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Cidade e reestruturação do espaço: a Região

Metropolitana do Cariri (RMC) e a nova dinâmica


urbana no estado do Ceará

Cláudio Smalley Soares Pereira1


João César Abreu de Oliveira2

Resumo: Em 29 de Junho de 2009, o governo do Estado do Ceará criou a Região


Metropolitana do Cariri (RMC), a segunda região metropolitana do Estado, vi-
sando uma reorganização do território cearense numa perspectiva de desafogar a
capital Fortaleza e diminuir as disparidades econômicas, sociais e políticas entre
o interior e a capital. Para isso, foram feitos investimentos públicos em subespaços
selecionados, dentre eles a região do Cariri, representada fortemente pelo triângulo
CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha), buscando atrair novos investi-
mentos privados e promover o desenvolvimento do interior. O presente trabalho
analisa as transformações territoriais no Estado do Ceará, sobretudo, na região
do Cariri, que resultaram na criação da região metropolitana. Discute-se, assim, o
crescimento urbano atual da região e reflete-se sobre as perspectivas futuras para
a RMC, com intuito de entender a dinâmica espacial e as novas configurações
territoriais resultantes a partir da formação desse aglomerado urbano.
Palavras-chave: Produção do Espaço; Urbanização; Cidade; Dinâmica Urbana.

Introdução
A análise do fenômeno urbano vem a algumas décadas dando especial atenção às
mudanças na estrutura e aos aspectos funcionais que as cidades contemporâneas assumiram
a partir da década de 1970 em todo o mundo. A crise do modelo fordista de acumulação
e a passagem para um modelo de acumulação flexível ocasionou grandes transformações
nas diversas dimensões da sociedade (política, econômica, social e cultural).

1. Graduando em Geografia do Departamento de Geociências da Universidade Regional do Cariri – URCA. Bol-


sista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: clasmalley@hotmail.
com.
2. Orientador, Professor Doutor do Departamento de Geociências, Curso de Geografia da Universidade Regional
do Cariri – URCA e do IFCE – Campus Crato. Líder do Grupo de Pesquisa Geografia, Meio Ambiente e Cidada-
nia (GEOMAC). E-mail: njcesar@bol.com.br.

1
A reestruturação da economia brasileira nos anos 1930, com advento da indústria
como “carro chefe”, passando de um país agrário-exportador para urbano-industrial, provo-
cou inúmeras modificações nas cidades brasileiras e na configuração do Território Nacional.
A Região Metropolitana do Cariri (RMC) no Estado do Ceará, resultado do aglo-
merado urbano conhecido como triângulo CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha)
se caracteriza como um espaço de características econômicas, sociais e políticas do novo
modelo produtivo (pós-fordismo). Assim, elegeu-a para o presente estudo por ser o espaço
que mais tem recebido investimentos depois da capital Fortaleza, dando novos contornos
no que se refere à atração de capitais para o desenvolvimento do Estado e engendrando
uma nova dinâmica urbana no território cearense.
Para a realização do presente trabalho, foi usada a metodologia pautada em pesquisa
bibliográfica, documental e estudos de campo. A revisão de literatura sobre a temática abor-
dada foi realizada na tentativa de fazer uma articulação dos estudos sobre reestruturação
do espaço urbano com a realidade empírica escolhida. A falta de pesquisas e referenciais
empíricos sobre a realidade urbana da Região Metropolitana do Cariri diante do tema in-
vestigado instigou os autores a refletirem sobre como os processos econômicos, sociais e
políticos das duas últimas décadas engendraram mudanças na dinâmica e na organização
do espaço urbano caririense, denotando a criação da RMC.

A reestruturação urbana: algumas notas sobre um debate atual


As mutações em escala global do capitalismo contemporâneo têm sido evidencia-
das de forma impactante na estrutura e na organização econômica, política e cultural da
sociedade mundial nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 1970. No Brasil essas
transformações ficaram mais notórias a partir dos anos 1980 e 1990.
Novas formas e processo espaciais surgiram nesse período, o qual produziu, de
forma acelerada, uma urbanização que se revela pela dialética construção/destruição/
reconstrução, pela degradação do ambiente construído, pela segregação e exclusão sócio-
espacial. Esses processos sócio-espaciais intrínsecos ao capitalismo interferem decisiva-
mente nas práticas espaciais cotidianas vivenciadas pelos atores sociais. Nessa direção,
os espaços criados pela expansão do sistema capitalista são articulados cada vez mais ao
mercado global inserindo, mais do que nunca, as cidades à lógica do capital financeiro global.
As práticas sócio-espaciais que emergiram da crise do capital na década de 1970
podem ser enfocadas de vários ângulos, porém, do ponto de vista da reestruturação do
espaço urbano, a análise abre vias de entendimento sobre a dinâmica urbana que emana
da inserção de uma nova fase do sistema produtivo global, com sua efetiva realização no
plano do lugar.
Na perspectiva de Soja (1993), a reestruturação é conceituada em sentido amplo,
referente às várias dimensões sociais. Assim, segundo o autor:

2
A reestruturação em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma “freada”, se não de
uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção a uma ordem e uma
configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois,
uma combinação seqüencial de desmoronamento e reconstrução, de desconstrução e ten-
tativa de reconstituição, proveniente de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas
de pensamento e ação aceitos (...) pode-se descrever essa freada-e-mudança como uma re-
estruturação temporal-espacial das práticas sociais, do mundano para o mondiale [mundial]
(SOJA, 1993, p, 193).

A reestruturação caracteriza-se, dessa maneira, por mudanças que remetem às


dimensões políticas, econômicas e culturais, implicando transformações nas estruturas
espaços-temporais da sociedade. O espaço não é, assim, considerado como um receptá-
culo, reflexo, mas sim como condição, meio e produto da reprodução da sociedade e da
realização da vida social (CARLOS, 2008).
Em escala de análise mais estrita, Spósito (2004, 2007) e Villaça (2009) discutem a
aplicabilidade do conceito de reestruturação na escala do espaço intra-urbano e interurbano.
Spósito (2007) estabelece uma diferença conceitual da operacionalidade da reestruturação
em duas escalas, levando em conta os processos e dinâmicas vigentes no espaço urbano.
Para ela, o termo que designa as alterações espaciais urbanas a nível intra-urbano é a re-
estruturação da cidade, enquanto que, por outro lado, o termo que designa modificações
em escala regional é a reestruturação urbana, levando em consideração a rede urbana na
qual uma ou várias cidades estão inseridas e que podem participar, através dos fluxos e das
informações, de outras redes de cidades mais longínquas.
Percebe-se, assim, que as duas escalas de análise são contraditórias e complemen-
tares e interagem dialeticamente, isto é, os processos que ocorrem no espaço intra-urbano
modificam a paisagem urbana e a estrutura espacial tanto na escala da cidade como na escala
da região. Nesse sentido, “essa distinção conceitual tem a intenção, apenas, de destacar o
que se torna como prevalente, em cada momento da análise, porque não há reestruturação
urbana sem reestruturação da cidade e vice-versa” (SPÓSITO, 2004, p. 312).
Para Villaça (2009), grande parte dos estudos feitos até então sobre a temática da
reestruturação urbana apresentam erros de ordem conceitual. Para o autor, o equívoco
mais comum encontrado nos estudos é a aplicação e denominação de alguns processos
urbanos de estruturação (ou reestruturação) urbana e regional. Segundo ele, o termo es-
truturação (ou reestruturação) urbana deve ser guardado para a análise intra-urbana, o que
na maioria das vezes não acontece, pois a reestruturação urbana é sempre levada a nível
regional. Assim, para ele, o termo “urbano” refere-se à escala da cidade, enquanto o termo
“regional” à da escala da região ou rede urbana. Para o autor, o intra-urbano (cidade) e o
interurbano (regional e /ou rede urbana) acabam se confundindo, onde as especificidades
dos mesmos não são levadas em conta na análise.

3
Destarte, o que os autores citados acima advertem é da necessidade de definição
da escala nos estudos urbanos e de suas especificidades, pois a delimitação da escala na
investigação ajuda na compreensão das dinâmicas que ocorrem no espaço urbano.

A região do Cariri no contexto cearense: breve apresentação

A definição do espaço regional caririense é um problema. Existem várias definições


feitas por diferentes órgãos baseados em características diferentes. Podemos citar a regiona-
lização feita pelo IBGE em 20003, onde o Cariri é uma micro-região que conta com 8 muni-
cípios; já para o IPLANCE em regionalização de 1997, o Cariri possui 28 municípios; para o
Banco do Nordeste em regionalização feita no ano de 1999, são 33 municípios que compõem
a região (MENEZES, 2005).
Na história do Ceará, o Cariri sempre teve um papel de destaque frente às outras
regiões do Estado nas várias instâncias sociais, sejam elas política, religiosa, econômica,
ideológica. As cidades caririense, sobretudo o Crato no século XVIII, que tinha como
funções básicas a atividade agrícola, a administrativa e a industrial, mantinham relações
econômicas mais intensas com Recife do que com Fortaleza. Juazeiro do Norte, hoje prin-
cipal cidade da região, só entrou na cena econômica e política cearense no início do século
XX, depois de sua fundação em 1911.
Algumas características que historicamente dão importância ao Cariri no cenário
do Estado do Ceará podem ser destacadas:

Este Cariri aderiu à ‘revolução’ pernambucana de 1817, que defendia os ideais de Inde-
pendência do Brasil como regime democrático (...) Foi núcleo do movimento republicano
da Confederação do Equador em 1824; promoveu a deposição do governador Franco Rabelo
(sedição de Juazeiro ou a chamada Guerra de 1914); tornou-se centro de disputas políticas
da estirpe dos ‘coronéis’ do período dos engenhos rapadureiros; é possuidor da ‘Meca do
Nordeste’ com as romarias ao Juazeiro do Padre Cícero [Juazeiro do Norte]. É, ainda, deten-
tor na maior jazida fossilífera do cretáceo do Brasil, mundialmente conhecida, com acervo
sistematizado e classificado no Museu de Paleontologia de Santana do Cariri. Possui, também,
a primeira Floresta Nacional do Brasil, (1946), a FLONA – Floresta Nacional do Araripe, que
se tornou ponto de convergência de botânicos e estudiosos da Mata Atlântica, da caatinga e
do cerrado (MENEZES, 2005, p. 341).

Essas características e eventos despontaram o Cariri como uma região fundamental


do/no Estado. A sua importância é tamanha que em 2009 foi retomada uma discussão sobre
uma possível criação de um Estado do Cariri, com Juazeiro do Norte sendo a Capital. Essa
discussão existiu há 170 anos, com uma proposta enviada pelo ex-senador Martiniano de
Alencar, levando um projeto para a criação do Estado do Cariri ao Senado do Império, que

3. Essa regionalização é a que pensamos ser a mais propícia para a nossa investigação.

4
não foi aceita (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2009). Percebe-se, destarte, a influência e a
importância da região no contexto estadual.

Reestruturação espacial e a nova dinâmica urbana no ceará: a Região


Metropolitana do Cariri
No atual momento histórico, compreendendo-o desde o final da década de 1980, o
Brasil vem passando por mudanças que atingem a indústria, a política e a cultura, resultado
da crise do modelo de produção fordista que acarretou novas formas de organização da
produção em escala global. Essa crise atingiu os países capitalistas, tanto os “centrais” como
os “periféricos”, acarretando transformações bruscas na esfera da produção, da circulação e
do consumo dos produtos. Com efeito, essas mudanças implicaram uma nova organização
do espaço mundial e, nesse sentido, com o espaço cearense não foi diferente.
No Ceará, o período do “Governo das Mudanças” (1986-1994), com a eleição de
Tasso Jereissati para governador do Ceará em 1986, rompeu com o “paradigma gover-
namental” precedente, caracterizado pelo coronelismo. A política de industrialização da
SUDENE, com a urbanização e o incremento de meios de comunicação, junto com a aber-
tura de estradas foi fundamental para essa substituição. Essa mudança na esfera política
cearense, com a ascensão do grupo de empresários liderados por Tasso Jereissati, trouxe
para o Ceará novas formas de fazer política e um novo modelo de gestão e de desenvolvi-
mento (GONDIM, 2000).
No que concerne ao Cariri, essa mudança na esfera política ocasionou alterações
na estrutura social, sobretudo no setor industrial. Sob o “Governo das Mudanças”, vários
programas e instituições foram criados para atrair empresas de médio e grande porte para
a região. As prefeituras municipais das cidades, sobretudo, do triângulo CRAJUBAR,
foram fundamentais para a atração dos novos investimentos, sobretudo, do setor privado.
Participação importante também nesse processo têm desempenhado as prefeituras munici-
pais de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Isto se deve ao fato da criação de Secretarias de
Desenvolvimento Econômico, Comércio e Indústria na gestão que compreende o período de
2004 - 2008. A estas cabe o papel de coordenar o processo de atração e instalação de unidades
industriais. Para tanto, as prefeituras negociam os terrenos, disponibilizam infraestrutura e
autorizam isenções de impostos como forma de incentivos. A Prefeitura de Juazeiro do Norte
mostra-se como uma das maiores interessadas em reativar o Distrito Industrial do Cariri,
investindo em uma significativa infraestrutura como, por exemplo, a construção do Anel
Viário que ligará os três municípios cruzando o Distrito (BESERRA, 2009, p. 94).

A (re)industrialização4 (se é que podemos chamar assim) a partir do governo de Tasso


Jereissati pode ser considerada como o motor que engendrou a reestruturação do território

4. Segundo Quintiliano (2007), o governo coronelista nas décadas de 1950 e 1960 promoveu uma industrialização
no Estado do Ceará através de investimentos públicos e privados e a da criação de secretarias de Agricultura,
Indústria e Comércio.

5
cearense, promovendo a atração de capitais nacionais e internacionais e redefinindo a rede
urbana do Estado. Nesse processo, algumas cidades e regiões passaram a ser privilegiadas
com investimentos de médio e grande porte em todos os setores (saúde, trabalho, educação,
indústria etc.), enquanto outras ficaram esquecidas.
Esse processo originou uma grande desigualdade em níveis regionais. A capital For-
taleza passou a crescer demasiadamente rápido, enquanto as outras regiões cresciam a uma
velocidade lenta5. Com o intuito de reorganizar o território cearense e promover o desenvolvi-
mento regional, o governo do Estado do Ceará criou a Região Metropolitana do Cariri (RMC)6
através da Lei Complementar Estadual nº. 78, sancionada em 29 de Junho de 20097, a segunda
região metropolitana do Estado. Tal iniciativa visa, por parte do governo, a reorganização do
território cearense numa perspectiva de desafogar a capital Fortaleza e diminuir as disparidades
econômicas, sociais e políticas entre o interior e a capital.

Figura 01: Localização da Região Metropolitana do Cariri8 (RMC)

Fonte: Secretaria das Cidades, Governo do Estado do Ceará

5. Sobre as disparidades entre Fortaleza e as cidades do interior do Ceará, ver Silva (2007).
6. Com o projeto Cidades do Ceará, o Governo do Estado, no mandato de Cid Gomes (2006), elaborou estratégias
para promoção do desenvolvimento regional. Foram eleitas como pólos de desenvolvimento o Cariri (polarizada
pelo triângulo CRAJUBAR), A Região Norte (polarizada por Sobral), o Sertão Central (com Iguatú e Icó) e o vale
do Jaguaribe (com Limoeiro do Norte, Morada Nova e Russas). A Região Metropolitana do Cariri foi concretizada
a partir desse projeto.
7. O primeiro projeto para a criação de uma região metropolitana no cariri cearense foi feito em 2004, pela depu-
tada estadual Íris Tavares. Foi chamada de Região Cícero Metropolitana do Cariri Cearense em homenagem ao
Padre Cícero Romão Batista, e compreendia 5 municípios – Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Caririaçú, Missão
Velha.
8. As mesmas cidades que formam o Cariri Central são as da Região Metropolitana do Cariri.

6
Formada por nove municípios (Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha,
Jardim, Nova Olinda, Santana do Cariri, Farias Brito e Caririaçu) e tendo como “carro
chefe” o aglomerado urbano do triângulo CRAJUBAR, a criação da região metropolitana
é um marco no sistema urbano estadual, o qual tenta promover, a partir da RMC, um de-
senvolvimento social, econômico, político e cultural nas cidades do interior.
De fato, mesmo o Cariri sendo uma região integrada, onde as cidades mantêm uma
relação bastante intensa, sobretudo pela proximidade (material e imaterial) entre elas, exis-
te ainda certo desequilíbrio regional. As maiorias das cidades da RMC e mesmo fora dela
dependem substancialmente do triângulo CRAJUBAR, sobretudo, da cidade de Juazeiro do
Norte, que tem a maior oferta de serviços, tida como a principal cidade do Estado depois de
Fortaleza (SILVA, 2007). Influenciando 34 outras cidades entre o sul do Ceará, Paraíba e
Pernambuco (IBGE, 2007), a cidade de Juazeiro do Norte9 polariza as principais atividades
educacionais, industriais, religiosas, políticas, financeiras do Sul do Estado, ficando notória
essa polarização quando acompanhamos a evolução da população e a taxa de urbanização da
RMC, conforme se apresenta abaixo.

Evolução da população e taxa de urbanização das cidades da Região Metropolitana


do Cariri – RMC, 1991-2009
Município 1991 2000 2009
População T.U* (%) População T.U População T.U
Barbalha 38.430 63,24 47.031 65,21 53.011 -
Caririaçu 21.318 33,87 25.733 41,26 27.380 -
Crato 90.519 77,64 104.646 80,19 116.759 -
Farias Brito 17.625 38,98 20.315 42,95 19.605 -
Jardim 23.964 21,79 26.414 27,86 26.578 -
Juazeiro do Norte 173.566 95,02 212.133 95,33 249.829 -
Missão Velha 29.228 37,44 29.228 39,23 35.135 -
Nova Olinda 11.354 42,29 12.077 52,94 13.659 -
Santana do Cariri 15.403 37,01 16.847 48,54 18.369 -
TOTAL 421.407 - 494.424 - 560.325 -
Fonte: IBGE/ IPECE, 2009.
Org. Cláudio Smalley
*T.U = Taxa de Urbanização

Assim, percebe-se que os processos encadeados pela nova política de desenvolvi-


mento implantada com a mudança de paradigma na espera política engendrou transfor-

9. Não se pode deixar de mencionar que a cidade de Juazeiro do Norte é a única da região que possui um Aero-
porto, realizando vôos em escala nacional, o qual tem fundamental importância no papel de polarização que a
cidade exerce.

7
mações sociais, como, também, na estrutura espacial urbana das cidades e na rede urbana
do estadual.
As cidades, sobretudo as do interior, assumiram novos papéis frente ao novo modelo
de desenvolvimento, recebendo infraestrutura necessária e apoio financeiro para atrair novas
indústrias, aumentando o PIB, a oferta de trabalho e modificando a morfologia urbana.
Em escala nacional, as políticas econômicas e sociais que vem mudando a face do
Brasil nas últimas décadas do século XX transformaram a rede urbana brasileira.
Nesse sentido, a partir da década de 1980 e 1990, o espaço urbanizado do país ficou
caracterizado por transformações estruturais e funcionais. O processo de interiorização da
urbanização, antes caracterizado apenas nos espaços metropolitanos das grandes capitais,
migrou para as regiões interioranas, modificando os aspectos físicos e sociais dessas cidades,
provocado pelo que Santos (1994) chama de “involução da metrópole” e o que Davidovich
(1995) denomina de “contra-urbanização”.
Graças a esse processo, as cidades começaram a se reestruturar econômica, social e
politicamente, assumindo novas funcionalidades dentro de uma rede urbana determinada.
Assim sendo, “essa reestruturação urbana traduz as recentes transformações do capitalis-
mo em âmbito internacional, com mudanças no cenário urbano mundial, em especial nas
grandes concentrações metropolitanas” (BAENINGER, 1998, p. 12).
O processo de reestruturação urbana é resultado da reestruturação do capital em nível
internacional, caracterizado pela substituição de um modelo de produção rígido (fordismo),
por um modelo de acumulação flexível10 (pós-fordismo). A configuração espacial mudou e
novas formas e processos urbanos apareceram como demarcadores de um novo período da
história da urbanização. Dessa forma, acreditamos que:

A emergência do processo de reestruturação produtiva em âmbito internacional tem con-


tribuído, em nível nacional, regional e local, para a configuração de espaços urbanos selecio-
nados. Tais espaços têm apresentado transformações significativas em termos econômicos,
políticos e sociais em um esforço de inserção nessa dinâmica global. Modificaram-se as
formas e os processos urbanos até então vigentes nas cidades; intensificou-se a velocidade
das transformações tecnológicas; as cidades pequenas e de porte médio passaram a consti-
tuir uma importante fatia do dinamismo regional; mudaram a direção e o sentido dos fluxos
migratórios nacionais e internacionais. (BAENINGER, 1998, p. 12)

Percebe-se, então, que a reestruturação do espaço caririense vem acontecendo há


alguns anos, sobretudo depois da entrada do “governo das mudanças” no fim da década
de 1980. A criação da RMC não significa necessariamente a reestruturação do espaço, mas
sim o resultado das transformações espaciais acumuladas ao longo de vinte anos.
A escolha da referida região como foco principal para investimentos não se deu
por acaso. A história da região no contexto estadual, com o rápido crescimento urbano

10. Sobre a acumulação flexível ver HARVEY (2008).

8
da cidade de Juazeiro do Norte, acoplado com as tradições festivas e culturais de Crato e
Barbalha, configurava um novo espaço. Isso chamou a atenção do capital público e priva-
do, os quais as enxergaram como um lugar atrativo e de futuro promissor dentro dos seus
interesses. Nessa condição, o Cariri foi escolhido estrategicamente para por em prática a
ideologia (neo)desenvolvimentista do governo estatal.
A política de desenvolvimento regional implantada trouxe grandes transformações
na estrutura espacial das cidades da RMC e na paisagem urbana. Novos elementos espaciais
passaram a fazer parte do cotidiano urbano dos citadinos, dando um ar de modernização
e de “capital” no interior.
A reestruturação do espaço urbano se dá, dessa forma, a partir de uma política de
desconcentração da urbanização, redistribuindo espacialmente a população e desenvolvendo
as capacidades administrativas, econômicas, financeiras, sociais e políticas das cidades se-
cundárias, isto é, do interior (SHACHAR, 2002). Assim, o Cariri vive o processo de metro-
polização11, resultado da política de desconcentração-concentrada12 do atual governo estadual.
A aparição e surgimento de serviços modernos, instituições públicas e privadas
em vários setores da economia, da educação, comércio dentre outros, enquadram a RMC
no que Santos (2008) chamou de “pontos luminosos”, espaços que atraem inúmeros inves-
timentos voltados para atender aos interesses do capital.
Dentre os principais investimentos feitos nos últimos anos na região do Cariri que
denotam uma reestruturação destacam-se a construção do Cariri Shopping em Juazeiro do
Norte no ano 1997, que será reformado e duplicado o seu tamanho, com um investimento
de R$ 50 milhões; o Atacadão, filial do grupo francês Carrefour; a CEASA em Barbalha, para
o armazenamento de frutas. Podemos ainda citar obras que estão sendo finalizadas como o
Hospital Regional do Cariri (HRC) em Juazeiro do Norte, que atenderá a uma demanda de
1.366.709 pessoas de toda a região, o Centro de Convenções do Cariri na cidade do Crato,
o campus da Universidade Federal do Ceará (UFC Cariri) e os Centros de Especialidades
Odontológicas. Estão, ainda, em fase de construção outros equipamentos urbanos, sendo
eles dois novos Shoppings Centers em Juazeiro do Norte, o primeiro será o Shopping Ju-
azeiro, com um investimento de R$ 50 milhões e o segundo o Shopping Juazeiro Open
Mall, com um investimento de R$ 30 milhões. O aumento significativo de condomínios
fechados e apartamentos também entra no rol dos grandes investimentos feitos na região,
produzindo um novo espaço urbano, sobretudo em Juazeiro do Norte, com o processo de
verticalização e horizontalização.

11. Acreditamos que a RMC ainda não se constitui enquanto metrópole, pois o fato de ser criada uma região
metropolitana não significa dizer que existe uma metrópole. Nesse caso, existem vários interesses por trás da cria-
ção da RMC. Assim, pensamos que o processo de metropolização se enquadra melhor no objeto de estudo, pois
“o termo ‘metropolização’ desvela o processo de constituição da metrópole, hoje, um processo que contempla a
extensão da constituição da sociedade urbana traduzida enquanto prática sócio-espacial” (CARLOS, 2003, p. 78).
12. Na medida que o governo tenta desconcentrar as atividades da capital Fortaleza, ele concentra em outros
lugares, no caso a RMC.

9
Considerações finais
O Cariri cresceu substancialmente nos últimos anos e a tendência é crescer mais
ainda. Com a criação da RMC, onde pretendem ser investidos R$ 65 milhões pelo Governo
do Estado em parceria com o Banco Mundial, a produção do espaço vai se dá com mais
intensidade e mais vigor.
Nesse sentido, algumas indagações são necessárias para uma reflexão crítica a
respeito da realidade urbana atual da RMC para que se possa pensar o futuro. Assim, qual
é o papel das cidades no que se refere ao planejamento urbano? Os problemas ambientais
estão sendo debatidos pelas municipalidades de forma integrada e junto à sociedade? Como
está a distribuição de renda e o emprego? A qualidade de vida melhorou ou não? A aces-
sibilidade aos serviços públicos, às áreas de lazer e diversão ampliou-se para a população?
O saneamento básico e a questão hídrica estão sendo discutidos?
Portanto, há a necessidade de pensar numa reestruturação do espaço cearense
que procure diminuir asa desigualdades, rompendo as estruturas de poder dominante
que concentram o capital e indo em direção de outra globalização como propôs Santos
(2000), com uma participação social crítica sobre a reestruturação do espaço caririense e
suas implicações na vida cotidiana.

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Figura 01: Localização da Região Metropolitana do Cariri1 (RMC)

Fonte: Secretaria das Cidades, Governo do Estado do Ceará

1. As mesmas cidades que formam o Cariri Central são as da Região Metropolitana do Cariri.

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