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RESUMO
Este artigo tem por objetivo, a partir da compreensão histórica de como o campo da Neuropsicologia
se constituiu, propor diretrizes para a pesquisa em avaliação e a reabilitação neuropsicológica no
Brasil. A história da Neuropsicologia é apresentada através de três grandes temáticas: hipótese
cardíaca versus hipótese cerebral, localizacionismo versus holismo e funcionalismo versus
cognitivismo. Estes temas influenciaram as pesquisas em Neuropsicologia e delimitaram as práticas
atuais na área. O presente artigo enfoca dois temas importantes na atualidade da Neuropsicologia,
especialmente no Brasil: primeiro, o tópico da avaliação neuropsicológica no contexto do
desenvolvimento humano e, segundo, a temática da reabilitação neuropsicológica em diversos grupos.
O estudo sobre as diferenças no funcionamento cerebral nas diferentes faixas etárias, crianças e idosos
é brevemente apresentado como campo relevante para a construção teórica e prática da
neuropsicologia. Finalmente, as dificuldades encontradas em implementar intervenções em
reabilitação no Brasil são discutidas.
Palavras-chave: neuropsicologia; avaliação neuropsicológica; reabilitação neuropsicológica.
ABSTRACT
Neuropsychological Assessment and Rehabilitation:
Historical Development and Current Perspectives
The present paper aimed to briefly present a historical view of Neuropsychology and later, to propose
research topics in Brazil. Neuropsychology history encompassed at least three major themes: the
cardiac hypothesis versus the brain hypothesis, localizationism versus holism and functionalism
versus cognitivism. These themes influenced research in neuropsychology and based current practice.
Furthermore, two important aspects of neuropsychology are discussed: neuropsychological
assessment in different age groups and neuropsychological rehabilitation. Major topics involved on
the study of the differences in brain functioning through life span are briefly presented and their role
in building evidence-based practice and in supporting theoretical models is showed. Finally, several
difficulties found in adapting neuropsychological rehabilitation to the Brazilian context are discussed.
Keywords: neuropsychology; neuropsychological assessment; neuropsychological rehabilitation.
as relações entre o corpo e a alma humana. A primeira hipótese cerebral estava plenamente estabelecida.
era a matéria, perene, mutável e, a segunda, a dimen- Porém, muitas dúvidas persistiam. Quais as estruturas
são imaterial, eterna, que nunca muda. As verdades responsáveis pela cognição? Elas atuam em conjunto
essenciais estavam localizadas na alma e eram acessí- ou de maneira independente? Este período é marcado
veis somente mediante especulações filosóficas. Aris- pela controvérsia entre localizacionismo versus ho-
tóteles (384-322 a.C.), filósofo grego e aluno de Pla- lismo.
tão, dividiu a atividade mental em certo número de O maior expoente do localizacionismo das funções
a- mentais foi o médico alemão Franz Gall (1758-1828).
ginação, etc.), cuja sede era o coração. Gall acreditava que as faculdades mentais encontra-
A hipótese cardíaca enfrentou grande resistência vam-se em estruturas cerebrais, havendo tantas estru-
dos defensores da hipótese cerebral; estes defendiam a turas cerebrais quantas faculdades ou processo men-
visão de que o cérebro era sede da mente. Entre eles, tais existissem. Para tanto, Gall correlacionou o grau
destaca-se Alcmaeon de Crotona (500 a.C.), filósofo e de desenvolvimento desses órgãos com a formação de
naturalista grego, que propôs que o cérebro seria o proeminências em partes correspondentes ao crânio,
responsável pela localização de cada tipo de sensação. criando uma nova especialidade médica a frenolo-
Outro importante opositor da hipótese cardíaca foi gia. Para Gall, por meio da palpação manual dessas
Hipócrates (460-377 a.C.), médico grego, considerado proeminências do crânio poderia se determinar a natu-
reza e as propensões futuras do indivíduo. Gall acredi-
aos cuidados da saúde. Hipócrates afirmava que o tava na existência da localização cerebral circunscrita
cérebro era o órgão responsável pelo pensamento e das funções mentais (Gall & Spurzheim, 1809).
pelas sensações. O maior opositor das ideias de Gall foi o fisiologis-
Pode-se perceber, no decorrer deste período, len- ta francês Jean Pierre Flourens (1794-1867). Flourens
tamente, que a hipótese cerebral predominou sobre a defendeu a visão holística da função mental, ou seja,
hipótese cardíaca. A concepção de Galeno (130-201 que as funções mentais não dependiam de partes par-
a.C.), médico romano, fundamentou este predomínio ticulares do cérebro, mas sim que elas atuam envol-
da hipótese cerebral. A partir de estudos sobre o cére- vendo o cérebro como um todo. Esse autor não acredi-
bro mediante a dissecação de animais (presumindo tava que o cérebro fosse uma massa homogênia, mas
sua semelhança com os seres humanos) e cadáveres que funcionava de modo integrado.
abandonados, Galeno contribuiu para a fundamenta- A controvérsia entre localizacionistas e holistas
ção da chamada Teoria Ventricular que afirmava que acirrou-se com os trabalhos de Paul Broca (1824-
a mente estava localizada nos ventrículos cerebrais. 1880), médico francês que estabeleceu as primeiras
Seus estudos apresentaram grande precisão e riqueza correlações entre lesões cerebrais circunscritas e as
de detalhes anatômico-fisiológicos. As ideias de patologias da linguagem (Feinberg & Farah, 1997).
Galeno foram muito influentes em todo o período Por meio de estudos anatômicos, Broca descobriu que
romano e boa parte da Idade Média; sua visão sobre a a expressão verbal estava associada ao terço posterior
origem da atividade mental perdurou por mais de do giro frontal inferior esquerdo. Sua descoberta foi
quinze séculos. de grande importância, pois foi a primeira evidência
No final do século XVII, René Descartes (1596- da localização de uma função mental complexa. O
1650), filósofo e matemático francês, defendeu um neuropatologista alemão Karl Wernicke (1848-1909)
ponto de vista conhecido como dualismo cartesiano, conduziu estudos de grande importância para a com-
ao estabelecer a separação entre a mente e o cérebro. preensão da afasia. Wernicke (1874) descreveu casos
Descartes escolheu a glândula pineal como a sede da em que a lesão de uma parte do cérebro, o terço poste-
alma, o lugar de encontro entre a mente e o corpo. No rior do giro temporal superior esquerdo, determinava a
final desse período, a hipótese cerebral já não encon- perda da capacidade de compreensão da linguagem,
trava opositores, sendo predominante. enquanto que a linguagem expressiva motora perma-
necia intacta. Concluiu que essa região cerebral era
Localizacionismo versus holismo responsável pela compreensão da linguagem.
O século XIX marca o nascimento da neuropsico- A controvérsia localizacionismo versus holismo
logia enquanto campo do conhecimento humano. A das funções mentais ganhou novos contornos com os
hipótese cardíaca estava totalmente desacreditada e a trabalhos pioneiros do psicólogo bielo-russo Lev
Vygotsky (1896-1934). Vygostky apresentou uma cisamente devido à necessidade de reabilitar soldados
análise inovadora sobre o funcionamento cerebral em com traumatismos crânio-encefálicos. Neste período,
relação às visões localizacionistas e holistas, advo- foram elaborados programas de reabilitação destina-
gando que as funções das partes e do todo se encon- dos pela primeira vez às seqüelas cognitivas, que até
tram organizadas em inter-relações funcionais com- então eram direcionados de forma fisioterápica, como
plexas que variam em conformidade com os diferentes seqüelas motoras.
estágios de desenvolvimento humano (Vygostky, -se popular
1999). O neuropsicólogo soviético Alexander Luria a partir do final da década de oitenta, no século XX.
(1902-1977) desenvolveu as ideias originais de As tentativas para reabilitar pacientes com lesões ce-
Vygostsky, a partir do estudo do comportamento rebrais existiram desde a antiguidade grega e egípcia,
anormal dos pacientes com lesão cerebral (Luria, como evidenciam os Papiros de Edwin Smith. A era
1981). Demonstrou a importância dos símbolos para a moderna da reabilitação de pessoas com lesão cerebral
linguagem, afirmando que o cérebro é um sistema começou, provavelmente, na Alemanha, durante a
altamente diferenciado, cujas partes são responsáveis Primeira Guerra Mundial, como resultado da sobrevi-
por aspectos desse todo e a linguagem é um elemento vência de militares com traumatismo craniano. A rea-
importante nesse processo. bilitação cognitiva progrediu durante a Segunda Guer-
A concepção neuropsicológica de Luria afirma que ra Mundial, como desdobramento dos esforços de
o funcionamento cerebral ocorre com a participação guerra na Alemanha, Inglaterra, União Soviética e
conjunta de três blocos funcionais do cérebro. O pri- Estados Unidos (Wilson, 2003).
meiro, bloco de ativação, é responsável pelo tônus A neuropsicologia atual estuda os temas clássicos
cortical ou estado de ativação do córtex cerebral. A da psicologia atenção, aprendizagem, percepção e
formação reticular, tanto a ascendente como a descen- memória utilizando métodos da psicologia experi-
te, é a estrutura mais importante, sobretudo em suas mental e do campo da psicometria para a construção
conexões com o córtex frontal. O segundo bloco fun- dos testes. As modernas técnicas de investigação ce-
cional, o do input, é responsável pela recepção, moni- rebral (eletro encefalograma, tomografia computado-
toração e armazenamento da informação. Ocupa as rizada, ressonância magnética funcional) superaram a
regiões posteriores do córtex cerebral: lobos parietal, importância da avaliação neuropsicológica na locali-
temporal e occipital, responsável pelas respectivas zação das funções mentais. A controvérsia entre loca-
zonas táctil, cinestésica, auditiva e visual. O terceiro lizacionismo e holismo foi substituída pela discussão
bloco, chamado de bloco de programação e controle em torno de uma nova controvérsia: funcionalismo
da atividade, abarca os setores corticais situados no versus cognitivismo. Está controvérsia é essencial em
lobo frontal. Este bloco cumpre suas funções mediante relação à avaliação neuropsicológica e à construção
relações bilaterais, tanto com as regiões posteriores dos testes psicológicos (Hebben & Milberg, 2002).
(bloco do input) como com a formação reticular (blo- As técnicas tradicionais de avaliação neuropsico-
co da ativação). É o bloco responsável pelo planeja- lógica advêm da tradição funcionalista que considera
mento, programação, regulação e verificação do com- que a predição do desempenho do indivíduo é o obje-
portamento intencional. Luria estabeleceu dois objeti- tivo primário da avaliação e o construto psicológico é
vos para a neuropsicologia: (1) localizar as lesões secundário. A bateria Halstead-Reitan é um bom
cerebrais responsáveis pelos distúrbios do comporta- exemplo desta abordagem (Strauss, Sherman & Spre-
mento para um diagnóstico preciso e (2) explicar o en, 2006). Por outro lado, os testes construídos na
funcionamento das atividades psicológicas superiores tradição cognitivista enfatizam primariamente o cons-
relacionadas com as partes do cérebro. truto psicológico e a predição clínica como alvo se-
cundário da avaliação. O California Verbal Learning
Funcionalismo versus cognitivismo Test (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006) foi criado
O século XX é marcado pela consolidação da Neu- primariamente empregando teorias da memória para
ropsicologia como especialidade do conhecimento. A investigar as alterações decorrentes de lesões cere-
neuropsicologia cresceu muito a partir do final da brais. Em outras palavras, a controvérsia atual está
primeira metade do século XX, conseguindo uma relacionada a questões metodológicas e interpretativas
posição diferenciada da neurologia, da psicologia e da resultantes dos processos de avaliação neuropsicoló-
psiquiatria. O seu desenvolvimento foi significativo gica (Hebben & Milberg, 2002).
durante os períodos da I e da II Guerra Mundiais, pre-
cia de crianças de risco é acompanhada por intensa 80 para se desenvolver como área de conhecimento
preocupação com o desenvolvimento biopsicosocial específico, diferenciando-se da própria neuropsicolo-
das mesmas, das famílias, dos profissionais e da soci- gia de adultos e idosos.
edade em geral. A prática mais frequente e também inicial da neu-
Certamente é reducionista pensar que as morbida- ropsicologia infantil é o processo de avaliação. Avali-
des são apenas orgânicas. São crianças em desenvol- ação neuropsicológica é o método de investigação
vimento que necessitam de diferentes métodos de para a análise de distúrbios cognitivos e comporta-
avaliação e diagnóstico multidisciplinares. Quadros de mentais produzidos por lesões, doenças ou desenvol-
múltiplas seqüelas, algumas vezes evidentes outras vimento anormal do cérebro (Lezak, 1995). Qualifica
bastante sutis são observados e, por vezes, transitó- e quantifica as funções mentais conservadas e com-
rios, outras vezes, precocemente limitantes. Altera- prometidas, através de situações experimentais padro-
ções de desenvolvimento que interferem na fala, na nizadas que servem de estímulo ao comportamento.
cognição, na motricidade, na afetividade e nas rela- A identificação das áreas cognitivas fortes auxilia
ções sociais e familiares. Com esta situação, os profis- na compreensão de possíveis atividades compensató-
sionais da saúde e da educação, assim como as políti- rias executadas pelo cérebro, por exemplo: crianças
cas públicas e sociais, precisam alertar para o fato de com altas habilidades mnêmicas e baixo raciocínio
que este contexto necessita de investimentos técnico- abstrato podem ter bons desempenhos em algumas
científicos e econômicos através de iniciativas que avaliações matemáticas. Assim como também facilita
reconheçam os riscos precocemente e que invistam na elaboração dos programas de reabilitação neuropsi-
em procedimentos na saúde, na educação e nas políti- cológica. É preciso se apoiar sobre as habilidades
cas sociais. Isto é garantir a cidadania a estas crianças fortes da criança para alavancar as habilidades cogni-
e, assim, concretizar a inclusão social. Desta forma, a tivas comprometidas; isto estimula a plasticidade ce-
neuropsicologia infantil investe no desenvolvimento rebral e motiva o paciente (Petermann & Lepach,
de técnicas e métodos de diagnóstico precoce e ade- 2007; Riechi & Romanelli, 1997).
quado a cada população. A antecipação na identifica- Dentro dos objetivos específicos da avaliação neu-
ção de sinais indicadores das deficiências pode garan- ropsicológica infantil (ANI) está a identificação pre-
tir diagnóstica mais precoce e, conseqüentemente, coce de transtornos cognitivos e desordens do desen-
intervenções com resultados significativamente mais volvimento e, como tal, alterações no processo de
favoráveis, pois vencer a corrida contra o tempo, para aquisição das habilidades. O termo precoce deve ser
essas crianças e suas famílias, é apenas um dos gran- entendido como o mais cedo possível na história de
des desafios futuros. Procedimentos com tais premis- vida da criança, portanto, dependerá do tipo de com-
sas, tanto na saúde como na educação, são ações in- prometimento cerebral, da idade e do próprio processo
clusivas. A inclusão social, cultural e escolar dessas de formação da função. Habilidades mentais de gran-
crianças depende de ações precoces. Assim, a atuação de requinte cognitivo, como pensamento hipotético,
da neuropsicologia caracteriza-se por mais uma ma- relações espaciais e quase-espaciais, funções percep-
neira da psicologia proporcionar ao ser humano, não to-motoras, escrita e leitura são esperadas em idades
somente, qualidade de vida como cidadania propria- mais avançadas. Desta forma, a identificação precoce
mente dita. do problema requer um tempo maior de desenvolvi-
A história da neuropsicologia infantil no Brasil mento, com maior exposição da criança ao meio. Do
confunde-se com a própria história da neurologia pe- mesmo modo, desordens nas habilidades motoras ou
diátrica. Nas décadas de 1930 e 1940, ainda não exis- de linguagem são mais rapidamente identificadas. A
tia a especialidade de neurologia pediátrica no país. A avaliação neuropsicológica infantil deve ser sensível
pediatria encontrava-se em formação e a neurologia ao conjunto dos sinais cognitivo-comportamentais
mesclava-se com a psiquiatra (Reimão, 1999). A par- demonstrados durante o desenvolvimento da criança,
tir da década de 60, a neurologia infantil ganhou um reconhecendo-o como uma desordem do processa-
modelo próprio, oportunizando a abertura dos serviços mento neuropsicológico ou não.
espalhados pelo país, em equipes multidisciplinares, Nas lesões agudas, a compreensão precoce vai de-
buscou um corpo próprio de conhecimento, destacan- pender muito do estado geral da criança, das condi-
do-se como especialidade médica da neurologia clíni- ções técnicas e, principalmente, da decisão conjunta
ca e da pediatria. Já a neuropsicologia infantil aguar- com a equipe multidisciplinar da adequação da ANI.
dou até meados da década de 70 e início da década de Nos diagnósticos diferenciais, a ANI é uma contribui-
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Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica: Desenvolvimento Histórico e Perspectivas Atuais 53
cológica, prática esta de fundamental importância hoje cidade de processamento de informação e os proces-
dentro das equipes interdisciplinares de saúde e edu- sos atencionais como domínios que, quando afetados,
cação. Ela não se restringe ao uso de testes, mas utili- caracterizam os problemas nas atividades diárias rela-
za também outros instrumentos de diagnóstico que tadas nos casos de patologias (Anderson, Ebert, Jen-
promovem a compreensão do funcionamento cerebral nings, Grady, Cabeza, & Graham, 2008; Siedelecki,
através da observação dirigida do comportamento. Honig & Stern, 2008).
Contudo, é importante lembrar-se da criança como Posteriormente, os estudos apontaram para alguns
uma população específica e com características e ne- domínios cognitivos que parecem declinar durante o
cessidades particulares. O erro é pensá-la como uma envelhecimento, como, por exemplo, a memória. No
extensão da população adulta; por isto, requer instru- entanto, detectou-se que funcionalmente tal domínio
mentos e atuações muitos sensíveis e especializadas à pode não ser afetado significativamente, uma vez que
infância. O cuidado com o teste e materiais escolhidos a pessoa idosa desenvolve estratégias de processamen-
para a avaliação deve contemplar as características to cognitivo (mnemônicas, por exemplo) diferentes
socioeconômicas e culturais da população alvo, a qua- daquelas observadas em adultos jovens para a execu-
lidade quanto à precisão e validade do teste e o domí- ção de atividades. Greenwood (2007) propõe que con-
nio dos paradigmas teóricos do funcionamento cere- comitantemente com as perdas estruturais observadas
bral por parte do avaliador. É na infância que a plasti- no sistema nervoso central durante o envelhecimento,
cidade neurológica tem seu período mais expressivo, ocorre uma reorganização funcional de caráter com-
por isto, a avaliação neuropsicológica infantil gera um pensatório através de alterações nas estratégias utili-
esquema de funcionamento dos sistemas cerebrais da zadas na resolução de problemas. Embora esta propo-
criança num recorte específico e limitado de tempo, sição ainda não tenha sido plenamente referendada,
vislumbrando todo um processo de desenvolvimento um número cada vez maior de evidências a apoiam.
biopsicossocial maior.
Outros estudos importantes no campo da neuropsi-
A pesquisa aplicada à área da neuropsicologia cologia do envelhecimento consistem na busca de
infantil precisa refletir as temáticas anteriormente melhor descrever o perfil cognitivo relacionado a
apontadas para subsidiar as intervenções junto a essa quadros demências de diferentes etiologias (Baddeley,
população, construir e adaptar procedimentos válidos Kopelman, & Wilson, 2002; Mathias & Burke, 2009).
e fidedignos de avaliação no contexto brasileiro e Os dados neuropsicológicos, juntamente com imagens
estabelecer as bases teóricas do desenvolvimento das e dados da história médica do cliente, subsidiam o
funções neuropsicológicas. diagnóstico de uma patologia e, portanto, a adoção de
procedimentos farmacológicos e a recomendações de
Neuropsicologia do envelhecimento intervenções comportamentais específicas encontram-
Os avanços da medicina e as melhores condições se vinculados às evidências advindas da avaliação
de vida alcançadas em diversos países levaram ao neuropsicológica. Atualmente, esforços têm sido dire-
aumento do número de pessoas idosas no mundo. cionados à validação de procedimentos de avaliação
Assim, o estudo dos fatores envolvidos no processo de que consigam detectar com maior precisão os diferen-
envelhecimento vem recebendo maior atenção dos tes déficits vinculados a cada neuropatia.
administradores públicos e dos pesquisadores de di- Uma importante derivação dessa perspectiva de
versas áreas da saúde. A neuropsicologia tem contri- pesquisa teórica que considera a relação entre a plasti-
buído de modo significativo para construir uma me- cidade neurológica/funcional e o contexto biopsicos-
lhor compreensão da cognição humana no contexto do social em que as pessoas estão inseridas constitui-se
envelhecimento normal e dos distúrbios neuropsicoló- em outra linha de pesquisa importante: a reabilitação
gicos correlacionados com esta faixa etária. neuropsicológica (Winocur e cols., 2007).
Primeiramente, as pesquisas em Neuropsicologia
na área buscaram estabelecer os critérios para diferen- Reabilitação neuropsicológica
ciar o envelhecimento cognitivo saudável das neuro- Reabilitação neuropsicológica pode ser definida
patologias prevalentes nesta faixa etária. Para tanto, como o conjunto de intervenções que objetivam me-
instrumentos de avaliação neuropsicológica que enfo- lhorar os problemas cognitivos, emocionais e sociais
cam diferentes áreas da cognição foram utilizados decorrentes de uma lesão encefálica auxiliando a pes-
(Knopman & Selnes, 2003). Os resultados até o mo- soa a alcançar maior independência e qualidade de
mento apontam para a linguagem, a memória, a velo- vida (Wilson, 2003a).
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Alexander Luria foi um dos primeiros autores a re- através da comparação com resultados de outros pro-
latar seus esforços sistemáticos para reabilitação de gramas no mundo. Consequentemente, o estabeleci-
pessoas com lesão encefálica após a Segunda Guerra mento de parâmetros internacionais que priorizem
Mundial (Boake, 2003). Os trabalhos de Leonard Dil- determinados resultados comuns a todos torna-se inviá-
ler, realizados no Centro Medico da Universidade de vel muitas vezes.
Nova York, com pacientes com acidente vascular Com o intuito de amenizar estas dificuldades, des-
encefálico que apresentavam problemas com escane- de a última década do século XX, diversas iniciativas
amento visual, propiciou o desenvolvimento de pro- podem ser apontadas como tentativas de estruturar um
gramas de treinamento específicos e representam ou- corpo de conhecimento em reabilitação neuropsicoló-
tro marco na história da reabilitação neuropsicológica. gica que fundamente as intervenções na área. Cicerone
Ben-Yishay (1996) desenvolveu uma visão holística e colegas (Cicerone, Dahlberg, Kalmar, Langenbahn,
para reabilitação neuropsicológica através da realiza- Malec, Berquist & cols., 2000) realizaram uma exten-
ção de exercícios cognitivos, psicoterapia e atividades sa revisão bibliográfica e apresentaram estratégias de
terapêuticas junto a este grupo. intervenção que a literatura propõe ao reabilitar no
Segundo a Organização Mundial da Saúde (World contexto de diferentes problemas neuropsicológicos.
Health Organization, 2000), as doenças ligadas ao Vários autores publicaram obras que compilavam o
funcionamento cerebral constituem a maior causa de conhecimento cientifico na área de modo mais organi-
deficiências no mundo. A demanda por serviços de zado (Christensen & Uzzell, 2000; Eslinger, 2002;
reabilitação neuropsicológica têm crescido considera- Johnstone & Stonnington, 2001), o que facilitou tanto
velmente devido ao aumento dos recursos médicos o ensino quanto a pesquisa em reabilitação.
oferecidos à população. No Brasil, porém, diversas
Wilson (2003b) propôs algumas diretrizes para
dificuldades são observadas para que essa área se
nortear as práticas em reabilitação neuropsicológica:
desenvolva, por exemplo: as ainda poucas instituições
a) o processo de reabilitação é considerado como uma
de ensino que oferecem capacitação nesta área da
parceria entre as pessoas com lesão, suas famílias e os
neuropsicologia, as dificuldades inerentes à área para
delimitar protocolos baseados em evidências, a neces- profissionais de saúde; b) o planejamento de objetivos
sidade de adaptar as estratégias de reabilitação utiliza- tem se tornado um dos métodos mais usados para
das em outros contextos socioculturais à realidade delinear o plano de reabilitação; c) os déficits cogniti-
brasileira e, ainda, a descoberta de indicadores ade- vos, emocionais e psicossociais encontram-se conec-
quados à realidade brasileira para avaliar os progra- tados e todos devem ser considerados durante os pro-
mas de reabilitação que têm sido implantados. gramas terapêuticos; d) tecnologia representa uma
parte importante na compreensão da lesão e na com-
Wilson (1991) aponta que as dificuldades em de-
pensação das dificuldades apresentadas por este gru-
senvolver estratégias padronizadas de intervenção
po; e) reabilitação tem começado durante a terapia
para cada distúrbio neuropsicológico relacionam-se
intensiva antes mesmo da estabilização das condições
com diversos fatores. Fatores importantes como a
médicas do paciente; e f) compreende-se reabilitação
diversidade da população atingida, os diferentes tipos
cognitiva como uma área de atuação que necessita de
de lesões e as características particulares dos déficits
observados fazem com que a avaliação dos programas uma vasta base teórica que incorpore diferentes mode-
de reabilitação seja um tópico complexo. Outro fator los e metodologias derivadas de diversos campos da
relevante é o fato de que existe ainda pouco consenso psicologia e neurociências.
no âmbito da neuropsicologia quanto a teorias capazes Vários procedimentos têm sido sugeridos como
de subsidiar a compreensão de como as funções neu- eficazes na reabilitação neuropsicológica. A imagina-
ropsicológicas se desenvolvem e se organizam no ção motora, ou seja, a simulação imaginada de movi-
contexto da população geral. Assim, a criação de es- mentos e a observação de movimentos têm sido estu-
tratégias em reabilitação nem sempre estão fundamen- dadas em pacientes após acidente vascular encefálico
tadas no conhecimento teórico que se tem sobre de- (AVE) e Holmes (2007) sugere-as como possíveis
terminada função ou patologia. técnicas de reabilitação. Outro procedimento estudado
As diferenças culturais e, portanto, a diversidade baseia-se no efeito de geração que se caracteriza pelo
de demandas sociais e valores priorizados em diferen- fenômeno que os itens gerados pelos próprios indiví-
tes contextos afetam diretamente as metas estabeleci- duos são melhor recordados quando comparados com
das nos diferentes programas de reabilitação. Este fato itens fornecidos por outrem (Lengenfelder, Chiara-
dificulta a avaliação dos programas de reabilitação valloti, & DeLuca, 2007).
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56 Amer Cavalheiro Hamdan, Ana Paula Almeida de Pereira, & Tatiana Izabele Jaworski de Sá Riechi
Uma variedade de tecnologias também é usada no Brasil traz à tona problemas teóricos e práticos na
como auxilio na reabilitação de pessoas com proble- área que ajudam a formular diretrizes para a pesquisa
mas neuropsicológicos. Por exemplo, a utilização de em neuropsicologia no Brasil.
sistemas de mensagens curtas que auxiliavam a lem- Apesar da identificação de um número crescente
brar pacientes com esquizofrenia de suas atividades e de pacientes com problemas neuropsicológicos, a
compromissos diários. Estudos utilizando-se de siste- maioria das intervenções em reabilitação neuropsico-
mas computacionais para criar realidades virtuais que lógica adotadas nos serviços de neuropsicologia no
facilitam a aprendizagem de modo seguro e incenti- Brasil baseia-se em procedimentos utilizados em paí-
vam a comunicação de pessoas com problemas de ses do primeiro mundo que ainda não foram adequa-
mobilidade também têm sido realizados. dos ao contexto brasileiro. As diferenças interculturais
No entanto, ainda encontramos pouca uniformida- têm sido extensamente discutidas enquanto importan-
de dentre os métodos de reabilitação neuropsicológica tes para subsidiar o processo decisório durante a reabi-
devido pelo menos a três fatores: as dificuldades me- litação (Niermeier & Arango-Lasprilla, 2007; Uamoto,
todológicas encontradas para verificar a eficácia dos 2005). Sendo assim, torna-se premente que o pesqui-
procedimentos adotados; a diversidade das populações sador na área da avaliação e reabilitação neuropsico-
atendidas nos programas de reabilitação e a interdisci- lógica considere estes fatores quando planeja seus
plinaridade inerente a área. Sohlberg e Mateer (1989) estudos. A adaptação dos procedimentos de avaliação
foram pioneiras ao proporem intervenções especificas e intervenção neuropsicológica para a realidade brasi-
em reabilitação neuropsicológica, porém, foram criti- leira deve ser considerada como prioridade.
cadas devido à dificuldade que tinham tanto em rela- A criação de parâmetros nacionais de avaliação de
cionar a ligação entre as intervenções práticas com programas de reabilitação neuropsicológica através do
modelos teóricos existente quanto em apresentar evi- amplo debate entre profissionais e clientes, assim
dências de resultados positivos vinculados com tais como da realização de estudos sistemáticos sobre o
intervenções. tópico também se fazem necessárias. Tais parâmetros
Em 2008, um número especial da Rehabilitation poderão subsidiar as políticas públicas de reabilitação
Psychology debateu sobre as dificuldades metodológi- e fundamentar a inserção do neuropsicólogo em equi-
cas encontradas em realizar pesquisas na área e apon- pes interdisciplinares de reabilitação, o que ampliará o
tou a necessidade em se desenvolver estudos com mercado de trabalho para o neuropsicólogo.
desenhos mais adequados para cada tipo de investiga- O estudo do desenvolvimento neuropsicológico
ção privilegiando a coerência teórica (Dunn & Elliott, normal e do perfil neuropsicológico vinculado a dife-
2008) que incluiriam tanto metodologias de análise rentes patologias deve continuar a ser aprofundado,
quantitativa como qualitativa de dados (Chwalist, uma vez que muitas questões permanecem sem res-
Shah, & Hand, 2008; DeVries & Morris, 2008). Tuc- posta e a apresentação de evidências que norteiem as
ker e Reed (2008) ressaltam que, como a intervenção condutas profissionais adotadas nestes contextos ainda
em reabilitação constitui-se apenas como uma variável é necessária.
dentre várias que influenciam o funcionamento da
Em suma, a teoria e a prática no campo da neu-
pessoa ao longo do tempo, a pesquisa em psicologia
ropsicologia brasileira se complementam ao aponta-
da reabilitação deve se expandir para incluir diversas
rem os caminhos principais que a pesquisa na área
abordagens teóricas e metodológicas. Assim, metodo-
precisa trilhar. Esforços conjuntos entre diferentes
logias tradicionais, como o desenho de grupos clínicos
centros de pesquisa que utilizem uma multiplicidade
com amostragem aleatória, estudos longitudinais (Fay,
de desenhos e métodos de pesquisa são necessários de
Yeates, Wade, Drotar, Stacin & Taylor, 2009) ou es-
serem desenvolvidos para conseguir viabilizar resul-
tudo de caso (Mateer, 2009) seriam utilizadas junta-
tados que subsidiem a prática da neuropsicologia no
mente com estudos meta analíticos (Babikian & Asar-
Brasil.
now, 2009) e pesquisas qualitativas para criar evidên-
cias que fundamentem as intervenções em reabilitação.
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Sobre os autores:
Amer Cavalheiro Hamdan Psicólogo, Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Doutor em
Psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
Ana Paula Almeida de Pereira Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia da Reabilitação pela University of Wisconsin. Professora
do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
Tatiana Izabele Jaworski de Sá Riechi Psicóloga, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná, Doutora em Ciências
Biomédicas pela Universidade Estadual de Campinas. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
Endereço eletrônico: achamdan@ufpr.br; anapaula_depereira@yahoo.com; tatiriechi@hotmail.com