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Introdução
A análise do fenômeno urbano vem a algumas décadas dando especial atenção às
mudanças na estrutura e aos aspectos funcionais que as cidades contemporâneas assumiram
a partir da década de 1970 em todo o mundo. A crise do modelo fordista de acumulação
e a passagem para um modelo de acumulação flexível ocasionou grandes transformações
nas diversas dimensões da sociedade (política, econômica, social e cultural).
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A reestruturação da economia brasileira nos anos 1930, com advento da indústria
como “carro chefe”, passando de um país agrário-exportador para urbano-industrial, provo-
cou inúmeras modificações nas cidades brasileiras e na configuração do Território Nacional.
A Região Metropolitana do Cariri (RMC) no Estado do Ceará, resultado do aglo-
merado urbano conhecido como triângulo CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha)
se caracteriza como um espaço de características econômicas, sociais e políticas do novo
modelo produtivo (pós-fordismo). Assim, elegeu-a para o presente estudo por ser o espaço
que mais tem recebido investimentos depois da capital Fortaleza, dando novos contornos
no que se refere à atração de capitais para o desenvolvimento do Estado e engendrando
uma nova dinâmica urbana no território cearense.
Para a realização do presente trabalho, foi usada a metodologia pautada em pesquisa
bibliográfica, documental e estudos de campo. A revisão de literatura sobre a temática abor-
dada foi realizada na tentativa de fazer uma articulação dos estudos sobre reestruturação
do espaço urbano com a realidade empírica escolhida. A falta de pesquisas e referenciais
empíricos sobre a realidade urbana da Região Metropolitana do Cariri diante do tema in-
vestigado instigou os autores a refletirem sobre como os processos econômicos, sociais e
políticos das duas últimas décadas engendraram mudanças na dinâmica e na organização
do espaço urbano caririense, denotando a criação da RMC.
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A reestruturação em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma “freada”, se não de
uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção a uma ordem e uma
configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois,
uma combinação seqüencial de desmoronamento e reconstrução, de desconstrução e ten-
tativa de reconstituição, proveniente de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas
de pensamento e ação aceitos (...) pode-se descrever essa freada-e-mudança como uma re-
estruturação temporal-espacial das práticas sociais, do mundano para o mondiale [mundial]
(SOJA, 1993, p, 193).
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Destarte, o que os autores citados acima advertem é da necessidade de definição
da escala nos estudos urbanos e de suas especificidades, pois a delimitação da escala na
investigação ajuda na compreensão das dinâmicas que ocorrem no espaço urbano.
Este Cariri aderiu à ‘revolução’ pernambucana de 1817, que defendia os ideais de Inde-
pendência do Brasil como regime democrático (...) Foi núcleo do movimento republicano
da Confederação do Equador em 1824; promoveu a deposição do governador Franco Rabelo
(sedição de Juazeiro ou a chamada Guerra de 1914); tornou-se centro de disputas políticas
da estirpe dos ‘coronéis’ do período dos engenhos rapadureiros; é possuidor da ‘Meca do
Nordeste’ com as romarias ao Juazeiro do Padre Cícero [Juazeiro do Norte]. É, ainda, deten-
tor na maior jazida fossilífera do cretáceo do Brasil, mundialmente conhecida, com acervo
sistematizado e classificado no Museu de Paleontologia de Santana do Cariri. Possui, também,
a primeira Floresta Nacional do Brasil, (1946), a FLONA – Floresta Nacional do Araripe, que
se tornou ponto de convergência de botânicos e estudiosos da Mata Atlântica, da caatinga e
do cerrado (MENEZES, 2005, p. 341).
3. Essa regionalização é a que pensamos ser a mais propícia para a nossa investigação.
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não foi aceita (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2009). Percebe-se, destarte, a influência e a
importância da região no contexto estadual.
4. Segundo Quintiliano (2007), o governo coronelista nas décadas de 1950 e 1960 promoveu uma industrialização
no Estado do Ceará através de investimentos públicos e privados e a da criação de secretarias de Agricultura,
Indústria e Comércio.
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cearense, promovendo a atração de capitais nacionais e internacionais e redefinindo a rede
urbana do Estado. Nesse processo, algumas cidades e regiões passaram a ser privilegiadas
com investimentos de médio e grande porte em todos os setores (saúde, trabalho, educação,
indústria etc.), enquanto outras ficaram esquecidas.
Esse processo originou uma grande desigualdade em níveis regionais. A capital For-
taleza passou a crescer demasiadamente rápido, enquanto as outras regiões cresciam a uma
velocidade lenta5. Com o intuito de reorganizar o território cearense e promover o desenvolvi-
mento regional, o governo do Estado do Ceará criou a Região Metropolitana do Cariri (RMC)6
através da Lei Complementar Estadual nº. 78, sancionada em 29 de Junho de 20097, a segunda
região metropolitana do Estado. Tal iniciativa visa, por parte do governo, a reorganização do
território cearense numa perspectiva de desafogar a capital Fortaleza e diminuir as disparidades
econômicas, sociais e políticas entre o interior e a capital.
5. Sobre as disparidades entre Fortaleza e as cidades do interior do Ceará, ver Silva (2007).
6. Com o projeto Cidades do Ceará, o Governo do Estado, no mandato de Cid Gomes (2006), elaborou estratégias
para promoção do desenvolvimento regional. Foram eleitas como pólos de desenvolvimento o Cariri (polarizada
pelo triângulo CRAJUBAR), A Região Norte (polarizada por Sobral), o Sertão Central (com Iguatú e Icó) e o vale
do Jaguaribe (com Limoeiro do Norte, Morada Nova e Russas). A Região Metropolitana do Cariri foi concretizada
a partir desse projeto.
7. O primeiro projeto para a criação de uma região metropolitana no cariri cearense foi feito em 2004, pela depu-
tada estadual Íris Tavares. Foi chamada de Região Cícero Metropolitana do Cariri Cearense em homenagem ao
Padre Cícero Romão Batista, e compreendia 5 municípios – Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Caririaçú, Missão
Velha.
8. As mesmas cidades que formam o Cariri Central são as da Região Metropolitana do Cariri.
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Formada por nove municípios (Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha,
Jardim, Nova Olinda, Santana do Cariri, Farias Brito e Caririaçu) e tendo como “carro
chefe” o aglomerado urbano do triângulo CRAJUBAR, a criação da região metropolitana
é um marco no sistema urbano estadual, o qual tenta promover, a partir da RMC, um de-
senvolvimento social, econômico, político e cultural nas cidades do interior.
De fato, mesmo o Cariri sendo uma região integrada, onde as cidades mantêm uma
relação bastante intensa, sobretudo pela proximidade (material e imaterial) entre elas, exis-
te ainda certo desequilíbrio regional. As maiorias das cidades da RMC e mesmo fora dela
dependem substancialmente do triângulo CRAJUBAR, sobretudo, da cidade de Juazeiro do
Norte, que tem a maior oferta de serviços, tida como a principal cidade do Estado depois de
Fortaleza (SILVA, 2007). Influenciando 34 outras cidades entre o sul do Ceará, Paraíba e
Pernambuco (IBGE, 2007), a cidade de Juazeiro do Norte9 polariza as principais atividades
educacionais, industriais, religiosas, políticas, financeiras do Sul do Estado, ficando notória
essa polarização quando acompanhamos a evolução da população e a taxa de urbanização da
RMC, conforme se apresenta abaixo.
9. Não se pode deixar de mencionar que a cidade de Juazeiro do Norte é a única da região que possui um Aero-
porto, realizando vôos em escala nacional, o qual tem fundamental importância no papel de polarização que a
cidade exerce.
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mações sociais, como, também, na estrutura espacial urbana das cidades e na rede urbana
do estadual.
As cidades, sobretudo as do interior, assumiram novos papéis frente ao novo modelo
de desenvolvimento, recebendo infraestrutura necessária e apoio financeiro para atrair novas
indústrias, aumentando o PIB, a oferta de trabalho e modificando a morfologia urbana.
Em escala nacional, as políticas econômicas e sociais que vem mudando a face do
Brasil nas últimas décadas do século XX transformaram a rede urbana brasileira.
Nesse sentido, a partir da década de 1980 e 1990, o espaço urbanizado do país ficou
caracterizado por transformações estruturais e funcionais. O processo de interiorização da
urbanização, antes caracterizado apenas nos espaços metropolitanos das grandes capitais,
migrou para as regiões interioranas, modificando os aspectos físicos e sociais dessas cidades,
provocado pelo que Santos (1994) chama de “involução da metrópole” e o que Davidovich
(1995) denomina de “contra-urbanização”.
Graças a esse processo, as cidades começaram a se reestruturar econômica, social e
politicamente, assumindo novas funcionalidades dentro de uma rede urbana determinada.
Assim sendo, “essa reestruturação urbana traduz as recentes transformações do capitalis-
mo em âmbito internacional, com mudanças no cenário urbano mundial, em especial nas
grandes concentrações metropolitanas” (BAENINGER, 1998, p. 12).
O processo de reestruturação urbana é resultado da reestruturação do capital em nível
internacional, caracterizado pela substituição de um modelo de produção rígido (fordismo),
por um modelo de acumulação flexível10 (pós-fordismo). A configuração espacial mudou e
novas formas e processos urbanos apareceram como demarcadores de um novo período da
história da urbanização. Dessa forma, acreditamos que:
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da cidade de Juazeiro do Norte, acoplado com as tradições festivas e culturais de Crato e
Barbalha, configurava um novo espaço. Isso chamou a atenção do capital público e priva-
do, os quais as enxergaram como um lugar atrativo e de futuro promissor dentro dos seus
interesses. Nessa condição, o Cariri foi escolhido estrategicamente para por em prática a
ideologia (neo)desenvolvimentista do governo estatal.
A política de desenvolvimento regional implantada trouxe grandes transformações
na estrutura espacial das cidades da RMC e na paisagem urbana. Novos elementos espaciais
passaram a fazer parte do cotidiano urbano dos citadinos, dando um ar de modernização
e de “capital” no interior.
A reestruturação do espaço urbano se dá, dessa forma, a partir de uma política de
desconcentração da urbanização, redistribuindo espacialmente a população e desenvolvendo
as capacidades administrativas, econômicas, financeiras, sociais e políticas das cidades se-
cundárias, isto é, do interior (SHACHAR, 2002). Assim, o Cariri vive o processo de metro-
polização11, resultado da política de desconcentração-concentrada12 do atual governo estadual.
A aparição e surgimento de serviços modernos, instituições públicas e privadas
em vários setores da economia, da educação, comércio dentre outros, enquadram a RMC
no que Santos (2008) chamou de “pontos luminosos”, espaços que atraem inúmeros inves-
timentos voltados para atender aos interesses do capital.
Dentre os principais investimentos feitos nos últimos anos na região do Cariri que
denotam uma reestruturação destacam-se a construção do Cariri Shopping em Juazeiro do
Norte no ano 1997, que será reformado e duplicado o seu tamanho, com um investimento
de R$ 50 milhões; o Atacadão, filial do grupo francês Carrefour; a CEASA em Barbalha, para
o armazenamento de frutas. Podemos ainda citar obras que estão sendo finalizadas como o
Hospital Regional do Cariri (HRC) em Juazeiro do Norte, que atenderá a uma demanda de
1.366.709 pessoas de toda a região, o Centro de Convenções do Cariri na cidade do Crato,
o campus da Universidade Federal do Ceará (UFC Cariri) e os Centros de Especialidades
Odontológicas. Estão, ainda, em fase de construção outros equipamentos urbanos, sendo
eles dois novos Shoppings Centers em Juazeiro do Norte, o primeiro será o Shopping Ju-
azeiro, com um investimento de R$ 50 milhões e o segundo o Shopping Juazeiro Open
Mall, com um investimento de R$ 30 milhões. O aumento significativo de condomínios
fechados e apartamentos também entra no rol dos grandes investimentos feitos na região,
produzindo um novo espaço urbano, sobretudo em Juazeiro do Norte, com o processo de
verticalização e horizontalização.
11. Acreditamos que a RMC ainda não se constitui enquanto metrópole, pois o fato de ser criada uma região
metropolitana não significa dizer que existe uma metrópole. Nesse caso, existem vários interesses por trás da cria-
ção da RMC. Assim, pensamos que o processo de metropolização se enquadra melhor no objeto de estudo, pois
“o termo ‘metropolização’ desvela o processo de constituição da metrópole, hoje, um processo que contempla a
extensão da constituição da sociedade urbana traduzida enquanto prática sócio-espacial” (CARLOS, 2003, p. 78).
12. Na medida que o governo tenta desconcentrar as atividades da capital Fortaleza, ele concentra em outros
lugares, no caso a RMC.
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Considerações finais
O Cariri cresceu substancialmente nos últimos anos e a tendência é crescer mais
ainda. Com a criação da RMC, onde pretendem ser investidos R$ 65 milhões pelo Governo
do Estado em parceria com o Banco Mundial, a produção do espaço vai se dá com mais
intensidade e mais vigor.
Nesse sentido, algumas indagações são necessárias para uma reflexão crítica a
respeito da realidade urbana atual da RMC para que se possa pensar o futuro. Assim, qual
é o papel das cidades no que se refere ao planejamento urbano? Os problemas ambientais
estão sendo debatidos pelas municipalidades de forma integrada e junto à sociedade? Como
está a distribuição de renda e o emprego? A qualidade de vida melhorou ou não? A aces-
sibilidade aos serviços públicos, às áreas de lazer e diversão ampliou-se para a população?
O saneamento básico e a questão hídrica estão sendo discutidos?
Portanto, há a necessidade de pensar numa reestruturação do espaço cearense
que procure diminuir asa desigualdades, rompendo as estruturas de poder dominante
que concentram o capital e indo em direção de outra globalização como propôs Santos
(2000), com uma participação social crítica sobre a reestruturação do espaço caririense e
suas implicações na vida cotidiana.
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Figura 01: Localização da Região Metropolitana do Cariri1 (RMC)
1. As mesmas cidades que formam o Cariri Central são as da Região Metropolitana do Cariri.