressão do pensamento, e introduz uma
nova abordagem, considerando-a como um sistema no qual um signo só adquire
significado ou validade no momento que se relaciona aos demais signos que os
circundam.
No livro "Curso de linguística geral" (SAUSSURE, 2012), encontramos algumas
características da língua: ela é uma parte social da linguagem, pertencente à
comunidade, e está exteriorizada ao indivíduo, que não pode modificá-la. Essas
afirmações demonstram a inserção da língua em um campo de estudos que considera
sua relação com o mundo exterior, bem como as dependências intrínsecas das partes
que compõe esses sistemas, pois um signo é definido pelo que o outro não é, como
explicitado pela noção de par opositivo de Saussure.
É importante ressaltar que, na concepção dos estruturalistas, o que é real e
concreto não são relevantes, pois a estrutura da língua é considerada abstrata. Desta
forma, no estruturalismo, a noção de referência entre língua e realidade não podem
ser consideradas, visto que o referente está sempre presente no interior do sistema.
Outras questões que evidenciam o estudo da língua voltado para si mesma e
que determinam combinações, em que todas as probabilidades já estão
estabelecidas, reforçam a concepção de língua e, consequentemente, limitam a
interpretação, impedindo a consideração de situações enunciativas ou o caráter
subjetivo da produção de sentido.
Saussure (2012), fez uma escolha consciente ao não abordar essas questões
específicas, mas dispôs suas contingências ao estabelecer a distinção entre língua e
fala, isto é, entre o uso global e privativo da linguagem, e entre sincronia e diacronia.
Ao propor essas dicotomias, Saussure não hesitou de investigar as questões que
deixou de lado. De fato, ele propôs a criação de uma área de pesquisa chamada
Semiologia, que seria responsável pela análise de diversos tipos de signos não
linguísticos. A confusão que gerou mais consequências para os estudos linguísticos
foi a falta de observação da distinção entre língua e linguagem, que era fundamental
para Saussure.
Entretanto, os formalistas, veementemente, procuraram contestar essa teoria
saussuriana, que afirmava ser necessário se afastar de tudo que é particular à
linguagem para tratar das relações internas do sistema abstrato - a língua. Saussure
buscava sobretudo não permitir a retomada à concepção de língua como referência,
que diminuiria a multiplicidade do sistema à ideia de que os léxicos são para
determinar objetos da realidade. Isso pressupõe também que as palavras têm um
sentido pré-determinado.
É preciso compreender, portanto, que a inovação de Saussure foi tratar a língua
como um sistema abstrato que precisa ser estudado conforme suas estruturas
internas. Isso permitiu à linguística se tornar uma ciência linguística e trouxe avanços
significativos na fonologia, morfologia e sintaxe sob essa perspectiva de análise. Além
de Saussure, o linguista Roman Jakobson também contribuiu com importantes
trabalhos, desde a fonologia até a gramática, da aquisição da linguagem ao estudo da
afasia.

8.1 Gerativismo: linguagem e mente

Com o declínio dos estudos estruturalistas, surgem os estudos gerativistas, que


enfatizam a relação entre linguagem e mente, considerando que as regras e os
princípios linguísticos estão enraizados na mente humana. O formalismo enquadra-se
dentro da tradição empirista, acreditando na existência de um mecanismo mental inato
para a aquisição da linguagem, abordando a questão da ordem biológica da faculdade
da linguagem. Nessa abordagem, também ressurge a noção de língua como
expressão do pensamento, ou seja, há uma simetria entre o referente e o mundo.
Dessa forma, a interpretação seria simplesmente a compreensão do discurso
conforme foi proferido, de forma literal.
Segundo Chomsky (2015), as línguas naturais são adquiridas e utilizadas
espontaneamente apenas pelos seres humanos, o que é um fator crucial para o
sucesso evolutivo da nossa espécie. É importante ressaltar que Chomsky, assim
como outros teóricos dessa abordagem, não está interessado na dimensão social da
língua, mas sim na aquisição da linguagem e na capacidade humana de produzi-la.
Seus estudos se concentram na competência inata do falante, em vez de dar
importância ao uso concreto da língua, ou seja, ao desempenho linguístico.
Nessa teoria, a língua é considerada a partir de seu aspecto biológico, e a
aquisição é vista como um processo de maturação e desenvolvimento de um "órgão"
mental, em vez de um mero aprendizado. Portanto, acredita-se que todo falante possui
um conjunto de princípios inatos em sua mente, chamado de gramática universal, que
permite o desenvolvimento do mecanismo da língua.
A gramática universal consiste nos princípios linguísticos específicos da
espécie humana. O objetivo central dos estudos gerativistas é compreender a
natureza e as propriedades precisas dessa gramática. Com base nessas ideias, o
ensino da língua materna, baseado em um conjunto de regras externas à gramática
internalizada pelo falante, seria desnecessário e prejudicial ao processo natural de
aquisição. Uma vez que uma criança, ao utilizar a língua, já possui conhecimento de
sua estrutura, não seria necessário apresentar a gramática a ela.
Chomsky (2015), aponta uma questão com relação ao modelo dos dados
primários, que é a gramática universal, e a gramática final, que é a gramática
interiorizada pelos adultos. Ele argumenta que esse modelo é idealista, pois ignora a
diferença quantitativa e qualitativa entre os dados primários e o sistema de
conhecimento final do adulto. Ou seja, o processo de amadurecimento do órgão da
linguagem não é igual para todas as pessoas, provavelmente devido a fatores não
exclusivamente mentais. Isso sugere que Chomsky (2015), considera a influência do
ambiente externo no desenvolvimento da linguagem.
No entanto, Chomsky (2015), também defende a independência dos princípios
formais da gramática interiorizada em relação à semântica e à pragmática. Ele destaca
a possibilidade de produção de sentido sem levar em conta aspectos externos à
estrutura mental da língua. Além disso, os estudos formalistas de Chomsky também
encontram aplicações na pesquisa em inteligência artificial, aproveitando os avanços
científicos para o desenvolvimento de outras formas de linguagem com base nos
estudos da aquisição da linguagem humana.
8.2 Funcionalismo: língua e função

O funcionalismo na linguística é uma área que estuda a língua em relação ao


seu uso. Segundo essa teoria, o significado das palavras está relacionado às suas
condições de uso. No Brasil, Maria Helena de Moura Neves (1997), foi pioneira nessa
linha de estudo linguístico com sua obra "A gramática funcional". No entanto, as
origens do pensamento funcionalista remontam aos estudos da pragmática, que
investigam os atos de fala, a intencionalidade e a relação entre os falantes.
Conforme Ilari (2003), o funcionalismo tem como objetivo explicar as
características formais da língua por meio das funções que desempenham. Na
segunda metade do século XX, o linguista inglês M.A.K. Halliday (1995), observou que
toda sentença desempenha simultaneamente três funções, que ele denominou de
ideacional, interpessoal e textual. Essas funções consistem em:

➢ Ideacional: consiste em fornecer representações do mundo, ou seja, expressar


ideias, fatos e estados de coisas por meio da linguagem.
➢ Interpessoal: refere-se à instauração de diferentes formas de interlocução,
como fazer perguntas, fazer afirmações, dar ordens, expressar
comprometimento em relação ao que está sendo dito.
➢ Textual: envolve o monitoramento do fluxo de informação em um determinado
contexto, garantindo a coerência e a coesão do texto, além de estabelecer
relações entre as partes do discurso.

Outro conceito fundamental do funcionalismo é o de escolha. Segundo esse


conceito, o falante constrói seus enunciados selecionando entre várias alternativas
oferecidas pelo sistema linguístico. Ao produzir uma frase, fazemos escolhas em
relação às palavras, construções gramaticais, entonação, entre outros elementos.
Compreender o sentido de uma sentença significa compreender por que certas
alternativas foram escolhidas e outras foram descartadas. O funcionalismo atribui
grande importância à escolha, colocando em destaque o papel do falante e as
características da mensagem que ele produz. Isso abre caminho para o estudo do
texto e do estilo.
8.3 Possíveis abordagens de estudo linguístico

Pragmática e os atos de fala

Austin (1990), estuda profundamente as práticas sociais, estabelecendo uma


relação entre elas e a linguagem. Dessa forma, a dimensão externa torna-se um
elemento constitutivo do significado dos enunciados, levando em consideração tanto
os elementos linguísticos quanto os contextuais.
O autor desenvolve o conceito de ato ilocucionário, defendendo a ideia de que
a linguagem é uma forma de ação e possui um status jurídico, uma vez que a fala de
um indivíduo obriga o outro a responder (AUSTIN, 1990). Como uma forma de ação,
o ato de fala sempre gera efeitos e possui força ilocucionária, ou seja, provoca
consequências. Para alcançar um determinado efeito, é necessário utilizar um ato de
fala locucionário, que consiste na emissão de uma sentença com um sentido
específico.
Ao proferir uma sentença com uma força ilocucionária, busca-se obter o efeito
desejado, e assim ocorre o ato perlocucionário. O ato locucionário, portanto, refere-se
à emissão de uma sentença com um sentido e referência determinados,
correspondendo ao significado no sentido tradicional do termo: literal. Por outro lado,
o ato ilocucionário é uma emissão que possui uma certa força, como informar, ordenar,
advertir, comprometer-se, entre outros. Já o ato perlocucionário é alcançado quando
os efeitos desejados ao dizer algo são obtidos, como convencer, persuadir, impedir,
surpreender, confundir, e assim por diante.
É importante ressaltar que, para Austin (1990), o efeito de uma emissão nem
sempre corresponde à intenção do falante. O autor constata esse fato ao perceber
que não é possível estabelecer uma relação linear entre um ato de fala e suas
consequências. Dessa forma, ele reconhece a impossibilidade de limitar os sentidos
na linguagem, ou seja, a intenção revela-se fugaz demais para controlar os efeitos
dos atos ilocucionários.
Austin (1990), aborda a noção de performatividade implícita, reconhecendo a
multiplicidade de sentidos que a linguagem pode gerar. Ele compartilha com Frege
(2011), a ideia central de que é o sentido que determina a referência, e não o contrário.
Não há uma simetria perfeita entre sentido e referência, e essa assimetria é o que
permite as situações inesperadas, não intencionais e inconscientes da
performatividade. O sentido de um enunciado está intrinsecamente ligado às
circunstâncias em que é proferido, à força que possui e ao efeito que provoca, pois
qualquer alteração nessas circunstâncias acarreta modificações no sentido.
No final de sua obra "Quando dizer é fazer", Austin reconhece a impossibilidade
de determinar de forma precisa a força de um ato ilocucionário. Ele conclui que os
critérios tradicionais de intencionalidade e previsibilidade são insuficientes para
controlar plenamente os efeitos dos atos ilocucionários.
Em consonância com o referido auto, fica evidente que os critérios estritamente
estruturais não são suficientes para resolver os problemas que envolvem o campo
semântico. Isso ocorre porque os aspectos extralinguísticos desempenham um papel
fundamental quando se trata da compreensão e interpretação da significação.
Portanto, é imprescindível levar em consideração tanto os aspectos linguísticos
quanto os extralinguísticos para uma análise abrangente e precisa da significação.
Grice (1982), em contraste com Austin, postula que a linguagem é um
instrumento utilizado pelo locutor para comunicar suas intenções ao destinatário, e é
nessas intenções que reside o sentido. Com base na ideia de intencionalidade, Grice
(1982), concebe um sujeito psicológico, individual e consciente. Para fundamentar sua
teoria, ele estabelece um conjunto de regras que devem reger os atos de conversação.
Essas regras são conhecidas como máximas conversacionais e estão reunidas sob o
princípio da cooperação, no qual os participantes se engajam na conversa e
contribuem de acordo com as exigências da interação verbal.
Com base nesse princípio, Grice (1982), formula as máximas conversacionais
nas categorias de quantidade, qualidade, relação e modo. Além disso, ele estabelece
as implicaturas conversacionais que surgem quando as regras são violadas. Essas
categorias descrevem o conjunto de inferências que o ouvinte faz para deduzir,
concluir ou interpretar o sentido do que o locutor disse. O ouvinte busca um sentido
para o enunciado que esteja em conformidade com as máximas estabelecidas
previamente, levando em consideração o que a informação literal pode estar
comunicando de forma cooperativa, verdadeira e relevante para a situação discursiva
específica. Caso o sentido literal não seja aparente, é necessário buscar um sentido
que esteja em conformidade com esses princípios.
Grice (1982), defende a existência de um sentido literal, que está intimamente
ligado ao significado convencional das palavras. Para ele, dizer algo se refere aos
sons emitidos e à informação transmitida, sem levar em consideração os implicados
e os pressupostos presentes na teoria de Ducrot (1979). A ironia, as expressões
ambíguas, as metáforas, entre outras formas linguísticas, são consideradas por Grice
(1982), como violações do princípio de cooperação ou, pelo menos, de uma das
máximas.

Teorias semânticas

A partir das três correntes de estudo apresentadas, surgiram várias outras


correntes que visam atender às necessidades de estudar fenômenos linguísticos
distintos, como os diversos gêneros textuais e as diferentes formas de discurso
presentes na sociedade. Atualmente, as teorias que enfatizam o aspecto semântico,
como a teoria da enunciação e a análise de discurso (AD), despertam o interesse dos
linguistas em compreender a dinâmica social da linguagem. A seguir, serão
apresentados alguns pontos relevantes sobre a teoria discursiva.

Análise do discurso

A teoria do discurso, para ser compreendida, requer atenção a uma


característica crucial: a relação entre sentido e história. A Análise do Discurso (AD)
surge na França na década de 1960 e tem duas figuras fundadoras, Dubois e
Pêcheux. Embora atuem em esferas distintas, esses teóricos compartilham o
interesse pela política e pelo marxismo, ou seja, são estudiosos preocupados com
questões sociais nas ciências humanas. Tanto Pêcheux (2011), quanto Dubois (1973),
estavam envolvidos com a política da época, e é essa ideologia que permeia o
trabalho de fundação dessa nova teoria, que tem como objetivo estudar a língua como
efeito de sentido.
Assim, é necessário buscar conceitos filosóficos que relacionem a língua aos
eventos sociais, sua historicidade e a memória que deles deriva, auxiliando na
formação de um discurso cristalizado pela reiteração e pela fantasia de uma realidade
dada a priori, da qual temos acesso limitado por meio das formações discursivas em
que estamos inseridos.
O que diferencia essa teoria linguística da época é sua abordagem que
relaciona a língua com o exterior, não a vendo como um sistema ou estrutura fechada
em si mesma. Ao buscar o que está além da língua, é necessário considerar questões
relacionadas às situações em que ela atua, o fator sociológico (ou histórico), bem
como os sujeitos que a enunciam, ou seja, o fator psicológico (ou psicanalítico). O
primeiro passo para isso é reconhecer a subjetividade envolvida no próprio fazer
científico.
Sem dúvida, os estudos de Émile Benveniste e Mikhail Bakhtin são de grande
relevância para a compreensão da natureza do signo linguístico.
Benveniste, linguista francês, desenvolveu a teoria da enunciação, na qual ele
explorou a dimensão discursiva da linguagem. Ele argumentou que a linguagem só
adquire significado por meio de atos de enunciação, nos quais os indivíduos utilizam
a língua para se expressar em contextos específicos. Benveniste destacou a
importância do sujeito falante e da relação entre linguagem e discurso, enfatizando a
função performativa da linguagem.
Por sua vez, Bakhtin (1988), teórico russo, concentrou-se na análise do
discurso e na relação entre linguagem e contexto social. Bakhtin (2003), desenvolveu
o conceito de "gêneros discursivos", que são tipos de enunciados moldados por
convenções sociais e que refletem diferentes esferas de atividade humana. Ele
argumentou que a compreensão da linguagem deve considerar não apenas as
estruturas linguísticas, mas também os contextos culturais, históricos e sociais nos
quais os enunciados são produzidos e interpretados.
Ambos os autores contribuíram para ampliar a compreensão da natureza do
signo linguístico, destacando a importância do contexto, do discurso e da interação
social na construção do significado. Seus estudos influenciaram significativamente a
linguística contemporânea e as teorias semânticas, ao abordarem a linguagem como
uma prática social e discursiva, enraizada em contextos específicos e inseparável das
relações humanas.
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