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Histórico sobre o

pensamento acerca da
saúde
Prof. Dr. Tiago Tadeu Contiero
Introdução
• Falarmos sobre saúde é algo relativamente comum
nos dias atuais;
• Em todo momento desejamos “saúde” a alguém, nos
preocupamos quando pessoas próximas apresentam
algum “problema de saúde” ou ainda quando nós
mesmos temos algo que afeta nossa saúde”;
• Curar as doenças, se livrar “do mau”, evitar o
sofrimento e, por fim, evitar a morte, é algo que a
humanidade procura desde que há registros
históricos da nossa espécie;
• Hoje se luta para evitar as doenças com técnicas
preventivas, com o cuidado maior com o que nos
alimentamos, com práticas de atividades físicas,
técnicas de relaxamento, etc.;
• O que é fato é que a morfologia dos homo sapiens
foi alterada por volta de 20 mil anos atrás graças a
diversos fatores, entre eles a existência de doenças e
a criação natural das defesas do corpo contra elas;
• Não é de espantar, portanto, que desde os povos
mais antigos, sempre existiu as chamadas ciências
médicas;
O tratamento da saúde na
antiguidade
• Na antiguidade, de modo bastante geral, antes do
advento dos gregos e do desenvolvimento da
racionalidade que os mesmos trouxeram, a medicina
estava intimamente relacionada com práticas
mágicas;
• A saúde era entendida como uma graça dos deuses
enquanto que a doença fora vista como o oposto,
um castigo ou uma maldição;
• Em diversas comunidades com maior apelo religioso,
os enfermos eram abandonados ou excluídos da
comunidade;
• Os judeus, por exemplo, consideravam a lepra como
uma das doenças mais punitivas dadas por Deus à
alguém;
• Logo, o leproso era expulso das cidades e vilas,
devendo vagar em lugares afastados até que fosse
milagrosamente curado ou morresse;
• Essa visão negativa da lepra não era exclusividade
dos judeus, mas também de outros povos antigos e
só começou a mudar com o advento do cristianismo,
por exemplo;
• Na Babilônia encontramos alguns elementos que
começam a direcionar para uma prática médica mais
terapêutica, porém, sem excluir as práticas oriundas
das tradições mágicas e religiosas;

• Na Grécia pré-desenvolvimento filosófico a reflexão


sobre a saúde não foi tão diferente;
• Aliava-se às práticas religiosas, algumas outras
ações que visavam a manutenção da saúde dos
indivíduos;
• Porém, a partir do século VI a.C. há um declínio
gradativo dessas práticas religiosas voltadas para a
saúde;
• Surgem filósofos como Tales de Mileto e outros que
começam a pensar e refletir sobre a preservação e
recuperação da saúde tendo uma fundamentação
mais racional do que religiosa;
• Ainda assim, há resquícios de aspectos religiosos;
• Homero, na Ilíada, menciona a sabedoria de um
médico chamado Asclépio – essa figura acabou
sendo divinizada posteriormente;
• Há inúmeros registros que indicam que o poder
curativo dos templo era um fato inquestionável;
• Isso é real e se deve a diversos fatores que vão além
da ação do sobrenatural;
• Os Templos eram lugares muito higienizados;
• Pregava-se o repouso para a recuperação da saúde;
• Quase todos os Templos possuíam termas o que
levava a prática de banhos termais;
• A alimentação no interior dos Templos era
controlada de acordo com os costumes religiosos,
mas favorecia a saúde;
• Século V a.C. Alcmeon, discípulo de Pitágoras, chefiava
uma escola de medicina na Sicília;
• Temos apenas fragmentos de seu livro Acerca da
natureza, mas esse pouco que tempos é
surpreendente;
• Alcmeon aborda a descoberta de nervos cranianos
ligados aos olhos;
• Indica o conhecimento da comunicação interna
entre boca, ouvido e nariz;
• Afirma que emoções estão ligadas ao Sistema
Nervoso – algo que a ciência moderna afirmaria
mais de mil anos depois;
• Porém, Alcmeon aparentemente foi bem mais além:
• Trechos revelam que ele afirmava que a vida
dependia do movimento do sangue dentro dos
vasos;
• Por fim, afirmava que a saúde dependia do
equilíbrio das qualidades dos componentes do
corpo (quente/frio, seco/úmido, amargo/doce);
• A doença seria, portanto, resultado de um
desequilíbrio entre esses componentes e a cura o
reestabelecimento desse equilíbrio;
• Outro expoente da escola de Crotona foi Empédocles
(500-430 a.C.);
• Sua teoria dos humores foi seguida por vários séculos.
Esta teoria reclamava que o mundo era composto por
quatro elementos: fogo, ar, terra e água.
• Os líquidos corporais representados pelo sangue, linfa,
bile amarela e bile negra, eram representações desses
elementos da natureza, e sua isonomia, a razão da
saúde humana.
• Esta era a Doutrina dos Humores
• Contudo, foi em Hipócrates (460-375 a.C) que os
conceitos de saúde e doença ganharam teor científico;
• Considerado o pai da Medicina, Hipócrates substituiu
a mitologia, baseada na cura pelo poder dos deuses
pela observação clinica de seus pacientes.
• Foi idealizador de um modelo ético e humanista da
prática medica – sua teoria sobre ética ainda é muito
atual.
• Criou métodos de diagnostico, baseados no raciocínio.
O juramento do médico, usados até hoje, fazem parte
do chamado Corpo Hipocrático (Corpus
Hippocraticum).
• No Corppus Hipocrático saúde é um estado habitual,
uma diathesis da physis, cuja estrutura é constituída
pela boa ordem ou o perfeito equilíbrio da mistura
(krasis) das dynameis dos humores.
• A doença, seguindo o mesmo raciocínio é uma
desproporção dos humores (dyscrasia), quando há
escassez ou excesso de pelo menos um deles ou
quando um deles não se mistura com os outros.
• Outro fator a considerar sobre o processo de saúde
consiste na teoria de que a natureza é a força
mediadora que age espontaneamente, cabendo ao
médico ajudá-la a fazer o seu papel.
• Seu primeiro cuidado seria o de não interferir nesse
processo espontâneo que se comprovaria pela cura
dos animais.
• Ele acreditava que o processo de cura é lento, cabendo
ao médico administrar um tratamento simples, porém
eficaz.
• Esse tratamento teria como como de partida comum
uma revisão da dieta, depois, na ausência de cura,
seguiria para a aplicação dos medicamentos e, apenas
em última instância; a cirurgia.
• Esse método fora utilizado por muitos séculos e ainda
se apresenta de maneira paradigmática.
• Os romanos assimilaram muito da cultura grega,
avançando os aspectos da medicina em alguns
aspectos – não todos, porém;
• Os romanos viam a prática médica como algo inferior,
que não deveria ser algo com que os romanos mais
influentes deveriam se preocupar;
• Isso porque ainda tinham uma mentalidade mais
religiosa quanto ao processo de doenças e de suas
curas, algo que seria atribuído aos deuses e dos quais
os homens pouco (ou quase nada) poderiam
efetivamente contribuir;
• Com o domínio romano na Grécia, há o processo de
assimilação, fazendo com que algumas ideias romanos
fossem sendo alteradas;
• Ainda assim, a prática da medicina era algo reservado
aos escravos, situação que só foi alterada já no
período do Império Romano, graças a influência dos
bons médicos gregos que atuavam em Roma;
• Na história da medicina romana, merece destaque
Galeno de Pérgamo (130-200 d.C.), que se fixou em
Roma depois de passar por outras cidades e regiões;
• Pérgamo teve grande apoio do imperador, Marco
Aurélio, com quem desenvolveu laços de amizade,
impulsionando a prática médica.
• Escreveu excelentes obras sobre anatomia (Sobre
Preparações Anatômicas) e Fisiologia (Sobre o Uso das
Partes do Corpo).
• Também se atribui a ele a fundação da fisiologia
experimental.
• Sua teoria afirmava que o corpo era um instrumento
da alma, e que o organismo humano foi construído
segundo um plano fixado por um ente supremo.
O tratamento da saúde na era
medieval
• Com o declínio do Império Romano temos o início da
era medieval onde o debate sobre saúde também se
fez presente;
• Válido ressaltar que no Oriente, em Bizâncio (hoje
Istambul, Turquia), onde as invasões bárbaras não
ocorreram, foram mantidas várias das conquistas do
mundo clássico e a herança da tradição médica
greco-romana, algo que não se aplica totalmente ao
ocidente;
• Entretanto, o fortalecimento da religião cristã tornou
o debate sobre saúde um tanto quanto diferente;
• A Idade Média sofreu com diversas pestes e epidemias
sendo a mais famosa a Peste Negra que dizimou 2/3
da população europeia;
• O cristianismo afirmava a existência de uma conexão
fundamental entre a doença e o pecado, como
consequência de uma agressão à Deus;
• Assim, as doenças passaram a ser entendidas como
castigo de Deus, expiação dos pecados ou possessão
do demônio, algo que já era comum em passagens
bíblicas.
• Consequência: as práticas de cura voltaram a ser
atribuição de religiosos.
• No lugar de recomendações dietéticas, exercícios,
chás, repousos e outras medidas terapêuticas da
medicina clássica, são recomendadas rezas,
penitências, invocações de santos, exorcismos, unções
e outros procedimentos
• A maioria dessas práticas eram voltadas para
purificação da alma, uma vez que o corpo físico estava
em segundo plano.
• Como eram poucos os recursos para deter o avanço
das doenças, a interpretação cristã oferecia conforto
espiritual para que o doente, caso morresse, obtivesse
o paraíso.
• Nessa mesma época, o desenvolvimento da medicina
seguiu ativa entre os árabes e judeus, onde a tradição
de Hipócrates e Galeno de Pérgamo foi acrescida de
importantes estudos em farmacologia e cirurgia – obs:
os árabes seguiam tendo acesso aos escritos gregos,
algo que no ocidente estava perdido.
• O medo das doenças era constante nos burgos
medievais. Dentre as inúmeras epidemias que
aterrorizavam as populações (varíola, difteria,
sarampo, gripes, ergotismo, tuberculose, escabiose,
erisipela etc), a lepra e a peste bubônica foram, sem
dúvida, aquelas de maior importância e preocupação.
• A peste bubônica ocorreu em 1347. Trazida nos navios
de viajantes para o oriente, a peste se disseminou
rapidamente entre os feudos e burgos, matando
indiscriminadamente, sendo responsável pelo maior
ato de perda de familiares da história e é usada pelos
críticos do período para atacar a Igreja e a Idade
Média;
• Porém, ainda que limitadas, algumas ações de saúde
pública foram desenvolvidas na intenção de sanear as
cidades medievais, mas isso era complicado pelas
conjunturas sociais da época;
• A aglomeração urbana crescente trazia hábitos rurais
para as cidades, o acúmulo de excrementos nas ruas
sem pavimentação, a poluição das fontes de água, a
ausência de esgotos e as péssimas condições de
higiene, produziam um quadro difícil de ser superado;
• Buscou-se então garantir o suprimento de água aos
moradores para beber e cozinhar; pedia-se que não
fossem lançados animais mortos ou refugos na
corrente do rio; proibiu-se a lavagem de peles e o
despejo de resíduos dos tintureiros nas águas que
serviam à comunidade;
• Nada surtiu muito efeito;
• Somente no final da Idade Média é que, pouco a
pouco, foram sendo criados códigos sanitários visando
normatizar a localização de chiqueiros, matadouros, o
despejo de restos, o recolhimento do lixo, a
pavimentação das ruas e a canalização de dejetos para
poços cobertos.
• Não se pode ignorar, porém, que na Idade Média
surgem as estruturas básicas para o tratamento dos
doentes, os primeiros hospitais.
• Originados da igreja, nas ordens monásticas,
inicialmente estavam destinados a acolher os pobres,
mas foi se abrindo a todos;
• Também é notória a criação dos leprosários, espaços
destinados a acolher os leprosos;
• Esses espaços também estavam ligados à estrutura
eclesiástica e por séculos foram administrados
exclusivamente pela Igreja;
• Para evitar a proliferação da doença, boa parte dos
leprosários eram afastados das cidades e
aglomerações povoadas;
• Ainda assim, tratou-se de uma grande revolução para
com o cuidado dos leprosos;
O tratamento da saúde na era
moderna
• A Idade Moderna trouxe grandes transformações no
pensamento acerca da saúde e muitas delas chegam
até nossos dias;
• Houve o surgimento da burguesia, as grandes
navegações propiciou a descoberta do Novo Mundo
e como consequência direta das Cruzadas, os
ocidentais passaram a ter contato maior com a
medicina oriental;
• Por fim, a mudança mais importante é a redução do
imaginário religioso e uma retomada dos
pensamentos greco-romanos;
• Descartes (1596-1650) é considerado como um dos
maiores responsáveis pelo desenvolvimento do que se
chamou de medicina científica ocidental;
• O método cartesiano consistia no pensamento
ordenado:
• A grosso modo, Descartes entendia a necessidade
de partir do mais simples para o mais complexo,
reduzindo a totalidade do objeto de estudo em
partes a serem analisadas;
• Apesar de não ter sido elaborada pensando
especificamente para a saúde, essa maneira de
pensar influenciou a medicina;
• Essa visão moderna de Descartes quando aplicada à
saúde afirma que o corpo é como uma maquina e para
corrigir seus problemas é preciso “desmontá-la” e
atuar especificamente na parte defeituosa;
• Nesse mesmo sentido é que se explica o crescimento
acentuado das práticas de dissecação de cadáveres,
algo muito comum durante toda a era moderna;
• Essa prática foi fundamental para o desenvolvimento
da anatomia humana e também da fisiologia, aspectos
que se expressaram também no mundo artístico e
cultural;
• Além desses aspectos, é importante destacarmos que
o Renascimento contribuiu também para que se
começasse a relacionar as doenças com as condições
ambientais;
• Esse aspecto, mesmo sendo pensado desde o
renascimento, só foi ganhar maior importância
séculos depois;
• Outra questão fundamental da Idade Moderna
relacionado à saúde diz respeito à relação que essa
passou a ter com a dinâmica econômica e essa sim se
mostraria determinante desde então;
• A medicina passou a ser mais valorizada na medida
em que garantia melhores condições de trabalho para
a sociedade industrial;
• Assim, o desenvolvimento médico garantiria não
apenas a manutenção da força de trabalho que, mais
saudável, produziria mais, mas também a reposição
dessa força;
• Com o tempo, a questão da saúde passou a ser vista
como um objeto de consumo por meio dos
medicamentos, tecnologia, custos médicos,
equipamentos, etc.;
O tratamento da saúde na era
contemporânea
• Apesar de ser pensada desde meados do século XVI,
a relação entre meio ambiente e a proliferação das
doenças só foi efetivamente desenvolvida a partir do
século XIX;
• Assim, no século XIX ocorreu a Revolução Sanitária,
provocando efetivamente intervenções no meio
ambiente para livrá-lo dos agentes causadores de
doenças;
• Na França, Inglaterra e Alemanha, desenvolveu-se a
chamada medicina social, movimento que
reconhecia a relação entre saúde e condição social;
• Outra revolução ocorre com a o advento da chamada
era bacteriológica;
• A partir das descobertas de Pasteur, Koch entre
outros, a medicina passou a ter como foco o estudo
das causas biológicas das doenças;
• Isso permitiu que se desenvolvessem técnicas de
imunização precisas, além de diversos tratamentos
para doenças infecciosas;
• Fora isso, possibilitou ainda a cura de diversas doenças
que outrora eram consideradas fatais, bem como a
amenização do sofrimento;
• A II Guerra Mundial é sempre lembrada como um
divisor temporal quando abordamos a história do
pensamento acerca da saúde e da doença;
• Durante a guerra, os alemães fizeram diversos testes
ilegais usando como cobaias prisioneiros judeus,
negros, ciganos, homossexuais, etc.,
• Se houve avanço na medicina alemã do período, isso
ocorreu graças a esses testes que são considerados
como crimes contra a humanidade;
• Após a guerra, com a Guerra Fria e o envelhecimento
da população, voltou-se a abordar uma visão mais
social acerca da doença;
Considerações gerais sobre o
aspecto histórico
• Cada era histórica possuiu e possui fundamentos
próprios que norteiam seus principais princípios
acerca da saúde/doença;
• Assim, é preciso ter clareza que cada período
histórico tratou da saúde de acordo com seus
valores, com sua cultura e determinantes religiosos;
• Porém, acima de tudo, temos que compreender que
cada época teve a saúde a partir de um fundamento,
ou de uma importância específica;
• Nesse contexto se insere o quadro a seguir:
ÉPOCA HISTÓRICA FUNDAMENTO NORTEADOR
DA SAÚDE
GRÉCIA ANTIGA ESPORTES
ROMA PRAZERES
IDADE MÉDIA VIRTUDES
SÉCULOS XVIII E XIX MAIOR RENDIMENTO NO
TRABALHO
II GUERRA MUNDIAL MAIOR POTENCIAL PARA
DEFESA
PÓS ONU DIREITO UNIVERSAL E
INALIENÁVEL

Fonte: USTARAN, 1992.


• Feitas essas considerações sobre o pensamento sobre
saúde ao longo da história, podemos começar a
refletir mais detalhadamente sobre as instituições de
saúde contemporâneas e sua eficácia, ao redor do
mundo e principalmente no nosso país.

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