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PAULO E O PENSAMENTO

DE FRONTEIRA:
OBSERVAÇÕES SOBRE
TEOLOGIA PRÁTICA

Pf. Dr. Eduardo Sales


1. PAULO E A EPISTEME DE FRONTEIRA

• Epistemologia
• Teoria Clássica e Teorias da Complexidade
• Pensamento pós-colonial
• Pós-colonialistas
O pensamento de fronteira se apresenta como uma
proposta de reflexão a partir de outro local possível,
dissidente em relação ao pensamento clássico.
Questiona os essencialismos; as epistemes
simplistas e dualistas; Uma possibilidade real de
reflexão a partir da complexidade, resistindo à
necessidade quase “divina” e violenta de reduzir
toda diferença à síntese.
• Outras áreas
Glória Anzaldúa Borderland/La Frontera: The New Mestiza (1987)
TOLERÂNCIA E FLEXIBILIDADE
RECONHECE A MENTALIDADE MESTIZA
AMBIGUIDADE A mestiza expande a episteme de forma
inclusiva. Questiona os conceitos usados Forma uma nova consciência, não
Fundamento Cultural. A mestiza como muros de separação (inimigos dualista. É uma mudança interior.
devido à realidade de migrante, internos) e transita entre diferentes conceitos, Uma nova mentalidade que é
precisa aprender a viver (transitar) inclui ao invés de excluir, desenvolvendo flexível em meio às diferenças e
entre as culturas. Uma vivência uma personalidade plural. ambiguidades
transcultural. - É consciente da necessidade de
- É preciso ser tolerante às ambiguidades.
Para Anzaldúa, reconhecer a “Índia na cultura mexicana e, mexicana do pacificação, por isso não escolhe
ambiguidade implica em “não ponto de vista anglo-americano”. Com lados.
assumir lados”. Por isso ela deixa flexibilidade move-se para fora das formas - Assume uma sobreposição.
o pensamento convergente em cristalizadas e do pensamento convergente.
razão do divergente. Só assim - Ela reinterpreta a história e, usando novos “um ponto de vista contrário nos
seria possível não rejeitar nada, símbolos, dá forma a novos mitos. prende em um duelo entre
nem ninguém. Era preciso ter uma - Tolerância às contradições para equilibrar opressor e oprimido”.
posição sobreposta, um olhar de as culturas, “ser entre as culturas”. (Não
cima, “era preciso estar dos dois qualifica ou moraliza as culturas)
lados ao mesmo tempo”.
Apóstolo Paulo, um Teólogo de Fronteira
RECONHECE A AMBIGUIDADE TOLERÂNCIA E FLEXIBILIDADE MENTALIDADE MESTIZA
Fundamento Cultural. Transita entre Paulo também assume uma postura de Rompe com os dualismos ao tratar do
diferentes culturas. Um Grego na flexibilidade. Rompe com as limitações conflito judaico-gentílico (Rm 3,23;
cultura judaica, um Judeu zeloso entre conceituais e culturais, estendendo sua Gal 3,28; Ef 2,11-14; Cl 3,11, etc).
os gentios (Gl 1:13-14; Fp 3:4-6; 1Tm psique para incluir a todos (judeus e os Não há separação e Cristo é o “entre-
1:13; At 8:1,3; 9:1-4, 21) foi chamado povos). “Fiz-me tudo para com todos, com lugar” onde o santo e o pecador
para pregar aos gentios entre os judeus o fim de, por todos os modos, salvar coexistem e as dualidades são
(Gl 1:15-16; Rm 1:5; Ef 3:8). alguns” (1Co 9:19-22). dissolvidas.
Identificou a crise cultural e a Não eliminou as culturas, antes elaborou A teologia de Paulo é direcionada pela
polarização dualista. Deixa o novos conceitos para atender à realidade e para a paz, conceito que surge na
convergente para o divergente. de fronteira: a “justificação”, a “graça” e a fronteira. “Porque ele é a nossa paz, o
Abandona o essencialismo que anula a “fé” anunciam a tolerância de Deus para qual de ambos fez um; e, tendo
Graça, e razão de incluir todos os com todos (Rm 4:1-11), Deus não derribado a parede da separação que
povos. Não assume lados, e opta por classifica por padrões étnicos religiosos, estava no meio, a inimizade, aboliu,
uma sobreposição “Em Cristo”. (Gl sociais ou de gênero (Gl 3:28) Paulo, na sua carne, a lei dos mandamentos
2:12-21; Rm 1:16; 2:11; 3:22; Gl 3:28, inclusive, reinterpreta as histórias bíblicas na forma de ordenanças, para que dos
Ef 2:11-14 e outros). Não nega o a partir da fronteira, rejeitando os dois criasse, em si mesmo, um novo
judaísmo (1Co 7,18-24; Rm 9-11, não essencialismos (Ex. Abraão Gl 3:8-9). homem, fazendo a paz,” (Ef.2:14-15)
dilui as ambiguidades). - Equilibra as culturas, abandona os
conflitos e a própria lei (2Co 3,6; 5,18).
• Ambiguidade cultural: “[...] outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja
de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da
minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. Quando, porém, ao que
me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, [...] para que eu o pregasse entre
os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue” (Gl 1:13-16); “sendo tu judeu, vives como
gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2:14)

• Sobreposição em Cristo: “ [...] o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a
fé em Cristo Jesus, [...] pois, por obras da lei, ninguém será justificado.” (Gl 2:16); “Pois não me
envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1:16); ” justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo,
para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção” (Rm 3:22); “[...] outrora, vós,
gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se intitulam circuncisos, na carne, por
mãos humanas, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e
estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. Mas, agora, em
Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque
ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava
no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para
que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz” (Ef 2:11-15).
• Tolerância e expansão da Episteme: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de
todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de
ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para
ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu
mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os
que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos.
Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1Co 9:19-22).
• Não Dilui as Ambiguidades: “Foi alguém chamado, estando circunciso? Não desfaça a
circuncisão. Foi alguém chamado, estando incircunciso? Não se faça circuncidar. A circuncisão, em
si, não é nada; a incircuncisão também nada é, mas o que vale é guardar as ordenanças de Deus.
(1Co 7:18-19)
• Uma Nova Mentalidade Mestiza: “Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do
velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; no qual não pode haver grego nem judeu,
circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos” (Cl 3:9-
11); “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes
batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem
escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3:26-
28).
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE TEOLOGIA PRÁTICA
• A mentalidade de fronteira é uma perspectiva prática. (Paulo e Anzaldua)
• As pessoas que precisam mudar, rumo a uma nova mentalidade. Paulo não reduzir a realidade à síntese,
mantém a complexidade entendendo a possibilidade de viver entre diferentes culturas.
• O transcultural precisa ser entendido além da dimensão missionária. Na história da igreja a teologia
paulina foi desistoricizada pelas teologias metafísicas, pelas metodologias científicas. Essa influência prejudica
a compreensão do sentido, “abrindo mão” da realidade de fronteira.
• A mentalidade de fronteira possibilita a interpretação a partir da transculturalidade. Quando NÃO
consideramos Paulo a partir da fronteira, a “Justificação” e a “Graça”, por exemplo, perdem sua dimensão de
tolerância e inclusão, tornam-se doutrinas com sentido limitado para a salvação, sem utilização prática.
• Para Paulo a “Justificação’ e a “Graça” significam, perdão; igualdade em todas as dimensões (étnica, de
gênero, social, econômica etc.); superação e aceitação das diferenças; superação das formas classificatórias
na relação com Deus e com o próximo; eliminação das barreiras culturais e ideológicas que geram diferenças
e inimizade; a “justiça pela fé” é uma resposta da nova consciência à segregação religiosa e étnico-racial da
época paulina, é uma mensagem da tolerância de Deus para com todos os povos e que também deveria ser
vivenciada pelas comunidades entre judeus e gentios. Assim, ambos os termos não podem ser reduzidos a um
“simples” conceito de aceitação jurídica e de um favor imerecido.
• Considerar a Teologia de Paulo a partir da mentalidade de fronteira oportuniza ampla reflexão sobre a
teologia prática. Isso porque pressupõe uma epistemologia complexa, oportuniza uma forma transcultural de
pensar a teologia e o próprio texto bíblico, fundamentando o fazer teológico em diálogo com a vivência e as
ambiguidades das fronteiras culturais que foram aproximadas com a globalização midiática.
3. Referências
• ARA – A Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1956/1993

• ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987.

• WOLF, Eric. Songs of the Shaking Earth. Chicago: University of Chicago Press, 1959.

• HANNERS, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: Palavras-chave da antropologia transnacional. In: MANA, vol. 1, n. 3, Rio de Janeiro, 1997. p.
7-39, Disponível em
https://www.scielo.br/j/mana/a/bsg6bwchcBbqfnpW6GYvnPg/?lang=pt acesso em 10/08/2022.

• LIMA, Eduardo Sales. “Fiz-me tudo para com todos”: A mentalidade de fronteira na teologia de Paulo. In: RIBLA, n.91, vl.3, p.149-162,
2023a. Disponível em https://www.centrobiblicoquito.org/images/ribla/91.pdf Acesso: 10/01/2024.

• LIMA, Eduardo Sales. Paulo, e a Teologia de Fronteira: a episteme pós-crítica e o paradigma da paz. In: Revista de Cultura Teológica. v.
32, n.105, p.98-114, 2023b. Disponível em < https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/62979> Acesso em: 10/01/2024.

• LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas: Aulas Publicadas por Javier Torres Nararrate. Petrópolis: Vozes, 2010.

• MIGNOLO, Walter . Habitar la frontera: sentir y pensar la descolonialidad (antología, 1999-2014). Barcelona: Ed.Bellaterra, 2015.

• Morin, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução do francês: Eliane Lisboa-Porto Alegre: Ed. Sulina, 2005.

• NICOLESCU, Basarab. La Transdisciplinariedad: Manifiesto. México: Multiversidad Mundo Real Edgar Morin, A.C. 1996.

• SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

• VASCONCELOS, José. La Raza Cósmica: Misión de la raza iberoamericana. Agencia Mundial de Lebreira, Madri, 1ª. ed. 1925.

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