Texto: “Oralidades e Escritas” Ana Mafalda Leite Na sequência do Movimento da Negritude e da necessidade de afirmação cultural da herança africana, os africanos e africanas enveredaram pelos complexos e inúmeros caminhos da tradição oral africana, quer ao nível de recolha e estudo dos textos e sua fixação e classificação, quer ainda na sua premeditada incorporação nos universos da escrita literária. De um canône marcado pelo signo da colonialidade, passa-se a assunção de outro, indígena, que tenta encontrar, no âmbito da cultura africana, os modelos próprios e autênticos Texto: “Oralidades e Escritas” Ana Mafalda Leite A ideia de herança oral, radicada nos “Mestres” africanos, os “griots”, vai levar a criar uma noção de “continuidade” entre a tradição oral e a literatura A característica fundamental da Literatura Africana é a oralidade. Há duas atitudes extremadas para com a oralidade. Cada uma delas é reveladora das diferentes formas como se aprende a relação com os textos orais e escritos. A primeira considera as sociedades orais (e as tradições) primitivas; a segunda considera-as exemplares Texto: “Oralidades e Escritas” Ana Mafalda Leite A ideia de que a oralidade é a resultante de um coletivo permitiu a difusão de um outro preconceito: o de que as tradições orais são acessíveis a todos, são universalmente mais igualitárias, pelo acesso à voz, ao passo que a escrita e a tecnologia a ela associada, requerem uma preparação especial e, naturalmente, são muito seletivas. Por razões históricas, o perfil linguístico de cada país africano faz hoje coexistir pelo menos uma língua europeia, que funciona como língua oficial, e um número variável de línguas africanas. Texto: “Oralidades e Escritas” Ana Mafalda Leite Cada literatura nacional africana tem suas características próprias e desenvolve-se segundo moldes estéticos e linguísticos, cuja distintividade resulta não só das diferenças linguístico- culturais que a colonização lhes acrescentou. É praticamente insustentável qualquer generalização que conduza a elaborações teóricas que não levem em linha de conta as especificidades regionais e nacionais africanas. Nas literaturas africanas de língua portuguesa, tendo em conta a especificidade de colonização que favoreceu a indigenização do colono e a aculturação do colonizado, a relação com as tradições orais e com a oratura, começam a manifestar-se pelas diferentes “falas” com que o escritores africanos se assenhoream da “língua”. Texto: “Oralidades e Escritas” Ana Mafalda Leite
A “pilhagem” ou “roubo” da língua portuguesa pelo
colonizado mostra que a “africanização”, perversamente, se institui e processa no interior do instrumento comunicativo, num processo transformador e nativizante. Esta “tradução” das “oralidades” realizadas na matéria da língua, trabalhada, mais ou menos involuntariamente, como corpo oficial e compósito de fragmentos de ritmos e formas, irá regular a sintaxe e a discursividade literária de modo inovador e surpreendente. Há, pelo menos, três modos de relacionamento dos escritores com a textualidade oral: Primeiro: o mais frequente, tanto na literatura angolana como na moçambicana, a tendência para seguir uma norma mais ou menos padronizada ou então “oralizar” a língua portuguesa , seguindo registros bastante diversificados entre si. Segundo: Tende a “hibridizá-la” através da recriação sintática ou lexical e de recombinações linguísticas, provenientes, por vezes, mas nem sempre de mais de uma língua. Terceiro: menos frequente, e utilizado apenas por escritores bilíngues, cujo contato com a ruralidade é mais nítido e mais próximo, institui uma relação de diálogo, criando uma especíe de “interseccionismo” linguístico, em que prolongamento de frases, se continuam em diferentes línguas, alternando ou imprimindo ritmos diversificados, assim como fazendo irromper, recuperadas, diferentes cosmovisões. Texto: “A tradição Viva” A. Hampaté Bâ Nas tradições a palavra falada se empossava, além de um valor moral fundamental, de um caráter sagrado vinculado à sua origem divina e às forças ocultas nela depositadas. Agente mágico por excelência, grande vetor de “forças etéras”, não era utilizada sem prudência. A tradição oral é a grande escala da vida, e dela recupera e relaciona todos os aspectos. Dentro dessa tradição, o espiritual e o material não estão dissociados, ela consegue colocar-se ao alcance do homem. Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação, uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar à Unidade primordial. Texto: “A tradição Viva” A. Hampaté Bâ Na tradição africana, a fala, que tira do sagrado o seu poder criador e operativo, encontra-se em relação direta com a conservação ou com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que o cerca. Assim, podemos compreender melhor em que contexto mágico- religioso e social se situa o respeito pela palavra nas sociedades de tradição oral, especialmente quando se trata de transmitir as palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas idosas. O que a África tradicional mais preza é a herança ancestral. Em África, não se ouve a palavra, se vive a palavra Uma das peculiaridades da memória africana é reconstruir o acontecimento ou a narrativa registrada em sua totalidade. Não se trata de recordar, mas de trazer o presente um evento passado no qual todos participam, o narrador e sua audiência.