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Conceito de saúde e a diferença entre prevenção de doença e promoção da

saúde

Helena Akemi Wada Watanabe

PONTOS A APRENDER

OBJETIVOS
1. identificar as interpretações sobre o processo saúde-doença ao longo da história
2. explicar a influência das diversas formas de se entender saúde-doença nas
práticas de saúde
3. explicar a diferença entre prevenção e promoção da saúde

PALAVRAS CHAVE
Processo saúde-doença
Práticas de saúde
Promoção da saúde
Prevenção de doença

ESQUEMA DE TÓPICOS
Processo saúde doença
Teorias e práticas de saúde
Modelo biológico: teorias unicausais e multicausais
Modelo social: epidemiologia social, determinação social do processo saúde-doença,
modelo sócio-médico
Promoção da saúde

INTRODUÇÃO

Saúde e doença são experienciados ao longo da vida. Os conceitos de saúde e doença


utilizados em diversas culturas e momentos históricos refletem a maneira como as
pessoas se relacionam com a natureza e a cultura. Estes conceitos têm conseqüências
sobre: o diagnóstico e a terapia, a atitude e o comportamento dos profissionais de
saúde. Influenciam também a forma como os indivíduos lidam com a doença, as suas
atitudes, a forma como se dão as escolhas morais e o significado cultural dos
comportamentos do estar doente ou bem de saúde (Engelhardt, 1998).
Saúde e doença são fenômenos físicos, psicológicos, culturais, espirituais e sociais.
Assim, uma definição universal é de difícil formulação.
Ao longo da história, o homem veio interpretando a questão da produção da saúde-
doença (e sua causalidade) conforme o conhecimento da sociedade do momento e os
valores que a ela atribui. O que não significa que fosse a única de determinada época.
Ao longo deste capítulo apresentaremos diferentes concepções, citando os períodos
históricos em que eram predominantes e como e manifestam na atualidade.

Didaticamente, as concepções de saúde-doença surgidas ao longo da história da


sociedade humana, e que podem ser agrupadas em dois modelos:

1. Modelo biológico
2. Modelo social.

1. MODELO BIOLÓGICO DO PROCESSO SAÚDE/DOENÇA

Este modelo se utiliza de instrumental teórico-metodológico das Ciências Biológicas


(Naturais).

1.1. TEORIA UNICAUSAL DA DOENÇA


Reconhece uma causa única e fundamental para a produção da doença, sempre
localizada fora do organismo da pessoa e compreende a saúde como a ausência da
doença.

1.1.1. Concepção mágica e sobrenatural da saúde/doença


Comum nas sociedades primitivas, esta concepção considera a saúde e a doença
como dois pólos opostos: a saúde é a ausência de doença e a doença é resultante de
obra de demônios e espíritos malignos, às vezes invocados por terceiros, ou sinal da
cólera divina, como consequência necessária provocada pela pessoa ou pelo grupo ao
qual pertence (doença-punição), como fruto do humor divino (doença-maldição).

Neste caso, os poderes de diagnóstico e de cura são sobrenaturais. Assim, feiticeiros,


sacerdotes e benzedeiras, que constituíam uma categoria à parte nas sociedades
primitivas por serem considerados como os guardiões dos segredos vitais e executores
dos rituais, eram os agentes de saúde.

Ainda hoje, algumas condições adversas são consideradas como decorrentes de


inveja, castigo divino ou possessão de espíritos malignos e são tratadas com
benzedura, oração, exorcismo, uso de amuletos, etc.

Para os sumérios, os demônios se apossavam dos corpos, produzindo a doença e


precisavam ser exorcizados (Sevalho, 1993).
Na Antigüidade Grega, com o desenvolvimento de novas formas de conhecimento,
obtidas através da observação empírica, cujas maiores expressões na medicina foram
Hipócrates e Galeno, temos uma fissura nessa concepção mágica.

1.1.2. Concepção empírica da saúde/doença (teoria do miasma)

Segundo esta concepção, saúde e doença ainda continuam sendo consideradas


entidades distintas e opostas, mas a saúde-doença seria resultante do equilíbrio e
desequilíbrio de elementos. Galeno (130-199 DC) elaborou um modelo de saúde e
doença como uma estrutura de elementos, qualidades, órgãos, temperamentos,
horários do dia e épocas do ano. Saúde era entendida, nessa perspectiva, como uma
condição de harmonia ou balanço entre esses componentes básicos. Doença, por
outro lado, era interpretada como a desproporção dos fluidos ou humores do corpo.

Saúde = ausência de doença, representada pelo equilíbrio de quatro humores: o


quente, o frio, o úmido e o seco.
Doença = elemento externo, proveniente da natureza, que entra e sai do corpo
incontrolavelmente (miasma). Doença é um desequilíbrio dos quatro
humores. Busca-se no ambiente físico a influência dos astros, clima, insetos
e outros animais, associados à doença.

Hipócrates estabeleceu correspondência entre os humores, seus elementos,


qualidades e órgãos:
sangue, com sede no coração, é quente e corresponde ao fogo;
pituita, produzida pelo cérebro, é fria e corresponde ao ar;
bile amarela, produzida pelo fígado, é seca e corresponde à terra; e
a bile negra, sediada no baço e no estômago, é úmida e corresponde à água.

O tratamento baseava-se na aplicação dos elementos contrários, para restabelecer a


harmonia. A dieta tinha grande importância no processo terapêutico, seguida pela
medicação e finalmente pela cirurgia. Ainda hoje, verificamos que a população faz uso,
por exemplo de limão, considerado “frio”, para tratar a diarréia, considerada “quente”.

Nesse período havia também uma crença na harmonia entre o homem e o ambiente.
Hipócrates em “Ares, águas e lugares” relaciona fatores do meio físico a doenças,
destacando como fatores essenciais para a endemicidade local, o clima, o solo, a água,
o modo de vida e a nutrição. Os cuidados de saúde pública deveriam procurar a
adaptação do homem ao seu meio ambiente natural, sendo que as obras sanitárias
procuravam evitar os maus ares (miasmas) que pudessem interferir na harmonia dos
humores (ex. drenagem de pântanos).

No cuidado individual havia ênfase na higiene aristocrática, o ideal de saúde se


baseava em nutrição, excreção, exercício e descanso. A arte de curar cabia ao médico.
Com o domínio do Império Romano, verifica-se que a preocupação com o meio
ambiente permanece. A construção de obras como os banhos públicos e os aquedutos
que transportavam água de grandes distâncias para a cidade, a limpeza das ruas, o
controle do suprimento de alimentos e a fiscalização de mercados foram medidas
tomadas para o controle da saúde pública.

Durante o primeiro período medieval ainda se enfrentava os problemas de saúde em


termos mágicos e religiosos, em que a saúde e a qualidade de vida eram consideradas
um produto do bom relacionamento com Deus.

Nesse período as pessoas passam a viver aglomerados nos feudos, por conta da
proteção que os muros dos castelos ou das igrejas davam. Nestas cidades não havia
serviços de esgotamento sanitário nem coleta de lixo. A população conservava alguns
hábitos da vida rural, os animais circulavam pelas ruas, muitas vezes dormiam dentro
dos domicílios. A relação entre a doença e a atmosfera passa a ter outra significação,
atribuindo-se aos maus odores que emanavam dos corpos pútridos e dos restos em
decomposição, o ar pestilento. Assim recomendavam-se medidas de limpeza,
ventilação e enterro dos mortos o mais profundamente possível. (Rosen, 1994)

Neste período houveram grandes surtos e epidemias: lepra, peste bubônica, varíola,
peste negra, etc. A primeira reação das pessoas à peste negra era a fuga; entretanto,
nem todos tinham como fugir. Surge então o isolamento e a quarentena como forma de
controle, não se permitindo a entrada de pessoas que viessem de áreas em que a
doença já existia. (Rosen, 1994)

Paralelamente, a visão cristã, que via no médico o Cristo que cuida, e no doente o
Cristo que sofre, fez com que saúde, doença e cuidado fossem relacionados também
com a salvação da alma.

1.1.3. Teoria do contágio

O Renascimento traz uma maior ênfase no mundo terreno, na natureza e no indivíduo.


A observação empírica, a explicação causal e a terapia racional se tornaram os ideais
de educação, pesquisa e prática da medicina. Entretanto, a mágica, a astrologia e a
alquimia continuaram a influenciar a medicina por um bom tempo (Engelhardt; 1998)
Neste período, tentando explicar as epidemias, concebe-se a existência de partículas
invisíveis, que penetrando no corpo, se multiplicam, tomando-o como um todo e
produzindo a doença.

Intui-se uma teoria lógica da infecção, na qual haveria um agente específico para cada
doença. A transmissão da doença poderia ocorrer de pessoa a pessoa, à distância e
através de objetos (fômites) ou animais (vetores).
Dessa forma procurou-se explicar a transmissão da sífilis, da hanseníase, da peste
negra e outras epidemias.
Entretanto, observa-se neste período uma concorrência das teorias dos miasmas e do
contágio, pois a doença também era relacionada com a imundície, a falta de
escoamento e abastecimento de água e a disposição inadequada de dejetos.

Como medida sanitária, recomendava-se ainda a quarentena e o isolamento dos


doentes.

Com a Revolução Industrial e a intensificação do comércio, observa-se que não havia


organização administrativa das cidades, o custo humano da industrialização, em
termos de insalubridade e morte prematura se mostrava grande. Por outro lado, as
medidas sanitárias de quarentena e isolamento traziam problemas de ordem política e
econômica, além de se mostrarem insuficientes para dar conta dos problemas de
saúde. (Rosen, 1994)

Em 1849 John Snow escreve “Sobre a maneira de transmissão do cólera”, em que,


utilizando a observação e a estatística verificou que a distribuição geográfica dos casos
de cólera em Londres, estava relacionada a pontos de captação da água distribuída
naquela cidade uma vez que a água era captada no rio Tâmisa em diversos pontos e
distribuída por grupos específicos, cada um responsável por uma área da cidade.
(Rosen, 1994), reforçando a teoria da contagiosidade.

A febre puerperal (pós parto), comum no início do século XIX, tinha como explicações a
teoria miasmática e a do contágio. Alguns acreditavam que ela era conseqüência do ar
ou ainda da falta de eliminação dos lóquios após o parto, que ficariam retidos no
organismo, produzindo então a febre e o pus. Outros, como Semmelweis , acreditavam
que, como os médicos faziam as autópsias antes dos partos, acabavam transportando,
de alguma forma, nas roupas, cabelos, algum germe que produziria a doença

1.1.4. Concepção científica

No século XIX a medicina seguia o modelo das Ciências Naturais, concentrando-se na


cura das doenças e negligenciando a manutenção da boa saúde. Em termos científicos
ocorreram grandes descobertas: a vacina da varíola; o desenvolvimento da
microbiologia; a descoberta de agentes causadores de doenças, como a febre tifoide, a
hanseníase, a malária e a tuberculose. A causa da doença era então relacionada a um
agente microscópico, específico para cada uma delas. A causa da doença continuava a
ser vista como um fator externo ao organismo da pessoa. Por exemplo, ter o bacilo de
Koch significava ter tuberculose independente de outros fatores como, por exemplo, o
estado nutricional ou o modo de vida e trabalho.

O médico era então o agente de saúde que tratava e prevenia, especificamente, cada
doença.
Com o desenvolvimento da microbiologia, intensificaram-se estudos no sentido de
descobrir novas formas de combater os agentes causadores das doenças. Assim,
foram desenvolvidos alguns antibióticos e antissépticos.

1.2. TEORIA MULTICAUSAL

No início do século XX, a patologia constitucional e a medicina antropológica começam


a reagir à forma de ver a doença pela abordagem dada pela doença infecciosa. A
medicina recupera a importância das circunstâncias individuais e sociais na saúde-
doença - patologia constitucional no nível físico, medicina antropológica no nível físico
ou mental. O homem passa a ser concebido como participante da natureza e da
cultura. Assim, tendo o biológico como pano de fundo, a teoria multicausal diz que a
doença é resultante de várias causas, que se ordenam dentro de três categorias: o
agente, o hospedeiro (a pessoa doente), e o meio ambiente (físico, social e
econômico). Esses fatores acham-se inter-relacionados, em constante equilíbrio, o que
corresponderia à noção de saúde. Quando ocorre algo que leve a um desequilíbrio,
como por exemplo, a desnutrição, a mutação de um agente etiológico, ou ainda a falta
de saneamento básico, temos a doença.

Leavell e Clark (1965) em seu livro “Medicina Preventiva”, traduzido para o português
em 1976, desenvolvem a teoria da História Natural da Doença, segundo a qual todas
as doenças têm um curso natural em que a situação de equilíbrio entre hospedeiro,
agente etiológico e meio ambiente corresponde à saúde. Havendo desequilíbrio temos
a doença, que se não for tratada, pode levar, no seu curso natural, à cura espontânea,
à incapacidade ou à morte.

Assim, a doença resulta da interação dos três fatores biológicos - hospedeiro, agente e
meio ambiente, cada qual com seus mecanismos de adaptação.

As características do agente patológico como, por exemplo, o bacilo ou o pó, são


resistência, capacidade de produzir doença (patogenicidade) e capacidade de infectar
(virulência). As do hospedeiro podem ser: idade, sexo, raça, classe social, fatores
genéticos, hábitos, etc; e as do ambiente: geografia, clima, instabilidade familiar,
condições de moradia. etc. Estas características têm papel idêntico na determinação
mecânica do equilíbrio.

Verifica-se que as relações que os hospedeiros estabelecem entre si não são levadas
em consideração, o social não participa, ou melhor, é referido como caráter dos
indivíduos (p. ex. status econômico-social, hábitos).

Nesta teoria, a chamada prevenção primária pode ser feita no período pré-patogênico,
através de ações de promoção de saúde, isto é, medidas voltadas para o
desenvolvimento de uma saúde geral ótima e a proteção específica do homem contra
agentes etiológicos específicos ou a criação de barreiras contra agentes do meio
ambiente. Ainda segundo esta teoria, no início da fase de patogênese, deve-se fazer a
prevenção secundária através de diagnóstico precoce e tratamento imediato e
adequado. Este nível envolve ainda, no caso de progressão do processo de
patogênese, o tratamento com vistas a evitar seqüelas e limitar a invalidez. Havendo a
instalação de invalidez, pode-se, através da reabilitação, conseguir a prevenção
terciária. No quadro 1, é possível ver esquematicamente os níveis de aplicação de
medidas preventivas concebido por Leavell e Clark (1976)
(Quadro1)
Outra vertente desta teoria é a concepção ecológica do processo saúde-doença, em
que as condições de saúde dependem do equilíbrio entre o hospedeiro e o ambiente,
num contexto bidimensional (Arredondo, 1993).

A Teoria Multicausal permitiu explicar algumas questões, como a manifestação ou não


da tuberculose em indivíduos infectados; ou então porque determinadas condições
ambientais expõem certos grupos ao risco de adoecer de determinadas doenças.
Entretanto, essa teoria parte do pressuposto que o todo é a somatória das partes, não
estabelecendo uma articulação entre elas, tratando cada parte como independente.

2. MODELO SOCIAL

Utiliza-se de instrumental teórico metodológico das Ciências Sociais.

Com o declínio da Idade Média e o surgimento dos Estados Nacionais, a “riqueza”


precisa ser medida. O povo como elemento produtivo e o exército necessita não só ser
contado, mas de disciplina e saúde.

O controle das doenças e o saneamento das cidades se fazem necessários. A


medicina social surge das revoluções europeias buscando o controle do meio ambiente
prejudicial e o “tratamento” das condições de vida.

Já no século XX, a Epidemiologia social, considera a doença como produto das


condições de vida e de trabalho de cada grupo social. Tem como variáveis o estilo de
vida, a organização social e as condições de trabalho. Privilegia o social como o fator
mais importante (Arredondo, 1993).

DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA


Neste modelo, parte-se do princípio de que o processo saúde-doença diz respeito a um
grupo humano, e não ao indivíduo. A concepção dicotômica saúde x doença é
excluída, e passa a ser considerada resultante da forma como a coletividade se
apropria da natureza por meio de determinada forma de organização social,
determinando perfis ou padrões típicos de saúde-doença característicos de cada grupo
social.
Para Breilh e Granda (1986), o processo saúde-doença é a “síntese do conjunto de
determinações que operam numa sociedade concreta, produzindo, nos diferentes
grupos sociais o aparecimento de riscos ou potencialidades característicos, por sua vez
manifestos na forma de perfis ou padrões de doença ou saúde”.

A qualidade de vida de cada grupo social é diferente, sendo também diferente a sua
exposição a processos de risco que produzem o aparecimento de doenças e formas de
morte específicas, assim como seu acesso a bens e serviços. Cada grupo social leva
inscrito em sua condição de vida o correspondente perfil de saúde-doença uma
complexa trama de processos e formas de determinação, que para fins de estudo, a
epidemiologia separou em três dimensões (Breilh e Granda, 1986):

a. A dimensão estrutural: formada pelos processos de desenvolvimento da capacidade


produtiva e das relações sociais;
b. A dimensão particular, formada pelos processos de reprodução social, isto é,
aqueles processos relativos à forma de produzir e consumir de cada grupo
socioeconômico; e
c. A dimensão individual, formada pelos processos que levam os indivíduos a
adoecerem ou morrerem, ou que favorecem a manutenção da saúde e o
desenvolvimento somático e psíquico.
d.
Assim, para cada classe social, definem-se modalidades de trabalhos e de consumo,
que permitem destacar os problemas e as idades de impacto mais freqüentes, e só
então, se estabelecem os processos de saúde associados.

Por exemplo, população residente em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, tem
condições de vida (habitação, transporte, lazer, educação, segurança, etc) e trabalho
diferentes daqueles que moram em Moema ou no Jardim Paulista que, segundo estudo
realizado por SPOZATI (1996), têm os melhores índices de qualidade de vida, de
desenvolvimento humano e de renda, determinando perfis de saúde-doença diferentes.
Ao compararmos, por exemplo, a taxa de mortalidade neonatal, segundo a Fundação
SEADE, em 2004 foi de 6,73/1000 nascidos vivos, no Jardim Paulista enquanto que em
Parelheiros foi de 16,57/1000 nascidos vivos.

Esta proposta “incorpora o determinante histórico-social ao estudo do perfil


epidemiológico de diferentes grupos. Questiona a eficiência de medidas corretivas e
preventivas para a abordagem, tanto das condições de saúde como de resposta social,
mantendo intactas as relações de exploração.” (Arredondo, 1993).

SOCIOMÉDICO (Neoconservador)
O Perfil epidemiológico resulta de fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais, que
operam hierarquicamente em diferentes níveis de determinação. Tais fatores também
determinam a forma como se organiza a sociedade para dar resposta às condições de
saúde que geram.
Esta proposta “contempla um enfoque integral sobre os determinantes do processo
saúde-doença .... Inclui categorias de análise para diferenciar o rol da resposta social
organizada do Setor Saúde” (Arredondo, 1993)

3. NOVO MODELO

O PARADIGMA DA PRODUÇÃO SOCIAL DA SAÚDE


A nova saúde pública, segundo Santos e Westphal (1999), surge do reconhecimento
de que “a saúde de um indivíduo, um grupo de indivíduos, ou de uma comunidade
depende também de coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos
sociais, das políticas adotadas pelo governo, inclusive os próprios mecanismos de
atenção à doença, do ensino da medicina, da enfermagem, da educação, das
intervenções sobre o meio ambiente” (saneamento de, urbanismo, etc.). O termo nova
saúde pública, se refere aos esforços para elevar os padrões de saúde através da
melhoria das condições de vida (WHO (a), 2000).

O Informe Lalonde publicado pelo governo do Canadá em 1974, foi a primeira


declaração teórica geral da saúde pública surgida dos descobrimentos feitos no campo
da epidemiologia e das doenças não infecciosas (Terris, 1992). O conceito de campo
da saúde passa da perspectiva tradicional de que a prática da medicina é o princípio de
todos os progressos da saúde para um conceito de campo da saúde mais amplo, que
consta de quatro elementos:
 biologia humana;
 meio ambiente;
 estilos de vida; e
 organização da atenção sanitária

Este documento demonstra ter uma orientação preventiva ao afirmar que
Até agora, quase todos os esforços feitos pela sociedade para melhorar a saúde
e a maioria dos gastos diretos em saúde têm se centrado na organização dos
serviços de atenção à saúde. Entretanto, quando identificamos as principais
causas atuais de doença e morte no Canadá, vemos que estão arraigadas nos
outros três elementos do conceito: biologia humana, meio ambiente e estilos de
vida. Portanto, é evidente que se está gastando grandes somas no tratamento de
enfermidades que poderiam ter-se evitado (tradução da autora)

Ser saudável significa então, além de não estar doente, ter a possibilidade de atuar, de
produzir a sua própria saúde, quer por meio de cuidados tradicionalmente conhecidos,
quer por ações que influenciem o seu meio: ações políticas para a redução de
desigualdades, educação, cooperação intersetorial, participação da sociedade civil nas
decisões que afetam sua existência. (Santos e Westphal, 1999).
Segundo a Carta de Ottawa (1986), os pré-requisitos para a saúde são:
 paz
 segurança política e pessoal;
 habitação adequada em tamanho e com conforto térmico;
 acesso à educação, pelo menos fundamental;
 alimentação para o crescimento das crianças e necessária para a reposição da força
de trabalho;
 renda decorrente da inserção no mercado de trabalho, adequada para cobrir as
necessidades básicas de alimentação, vestuário e lazer;
 ecossistema saudável preservado e não poluído;
 recursos renováveis, garantidos por uma política agrária e industrial voltada para as
necessidades da população
 justiça social; e
 eqüidade, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos.

Estes pré-requisitos precisam ser garantidos por políticas educacionais, agrícolas,


ambientais e de transporte urbano voltadas para o objetivo amplo de saúde, qualidade
de vida e desenvolvimento humano orientado por valores democráticos de justiça e
eqüidade. (Westphal, 1997)

A saúde pública baseada nesse referencial busca métodos adequados à realidade


política local, de forma a tornar mais eficientes as ações sociais e ambientais por saúde
e qualidade de vida. Supõe o desenvolvimento de novas relações entre Estado e a
sociedade, e o desenvolvimento de novas habilidades para implementar as novas
práticas.
A compreensão da saúde enquanto produção social implica o reconhecimento de que:
 Os determinantes de saúde são mediados pelo sistema social e determinados pelas
relações sociais, excludentes, que operam o sistema;
 As ações que visam à resolução das distorções e desigualdades existentes nos
padrões de saúde ultrapassam os limites de atuação do setor e exigem atos
coordenados em várias esferas de governo, exigindo ações intersetoriais para a
operação da nova prática sanitária;
 Para que se alterem realmente as condições de saúde de uma população, tornam-
se necessárias mudanças profundas em seus padrões econômicos e a
intensificação de políticas sociais que são eminentemente políticas públicas;
 Há necessidade de que a sociedade civil organizada exija das autoridades
governamentais a elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis para
superar o quadro mundial, e, principalmente nacional, de profundas desigualdades e
iniqüidades;
 É imprescindível integrar e articular diferentes saberes e práticas intra e
intersetoriais, de tal forma que o novo quadro teórico e as novas práticas assumam
uma nova qualidade ao serem organizadas pelo paradigma da produção social da
saúde, para propor solução aos problemas existentes em um território singular:
nacional, estadual e/ou local. (Santos e Westphal, 1999).
Controvérsias sobre a Promoção da Saúde

Promoção da Saúde tem sido objeto de projetos e programas que buscam melhorar a
qualidade de vida das pessoas, mas também tem gerado grande confusão para definir
qual seu real campo de ação e de localização na Saúde Pública. Por ser um conceito
amplo, há uma tendência de limitar-se a um ou outro aspecto. O informe do Serviço de
Saúde Pública dos EEUU de 1979, intitulado “Healthy people the surgeon-general’s
health promotion and disease prevention” trouxe certa confusão conceitual sobre o
tema. Ele diferenciava a promoção da saúde da prevenção de doenças, dando origem
a muitas interpretações sobre o propósito exato da Promoção da Saúde. Nesse
documento, a Promoção de Saúde referia-se a estilos de vida e a prevenção, à
proteção da população contra os riscos ambientais. (Restrepo,2001).

O surgimento de duas correntes, cada um privilegiando uma dimensão da Promoção


da Saúde é outro problema. A Primeira corrente, que é especialmente forte nos EEUU,
prioriza mudanças de comportamento ou estilo de vida mediante intervenções mais
individuais. A outra corrente, que é seguida por canadenses, europeus e sul-
americanos, defende a ação sócio-política que envolve mais atores e transcende ao
setor saúde. Na América Latina, a Promoção da Saúde pode ser identificada como uma
estratégia para o alcance da equidade, que, entretanto não está ocorrendo com a
velocidade esperada (Restrepo,2001).

Diferenças e semelhanças entre Promoção da Saúde e Prevenção de doenças

Promoção Prevenção

Foco Saudável, salutogênico. Doença, risco de adoecer

Objetivos Atuar sobre determinantes de saúde e criar Redução de riscos, proteção de


as “opções saudáveis” indivíduos e grupos contra riscos
específicos.

A quem se População em geral, grupos especiais, Pessoas e grupos em risco,


dirigem as comunidades, processos, condições e pessoas doentes.
ações sistemas que necessitam ser modificados.

Modelos com os Sócio-políticos, ecológicos e sócio culturais. Ações sobre fatores de risco
quais se (sedentarismo, tabagismo, hábitos
implantam alimentares inadequados,
comportamento sexual, etc),
Práticas clínicas preventivas,
reabilitação.

Papel dos Semelhante à prevenção primária Interventores clínicos que buscam


interventores Novos interventores sociais: os políticos e os prevenir complicações e mortes
comunitários devem gerar condições para
indivíduos e coletividades se empoderarem

Estratégias Informação, educação, comunicação para a Programas de detecção,


saúde, marketing social, participação diagnóstico precoce, readaptação e
comunitária, empoderamento e ação política. reabilitação.

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