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CAMPANHAS NARRATIVAS: UM RECURSO DE PERSUASÃO:

João Paulo Cardoso de Oliveira1


Mariza Fernanda Medeiros Vieira da Cunha2

RESUMO
A narração é uma característica importante na publicidade moderna. Através da evolução da
linguagem publicitária, muitas técnicas da retórica e da literatura foram incorporadas à redação
a fim de aperfeiçoar o caráter persuasivo da mensagem. Compreende-se, então, a narrativa
como uma técnica fundamental na construção do texto, devido, principalmente, ao seu
potencial de encantamento através do humor e da emoção. Por meio de uma análise de caso,
procura-se descrever as características da linguagem publicitária aplicadas a campanhas
narrativas, que são determinadas pelo grau de envolvimento do interlocutor com a estória
narrada.

Palavras-chave: Publicidade, Persuasão, Narração, Retórica

ABSTRACT
The narrative is an important characteristic on the modern advertising. Through the evolution of
the advertising language, many characteristics of the rhetoric and literature were incorporated to
copy, in order to improve the message’s persuasive character. In this case, the narrative is a
fundamental technique on the writing of advertising, due to the humor and emotion enchantment
potential. Through a case analysis, this article demands to describe the publicity’s
characteristics apply on narratives campaigns, determined by the level of the interlocutor’s
involvement with the history.

Key-words: Advertising, Persuasion, Narration, Rhetoric

1 INTRODUÇÃO

Campanhas publicitárias podem se utilizar de diversos aparatos da


linguagem a fim de persuadir o seu público. A redação publicitária tem
desempenhado um papel fundamental no contexto da mensagem, sendo
utilizada para destacar as qualidades do produto, apresentar seus benefícios e
envolver o interlocutor em uma situação na qual o produto se faz eficaz,
podendo então utilizar os elementos da narrativa.
Em seus primeiros anos, as propagandas eram absolutamente
descritivas e diretas. Com a evolução do texto publicitário, diversas ferramentas
da linguagem foram acrescentadas ao rol de possibilidades persuasivas
disponíveis. Esta evolução transformou a redação em um estudo elaborado
1
Acadêmico do Curso de Comunicação Social – Habilitação: Publicidade e Propaganda da
Faculdade de Pato Branco - FADEP
2
Professora Especialista do Curso de Comunicação Social – Habilitação: Publicidade e
Propaganda da Faculdade de Pato Branco – FADEP.
2

sobre os caminhos mais efetivos para consolidar a posição do anunciante e


entender as necessidades do seu público.
A narração se torna eficaz na apropriação deste caminho quando o
anunciante e o interlocutor mantêm uma relação hedonista, sendo necessária a
aplicação de uma mensagem persuasiva composta por técnicas e ferramentas
específicas do texto publicitário moderno.
Busca-se através desse estudo, então, compreender as características
do texto publicitário, principalmente a retórica, como componentes do discurso
narrativo, especificando suas potencialidades persuasivas.

2 A EVOLUÇÃO DO TEXTO PUBLICITÁRIO

As primeiras propagandas brasileiras surgiram no começo do século


XIX. Eram compostas por textos curtos, desprovidas de imagens, funcionando
como pequenos informes, características que hoje chamamos de classificados.
As propagandas eram usadas para divulgar serviços (“um sujeito, vindo
ultimamente de Lisboa, se propõe a ensinar as línguas francesa e inglesa”) ou
para negociar trocas e vendas, muitas vezes de escravos (“vende-se uma preta
ainda rapariga, de bonita figura, a qual sabe lavar, engomar, coser e cozinhar,
na rua do Ouvidor n. 35, 1º andar). A partir do surgimento de novos jornais,
como O Mosquito e Mequetrefe, em 1875, os anúncios foram ganhando
ilustrações, que se juntavam às informações verbais para criar um diferencial
persuasivo para a época. (Carrascoza, 1999, p. 73-74)
Nos primeiros anos do século XX, quase um século após o surgimento
da propaganda no Brasil, os anunciantes procuraram os escritores e poetas
para redigirem seus anúncios, dentre eles Casimiro de Abreu, Basílio Viana,
Bastos Tigre e Olavo Bilac, que acrescentaram à publicidade alguns
fundamentos da literatura, como a rima e as figuras de linguagem.
Olavo Bilac foi, provavelmente, o escritor que conseguiu mais sucesso
na propaganda. Compôs versos que serviram para vender de xaropes a velas.
Em um anúncio para a empresa Fósforo Brilhante, Bilac redigiu:

Aviso a quem é fumante


Tanto o Príncipe de Gales
3

Como o Dr. Campos Sales


Usam Fósforo Brilhante.
(CARRASCOZA, 1999, p. 78)

Para vender os ditos fósforos, o redator relatou a preferência do Príncipe


de Gales, na época Jorge V, e do então presidente da Republica, Manuel
Ferraz de Campos Sales, pelo produto. Tal abordagem é uma das
características mais usadas na propaganda nos dias de hoje: o apelo à
autoridade.
Em 1914, surgiu em São Paulo a primeira agência de propaganda do
Brasil, a Eclética. Segundo Carrascoza (1999, p. 81), foi o período em que “a
atividade de criar, produzir e distribuir anúncios para jornais e revistas passa a
ter uma organização mais sólida”. No mesmo período, outro acontecimento
alterou o cenário nacional da propaganda. Empresas multinacionais, como a
Bayer, a General Motors, a Colgate e a Nestlé, se instalaram no Brasil,
importando o padrão e os próprios profissionais de propaganda do exterior. A
GM, por exemplo, trouxe na década de 20, junto com seu departamento de
marketing a agência Thompson (fundada por John Walter Thompson, hoje
denominada JWT). Algumas evoluções, como a utilização de fotografias nos
anúncios, marcaram a publicidade nesse período.
Outra importante característica da publicidade foi utilizada por Monteiro
Lobato entre o final da década de 20 e o início da década de 30, a criação de
um dos primeiros garotos-propaganda da história da publicidade brasileira, o
Jeca Tatu. O personagem, retirado da obra Urupês do próprio Monteiro Lobato,
fez muito sucesso na divulgação do Biotônico Fontoura. Um bom exemplo da
utilização de estereótipos na propaganda.
Na década de 30 a publicidade ultrapassou os limites do impresso.

[...] disseminaram-se os painéis em estrada; propagandas em slides


são exibidas nas salas de cinema; surgem análises de mercado
precedendo as campanhas publicitárias; começa-se a se recrutar
modelos para fotos de anúncios, cujos layouts ostentavam
principalmente ilustrações ou fotos compradas no exterior; o rádio
começa a fascinar com seus programas e se transforma num
importante veículo para a propaganda, quando então aparecem os
spots e os jingles [...]. (CARRASCOZA, 1999, p. 88)

Nessa década, os textos se tornaram mais extensos, argumentativos e


adjetivados, provavelmente sob influência do rádio, pois o consumidor não
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tinha como visualizar o produto, o que tornou fundamental a descrição do


mesmo.
Após um período difícil na década de 40, com o esfriamento do mercado
publicitário devido à Segunda Guerra Mundial, a década de 50 trouxe, além do
fortalecimento econômico e da expansão e diversificação da indústria
brasileira, algumas alterações significativas no padrão das peças publicitárias
nacionais. O texto ganhou ainda mais tamanho, carregando muitas
informações e características do produto. Consolidou-se o padrão título-texto-
slogan, que impera na mídia impressa até os tempos atuais. Nessa década,
surge a Escola de Propaganda em São Paulo, a primeira do Brasil.
Na década de 60, a argumentação racional, vertente fundamental da
década de 50, cedeu espaço ao apelo às emoções. Para agregar diferencial ao
produto e à sua comunicação, os anúncios deram ênfase à criatividade. As
peças se apoiavam em ideias e eram fundadas sobre uma unidade criativa.
Muitas das inovações desse período se tornaram padrão e são adotadas até
hoje. A ilustração perdeu espaço para a fotografia publicitária, a função
conativa, que já vinha sendo utilizada em alguns anúncios da década anterior,
passou a ser padrão, a estrutura aristotélica começou a ganhar importância. A
propaganda brasileira ganhou um caráter persuasivo que até então não
desfrutava. Segundo Carrascoza (1999, p. 105), “enquanto o País se afundava
na ditadura militar, a publicidade nacional vivia a grande revolução de sua
linguagem”, revolução que serviria de base para a consolidação da publicidade
brasileira nas décadas de 70, 80 e 90 – seu período mais criativo.
As décadas seguintes consolidaram as inovações propostas nos anos
60. O que era vanguarda se tornou norma. Intensificou-se a presença do
esquema aristotélico, com estrutura circular. O texto publicitário adotou o
coloquialismo como estratégia de persuasão. Segundo Carrascoza (1999, p.
116) “se sedimenta na publicidade brasileira a estratégia de produção de peças
e campanhas de comunicação voltadas não unicamente para a divulgação de
produtos/serviços, mas de conteúdo corporativo, visando ao fortalecimento da
marca”.
Os anos 90 ficaram marcados pelo auge da rede associativa e da
técnica palavra-puxa-palavra. Foi uma década rica, tanto na criatividade das
peças, como nas inovações do mercado publicitário.
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Criam-se novos formatos publicitários; multiplicam-se os apliques em


outdoors; proliferam as revistas segmentadas que passam a trazer
encartes e anúncios especiais; cresce a concorrência entre as redes
de televisão; surge a TV a cabo, um novo espaço para a veiculação
de comerciais e patrocínios, e a Internet, rede internacional de
computadores. (CARRASCOZA, 1999, p. 124)

O texto publicitário sofreu grande transformação desde seus primeiros


anúncios, no começo do século XIX, até o começo do século XXI. Durante esse
período, as peças publicitárias evoluíram de meros classificados a anúncios
sedutores, compostos por emaranhadas técnicas de persuasão. A seguir,
serão analisadas as características que compõem a linguagem publicitária
atual.

3 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA

O principal objetivo de uma peça publicitária é a persuasão. Seja para


motivar o consumo, vender um conceito ou ideia, ou até mesmo convencer o
interlocutor para algum posicionamento. É importante diferenciar o
convencimento da persuasão. No primeiro, o foco é a razão, a argumentação
através de um raciocínio lógico que procura direcionar a escolha através de
provas objetivas. O segundo atua em caráter ideológico, de forma subjetiva e
intemporal, age através das emoções e sentimentos visando obter a adesão do
interlocutor. (Carrascoza, 1999, p. 17).
Segundo Figueiredo, (2005, p. 53) “A publicidade raramente convence
alguém de algo. Ela persuade alguém de algo”. Para persuadir, utiliza-se no
texto publicitário uma série de ferramentas da linguagem. Uma das suas
principais características é o posicionamento. Uma empresa que aplica uma
imagem distante e fria raramente consegue conquistar a atenção do cliente e,
consequentemente, persuadir seu público. É com o posicionamento na
comunicação que a marca se aproxima do seu público potencial.

Todo texto publicitário é coloquial. Ele pode ser mais ou menos


jovem, pode conter gírias ou não, mas, mesmo falando com
consumidores sérios, como executivos ou senhores da terceira idade,
a abordagem a ser utilizada deve ser sempre leve, informal, coloquial.
(FIGUEIREDO, 2005, p. 40).

A escolha lexical é um dos processos que define o caráter e a função da


mensagem. Através de uma criteriosa escolha de palavras o anúncio é
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direcionado para um determinado tipo de consumidor. Segundo Figueiredo


(2005, p. 35) “existem dois tipos principais de consumidor: o modelo de
processamento de consumidor e o modelo experimental hedonista”. No
primeiro, o consumidor conhece o produto e já está interessado na compra,
procura a publicidade para descobrir o melhor preço e a melhor opção para
efetuar a compra, por isso busca anúncios descritivos, que apelem à razão,
que o levem a escolher a melhor marca.
Já o consumidor experimental hedonista não está interessado,
inicialmente, pelo produto:

O consumidor do modelo experimental hedonista tem de ser


seduzido, por essa razão é preciso criar anúncios divertidos,
instigantes, chocantes e arrojados para chamar sua atenção. Tais
anúncios devem ter alguma situação que envolva o produto, de
preferência apresentando-o como solução para determinado conflito
causado pela proposição do título. (FIGUEIREDO, 2005, p. 37)

O consumidor hedonista precisa ser persuadido. A função hedônica é


aquela em que se busca conduzir ao prazer, ou cuja motivação seja o querer.
Esta função é dividida em dois tipos: a estética – fazer o consumidor conhecer
o produto; e a mística – fazer o consumidor acreditar no produto. Para
Carrascoza (2004, p.34), “em ambos os casos, o fazer saber e o fazer crer
estão a serviço do fazer querer publicitário, ou seja, de levar o receptor da
mensagem a experimentar o produto ou serviço”.
Os textos publicitários podem ser compostos por diversas figuras de
linguagem, como rima, ironia, paráfrase, metáfora, eufemismo, entre outras. As
figuras de linguagem, assim como a musicalidade, são componentes da
estética do texto.
As funções de linguagem também têm um importante papel na
mensagem publicitária, a principal e mais característica delas é a conativa.
Nesta função, a mensagem é conjugada no imperativo, buscando sugerir,
influenciar, convidar e determinar o leitor a realizar determinada ação. Essa
função está presente em muitos títulos e slogans de sucesso, como “compre
Batom” e “beba Coca-Cola”. A função conativa é facilmente relacionada à
linguagem publicitária, desde meados dos anos 60, quando passou compor
efetivamente o texto da publicidade.
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As demais funções: emotiva, referencial, metalinguística, fática e


poética, também são usadas na redação de um texto publicitário. Alem dessas,
existem outras características que compõem a mensagem e completam o
cenário de possibilidades persuasivas da linguagem publicitária.
A estrutura circular, fundamental no esquema aristotélico, a criação de
estereótipos, o apelo à autoridade, a criação de inimigos e a repetição são
alguns exemplos. Destaca-se na criação de uma peça persuasiva narrativa,
principalmente a partir da década de 90, a rede associativa, que é a sequência
de termos que formam uma mesma trama de significados. Para Carrascoza
(1999, p.51), “um termo só tem valor porque está num encadeamento, ou seja,
alinhado antes ou após outro na cadeia da fala”. Para a palavra ‘verão’, por
exemplo, compõe a rede semântica os termos: calor, sol, brisa, vento,
natureza, clima, entre outras. A aplicação dessa rede associativa na construção
do texto é denominada como “palavra-puxa-palavra”.
Uma campanha sedutora utiliza algumas, ou várias, dessas
características. Para complementar o rol de possibilidades persuasivas do
texto, a publicidade se apodera da retórica, um estudo milenar da persuasão.
As especificidades da retórica inserida na publicidade serão analisadas no
próximo capítulo.

4 A RETÓRICA E OS MODELOS DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Na concepção do filósofo Aristóteles, a retórica é a faculdade de


considerar, para cada questão, o que pode ser apropriado para persuadir.
Emprega diversos recursos da linguagem para atrair a atenção e o interesse de
um auditório social, para informá-lo e persuadi-lo. Segundo outro filósofo,
Chaim Perelman, a retórica é formada por técnicas que permitem provocar ou
aumentar a adesão dos espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento3.
São exemplos de técnicas e recursos da retórica: alegoria, metáfora, rima,
ironia, humor, metonímia, repetição, título, entre outros.
Segundo Carrascoza, o próprio Aristóteles divide a retórica em três
gêneros:

3
Citadas retiradas da página http://www.persuasao.com/autores.htm, acessada dia 9 de junho
de 2009, às 22h20min.
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Deliberativo – futuro – delibera aconselhando ou desaconcelhando


para uma ação futura. Judiciário – passado – a acusação ou defesa
incide sobre os fatos pretéritos. Demonstrativo – presente – para
louvar ou censurar, sempre se leva em conta o estado atual das
coisas. (CARRASCOZA, 1999, p. 25-26).

Deliberativo, segundo a definição citada, é o gênero dominante na


publicidade criada sobre o modelo apolíneo. O gênero demonstrativo rege o
modelo dionisíaco, onde se aplicam diversas características da narrativa,
utilizando estórias como ferramentas de persuasão.

4.1 Modelo Apolíneo

O modelo apolíneo é aquele que explora a racionalidade, um mundo


idealizado, apresentando promessas de felicidade, procurando persuadir
através de conteúdo idílico4 (Nietzsche apud Carrascoza, 2004).
A dissertação é o gênero discursivo dominante no modelo apolíneo.
Esse gênero objetiva discutir dados da realidade por meio de conceitos, que
são utilizados para comentar, interpretar, expor e resumir as ideias
apresentadas, explicitando a opinião do anunciante. O texto pode contar uma
história, mas não apresenta todos os elementos da narração:

Todo texto apresenta narratividade (transformação que ocorre entre


dois estados sucessivos e diferentes), mas a presença da narração
(estados e transformações ligados a personagens individualizadas)
com seus elementos caracterizadores fundamentais é quase nula.
(CARRASCOZA, 2004, p. 40)

O esquema artistotélico é fundamental na construção de um texto


apolíneo. As quatro etapas básicas do esquema são: exórdio (introdução do
assunto abordado pelo discurso); narração (apresenta os fatos conhecidos,
organizando os detalhes necessários para o entendimento do texto); provas
(dados demonstrativos associados aos fatos) e peroração (epílogo que une as
três etapas anteriores).
Na unidade textual do modelo apolíneo, a peroração retorna ao exórdio,
criando uma estrutura fechada, chamada estrutura circular. Para Carrascoza
(2003, p. 43), esta volta ao conceito inicial do texto impede “que o interlocutor
tire suas próprias conclusões, sendo conduzido pela linha de raciocínio
adotada”. Um anúncio que permite a livre interpretação do interlocutor, arrisca-
4
Idílio sm. Pequena poesia campestre. Amor poético suave. Adj. Idílico.
9

se em transmitir a mensagem de forma errada, colocando em risco a qualidade


da comunicação do anunciante. Para evitar este risco, os textos são
construídos com complexidade mínima, reduzindo quaisquer dificuldades de
compreensão. O texto apolíneo deve girar em torno de um único assunto que,
em geral, é introduzido no título (Carrascoza, 2004, p. 45)

4.2 Modelo Dionisíaco

Enquanto o gênero deliberativo rege o modelo apolíneo, no modelo


dionisíaco, ou epidíctico, o gênero dominante é o demonstrativo. Para
Nietzsche (apud Carrascoza, 2004), o domínio é da emoção, um estado de
embriaguez, liberdade e alegria, dominado pelos sentimentos e as leis do
encantamento.
Aqui, o discurso é narrativo: “o produto passa a ser um elemento
inserido na história de forma sutil” (Carrascoza, 1999, p. 161). O texto contém
todos os elementos de narratividade e narração.
Este modelo é adotado em anúncios institucionais, que visam a
fortalecer o posicionamento da marca; em casos onde a argumentação racional
não seja eficiente para compor uma campanha persuasiva, podendo dispensar
as instruções de uso, as funcionalidades e as vantagens objetivas do produto;
quando o produto é líder de mercado em seu segmento; ou ainda, quando a
mensagem é destinada a um público de elite, que já conhece o produto. Para
Carrascoza (2004, p.87):

Os anúncios dessa variante vão buscar influenciar o público contando


histórias. É uma estratégia poderosa de persuasão, sobretudo
quando o neurologista Oliver Saks nos lembra que “cada um de nós
tem uma história de vida, uma narrativa íntima – cuja continuidade,
cujo sentido é nossa vida. Pode-se dizer que cada pessoa constrói e
vive uma ‘narrativa’ e que a narrativa é a sua identidade”.

A cultura é formada de “um conjunto de narrativas compartilhadas por


um grupo, por meio das quais se instaura uma identidade coletiva” (Costa apud
Carrascoza, 2004, p. 88), tais características do texto dionisíaco tornam eficaz
a aproximação do anunciante ao seu interlocutor, pois relaciona a marca com
estórias que podem se assemelhar à história de vida do cliente e podem, até
mesmo, envolver a fantasia do interlocutor com a realidade criada pelo produto.
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A abordagem narrativa procura comover o público, mantendo viva a


marca em sua memória por meio da emoção e do humor. O modelo dionisíaco
é usado, principalmente, em comerciais, onde os artifícios do som e da imagem
contribuem para a intensificação da experiência provocada pela comunicação.
Para compreender este modelo como uma estratégia de persuasão, será
analisada uma campanha publicitária em que o modelo dionisíaco é
empregado.

5 CAMPANHAS NARRATIVAS: UMA FERRAMENTA DE PERSUASÃO

Partindo-se da estrutura teórica apresentada, afiram-se a existência de


dois modelos na retórica do texto publicitário, cada um com características e
potencialidades persuasivas específicas. É importante entender que uma
mesma campanha pode apresentar elementos dos dois modelos, mas,
geralmente, apresenta um modelo dominante.
Analisando a narrativa como um recurso de persuasão, foi escolhida
uma campanha em que o modelo dionisíaco é dominante. Para isso, a
campanha deveria, impreterivelmente, contar uma narrativa, utilizando o humor
e/ou a emoção, contextualizando o produto à estória.

5.1 Análise de caso

No do primeiro semestre de 2009, a Vivo, tradicional operadora de


telefonia celular no Brasil, veiculou uma campanha institucional para fortalecer
a marca como líder de mercado em conectividade celular e internet móvel.
A campanha conta a estória de um jovem, que utiliza os serviços
oferecidos pela operadora, para realizar uma surpresa para a sua namorada. A
façanha inclui a locação de um balão utilizando a internet móvel, e a reunião de
mais de 500 pessoas e mais de 250 carros através do serviço de telefonia e as
mensagens curtas por celular (SMS) – um dos serviços da empresa.
A narrativa foi divida em três comerciais. Em cada um deles, a estória é
contada sobre a perspectiva de um dos personagens: o rapaz, o amigo e a
mãe, demonstrando como cada um participou da produção da surpresa. No
final de cada peça a surpresa é revelada, enquanto a namorada vê, do alto do
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balão, um gigante coração formado por os carros reunidos pelo namorado


apaixonado. Em todos os comerciais há o elemento comum: a conexão. Os
personagens utilizam os serviços da operadora para realizar “coisas incríveis”.

5.1.1 Aplicando os recursos de persuasão

A campanha apresenta diversos elementos persuasivos característicos


do modelo dionisíaco, mas se apodera também de elementos do apolíneo,
alternando entre os discursos narrativo e o dissertativo.
A palavra “conexão” é a referência na unidade criativa dos comercias. O
termo é descrito como uma ferramenta que permite a realização de “coisas
incríveis”, sendo também utilizado discretamente como sinônimo de
comunicação. De fato, a rede associativa foi construída sobre o termo
“comunicação”. Aplicando a técnica palavra-puxa-palavra, podemos retirar os
termos: “acredito”, “avisar”, “surpresa”, “mandei”, “e-mail”, “megafone”,
“chamei”, “fala” e “conexão”.
A mensagem é transmitida de forma clara e coloquial. São utilizados
termos populares da fala, como: “é sério”, “e aí”, “pode deixar” e “ta chegando”,
para aproximar as peças do seu público, acrescentando uma série de
expressões complementadas por longos suspiros e gritos animados. De fato, a
sonoridade ajuda a criar o cenário ideal para a campanha. As três peças são
construídas sobre uma única trilha sonora, uma canção melódica marcada pela
base rítmica da bateria e a harmonia crescente dos instrumentos de cordas. A
trilha é fundamental na construção de uma atmosfera animada e divertida,
sendo responsável, também, por diminuir o impacto da complexidade visual,
seguindo uma linha rítmica crescente, enquanto é intercalado por compassos
suaves onde as locuções e falas principais são utilizadas. Além disso, todos os
personagens são representados com muita expressividade, completando a
variedade de sentimentos a que os interlocutores são expostos ao longo dos
comerciais.
As características verbais são igualmente criteriosas. A escolha lexical
nunca foge da unidade criativa, por mais que os comerciais sejam compostos
por colagens de diversas situações, envolvendo diferentes personagens. Essa
singularidade lexical diminui qualquer dificuldade de entendimento, uma
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característica do texto apolíneo. Por outro lado, a pluralidade visual, constituída


pela diversidade de situações e recortes da estória montados sobre uma
linearidade temporal, enriquece o caráter narrativo da campanha, uma
característica do modelo dionisíaco. A complexidade visual pode ser
exemplificada pela utilização de mosaicos com seis cenas cada, demonstrando
a importância da pluralidade adicionada ao contexto, sem se afastar da
unidade da estória.
A repetição, tanto visual como verbal, é uma das características da
linguagem publicitária mais utilizada nessa campanha. Durante toda a
sequência os produtos e serviços da operadora são constantemente exibidos.
Aplica-se a repetição verbal para ampliar a expressividade de algumas frases
(“vem, vem, vem, vem...”). Além disso, repetem-se diversas cenas entre as três
peças. Curiosamente, os comerciais começam e terminam com as mesmas
cenas. Esses são os únicos momentos onde a linearidade temporal é desfeita.
Isso ocorre nos três comerciais, cada um à parte, criando uma estrutura circular
visual.
Essas duas características, a repetição e a simplicidade lexical, são
responsáveis pela delimitação da quantidade e qualidade das figuras de
linguagem, que são desvios na norma culta com a função de reforçar o teor da
mensagem (Terra, 1995). São encontradas figuras de som: aliteração (“dez
vezes mais”) e assonância (“Cláudia, é duas horas lá” e “todas as suas
amigas”); figuras de construção: elipse (“megafone pra agora?”) e silepse (“a
Vivo sempre cria maneiras...”); figuras de palavras: metonímia (“já consegui
uns dez carros”); além de alguns vícios de linguagem (“e aí mãe, ta chegando”,
“vamo rápido e “ó a mamãe aqui”).
A simplicidade das figuras de linguagem indica o raso teor literário da
campanha, de forma que a narratividade é executada, principalmente, pela
linearidade temporal e construção visual e verbal de pequenas narrativas que
se completam. Por outro lado, os personagens são bem elaborados e
desenvolvidos. Esta característica do gênero demonstrativo é devidamente
explorada na construção do personagem principal, por exemplo. Ao longo da
campanha ele tem a ideia; faz o planejamento, enquanto efetua o aluguel do
balão e reúne uma grande quantidade de carros; chegando à realização, com a
surpresa para a sua namorada. Essa evolução temporal é acompanhada com o
13

desenvolvimento do personagem em si, enquanto vemos suas preocupações e


leves alterações de humor durante os comerciais. A narração é uma das
principais características do modelo dionisíaco. No modelo apolíneo ela não é
desenvolvida de forma completa, pois a passagem do estado inicial ao final
ocorre sem aprofundar as alterações pessoais e funcionais dos personagens.
Podemos perceber as duas funções hedônicas na construção da
narrativa da campanha. A estética é sintetizada no uso constante dos serviços
da operadora pelos personagens, e reforçada pelas locuções (“a Vivo sempre
cria maneiras para você se conectar com qualidade”, “na Vivo você fala até dez
vezes mais” e “a Vivo tem a maior e melhor cobertura 3G”). A função mística é
mais subjetiva, e pode ser definida no sucesso do jovem a partir da utilização
dos produtos, mas é a construção desses momentos que dá força e veracidade
à estória, por mais fantasiosa que ela possa parecer. Temos então um público
consumidor hedonista que é levado a conhecer o produto através da locução e
da visualização de seu funcionamento, e levado a acreditar nele através da
descrição visual e verbal da experiência dos personagens.
Os comercias podem ser definidos como peças dionisíacas, com
elementos do modelo apolíneo. Essa composição dá à campanha o poder de
envolver seu público a uma estória onde ele pode se identificar, e visualizar
uma fantasia que ele gostaria de viver. Além disso, as características
deliberativas das peças sintetizam o conteúdo da mensagem em uma só
unidade criativa, simplificando o nível de compreensão da estória.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto publicitário moderno precisa ser criativo, sedutor e persuasivo


para ser eficaz em uma era onde a saturação de peças publicitárias sem
originalidade desgasta o público consumidor, que normalmente procura por
algo diferente na publicidade.
Campanhas que conseguem envolver o interlocutor, fazendo-o se sentir
parte da estória e se identificar ao momento e às emoções transmitidas, podem
obter a adesão e aprovação ao produto. Peças publicitárias compostas por
mensagens criativas são usadas na publicidade desde os anos 60, quando os
anúncios essencialmente informativos foram trocados por textos sedutores e
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persuasivos. Durante esse período, a variante deliberativa da retórica foi


utilizada em larga escala, principalmente na mídia impressa.
A partir da evolução do comercial e o crescente interesse mercadológico
e social pela televisão, campanhas narrativas conquistaram seu espaço. O
nível de envolvimento obtido através da publicidade pode determinar o sucesso
ou fracasso de um produto, e é por isso que as campanhas construídas sobre o
gênero demonstrativo continuam sendo opções eficazes de comunicação.
Segundo os criativos Ivan Wicksteed e John Norman, “saber contar uma
história e criar conexões emocionais entre ela e seu público é o que irá garantir
o sucesso de qualquer campanha”5.
O modelo de comercial narrativo, além de poder transitar sem problemas
entre o humor e a emoção, acrescenta mais uma opção de entretenimento no
meio do intervalo comercial, espaço que o consumidor está acostumado a ver
peças sem originalidade.
Avalia-se, portanto, o texto narrativo aplicado à publicidade como um
sedutor recurso de persuasão, extremamente eficaz na aproximação do
produto ao seu público quando se utiliza de humor e/ou emoção, da retórica, e
das características da linguagem publicitária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário: a


associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo:
Futura, 1999.

______. Redação publicitária: estudos sobre a retórica do consumo. São


Paulo: Futura, 2003.

______. Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura,


2004.

5
Informações retiradas da página http://www.midiaeconsumo.com.br, acessada dia 26 de junho
de 2009, às 0h15min.
15

FIGUEIREDO, Celso. Redação Publicitária: sedução pela palavra. São Paulo:


Pioneira Thomson Learning, 2005.

SOUSA, Américo de. (Org.). O que é a retórica: autores e definições.


Disponível em: http://www.persuasao.com/autores.htm. Acesso em: 9 jun.
2009.

TERRA, Ernani. Minigramática. São Paulo: Scipione, 1995.

AZEVEDO, Ney Queiroz. Contar histórias: o futuro da publicidade. Disponível


em: http://www.midiaeconsumo.com.br/2008/06/contar-histrias-o-futuro-da-
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