• Moreno, estatura um pouco abaixo da média, era forte mas seco; • Educado num colégio de jesuítas, foi um exímio estudante de latim e aprendeu grego sozinho. • É um latinista e um semi-helenista; • Formou-se em Medicina; • Expatriou-se voluntariamente no Brasil, por ser monárquico; • Escreveu, sobretudo, odes. Ricardo Reis: o poeta clássico
O heterónimo pessoano Ricardo Reis é um poeta
contemplativo que procura a serenidade, livre de afetos e de tudo o que possa perturbar o seu espírito. É, também, um estóico, apesar de, aparentemente, resignado. Há,no seu pensamento, uma tensão, uma atitude de luta contra tudo o que tira o desassossego. É uma atitude vital na busca do entendimento da felicidade e da liberdade a que tende o homem, obrigado a viver num meio social adverso. Ricardo Reis: a consciência e a encenação da mortalidade
A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de Inverno faz luzir como orvalho as curvas Falo nestas coisas seguramente Dos troncos de ramos secos. porque nasci acreditando nos O frio leve treme. deuses, criei-me nesta crença, e, querendo eles, nessa crença Desterrando da pátria antiquíssima da minha morrerei. Sei o que é o Crença, consolando só por pensar nos deuses Aqueço-me trémulo sentimento pagão. Só me pesa A outro sol que este. não poder explicar realmente o quão absolutamente e O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole incompreensivelmente diverso ele O que alumiava os passos lentos e graves é de todos os nossos De Aristóteles falando. Mas Epicuro melhor sentimentos. Mesmo a nossa calma, e o vago estoicismo que Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre entre nós alguns têm, não são Tendo para os deuses uma atitude também de deus, coisas que se parecem com a Sereno e vendo a vida calma antiga e estoicismo grego. À distância a que está. Ricardo Reis, Odes. Ricardo Reis: o fingimento artístico
O Dr. Ricardo Reis nasce dentro da minha alma no dia
29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Eu estivera ouvindo no dia anterior uma discussão extensa sobre excessos, especialmente da realização, da arte moderna. Segundo o meu processo de sentir as coisas sem as sentir, fui-me deixando ir na onda dessa reacção momentânea. Quando reparei em que estava pensando, vi que tinha erguido uma teoria neoclássica, e que a ia desenvolvendo.
Fernando Pessoa Estoicismo
O estoicismo é uma corrente filosófica que considera
ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e às paixões, que são perturbações da razão. O ideal estóico é a apatia, que se define como ausência de paixão e permite a liberdade, mesmo sendo escravo. Epicurismo
O epicurismo consiste na filosofia moral de Epicuro
(341-270 a.C.), que defendia o prazer como caminho da felicidade. Mas, para que a satisfação dos desejos seja estável, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbação. O poeta romano Horácio seguiu de perto este pensamento da defesa do prazer do momento, ao considerar o carpe diem como necessário à felicidade. Ricardo Reis: reflexão existencial
Ricardo Reis propõe uma filosofia moral de acordo com os
princípios do epicurismo e de uma filosofia estoica:
o Carpe diem (aproveita o dia), ou seja, aproveitar a vida em cada dia,
como caminho da felicidade; o Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia); o Não ceder ao impulso dos instintos (estoicismo); o Procurar a calma ou, pelo menos, a sua ilusão; o Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e da liberdade (sobre esta apenas pesa o Fado). Neopaganismo
• crença nos deuses
• crença na civilização da Grécia • sente-se um “estrangeiro” fora da sua pátria, a Grécia
No Prefácio a Odes, diz: “nasci acreditando nos deuses,
criei-me nessa crença, e, querendo eles, nessa crença morrerei. Sei o que é sentimento pagão. Só me pesa não poder explicar realmente o quão absolutamente e incompreensivelmente diverso ele é de todos os nossos sentimentos. Mesmo a nossa calma, e o vago estoicismo que entre nós alguns têm, não são coisas que parecem com a calma antiga e o estoicismo grego.” Ricardo Reis: reflexão existencial
Só esta liberdade nos concedem Aceita o destino com naturalidade,
Os deuses: submetermo-nos considerando que os deuses estão acima do Ao seu domínio por vontade nossa. homem por uma questão de grau, mas que Mais vale assim fazermos acima dos deuses, no sistema pagão, se Porque só na ilusão da liberdade encontra o Fado, que tudo submete. A liberdade existe. Ricardo Reis procura alcançar a quietude e a perfeição dos deuses, desenhando um novo Nem outro jeito os deuses, sobre quem mundo à sua medida, que se encontra por O eterno fado pesa, detrás das aparências. Os deuses são uma Usam para seu calmo e possuído metáfora do mundo. Indiferentes, mas Convencimento antigo omnipresentes, confundem-se connosco sempre De que é divina e livre a sua vida. que os imitamos. Não são mais do que homens mais perfeitos ou aperfeiçoados. “Só esta liberdade nos concedem/ Os deuses: Nós, imitando os deuses, submetermo-nos/ Ao seu domínio por vontade Tão pouco livres como eles no Olimpo, nossa”. Como quem pela areia Pagão por caráter, que resulta da Ergue castelos para encher os olhos, acumulação de experiências e da sua formação Ergamos nossa vida helénica e latina, há, nos seus poemas, uma E os deuses saberão agradecer-nos postura ética e um constante diálogo entre o O sermos tão como eles. passado e o presente, escrevendo odes inspiradas nas doutrinas epicuristas de Horácio. Caraterísticas Temáticas
• Epicurismo: busca de uma felicidade • O elogio da vida rústica (a aurea medocritas
relativa, sem desprazer ou dor, através de de Horácio): a felicidade só é possível no um estado de ataraxia, isto é, uma certa sossego do campo (comparável a Caeiro). tranquilidade ou indiferença capaz de evitar a perturbação. • O gozo do momento que passa, o carpe diem horaciano.
• Estoicismo: crença de que a felicidade só é • A tentativa de iludir o sofrimento resultante
possível se atingirmos a apatia, isto é, a da consciência aguda da precariedade da vida, aceitação das leis do Destino e a indiferença do fluir contínuo do tempo e da fatalidade da face às paixões e aos males. morte, através do sorriso, do vinho e das flores. • A intelectualização das emoções. • Paganismo: crença nos deuses. • A intemporalidade das suas preocupações: a • A passagem inelutável do tempo. angústia do homem perante a brevidade da vida e a inevitabilidade da Morte que leva a • A precariedade da vida e a fatalidade da uma interminável busca de estratégias de Morte. limitação do sofrimento que caracteriza a vida humana. • A moderação dos desejos e dos prazeres . • O autodomínio e a contenção dos • O culto do Belo, como forma de superar a sentimentos. transitoriedade da vida e dos bens terrenos. • A quase ausência de erotismo, de amor • As ameaças do Fatum (entidade autêntico (em contraste com Horácio) implacável que oprime deuses e homens), da Velhice e da Morte. Características Estilísticas
• Submissão da expressão ao conteúdo, às • A preferência pela ode (influência de
ideias. Horácio), com estrofes regulares em verso decassilábico, alternando ou não com • A complexidade da sintaxe alatinada hexassílabo. (influência de Horácio): - a anteposição do complemento direto ao verbo (“As rosas amo…”). • Uso frequente do gerúndio. - a inesperada ordem das palavras que nos obriga a uma leitura silabada. • Seleção cuidada de fonemas ou vocábulos • O uso de latinismos: atro, ledo, infero, sugestivos das ideias que pretende exprimir (a inscientes, volucres, vila, etc. elevação, a nobreza, o classicismo da • A frequência da inversão (anástrofe e linguagem poética) hipérbato) e da elipse. • As perífrases que remetem para um • Verso branco ou solto, recorrendo, com contexto religioso e mitológico grego ou frequência à assonância, à aliteração e à rima latino. (Ex. “Antes que Apolo deixe / O seu interior. curso visível”) • Estilo denso e rigorosamente elaborado. • Uso frequente do imperativo e do presente do conjuntivo com sentido de imperativo (de acordo com a feição moralista das odes). RICARDO REIS Características temáticas e formais