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Princípios gerais da Neuropsicologia

Contexto histórico

É intrigante descobrir há quanto tempo o estudo neuropsicológico pode ter sido


realizado. Embora a interpretação do conteúdo seja pouco incerta, há um papiro egípcio
que data de cerca de 2500 AEC, que relata alguns casos de trauma no cérebro. Muitas
sociedades primitivas, e até algumas sociedades mais desenvolvidas, praticaram desde o
início a trepanação de crânios, embora a evidência seja geralmente em forma de
artefactos e em restos humanos. Na trepanação, as aberturas grandes ou pequenas são
feitas no crânio que podem ou não ser posteriormente reparadas. O propósito destes,
seja mágico, médico, religioso ou simplesmente punitivo, geralmente permanece
obscuro, mas a prática foi registrada em uma grande proporção do globo no último
século (KOLB; WHISHAW, 2006).

A história da Neuropsicologia pode ser reconstruída a partir de diferentes


prismas, mas uma versão amplamente aceita estabelece cinco períodos distintos:

1º Período: 1945 a 1970

Esta etapa iniciou-se com as descobertas e escritos de Paul Broca sobre


pacientes que haviam perdido a capacidade de produção da fala, decorrente de lesão em
área cerebral específica, localizada na terceira circunvolução frontal esquerda,
posteriormente denominada Área de Broca.

Em seguida, Karl Wernicke descreveu o caso de um paciente com deficit na


compreensão da fala, mas com a produção da mesma intacta, associada à lesão na
primeira circunvolução temporal do hemisfério esquerdo, região que passou a ser
denominada de Área de Wernicke. Diagrama da linguagem proposto por Lichthein em
1885.

A área de Wernicke está relacionada com a compreensão da linguagem; e a área


de Broca está relacionada com a produção da linguagem. Uma lesão em Wernicke leva
a uma alteração na linguagem oral e escrita, tornando a comunicação sem muita
precisão e com dificuldade de compreensão. Já uma lesão na área de Broca leva a uma
dificuldade em se expressar verbalmente, porém com a compreensão preservada.
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2º Período: 1905 e 1940

Surge do questionamento à metodologia dos diagramas, período denominado por


neurologistas e psicólogos de pré-científica. As críticas fundamentam-se em torno de
três pontos básicos:

 A falta de objectividade das observações do comportamento. As conclusões


estavam basicamente fundamentadas em impressões clínicas, e não em
observação controlada e na quantificação do fenómeno;
 A fragilidade das provas utilizadas para identificação da localização da lesão;
 A inadequação dos conceitos psicológicos utilizados.

Influenciados por Jackson (1866) e Freud (1891), o movimento intitulado


Holismo, Anti associacionismo rejeitou a possibilidade de localização de um
componente cerebral específico associado à linguagem. Sob a influência da Gestalt, os
anti associacionistas partiam da premissa de que os processos mentais não podiam ser
decompostos em subprocessos independentes, uma vez que a expressão do fenómeno
mental era mais complexa do que as relações entre os processos cognitivos que as
compunham.

3º Período: 1945 a 1970

O objectivo maior dos pesquisadores mais conhecidos desta fase foi superar as
críticas metodológicas feitas aos diagramas. Para tanto, três mudanças fundamentais
foram implementadas:

 A metodologia dos estudos de caso foi substituída por metodologia específica de


estudo psicométrico com grupos;
 Os dados do paciente passaram a ser contrastados com dados de indivíduos
saudáveis;
 As condutas clínicas de observação efectuadas pelos neurologistas foram
substituídas pela aplicação de testes psicológicos tipificados (Benedet, 2002).

4º Período

O quarto período é caracterizado pela aproximação da Neuropsicologia com a


Psicologia Cognitiva, constituindo um novo campo de estudo denominado
Neuropsicologia Cognitiva. Um aspecto que marcou esta etapa foi à construção de
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modelos teóricos de processamento da informação baseados em dados obtidos em


laboratório com indivíduos saudáveis.

Vale salientar que este movimento ocorreu paralelamente no Reino Unido,


Estados Unidos e Canadá.

Na União Soviética, Luria desenvolveu um marco conceitual para a


interpretação dos dados neuro psicológicos, constituindo a Neuropsicologia Histórico-
Cultural, em consonância com a fisiologia e a neurologia, mas sem negligenciar a
perspectiva humanista na compreensão das doenças envolvendo disfunções cognitivas
(Kristensen, Almeida & Gomes, 2001). A partir dessa perspectiva Luria propôs a
localização dinâmica das funções cognitivas, postulando a existência de sistemas
funcionais complexos e integrados, conceitos que influenciaram fortemente
pesquisadores e clínicos.

5º Período

O surgimento das técnicas de neuro imagem, possibilitando a investigação da


actividade cerebral enquanto o indivíduo realiza tarefas cognitivas. Tais exames
permitiram a identificação das redes neurais subjacentes aos processos cognitivos,
confirmando resultados obtidos por estudos clínicos prévios (Cubelli, 2005).

O advento de tais tecnologias cobrou da Neuropsicologia uma redefinição e


ampliação do alcance de suas práticas, para além do estabelecimento da correlação
anátomoclínica. Nesse cenário, o diagnóstico funcional, a preocupação com a avaliação
neuropsicológica contextualizada e compreensiva ganharam força.

Neuropsicologia

A Neuropsicologia é considerada uma ciência que estuada a relações


cérebro/funções cognitivas, ou seja, das funções cognitivas e suas bases biológicas, de
forma mais ampla, as relações entre cérebro e comportamento humano (Rodrigues,
1993).

Define-se também como uma ciência dedicada a estudar a expressão


comportamental, emocional e social das disfunções cerebrais (Lezak et al., 2004), os
déficits em funções superiores produzidos por alterações cerebrais.
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Ramificações da neuropsicologia

A neuropsicologia é, muitas vezes, dividida em duas áreas principais:

 Neuropsicologia clínica;
 Neuropsicologia experimental.

Neuropsicólogo clínico

O neuropsicólogo clínico a neuropsicologia clínica trata de pacientes com lesões


cerebrais. Essas lesões podem ser os efeitos de doenças ou tumores, podem resultar de
dano físico ou trauma no cérebro, ou ser o resultado de outras alterações bioquímicas,
talvez causadas por substâncias tóxicas. O trauma pode ser acidental, causado por
ferimentos ou colisões, pode resultar de alguma falha no sistema vascular que fornece
sangue ao cérebro, ou pode ser o resultado pretendido da intervenção neurocirúrgica
para corrigir algum problema neurológico.

O neuropsicólogo clínico mensura déficits na inteligência, personalidade e


funções sensório-motoras por procedimentos de testes especializados e relaciona os
resultados com as áreas específicas do cérebro que foram afectadas. As áreas
danificadas podem estar claramente circunscritas e limitadas em extensão,
particularmente no caso de lesões cirúrgicas (quando uma descrição objectiva das partes
do cérebro que foram removidas pode ser obtida), ou podem ser difusas, afectando
células em várias partes do cérebro, como é o caso de certas doenças cerebrais.

Os neuropsicólogos clínicos empregam essas mensurações não apenas na


investigação científica das relações cérebro-comportamento, mas também no trabalho
clínico prático de auxiliar no diagnóstico de lesões cerebrais e na reabilitação destes
pacientes (MIOTTO; SCAFF; LUCIA, 2017).

O neuropsicólogo comportamental, como uma forma de neuropsicologia clínica,


também trata de pacientes clínicos, mas a ênfase é sobre definições conceituais de
comportamento e não operacionais. Os casos individuais, em vez de estatísticas de
grupo, são o foco da atenção, e esta abordagem geralmente envolve testes menos
formais para estabelecer desvios qualitativos do funcionamento "normal". Estudos em
neurologia comportamental geralmente podem experimentar aspectos mais amplos do
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comportamento do que é usual na neuropsicologia clínica (MALLOY-DINIZ et al.,


2010).

Neuropsicólogos experimentais

Em contraste, neuropsicólogos experimentais trabalham com indivíduos normais


com cérebros intactos. Esta é a área mais recente da neuropsicologia a se desenvolver, e
cresceu rapidamente desde a década de 1960, com a invenção de uma variedade de
técnicas que podem ser empregadas no laboratório para estudar funções superiores do
cérebro.

Existem relações estreitas entre a neuropsicologia experimental, a psicologia


experimental e psicologia cognitiva, e os métodos laboratoriais empregados nestas três
áreas têm fortes semelhanças. Os sujeitos da pesquisa geralmente são solicitados a
realizar tarefas de desempenho, enquanto sua precisão ou velocidade de resposta são
registradas, das quais as inferências sobre organização do cérebro podem ser feitas.
Variáveis associadas, incluindo variáveis psicofisiológicas ou electrofisiológicas,
também podem ser registradas.

A neuropsicologia cognitiva

A neuropsicologia cognitiva desenvolveu-se na década de 1970 como um


relativamente distinto sub-ramo da neuropsicologia. Sempre houve um intercâmbio
produtivo entre os campos da psicologia cognitiva e da neuropsicologia. Os modelos
cognitivos das habilidades humanas informam a análise neuropsicológica e os achados
neuropsicológicos contribuíram para o desenvolvimento dos modelos cognitivos. No
entanto, isso se tornou mais formalizado na neuropsicologia cognitiva pelo
desenvolvimento explícito de modelos cognitivos com base em dados neuropsicológicos
e na utilização desses modelos na análise de problemas neuropsicológicos clínicos
(MANNING, 2012).

Foram identificadas duas formas de neuropsicologia cognitiva: uma forma


"dura" e uma "suave". A forma suave aceita que alguma referência ao que se sabe sobre
a estrutura e organização neurológica do cérebro é apropriada e que o modelo deve ser
amplamente consistente com essa informação. A anatomia do cérebro pode ser um guia
útil para a estrutura do modelo neuropsicológico cognitivo.
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No entanto, a forma dura adopta a posição de que o modelo é bastante


independente das considerações anatómicas das estruturas cerebrais. A análise é
puramente a nível psicológico e as descrições formuladas em termos de processos
psicológicos. Parece estranho para muitos neuropsicólogos ter um ramo de
neuropsicologia que não precisa fazer referência ao cérebro; mas é a este caminho que a
lógica dessa abordagem conduz (MANNING, 2012; BENTON, 2000).

A neuropsicologia cognitiva tem sido proeminente e influente na formação do


desenvolvimento da neuropsicologia nos últimos 40 anos. Modelos particularmente
bem-sucedidos foram desenvolvidos não só para leitura de palavras, mas também para
reconhecimento de rosto, percepção de objectos e várias outras habilidades. Esses
modelos também continuaram a causar impacto na psicologia cognitiva de indivíduos
normais.

No entanto, deve ser reconhecido que, além de uma sofisticação geralmente


aumentada da compreensão neuropsicologia, esses modelos tiveram relativamente
pouco impacto na prática clínica. As demandas de realizar a análise neuropsicologia
cognitiva relevante normalmente excedem o tempo disponível para um clínico em lidar
com um determinado cliente. A contribuição da neuropsicologia cognitiva e é um
contributo substancial tem sido em pesquisa e desenvolvimento teórico em vez de no
desenvolvimento de ferramentas e procedimentos úteis.
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REFERÊNCIAS:

Hazin, I.; Fernandes, I.; Gomes, E.; Garcia, D.; Neuropsicologia no Brasil: passado,
presente e futuro.

Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 18, núm. 4, 2018, pp. 1137-1154.

Haase, V. G.; et al. Neuropsicologia como ciência interdisciplinar: consenso da


comunidade brasileira de pesquisadores/clínicos em Neuropsicologia. Revista
Neuropsicologia Latinoamericana. ISSN 2075-9479 Vol4. No. 4. 2012.

Rodrigues, N. (1993). Neuropsicologia: uma disciplina científica. Rodrigues, N. &


Mansur, L. L. (Eds.).Temas em neuropsicologia, 1, 1-18. São Paulo: Tec Art.

Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 002/2004 - Reconhece a Neuropsicologia


como especialidade em Psicologia para finalidade de concessão e registro do título de
especialista.

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