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JONH DEWEY

DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO
CAPÍTULOS ESSENCIAIS

MARCUS VINICIUS DA CUNHA


PROFESSOR DA FACULDADE DE FILOSOFIA
CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO – USP
PESQUISADOR DO CNPQ
Apresentação:
Uma obra de pedagogia além da pedagogia
O contexto de Dewey:
 Filosofia passava por profundas transformações,visando
ultrapassar os moldes metafísicos tradicionais;

 Para ele a educação, a filosofia e a ordem social constituíam


um todo indissociável, e seria impossível desejar a superação
das mazelas de uma sem contar com alterações radicais em
outra;

 Organizou sua obra (Democracia e educação: uma introdução a


filosofia da educação/1916) apontando críticas ao momento
presente, buscando uma nova sociedade – a sociedade
democrática;
Democracia e educação
Obra de pedagogia, psicologia, filosofia e ciências
sociais, pois aborda a educação;

Formulações comuns ao movimento da ESCOLA NOVA,


ESCOLA ATIVA OU ESCOLA PROGRESSIVA;

Debate sobre o cerne dos problemas da escola


contemporânea: a inexistência de uma sociedade
verdadeiramente democrática;
Capítulos do livro Democracia e educação

Organizado em 26 capítulos e 4 partes conceituais;

1ª parte: capítulos 1 a 6;


 Dewey analisa a educação como uma necessidade da vida humana,
ocorrendo em qualquer sociedade, desde as primitivas;
 Debate com Savianni sobre o surgimento da escola, enquanto lugar
de ócio;
 A educação visa manter e renovar a sociedade: transmissão de
experiências e reconstrução de práticas e valores coletivos;
2ª parte: capítulos 7 a 18;
 Debate sobre a educação em u ambiente social em que há
reciprocidade de interesses e cooperação;
 Neste volume (Objetivos da educação) corresponde ao capítulo 8,
nele Dewey esclarece que o objetivo da educação é habilitar os
indivíduos a dar continuidade a sua educação, porém isto só acontece
em uma sociedade democrática;
3º parte: capítulos 18 a 23;
 Debate sobre os fatores que limitam a possibilidade de alcançar os
ideias educacionais nos dias de hoje;
 Neste volume (Trabalho e lazer) corresponde ao capítulo 19 e ( O
indivíduos e o mundo) ao capítulo 22. Ambos discutem a
impossibilidade da idealização, localizado na ordem social a origem
de tal inviabilidade;
 Neste volume os tópicos (Filosofia da educação, Teoria do
conhecimento, Teorias da conduta moral) correspondem aos
capítulos 24, 25 e 26;
1. OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO

1. A natureza de um objetivo:


Segundo Cunha (2007, p. 11), Dewey entende que o
objetivo da educação “(...) é habilitar os indivíduos a
continuar sua educação – ou que o objeto ou recompensa
da aprendizagem é a capacidade de desenvolvimento
constante.”
Essa ideia só pode ser aplicada em uma sociedade
democrática;
Identificar a natureza de um objetivo surgido de dentro de
uma atividade, e não de fora.
Sendo assim, “Um objetivo implica uma atividade
ordenada e regular, na qual a ordem consiste na
progressiva conclusão de um processo.” (CUNHA, 2007,
p. 14);
Desta forma, o objetivo significa prever um fim ou
término possível antevisto;
“Por causa disto, é absurdo discutir sobre o objetivo da
educação – ou de qualquer outro empreendimento – se as
condições não permitem prever os resultados e não
estimulam um pessoa a olhar para frente e vislumbrar o
efeito de determinada situação.” (CUNHA, 2007, p. 14)
Sobre a característica da Antevisão dos objetivos

A antevisão funciona de três maneiras:

1ª. Implica um observação cuidadosa das condições


dadas, com o intuito de verificar quais são os meios
disponíveis para alcançar o fim e descobrir os obstáculos
no caminho;
2ª. Insinua a sequencia ou ordem adequada no uso dos
meios;
3ª. Possibilita a escolha entre as alternativas;
Portanto, “A conclusão é que agir com um objetivo é o
mesmo que agir inteligentemente. Prever o término de
uma ação é contar com uma base de onde se observam,
selecionam e ordenam os objetos e as próprias
capacidades.” (CUNHA, 2007, p15)
2. Os critérios dos bons objetivos

1º. O objetivo estabelecido tem de ser consequencia natural


das condições existentes;

2º. O objetivo é um esboço provisório, flexível;


 “Um bom objetivo investiga o atual estado da experiência dos alunos
e, formando um plano temporário de abordagem, mantém o plano em
contínua análise e ainda o modifica, à medida que as condições se
desenvolvem.” (CUNHA, 2007, p. 19)

3º. O objetivo deve sempre representar uma liberação de


atividades.
3. As aplicações na educação

Segundo Cunha (2007, p. 22) “Qualquer objetivo tem


valor quando auxilia a observação, a escolha e o
planejamento na continuidade da atividade, momento a
momento, hora a hora; se o objetivo deixar de lado o
senso comum próprio do indivíduo (como certamente
fará, se for imposto de fora ou aceito sob autoridade), ele
será prejudicial.”

A educação não têm objetivos! Somente pessoas, pais e


professores;
Característica dos bons objetivos educacionais

1º. Um objetivo educacional deve basear-se nas atividades


e necessidades intrínsecas (incluindo instintos naturais e
hábitos adquiridos) de determinado indivíduo a ser
educado;
2º. Um objetivo precisa ser passível de se traduzir em um
método de cooperação com as atividades dos que recebem
a instrução;
3º. Os educadores devem precaver-se contra fins que se
dizem gerais e últimos;
2. TRABALHO E LAZER

 1. A origem da oposição:
 A antítese mais enraizada na história da educação é entre:
 A educação como preparação para o trabalho útil;

 E a educação para uma vida de lazer.

Na tentativa de conciliar as duas posições, Cunha (2007,


p. 30) nos diz que “(...) uma educação que vise mais
diretamente o lazer deve indiretamente reforçar tanto
quanto possível a eficiência e o prazer no trabalho, ao
passo que visar o último deve produzir atitudes
emocionais e intelectuais que propiciem um cultivo digno
do lazer.”
Separação entre educação liberal e educação
profissional/industrial, tem sua origem na Grécia e foi
formulada com base na divisão entre a classe dos que
precisavam trabalhar para sobreviver e a dos que não
tinha essa necessidade;
Concordância que essa divisão é um produto social;
Sobrepujança da razão, como uma lei da vida. Portanto, “
Apenas para um pequeno grupo de seres humanos a
função da razão pode operar como uma lei da vida. Para a
grande massa de pessoas, as funções animais e vegetativas
são dominantes.” (CUNHA, 2007,p. 32)
Dualismo filosófico e educacional estabelecido pelos Gregos

Nesse sentido, Cunha (2007, p.33) aponta que

“A verdadeira vida só é possível quando as necessidades


físicas são satisfeitas sem esforço e sem aplicação.
Portanto, os escravos, os artesãos e as mulheres são
utilizados no fornecimento dos meios de subsistência, de
modo que outros, adequadamente equipados com
inteligência, possam viver sua vida de lazer, ocupando-se
de coisas que realmente compensam.”
Educação básica ou mecânica e a Educação liberal ou
intelectual;
“Quanto mais elevada a atividade, mais puramente mental
ela é, menos diz respeito às coisas materiais ou ao corpo;
quanto mais puramente mental, mais independente ou
auto-suficiente ela se torna.” (CUNHA, 2007, p. 35)
Dicotomia entre o MENTAL (superior) e o MATERIAL
(Inferior), expressa a característica da educação grega que
equivale a divisão social vigente;
EDUCAÇÃO DO FÍSICA – CORPO E INTELECTO
2. A situação presente

Sobre o dualismo apresentado por Aristóteles presente na


sociedade Grega, podemos afirma que a sua repercussão no
contexto atual se dá da seguinte forma:
“Apesar dessa mudanças, da abolição da escravidão legal e
da disseminação da democracia, apesar da ampliação da
ciência e da educação (em livros, jornais, viagens e
intercâmbios, de modo geral, bem como em escolas), ainda
se percebe uma divisão da sociedade em uma classe culta e
outra inculta, uma classe trabalhadora e outra ociosa, o que
torna o ponto de vista aristotélico o mais esclarecido
possível para criticar a separação entre cultura e utilidade
na educação contemporânea.” (CUNHA, 2007. p.36)
Cunha (2007) coloca que Dewey corrobora com as ideias de
Aristóteles no que diz respeito que o trabalho diminui a
dignidade do homem, mas não que essa situação é natural
do homem. Para ele, tal condição é socialmente determinada
– possível de ser abolida, portanto;
Nesse sentido, o autor aponta que “Só estaremos em
posição de criticar honestamente a divisão da vida em
funções e da sociedade em classes quando ficarmos livres
da responsabilidade de perpetuar as práticas educacionais
que treinam muitos para ocupações que envolvem meras
habilidades de produção e poucos para a aquisição do
conhecimento que serve de ornamento e adorno cultural”.
(CUNHA, 2007, p. 38)
No contexto da educação atual segundo Cunha (2007,p.
39) coloca que “Ainda prevalece a ideia de que a
verdadeira educação liberal ou cultural não pode ter algo
em comum, pelo menos diretamente, com as relações
industriais e de que a educação destinada às massas deve
ser útil ou prática, no sentido de que opõe o útil e o
prático ao fomento da apreciação e da liberação do
pensamento.”
3. O INDIDÍDUO E O MUNDO

 1. A mente, sendo simplesmente individual


Dualismo entre as mentes individuais e o mundo, e portanto
entre uma mente e outra;
É recente a identificação da mente com o eu individual e
deste com uma consciência psíquica privada;
A verdade é advinda da razão ou do Deus, e não do
indivíduo;
“A reação contra a autoridade em todas as esferas da vida e
a intensidade da luta contra a grande desigualdade, em prol
da liberdade de ação e investigação, levaram a ênfase na
observação e nas ideias pessoais a isolar a mente,
apartando-a do mundo a ser conhecido.
Desenvolvimento da Teoria do conhecimento, pois
tornou-se um problema saber como o conhecimento era
possível;
Teorias que afirmavam não conhecer o mundo como ele é,
mas apenas impressões que chegam a mente individual;
“Em suma, o individualismo prático,ou a luta por maior
liberdade de pensamento na ação, foi traduzido em
subjetivismo filosófico”. (CUNHA, 2007, p. 51)
2. A mente individual como agente de reorganização

“Estavam lutando por maior liberdade na natureza e na


sociedade. (...) Queriam não isolamento do mundo,mas
uma conexão mais íntima com ele. Queriam formar suas
crenças sobre o mundo sem intermediários, em vez de
recebê-las da tradição. Queriam uma união mais próxima
com seus semelhantes, de modo que pudessem influenciar
uns aos outros mais efetivamente e combinar suas
respectivas ações para objetivos mútuos.” (CUNHA,
2007, p. 51)
Substituição dos métodos dedutivos de conhecimento por
métodos experimentais indutivos de conhecimento;
Observação sistemática e experimentação;
Distinção entre o conhecimento ( objetivo e impessoal) e
o pensamento (subjetivo e pessoal);
“Por intermédio de um processo crítico, o conhecimento
verdadeiro é revisado e ampliado, e nossas convicções
acerca do estado de coisas são reorganizadas”. (CUNHA,
2007, p. 54)
“O homens partiram daquilo que era transmitido como
conhecimento e investigaram criticamente as bases que o
sustentavam; observaram as exceções; utilizaram novos
artifícios mecânicos para esclarecer dados inconsistentes
com aquilo em que acreditavam; usaram a imaginação
para conceber um mundo distinto daquele em que seus
antepassados haviam depositado sua verdade”. (CUNHA,
2007, p.54)
“Este é problema promovido pela teoria das mentes
conscientes, independentes e isoladas: uma vez aceito que
os sentimentos, as ideias,os desejos não têm nada a ver
uns com os outros, como podem as ações deles
provenientes ser direcionadas para o interesse público ou
social?” (CUNHA, 2007, p. 57)
Como as filosofias morais lidam com a questão do
individualismo do ser?
1º. O individualismo intelectual é negado em alguns
campos, onde o dogma permanece supremo;
2º. Racionalismo ou intelectualismo abstrato (Criticando
as crenças e a ordem social);
3º. Unidade externa das ações resultantes de fluxos de
consciência isolados;
4º. Fundamentação a partir de Descartes e Hegel. A razão
é absoluta.
3. Equivalentes educacionais

“ (...) A escola foi a instituição que exibiu com maior


clareza a assumida antítese entre métodos de ensino
puramente individualista e ação social, entre liberdade e
controle social”. (CUNHA, 2007,p.62-63)
4. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

1. Uma revisão crítica


Dewey inicia esta parte explicitando o conteúdo dos
capítulos anteriores:

 1º. Os primeiros tratam a educação como função e necessidades


sociais (processo pelo qual os grupos sociais garantem a
continuidade da sua existência);
 2º. Reconstrução ou reorganização contínua da experiência;
 3º. Levou em conta o critério democrático e sua aplicação à vida
social presente;
 2. A natureza da filosofia
A filosofia trata dos seguinte problemas, segundo Cunha
(2007, p.75) “ Esses problemas se originam nos conflitos e
dificuldades da vida social e se referem a aspectos como as
relações entre mente e matéria, corpo e alma, humanidade e
natureza física, indivíduo e coletividade, teoria e prática,
saber e fazer.”
 “A filosofia resulta dos problemas relativos à experiência
concreta dos homens na sociedade, com o intuito de fornecer
uma visão compreensiva da realidade.” (CUNHA, 2007,
p.75)
Filosofia – amor à sabedoria;
“É o que se constata no fato de que quase todas as antigas
escolas de filosofia eram também maneiras organizadas
de viver, e os que se submetiam a suas doutrinas estavam
comprometidos com certos modos distintos de conduta;
isso é confirmado pela íntima ligação da filosofia com a
teologia da Igreja Romana na Idade Média, sua frequente
associação com interesses e, nas crises nacionais, sua
ligação com as lutas políticas.”
“Não é possível esperar que uma classe dominante que
vive ociosamente tenha a mesma filosofia de vida dos que
se encontram na árdua luta pela sobrevivência.”
(CUNHA, 2007, p. 80)

Filosofia pode ser definida como a teoria geral da


educação quando “desejamos conceber a educação como
o processo de formar disposições fundamentais,
intelectuais e emocionais perante a natureza e nossos
semelhantes.”
5. TEORIAS DO CONHECIMENTO

 1. Continuidade versus dualismo

Os dualismos decorrem da divisão da sociedade em classes;


Oposição entre o conhecimento empírico (assuntos
cotidianos) e o racional (intelectual);
Distinção entre o particular e o universal;
“No terreno educacional, supõe-se que o aluno precise, de
um lado,aprender uma série de pontos de informação
específica, cada qual com vida própria, e, de outro,
familiarizar-se com cero número de leis e relações gerais.”
Outro dualismo refere-se ao duplo sentido da
palavra aprender (algo externo/objetivo e
interno/subjetivo);

Outro dualismo é o da atividade e passividade no ato


de conhecer;

Outra oposição corrente é aquela que se supõe existir


entre o intelecto e as emoções;
Em busca da continuidade...

Avanço da fisiologia e da psicologia, mostrou a ligação


entre atividade mental e a atividade do sistema nervoso;

O desenvolvimento da biologia confirma essa ligação


com as teorias evolutivas;

Desenvolvimento do método experimental como meio de


obtenção de conhecimento e de certeza de que é
conhecimento e não mera opinião;
 2. Escolas de método
Alguns são chamadas de: escolasticismo, sensacionismo,
racionalismo, idealismo, realismo, empirismo,
transcendentalismo, pragmatismo,etc.
“A função do conhecimento é tornar uma experiência
livremente aproveitável em outras experiências.”
Debate sobre hábito e conhecimento, “Em resumo,
enquanto um hábito apartado do conhecimento nos fornece
apenas um método de abordagem único e fixo,
conhecimento significa que uma seleção pode ser feita
levando em conta um conjunto muito mais amplo de
hábitos.” (CUNHA, 2007, p. 100)
Método escolástico – a doutrina da disciplina formal na educação
é equivalente a este método;
Sensacionalismo – ênfase no particular;
Racionalismo – ênfase no geral;
Pragmatismo – “Sua característica essencial é manter a
continuidade entre o conhecimento e uma atividade que modifica
propositadamente o ambiente.” (CUNHA, 2007, p. 105);
“Só é realmente conhecimento o que foi organizado para nos
habilitar a adaptar o ambiente a nossas necessidades e nossos
objetivos e desejos à situação em que vivemos.” (CUNHA, 2007,
p.105)
6. TEORIAS DA CONDUTA MORAL

1. O interior e o exterior


“Na teoria da educação, é senso comum que a formação
do caráter é um objetivo amplo da disciplina e da
instrução escolares.” (CUNHA, 2007, p. 109)
Dualismo entre o caráter (interiores) e a conduta
(exteriores), esse dualismo impede um processo contínuo;

2. A oposição entre dever e interesse


Agir segundo um princípio e segundo um interesse;
 3. Inteligência e caráter
“A educação moral na escola praticamente não tem solução
quando estabelecemos o desenvolvimento do caráter como
um fim supremo e, ao mesmo tempo, tratamos a aquisição de
conhecimento e o desenvolvimento da compreensão, que por
necessidade ocupam a maior parte do tempo escolar, como se
não tivesses nada a ver com o caráter.” (CUNHA, 2007, p121)
 4. O social e o moral
As percepções e os interesses sociais só podem ser
desenvolvidos em um ambiente genuinamente social;
Na escola, a aprendizagem deveria ser contínua à que
transcorre fora dela;
BIOGRAFIA

Nasceu em 1859na cidade de Burlington, Estado de


Vermont, Estados Unidos;
Trajetória escolar desinteressante, porém experiências
singulares de convivência democrática na família;
Ingressou aos 15 anos na Universidade de Vermont
bacharelando-se em artes em 1879. Doutorou-se na
Universidade Jonhs Hopkins, com uma tese sobre
Kant;
Foi professor na Universidade de Michigan e em
seguida para a Universidade de Chicago;
Transferiu-se para a Universidade de Columbia;
Participou de diversas atividades políticas;
Fundador do pragmatismo junto com William James,
George Mead e Charles Peirce;
Na defesa do liberalismo contra o capitalismo, foi
acusado de comunista;
Faleceu em 1952, aos 92 anos.

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