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Classicismo

O Classicismo em contexto
O homem vitruviano, desenho de Leonardo da Vinci, visto anteriormente, expressa uma visão antropocêntrica, ou seja,
o homem é o centro de todo o universo.
Essa concepção de mundo, que se afasta do teocentrismo medieval, está presente nas diversas produções culturais do
Classicismo.
Desde o século XIV, os chamados humanistas, como os poetas italianos Petrarca (1304-1374) e Bocaccio (1313-1375),
centravam suas atenções na natureza humana, em suas potencialidades e interesses, utilizando como base para sua
produção literária, filosófica e artística os autores da Antiguidade clássica, como Platão, Aristóteles, Pitágoras, Virgílio
e Cícero, entre outros. Durante o Renascimento, nos séculos XV e XVI, o Classicismo integra
a perspectiva humanista. Como uma tendência estética, literária, artística, filosófica, o Classicismo centra-se na
perspectiva antropocêntrica e fundamenta-se na cultura greco-latina da Antiguidade, também chamada cultura clássica
(daí o nome Classicismo).
Durante o Renascimento, a produção e a recepção das artes se centravam, sobretudo, em torno do clero e dos mecenas.
Florença, por exemplo, foi um dos berços da produção intelectual e artística do Classicismo. Fundada em 1459 pelo
mecenas Cosme de Médici, a Academia Platônica de Florença traduzia, comentava e divulgava diversas obras greco-
latinas. Além da Academia, os Médici financiaram esculturas e pinturas, como as de
Michelangelo e de Botticelli.
O Classicismo foi cultivado na Europa entre os séculos XV e XVII.
Você vai ler dois textos de Camões, o principal poeta do Classicismo português e um dos grandes escritores
da literatura universal. O primeiro é um trecho do canto V de Os lusíadas, poema épico que celebra as glórias
portuguesas conquistadas com as grandes navegações oceânicas; o segundo é um poema lírico.

Texto 1
No canto V, o capitão-mor Vasco da Gama narra o momento em que, depois de atravessar por “mares nunca de antes
navegados”, surge diante dele e de sua esquadra alguma coisa maior que tormenta, com terríveis feições humanas e
um tom de voz “horrendo e grosso”, que “pareceu sair do mar profundo”. Tal figura, disforme e de “grandíssima
estatura”, lhes “pôs nos corações um grande medo”, levando-os a arrepiarem “as carnes e o
cabelo”. Por se atreverem a navegar em “longos mares”, aqueles navegadores ouviram da gigantesca e medonha
criatura a profecia de que iriam sofrer “naufrágios, perdições de toda sorte”.
Leia o trecho que vem na sequência desse episódio.
[...]
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: “Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo, me tem maravilhado!”
A boca e os olhos negros retorcendo
E, dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:
“Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Polo Antárctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende!
Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.
Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa.
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das Águas a Princesa.
Um dia a vi, co as filhas de Nereu,
Sair nua na praia: e logo presa
A vontade senti de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.
Como fosse impossíbil alcançá-la,
Pola grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la
E a Dóris este caso manifesto.
De medo a Deusa então por mi lhe fala;
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: “Qual será o amor bastante
De Ninfa, que sustente o dum Gigante?
“Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano.”
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.
Já néscio, já da guerra desistindo,
Hũa noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Thetis, única, despida.
Como doudo corri, de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
Oh! Que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei cum duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo
E, junto dum penedo, outro penedo!

[...]
Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros, que ves, e esta figura
Por estas longas águas se estenderam.
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Thetis cercando destas águas.”
Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito de ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.

(São Paulo: Saraiva, 2010. p. 140-3.)


alçado: altivo, dotado de brio.
alta: nobre, ilustre.
amaro: amargo.
capitão do mar: antiga designação da patente
militar situada logo abaixo da de almirante.
Encélado, Egeu e o Centimano: na mitologia
grega, nomes dos Gigantes; Egeu, também chamado
Briareu, tinha o epíteto de Centimano, por ter cem
braços; assim, na expressão “Egeu e o Centimano”,
compreende-se “Egeu, o Centimano”.
esposa de Peleu: na mitologia grega, a ninfa do mar
Thetis, filha do deus marinho Nereu e da oceânide Dóris.
fado: destino, sina.
filhos aspérrimos da Terra: os Gigantes, filhos
de Gaia (Terra); o adjetivo aspŽrrimos faz alusão
ao aspecto descomunal e desagradável dessas
criaturas.
gesto: semblante; rosto.
honesto: moralmente irrepreensível; casto.
néscio: sem discernimento, desprovido de bomsenso.
Neptuno: na mitologia romana, deus do mar, irmão
de Júpiter; na mitologia grega, é Poseidon.
nojo: desgosto, pesar.
o que vibra os raios de Vulcano: o deus romano
Júpiter. Vulcano, deus do fogo fabricava os raios
usados por seu pai, Júpiter. (Na mitologia grega,
Júpiter é chamado de Zeus, e Vulcano, de Hefesto.)
Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, Plínio: Ptolomeu
(século II d.C.) e Estrabo (século I a.C.) foram
geógrafos gregos; Pompónio (século I d.C.), geógrafo
romano; Plínio (século I d.C.), naturalista romano.
penedo: grande pedra, rochedo.
promontório: elevação, parte mais alta de um
terreno.
quedo: imóvel, parado.
vontade: coração; alma.
1. Na composição de Os lus’adas, elementos históricos misturam-se a elementos
míticos, maravilhosos. Com base no trecho do poema épico lido e no boxe “Entre o Atlântico e o Índico”,
responda:
a. No poema, Adamastor é o mítico gigante com que Vasco da Gama e sua esquadra se deparam no percurso da
viagem às Índias. Em termos geográficos, o que é esse gigante? Onde ele se situa?
b. Historicamente, que nomes ele recebeu?
c. Ele se manteve, por muito tempo, desconhecido pelos europeus, mesmo pelos mais célebres geógrafos e
naturalistas greco-latinos. Identifique no texto uma passagem que confirme tal afirmação.
2. No texto de Camões, Adamastor é associado aos mitos greco-latinos.
a. Quais são as origens de Adamastor? Comprove sua resposta com versos do texto.
b. Contra quais deuses ele guerreou? Comprove sua resposta com versos do texto.
3. Adamastor, que foi capitão do mar e guerreou contra poderosos deuses, não expõe somente sua força e sua
fúria; ele revela também sua fragilidade: seu amor por Thetis.
a. Diante da impossibilidade de conquistar a ninfa, o que Adamastor resolveu fazer?
b. Para conter o gigante, Thetis e sua mãe, Dóris, utilizaram uma estratégia. Qual? Extraia do texto um trecho
que confirme sua resposta.
c. Certa noite, de longe, Thetis se mostrou a Adamastor. O que aconteceu
nesse encontro?
4. Releia estes versos:
“Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Thetis cercando destas águas.”
Adamastor sofre as penas pelo seu atrevimento: convertido em cabo, ele tem suas mágoas duplicadas
(“dobradas mágoas”). Levante hipóteses:
Por que, de acordo com tais versos, seu suplício é dobrado?
5. Na última estrofe do texto em estudo, Vasco da Gama retoma a narração e conta como a presença
do gigante Adamastor teve fim. A atitude final de Adamastor consistiu em oferecer resistência à
passagem da esquadra de Vasco da Gama? Justifique sua resposta.
6. Camões era cristão e viveu na época da Inquisição, tribunal que reprimia tudo o que considerasse
uma ameaça à fé católica. Apesar disso, retomou, como escritor renascentista, a cultura clássica
greco-latina e a conciliou com a tradição cristã. Tendo em vista tais informações, responda:
Como o cristianismo se manifesta no texto em estudo?

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